Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP00039069 | ||
| Relator: | ABÍLIO COSTA | ||
| Descritores: | COMPETÊNCIA MATERIAL PROVIDÊNCIA CAUTELAR RATIFICAÇÃO EMBARGO DE OBRA NOVA MUNICÍPIO | ||
| Nº do Documento: | RP200604030650818 | ||
| Data do Acordão: | 04/03/2006 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | AGRAVO. | ||
| Decisão: | NEGADO PROVIMENTO. | ||
| Indicações Eventuais: | LIVRO 257 - FLS 205. | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | Compete à jurisdição administrativa – art. 4º, nº1, al. g) do ETAF: - o julgamento das questões que tenham por objecto a responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público pelos danos decorrentes da sua actividade de gestão pública; - o julgamento das questões que tenham por objecto a responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público pelos danos decorrentes da sua actividade de gestão privada; - o julgamento das questões relativas à responsabilidade civil extracontratual pelos danos resultantes do exercício da função jurisdicional e legislativa. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação do Porto B………. intentou, em 7-11-05, no Tribunal Judicial de Castro Daire, providência cautelar com vista à ratificação de embargo de obra nova, contra o MUNICÍPIO DE CASTRO DAIRE. Alega que o requerido, com a realização de obras que está a levar a cabo, designadamente o alargamento de passeios, ocupou cerca de 10 m2 do prédio de que é proprietária. Em despacho liminar decidiu-se ser o tribunal comum incompetente, em razão da matéria, para conhecer do pedido, pelo que foi indeferido o procedimento requerido. Inconformada, a requerente interpôs recurso. Concluiu assim: -o recorrido invadiu, através de funcionários seus ou de seu mando, a propriedade da recorrente, nele tendo feito um muro de suporte no passeio que anda a construir junto à estrada; -este acto do recorrido não foi precedido de qualquer deliberação da sua Câmara; -tal actuação violou o direito de propriedade da recorrente, o que constitui crime; -para decidir esta actuação do recorrido o tribunal competente é o comum; -por tal motivo é este o tribunal competente para apreciar o pedido formulado na presente providência cautelar de ratificação de embargo de obra nova; -foi violado o disposto nas disposições legais citadas no despacho recorrido. * Colhidos os vistos, cumpre decidir.* * Questão a decidir: tribunal competente, em razão da matéria, para apreciar a providência requerida.* * Matéria de facto relevante alegada:* -a requerente é dona de um prédio urbano, com 120 m2, sito no Bairro ………., Castro Daire, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº00988/190592; -o requerido anda a fazer obras de melhoramento na vila de Castro Daire, inclusive o alargamento de passeios e o calcetamento dos mesmos; -junto àquele seu prédio, e na parte em que este confina pelo nascente com a Estrada Nacional, o requerido alargou o passeio que se situa de permeio; -tendo entrado naquele prédio da requerente; -nele construiu um muro de betão; -soterrando o muro em pedra que lá existia, de suporte ao anterior; -sem qualquer autorização da requerente; -o que lhe ocupa cerca de 10 m2 daquela sua propriedade. * Nos termos do disposto no art.1º, nº1, do ETAF, aprovado pela Lei nº13/02 de 19/2, “os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os orgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais”. Sobre o conceito de relação jurídica administrativa veja-se, entre outros, Vieira de Andrade in A Justiça Administrativa, 62.* Esta cláusula geral é, em parte, concretizada pela enumeração positiva e negativa constante do art.4º daquele diploma legal. Mas aquela enumeração positiva também atribui, noutra parte, competências, além das referidas naquela cláusula, assim como a enumeração negativa também restringe competências, além das referidas na mesma cláusula- Vieira de Andrade, ob. cit., 117. E dispõe o art.4º, nº1, al. g), da referida Lei nº13/02, na referida enumeração positiva, que compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objecto “questões em que, nos termos da lei, haja lugar a responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público, incluindo a resultante do exercício da função jurisdicional e da função legislativa”. Escreveu-se, a este propósito, in Grandes Linhas da Reforma do Contencioso Administrativo, de Freitas do Amaral e Aroso de Almeida, pág. 34, que “nas propostas