Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
576/07.1TTVCT-C.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULA LEAL DE CARVALHO
Descritores: PERSONALIDADE JURÍDICA
LEGITIMIDADE
SOCIEDADE EXTINTA
Nº do Documento: RP201015122010576/07.1TTVCT-C.P1
Data do Acordão: 12/15/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - A sociedade extinta (o que ocorre com o registo do encerramento da liquidação, nos termos do art. 160.º, n.º 2, do CSC) carece de personalidade jurídica e judiciária (art. 5.º, do CPC) para ser demandada em acção executiva.
II - Nesse caso, a legitimidade passiva recai sobre os antigos sócios que hajam sucedido nas obrigações da sociedade; ou, quanto aos sócios de responsabilidade limitada, sobre os que receberam algo em partilha e apenas até ao montante do que receberam.
III - Incumbe ao exequente o ónus de alegação e prova do recebimento, em partilha, de bens da extinta sociedade por parte do (ex)sócio demandado na execução.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Procº nº 576/07.1TTVCT-C.P1 Apelação
Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 345)
Adjuntos: Des. António Ramos
Des. Machado da Silva (Reg. nº 1460)


Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório:

Aos 23.02.2009, B………., por apenso à acção declarativa, veio intentar “Execução de Sentença – Quantia Certa (Sol. Execução)” contra C………., D………., E………., F………., G………. e H………., com vista ao pagamento da quantia de €13.176,82, acrescida de €646,91 a título de juros de mora vencidos e reclamando os demais vincendos e os calculados à taxa de 5% a título de sanção pecuniária compulsória nos termos do art. 829º-A, nº 4, do CPC.
Para tanto, refere no requerimento executivo o seguinte: intentou acção declarativa, com processo comum, contra a sociedade I………., Ldª e, como preliminar da mesma, havia instaurado, aos 17.09.2007, procedimento cautelar de arresto; após haver sido decretado o arresto, a referida sociedade registou a sua dissolução e liquidação a 17.09.07. Atento o disposto nos arts. 160º, nº 2, e 162º, nº 1, do CSC, por despacho de fls. 108 da referida acção declarativa, a referida sociedade foi substituída pela generalidade dos seus sócios, ora executados e, por sentença na mesma proferida, foram os executados, na qualidade de substitutos da sociedade, condenados a pagar à exequente a quantia de €13.176,46, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4%, vencidos e vincendos desde a citação até efectivo e integral pagamento. Nos termos do art. 163º, nº 2, do CSC, as acções necessárias para os fins referidos no nº 1, podem ser propostas contra a generalidade dos sócios constituindo a sentença caso julgado quanto a todos eles. Apesar das diversas insistências com vista ao pagamento, os executados nada pagaram. Trata-se de dívida certa, líquida e exigível e as partes são legítimas, conforme arts. 55º e 802º do CPC.

A executada H………., invocando o art. 814º e segs. do CPC, deduziu, aos 13.07.2009, oposição à execução, concluindo, no que importa ao recurso, que a execução deverá ser declarada extinta e alegando, para o efeito e em síntese, que: a sentença, título executivo, condenou a sociedade I………., esta a parte principal e legítima da acção, e não a executada, que não é parte de tal lide, sendo que os sócios, que não tinham responsabilidade ilimitada, por força da dissolução e liquidação da sociedade apenas foram chamados a representá-la na acção declarativa nos termos e para os efeitos do art. 162º, nº1, do CSC, sociedade essa que, apesar de extinta e dissolvida, continua a ser parte nessa acção e sendo a ora oponente parte ilegítima. Nos termos do art. 163º, nº 1, do CSC os antigos sócios apenas respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado até ao montante que cada um recebeu em partilha. Os sócios nada receberam em partilha, como se alcança da certidão do registo comercial junta na acção declarativa, o que, face ao disposto no art. 11º, nº 1, do CR Comercial, consubstancia presunção da veracidade do facto documentado, sendo o Tribunal do Trabalho materialmente incompetente para proferir decisão que ilida essa presunção.
Arrolou prova testemunhal.

