Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0755511
Nº Convencional: JTRP00040800
Relator: MARQUES PEREIRA
Descritores: ALEGAÇÕES
PRAZO
IMPUGNAÇÃO
MATÉRIA DE FACTO
Nº do Documento: RP200711260755511
Data do Acordão: 11/26/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: LIVRO 320 - FLS 48.
Área Temática: .
Sumário: I - Para que em recurso se pretenda beneficiar do alargamento do prazo normal das alegações ter-se-à de impugnar a matéria de facto.
II - Tal intenção não tem de constar do requerimento de recurso, podendo ser feita de forma expressa ou tácita, mas inequívoca, efectuada antes do decurso do prazo regra para alegações.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

No Tribunal Judicial de Matosinhos, B………., Lda, intentou acção sumária contra C………., SA e D………., Lda, pedindo a condenação de:
a)Ambas as Rés a pagar à Autora, solidariamente, a quantia de € 3.761,11, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento;
b)A 1.ª Ré a pagar, ainda, à Autora parte restante da divida, na importância de € 402,33, acrescida de juros, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.
A 1.ª Ré contestou, concluindo pela sua ilegitimidade e, em todo o caso, a improcedência da acção, com a sua absolvição do pedido.
A Autora respondeu, concluindo como na petição inicial.
No saneador, julgou-se improcedente a excepção dilatória da ilegitimidade da 1.ª Ré.
Não se procedeu à selecção da matéria de facto (art. 787, n.º 2, in fine, do CPC).

Realizada a audiência de julgamento, com gravação das provas, foi proferida sentença, em que se julgou a acção parcialmente procedente, condenando-se a 1.ª Ré a pagar à Autora a quantia de € 4.131,31, acrescida de juros, à taxa de 9,83% desde 19.9.2006 até 31.12.2006 e à taxa de 10,58, desde então até integral pagamento; absolvendo-se a 2.ª Ré do pedido.

A 1.ª Ré interpôs recurso de apelação da referida sentença, admitido, por despacho de fls. 97.
A fls. 100, foi, no entanto, proferido despacho, a julgar deserto o recurso, nos termos do art. 690, n.º 3 do CPC, por falta de alegações.
A fls. 103 e ss, a apelante apresentou as suas alegações de recurso, com as seguintes conclusões:
_ DAS INQUIRIÇÕES DAS TESTEMUNHAS E………. (LADO A - 0000 A 1132 DA CASSETE); F………. (LADO A - 1133 A 1494 DA CASSETE) E G………. (LADO A - 1494 A 1700 DA CASSETE) E DOS DOCUMENTOS JUNTOS COM A DOUTA P.I. RESULTOU QUE OS FACTOS DADOS COMO PROVADOS EM 2) QUANTO À ENCOMENDA E FORNECIMENTO E PONTO 3) DEVERIAM SER ALTERADOS - A MERCADORIA FOI ENCOMENDADA E FORNECIDA À 2ª RE D………., LDA. E ESTA RECEBEU, ACEITOU E DESTINOU PARA A SUA INDUSTRIA AQUELA MERCADORIA - NOS TERMOS DO ART. 712°, N.º 1, AL. A) DO CPC.
_ COMPETIA À RE D……….., LDA O PAGAMENTO DA DIVIDA, CASO ASSIM NÃO SE ENTENDA HAVERIA SEMPRE POR PARTE DESTA RE A ASUNÇÃO DA DIVIDA AO EMITIR OS CHEQUES E A RECORRIDA AOS ACEITAR - INCORRECTA APLICAÇÃO DOS ARTIGOS 595°, 767° DO CC.

A fls. 109, foi proferido despacho, na sequência do anterior, a considerar as alegações do recurso de apelação intempestivas.

A fls. 114, a 1.ª Ré veio interpor recurso de agravo do despacho que julgou deserto o recurso de apelação.
Alegando, a fls. 127, concluiu:
Não há necessidade de manifestar a sua intenção de impugnar a matéria de facto da sentença de que recorre, com a reapreciação da prova gravada, no requerimento de interposição de recurso – o Tribunal a quo ao doutamente entender o contrário interpretou incorrectamente os artigos 687 e 698, n.º 6 do CPC.