de lei que o Governo apresentou à Assembleia da República, foi assumido o propósito de pôr termo a essas dificuldades, consagrando um critério claro e objectivo de delimitação nestes dois domínios. A exemplo do que, como vimos, acabou por suceder em matéria ambiental, o critério em que as propostas se basearam foi o critério objectivo da natureza da entidade demandada: sempre que o litígio envolvesse uma entidade pública, por lhe ser imputável o facto gerador do dano ou por ela ser uma das partes no contrato, esse litígio deveria ser submetido à apreciação dos tribunais administrativos. Propunha-se, assim, que a jurisdição administrativa passasse a ser competente para a apreciação de todas as questões de responsabilidade civil que envolvessem pessoas colectivas de direito público, independentemente da questão de saber se tais questões se regem por um regime de direito público ou por um regime de direito privado...Em defesa desta posição sustentava-se na Exposição de Motivos do ETAF que, se a Constituição faz assentar a definição do âmbito da jurisdição administrativa num critério substantivo, centrado no conceito de “relações jurídicas administrativas e fiscais”, a verdade é que ela “não erige esse critério num dogma” porquanto “não estabelece uma reserva material absoluta”. Por conseguinte, “a existência de um modelo típico e de um núcleo próprio da jurisdição administrativa e fiscal não é incompatível com uma certa liberdade de conformação do legislador, justificada por razões de ordem prática, pelo menos quando estejam em causa domínios de fronteira, tantas vezes de complexa resolução, entre o direito público e o direito privado”...O art.4º do ETAF só veio a consagrar, no essencial, estas propostas no domínio da responsabilidade civil extracontratual. Já não no que toca aos litígios emergentes de relações contratuais...”. E a fls 62 da mesma obra escreveu-se: “pese embora o reconhecimento do princípio de que os tribunais administrativos já podiam, até aqui, conceder providências cautelares não especificadas, recorrendo para o efeito, à aplicação subsidiária do CPC, a verdade é que, na prática, a tutela cautelar no contencioso administrativo português continuou, até hoje, a centrar-se essencialmente no instituto da suspensão da eficácia dos actos administrativos que, como é sabido, padece de evidentes insuficiências...O CPTA, nesta matéria, estabelece, no art.112º, que os tribunais administrativos passam a poder adoptar toda e qualquer providência cautelar, antecipatória ou conservatória, que se mostre adequada a assegurar a utilidade da sentença a proferir num processo principal- com o que se limita, de resto, a dar cumprimento ao que, neste preciso sentido, determina o art.268º da CRP”. Em consonância com este elemento histórico, há o facto de ter desaparecido a referência constante do art.4º, al. f), do antigo ETAF que excluía da jurisdição dos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das “questões de direito privado, ainda que qualquer das partes seja pessoa de direito público”. Ora, conjugando a interpretação literal do art.4º, nº1, al. g), do ETAF, o elemento histórico acima referido, bem como a eliminação da referência acima citada, conclui-se que compete à jurisdição administrativa, nos termos daquela disposição legal: -o julgamento das questões que tenham por objecto a responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público pelos danos decorrentes da sua actividade de gestão pública; -o julgamento das questões que tenham por objecto a responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público pelos danos decorrentes da sua actividade de gestão privada; -o julgamento das questões relativas à responsabilidade civil extracontratual pelos danos resultantes do exercício da função jurisdicional e legislativa. Assim, estando em causa nesta providência uma questão de responsabilidade civil extracontratual imputada ao Município de Castro Daire- alegada realização de obras que lesam o direito de propriedade da requerente- é competente para a apreciação da mesma a jurisdição administrativa, sendo irrelevante a existência, ou não, de deliberação camarária para o efeito. Pelo que é de manter a decisão recorrida. * Acorda-se, em face do exposto, em negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.* Custas pela recorrente. Porto, 3 de Abril de 2006 Abílio Sá Gonçalves Costa António Augusto Pinto dos Santos Carvalho Baltazar Marques Peixoto |