A exequente respondeu, mantendo o alegado no requerimento executivo, pelo que, diz, não assiste razão à executada quando afirma que a exequente terá um direito resultante do título executivo sobre a sociedade, mas não sobre a executada ou qualquer dos sócios, mais acrescentando que, ao ter-se operado a substituição da sociedade pelos sócios na pendência da acção declarativa, a sentença, título executivo, constitui caso julgado relativamente a cada um deles. Mas acrescenta que: não faria sentido, nem teria qualquer utilidade, instaurar a execução contra a sociedade, uma vez que esta já se havia extinguido e sido substituída pelos sócios, os quais são responsáveis pelas dívidas da sociedade até ao montante que receberam em partilha (art. 163º, nº 1, CSC), possibilitando o nº 2 desse art. 163º a sua demanda; se é certo que na sentença se decidiu “(…) condenar a R. I………. a pagar à A. a quantia global de (…)”, é também verdade que dela consta que “Foi então proferido despacho de fls. 108, em que se determinou o prosseguimento dos autos, sendo a R. substituída na acção pela generalidade dos seus sócios, nos termos do art. 162º, nº 1, do C.S.Comerciais”, pelo que, e tendo em conta o disposto no citado art. 163º, nº 2, quando se lê, na sentença, “(…) condenar a R. “I……….” (…)”, deverá ser entendido como tendo sido condenados os sócios dessa sociedade, enquanto seus representantes e na proporção do que efectivamente receberam na partilha do património daquela. Com a extinção da sociedade, deixou a mesma de ter personalidade e capacidade jurídicas, pelo que nunca poderia a acção ser proposta contra a sociedade; a legitimidade prevista no art. 55º do CPC, comporta excepções, designadamente a constante do art. 56º, nº1, nesta se podendo enquadrar o caso em apreço por, com a extinção da sociedade, se ter operado a sucessão dos sócios na obrigação exequenda. No que se reporta à alegada inexistência de partilha, do registo da sociedade não resulta que nada tenha sido partilhado, apenas constando o registo da dissolução e liquidação e o cancelamento da respectiva matrícula, não se aplicando a presunção invocada; mas, mesmo que tivesse ficado a constar da acta da assembleia geral da I………. de 17.09.07 que nada havia a partilhar, não tem a declaração força probatória plena quanto à veracidade dos factos contidos na declaração; até porque é do conhecimento da exequente que no dia em que foi decretado o arresto (13.09.07), foi levantada, por cheque, a quantia de €26.337,01 da conta bancária, que identifica, de que a I………. era titular no J………., a qual, e em abstracto, se destinaria a ser partilhada entre os sócios, podendo estes, assim, ser responsabilizados pelo seu passivo social até, pelo menos, esse montante, que receberam na partilha e sendo certo que, por a lei não admitir pagamentos preferenciais a uns credores em detrimento de outros, nem se poderá dizer que essa quantia foi aplicada em pagamentos a credores; e se tal tivesse sucedido, então, deveria a I………. ter-se apresentado à falência. De todo o modo, os sócios sempre seriam responsáveis pelo montante do capital social, de €20.000,00.
Termina concluindo pela improcedência da execução.
Arrolou prova testemunhal e requereu informação a solicitar à referida instituição bancária.

Proferido despacho saneador tabelar, com dispensa da selecção da matéria de facto, realizou-se a audiência de discussão e julgamento, com a inquirição de uma testemunha arrolada pela Executada que, segundo a respectiva acta, depôs à matéria dos arts. 24, 25 e 26[1], e tendo a Exequente prescindido “do depoimento de todas as suas testemunhas.”.

Decidida a matéria de facto, foi proferida sentença julgando procedente a oposição e “declarando-se extinta a execução quanto à requerente H……….”.