O Ex. m.º Juiz “a quo” sustentou o despacho recorrido, nos termos que passamos a transcrever:
“(…)
A fls. 93, veio a R. C………., S.A. interpor recurso da sentença proferida nos autos, sem qualquer menção de que pretendia recorrer da matéria de facto.
O recurso foi admitido por despacho notificado ao recorrente por carta enviada em 24/04/2007.
Por despacho proferido a 12/06/2007, foi proferido despacho que julgou deserto, por falta de alegações, o recurso em referência.
É contra esta decisão que se insurge a recorrente invocando que nas alegações de recurso que, entretanto, juntou aos autos, apresentou como um dos fundamentos a impugnação da matéria de facto, pelo que dispunha dos 10 dias a que alude o art. 698°, n.º 6 do C.P.C., sem necessidade de manifestar a intenção de impugnar a matéria de facto.
Nos termos do disposto no art. 698°, n.º 2 do C.P.C., na apelação, o prazo para alegar é de 30 dias.
De acordo com o preceituado no n.° 6 do mesmo dispositivo, se o recurso tiver por objecto a reapreciação da prova gravada, tal prazo é acrescido de dez dias.
Defende o Acórdão da Relação do Porto de 05/07/2004, proferido no âmbito do proc. n.º 0453812, disponível para consulta em www.dgsi.pt. que "Se o apelante, no recurso que interpõe da sentença, pretender a reapreciação da prova gravada, terá de indicar, (no requerimento de interposição), tal pretensão; se o não fizer, o prazo para alegar é de 30 dias, após a notificação do despacho que admitiu o recurso, e, se ultrapassado, sem apresentação das alegações, terá de se considerar deserto o recurso, nos termos dos artigos 292 n.º 2 e 690 n.º 3 do Código de Processo Civil."
No Acórdão do S.T.J. datado de 08/07/2003, proferido no âmbito do processo n.º 03B1917, disponível no mesmo site, defende-se que "O apelante não tem que manifestar a sua intenção de impugnar a matéria de facto da sentença de que recorre, com a reapreciação da prova gravada, no requerimento de interposição do recurso.
Tal manifestação, expressa ou tácita, mas inequívoca, pode ser efectuada em qualquer momento, antes naturalmente de ter decorrido o prazo regra para apresentação das alegações previsto no n.º 2 do art. 698 do C.Proc.Civil.
Serve como manifestação da intenção de impugnar a matéria de facto, designadamente para que goze do prazo adicional de 10 dias para alegar, nos termos do n.º 6 daquele art°. 689°, o requerimento em que, ainda antes de proferida a sentença de que vai recorrer, o recorrente pede que lhe seja fornecida cópia das gravações realizadas em audiência de julgamento."
Ora, parece não existirem dúvidas, que resulta dos supra citados preceitos legais que a regra geral quanto ao prazo para apresentação de alegações em recurso de apelação é de 30 dias.
O acréscimo de 10 dias é, pois, um regime de carácter excepcional, que só beneficia o recorrente se este pretender a reapreciação da prova gravada.
Assim, estando nós perante um regime excepcional, para que o recorrente possa beneficiar do acréscimo dos referidos 10 dias, tem dar conta nos autos dessa sua pretensão.
A questão que se coloca é saber qual o momento em que o deverá fazer.
Entendemos que é de adoptar a posição consagrada no Acórdão do STJ acima citado, já que caso o recorrente pratique algum acto, expresso ou tácito, mas inequívoco, dessa intenção, no decurso do prazo geral de 30 dias de que dispõe para alegar, impedirá que o recurso fique deserto por falta de alegações no prazo legal, geral e de regra - 30 dias.
No caso dos autos, conforme resulta do processado, não consta nenhum acto praticado pela recorrente, no decurso do prazo geral de 30 dias que dispunha para apresentar alegações, do qual se pudesse inferir a sua intenção de pretender a reapreciação da prova gravada.
Em face do exposto, mantém-se o despacho recorrido”.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

Do agravo:
Os elementos de facto relevantes são os que resultam do relatório supra.
O problema jurídico que se coloca no recurso não é novo, consistindo em saber se, tendo o recurso de apelação por objecto a reapreciação da prova gravada, o recorrente tem de manifestar a sua intenção de impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto, no requerimento de interposição de recurso, para poder beneficiar do acréscimo de 10 dias para alegar previsto no n.º 6 do art. 698 do CPC.
O nosso entendimento sobre o problema coincide com o formulado no despacho de sustentação acima transcrito, para que remetemos.
Correspondendo ao entendimento defendido no citado Ac. do STJ de 08-07-2003, de que foi Relator o Ex. m.º Juiz Conselheiro Dr. Araújo Barros, publicado em www.dgsi.pt.
Como aí se escreveu, a dado passo,
“É certo que, sob pena de subversão do regime estatuído no art. 698 – transformando-se a excepção do n.º 6 em regra e a regra do n.º 2 em excepção _ sempre terá que existir, por parte do recorrente, para poder beneficiar do prazo adicional de 10 dias previsto no n.º 6, a inequívoca manifestação de que pretende impugnar a matéria de facto.
Todavia, nada na nossa lei adjectiva exige que tal manifestação seja efectuada especificadamente no requerimento de interposição de recurso”.
Tal manifestação, expressa ou tácita, mas inequívoca, pode ser efectuada em qualquer momento, mas, antes naturalmente de ter decorrido o prazo regra para apresentação das alegações previsto no n.º 2 do art. 698 do CPC (v. ponto n.º 2 do respectivo Sumário).

No caso dos autos, o recorrente não manifestou a sua intenção de impugnar a decisão de facto no requerimento de interposição de recurso.
Nem resulta dos autos que o tenha feito, por qualquer forma, posteriormente, dentro do prazo regra de 30 dias para a apresentação das alegações.
Tendo as alegações de recurso sido apresentadas depois de decorrido o prazo legal de 30 dias, previsto no art. 698, n.º 2 do CPC, foi correcta a decisão que julgou o recurso deserto por falta de alegações.

Consequentemente, não há que conhecer do objecto da apelação.

Decisão:
Acorda-se em:
Negar provimento ao agravo, mantendo o despacho recorrido;
Não conhecer do objecto da apelação.
Custas pela recorrente.

Porto, 26 de Novembro de 2007
Joaquim Matias de Carvalho Marques Pereira
Manuel José Caimoto Jácome
Carlos Alberto Macedo Domingues