Inconformada, veio a Exequente recorrer, formulando, a final das suas alegações, as seguintes conclusões:
1- Em 23/02/2009, a recorrente instaurou uma acção executiva (à qual os presentes autos se encontram apensos) contra todos os sócios da sociedade “I………., Lda”; H………. (ora recorrida), C………., G………., E………., D………. e F………..
2 - O título executivo dado à execução em apreço foi a douta sentença datada de 06/01/2009, proferida no âmbito dos autos declarativos nº 576/07.1TTVCT, pela qual aquela sociedade (já substituída pela generalidade dos seus sócios pelo facto de a mesma ter sido, entretanto, extinta) foi condenada a pagar à recorrente, B………. a quantia de €13,176,46.
3- Extinta uma sociedade. por dissolução, e registada a sua dissolução e liquidação (o que ocorreu in casu), esta não é mais parte na acção que se encontre a correr contra a mesma, terminando a sua personalidade – cfr. artigo 160º, nº 2 do Código das Sociedades Comerciais.
4.- Porém, as acções, em que a sociedade, seja parte continuam após a extinção desta, que se considera substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários, - cfr. artigos 162º, n.º1 e 163º, nºs 2, 4 e 5 e 164º, n.ºs 2 e 5 do Código das Sociedades Comerciais; Raúl Ventura, in "Dissolução e Liquidação de Sociedades" e variada Jurisprudência., referindo-se a título exemplificativo os Ac. da Relação de Lisboa, de 15.2.1982: COL. Jur, 1982, 10-247, de 3.7.1985, BTE, 2ª Série,-nºs 1-2/88., pág. 198 e de 28.5. 1991: JTRL00013281/ITIJ/Net.
5.- Se assim o é, extinta a sociedade na pendência de uma acção, resta, pois, a responsabilidade pessoal dos (antigos) sócios – cfr. artigo 1020º do Código Civil.
6.- Os antigos sócios responderão,. consequentemente, pelo passivo social não satisfeito ou acautelado e, no caso particular das dívidas litigiosas, os direitos do credor serão acautelados, verificando-se a substituição referida, na acção pendente, o que permitirá que os sócios sejam individualmente demandados nos termos do art. 163º n.º 1. - entendimento partilhado por Raúl Ventura, ob. citada, págs. 483 e 484.
7.- Uma vez que a extinta sociedade foi substituída pelos seus antigos sócios no âmbito da acção declarativa, a douta sentença que foi dada como título executivo constituiu caso julgado relativamente a cada um daqueles – cfr. artigo 163º, n.° 2 in fine do CSC.
8.- Assim, quando se lê: “(…) condenar a. R. “I……….", tal sempre terá que ser entendido como tendo sido condenados os antigos sócios da "I……….", enquanto seus representantes/sucessores e na proporção do que efectivamente receberam na partilha do património daquela.
9.- Na sequência, uma vez que a douta. sentença dada à execução não foi cumprida voluntariamente o caminho a seguir sempre seria a propositura de acções, contra os sócios responsáveis.- cfr. Raul Ventura, ob. cit.,486 e 487.
10.- Tal entendimento encontra protecção expressa na letra da lei, designadamente no disposto no artigo 163º nº 2 do C.S.C., quando preceitua que as acções necessárias para obter o ressarcimento dos créditos perante a sociedade extinta que não hajam sido satisfeitas ou acautelados podem ser propostas contra a generalidade dos sócios,
11.- Caso contrário,. qual seria o efeito útil da sentença, uma vez que a mesma seria inexequível, por si só perante qualquer parte que viesse a ver demandada na execução?!
12.- O entendimento ora exposto pela recorrente é partilhada por Raúl Ventura, ob. cit., pág. 488 e 489 quando afirma que “A sentença é sempre proferida relativamente à generalidade dos sócios: não obstante, uma vez que neste caso a sociedade está extinta, e os bens partilhados e entregues aos sócios, importa que o resultado da acção não se limite aos sócios na sua generalidade, antes se torne eficaz para execuções individuais. O artigo 163º, nº 2, estabelece, como regra, que a sentença proferida, relativamente à generalidade dos sócios constitui caso julgado para cada um deles e, sendo condenatória, pode ser executada na medida das responsabilidades individuais (…)”.
13.- Acresce que a sociedade “I……….”, uma vez extinta, deixou de ser uma entidade com personalidade e capacidade jurídicas.
14.- Nos termos do disposto no nº 1 do artigo 68º do Código Civil "A personalidade cessa com a morte.", e, aplicando analogicamente tal disposição às sociedades comerciais a personalidade das mesmas cessará com a respectiva extinção, a qual, nos termos do artigo 160º nº 2 do C.S.C., se verifica,. mesmo entre os sócios, pelo registo do encerramento da liquidação.
15.- Caso a recorrente tivesse instaurado a execução em apreço contra a sociedade esta seria. de certo, absolvida da instância, por já se encontrar extinta–cfr. entendimento do Ac. do STJ de 15/11/11/2007, in www.dgsi.pt.
16. - Embora o nº 1 do artigo 55º do Código de Processo Civil disponha que: "A execução (…) deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor” tal regra comporta excepções. algumas das quais se encontram previstas no artigo 56º e 57º do CPC, as quais se verificam in casu.
17 – Por um lado, o artigo 57º do CPC prevê, expressamente, a possibilidade de a execução fundada em sentença condenatória poder ser promovida, não só contra o devedor, mas ainda contra as pessoas em relação às quais a sentença tenha força de. caso Julgado, o que.. conforme já supra alegado e fundamentado,, ocorre no caso concreto.
18 - Mas mesmo que se entendesse que a douta sentença dada à execução ao condenar a sociedade “I……….” não constituiu caso julgado contra cada um dos sócios que substituíram aquela, a verdade é que ainda assim teriam sempre que ser demandados os antigos sócios da "I………."., por ter existido uma sucessão na obrigação, – cfr. nº 1 do art. 56º do C.P.C. - pelo que a douta sentença dada à execução é exequível relativamente a estes, daí também relativamente à recorrida H………..
19.- De resto, se atendermos ao teor da exposição dos factos constantes do requerimento executivo- claramente se constata que a recorrente referiu expressamente os fundamentos fácticos e legais que a levaram a instaurar os autos executivos em. apreço contra os sócios da extinta "I……….” e não contra esta e a qualidade em que todos eles eram demandados (como representantes da dita sociedade e não a título pessoal). - cfr, a título meramente exemplificativo pontos 6 a 9.- dos Factos (pág.1) in requerimento executivo.
20 - A sentença não deixa de ser exequível face à recorrida, por não ter sido colocada a questão de saber qual a responsabilidade de cada um dos sócios pelo pagamento deste crédito da recorrente em sede dos autos declarativos, pois tal consubstancia-se numa questão paralela que é a de, já em sede da normal tramitação dos autos executivos., averiguar se existiu ou não partilha dos bens da extinta sociedade "I………." entre os sócios da mesma e de apurar qual a quota parte de responsabilidade que cada um teria perante a recorrente.
21.- Finalmente, os sócios sempre seriam responsáveis pelo montante do capital social - €20.000,00 – cfr. certidão da matricula da sociedade "I……….”.
22.- São os antigos sócios quem sempre terão legitimidade para ser parte nos autos executivos que a recorrente instaurou contra os mesmos e nunca a sociedade "I……….”, pelo que o titulo dado à execução é exequível. face aos mesmos, logo face à recorrida H………..
23.- Pelo que, salvo o devido respeito por opinião em sentido contrário. não assiste razão ao tribunal a quo quando decidiu que a sentença não serve de título executivo quanto à recorrida por não a ter condenado a pagar a quantia exequenda à recorrente.
24.- A douta sentença violou, assim, por errada interpretação, o disposto nos artigos 160º, 162º, 163º e 164º, todos de Código das Sociedades Comerciais, 69º, 1020º e 2071º, todos do Código Civil e 55º, 56° e 57° do Código de Processo Civil.
NESTES TERMOS (…), dando-se provimento ao presente recurso, revogando-se a douta decisão recorrida, e substituindo-se por outra que julgue improcedente a oposição apresentada pela recorrida H……….., com os devidos efeitos legais, (…).”.

A Recorrida não contra-alegou.

A Exmª Srª Procuradora Geral Adjunta teve vista no processo.

Colheram-se os vistos legais.
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II. Matéria de facto provada:
Na 1ª instância foi dada como provada a seguinte factualidade:

1 - Na acção principal, de que estes autos são apenso, a exequente B………. intentou acção contra "I………., Ltª.”.
2 - Na pendência dessa acção, veio um dos sócios da R. informar que a R. "I………." se encontrava dissolvida e liquidada desde 19/9/07.
3 - Foi então proferido despacho que determinou o prosseguimento dos autos, sendo a R. substituída pela generalidade dos seus sócios.[2]
4 - Na sequência deste despacho foram citados para a acção todos os sócios da R. I………., entre as quais a aqui requerente H………..
5 - Após audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença, cuja parte dispositiva tem o seguinte teor:
"Julgar a presente acção procedente, por provada, e em consequência condenar a R. "I………." a pagar à A. a quantia global de €13.176,46, acrescida dos competentes juros de mora, à taxa legal de 4%, até integral pagamento".
6 - Desta sentença, apenas a R. I………. interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto, tendo o Venerando Tribunal confirmado a sentença.
7 - Em 23/2/09, a requerida intentou acção executiva contra todos os sócios da I………., entre os quais a aqui requerente H………..
8 - Como título executivo indicou o despacho de referido em 3) e a sentença referida em 5).
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Quanto ao nº 3 dos factos provados, mais correcto do que aí se refere, afigura-se-nos ser transcrever o teor do dito despacho, o que se fará, por uma questão de melhor sistematização, no ponto 13 que, em conformidade com o que adiante se dirá, iremos aditar.
Assim, elimina-se o nº 3 dos factos provados.
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Porque documentalmente provado de harmonia com os termos constantes do processo declarativo (e procedimento cautelar apenso), tem-se ainda como assente:

9 - Aos 06.09.2007, a A., ora exequente, intentou procedimento cautelar de arresto contra “I………., Ldª”, a que se reporta o Processo 576/07.1TTVCT-B, apenso, no qual foi o arresto deferido por decisão proferida aos 13.09.2007.
10 - Em cumprimento dessa decisão, apenas se procedeu ao arresto de “um amplificador de marca ADCOM – modelo ………. em mau estado de conservação” e a que foi atribuído o valor de €90,00.”, tudo conforme auto de arresto de fls. 78 a 81.

11 - A acção declarativa referida em 1, foi intentada aos 15.09.2007.

12 - Aos 15.10.2007 (fls. 58 a 63 da acção declarativa), a A. requereu o prosseguimentos dos autos contra os sócios da ré I………., C………., H………., D………., E………., F………. e G………., alegando, em síntese e para além do mais que refere, que aos 17.09.2007, foi efectuado o registo do encerramento da liquidação da Ré, devendo os autos prosseguir nos termos dos arts. 162º, nº 1, 163º, nºs 2, 4 e 5 e 164º, nºs 2 e 5 do CSC, considerando-se a sociedade extinta substituída pela generalidade dos sócios ou, se assim se não entender, admitir-se a intervenção daqueles nos termos do art. 31º-B do CPC ou do art. 27º, al. a), do CPT.

13 - Aos 07.11.2007, o Mmº Juiz proferiu, a fls. 108 da referida acção declarativa, o seguinte despacho: “Atenta a dissolução da R. a acção prossegue os seus termos contra os sócios, nos termos do art. 162º, nº 1, do C.S. Comerciais. Assim, deverão estes sócios ser citados para a acção – cfr. fls. 98. Audiência de partes no dia 10.12.07, pelas (…)”, do qual não foi interposto recurso.

14 – Citados os referidos sócios, vieram estes, para além do mais, arguir a sua ilegitimidade.

15 – Proferido despacho saneador tabelar e prosseguindo a acção, veio a ser proferida sentença na qual, para além do mais que nela se refere e ora não importa, se referiu o seguinte:
“No despacho saneador tabelar, não foi, por manifesto lapso, apreciada a excepção de ilegitimidade invocada na contestação.
Cumpre fazê-lo neste momento.
Afigura-se-nos que a questão suscitada resulta de um manifesto equívoco.
Na realidade, os sócios da R. apenas foram citados para a acção nos termos do artº. 162, nº1, do Código das Sociedades Comerciais, ou seja, para a representarem nesta lide.
Não se coloca aqui a questão de saber qual a responsabilidade de cada um dos sócios pelas eventuais dívidas da sociedade extinta: esse é um problema posterior e que terá que ser resolvido noutra sede, sendo este tribunal, aliás, materialmente incompetente para a conhecer – cfr., entre outros, artº 158 do C.S.Comerciais.
Aqui apenas se trata de apurar da existência ou não do crédito invocado pela A. de que será possível devedora a R. entretanto extinta.
Sublinhe-se novamente este ponto: o artº. 162, nº. 1, do C. Sociedades Comerciais não estabelece, hoc sensu, nenhuma responsabilidade acrescida para os sócios no que se refere ao cumprimento das obrigações da sociedade que se extinguiu: limita-se a resolver um problema processual – o da representação da sociedade que se extingue na pendência de uma acção.
No nosso caso, retroagindo a entrada desta acção à data em que foi proposta a providência cautelar que a antecedeu – 6/9/07 -, constatou-se que o registo da dissolução foi efectuado já na sua pendência – 17/9/07. Não restava, assim, outra alternativa que não ordenar o prosseguimento da acção, sendo aquela representada pela generalidade dos sócios – despacho este que há muito transitou em julgado.
Nestes termos, os sócios da R. não são aqui partes, não se colocando quanto a eles, por isso, qualquer questão de legitimidade: a parte continua a ser a R. que eles representam.
Assim, julga-se improcedente a excepção suscitada.”,

16 – E, conhecendo do mérito do pedido formulado, a referida sentença decidiu nos termos referidos no nº 5.

17 – Na certidão do registo comercial referente à sociedade I………., Ldª que constitui o documento junto a fls. 101 a 107 (e 119 a 128) da acção declarativa acima mencionada constam, entre outros que ora não importam, os seguintes registos:
- Capital: 20.000,00 Euros;
- Os seguintes sócios e quotas (na sequência de diversas de transmissões de quotas, com inscrição no registo datado de 25.09.2006): quotas de 2.411,33 Euros e 5.117,67 Euros e, como titular, C……….; quotas de 2.411,34 Euros e de 5.115,66 Euros e, como titular, H……….; quota 864,00 Euros e, como titular, D……….; quota de 876,00 Euros e, como titular, E……….; quota de 2.328,00 Euros e, como titular, F……….; quota de 876,00 e, como titular, G………..
- com data de 17.09.2007, a inscrição com o seguinte teor: “Dissolução e encerramento da liquidação.”.

18 – De fls. 211/212 da acção declarativa consta a “Acta Número 20”, na qual se refere que, aos 17.09.2007, se reuniram “em Assembleia Geral Universal os sócios da firma I………., Ldª (…), com o capital social de vinte mil euros integralmente realizado em dinheiro. Estiveram presentes todos os sócios (…)” identificados no nº 17, que a referida Assembleia teve como “ordem de trabalhos:
Ponto Um: Discutir e deliberar sobre a dissolução da sociedade.
Ponto dois: Discutir sobre a liquidação e partilha dos bens da sociedade.
(…)
O Presidente da Mesa da Assembleia Geral iniciou a discussão do ponto um da ordem de trabalhos, (…) propõe a dissolução nesta data da sociedade (…). Posta à votação, foi aprovado por unanimidade de cem por cento do capital social.
No âmbito do ponto dois da ordem de trabalhos, o Presidente da mesa da Assembleia Geral informou que nesta data já tinham sido vendidos todos os bens da sociedade e devolvidas aos fornecedores as mercadorias e matérias primas remanescentes cujos créditos foram utilizados para ajudar a pagar as dívidas àqueles fornecedores. Por outro lado, foram pagas todas as dívidas aos credores da sociedade pelo que nesta data nada mais há a liquidar. Informou ainda que, neste último ano, a sociedade obteve avultados prejuízos devido à forte concorrência que se fez sentir pelo que, os sócios decidiram, na proporção das suas quotas partilharem aqueles prejuízos para desse modo poderem pagar todas as dívidas a todos os credores sociais, Que, assim sendo, após todos os pagamentos de impostos, segurança social e dívidas a todos os fornecedores e credores da sociedade nada sobejou pelo que também nada há a partilhar. Assim propõe a aprovação das constas da liquidação, cujo saldo é nulo, pelo que nada há a partilhar. Posta à votação, forma aprovadas por unanimidade de cem por cento do capital as contas da liquidação cujo saldo final é nulo pelo que nada há a partilhar.(…)”.
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III. Do Direito

1. Nos termos do disposto nos artºs 684º, nº 3, e 685º-A, nº 1, do CPC (na redacção introduzida pelo DL 303/2007, de 24.08), aplicáveis ex vi do disposto nos artºs 1º, nº 2, al. a), e 87º do CPT (na versão anterior à introduzida pelo DL 295/2009, de 13.10), as conclusões formuladas pelo recorrente, com excepção das questões que sejam do conhecimento oficioso, delimitam o objecto do recurso.
E, daí, que a única questão a apreciar tenha por objecto a legitimidade da executada H………. quer, nos termos do art. 55º do CPC, face ao título executivo, quer, nos termos do art. 56º, nº 1, do mesmo, face a alegada sucessão na obrigação de que era titular a extinta sociedade “I……….”.

2. O processo declarativo visa a definição do direito e da obrigação, bem como dos respectivos titulares e, o processo executivo, a realização coactiva da prestação, sendo que o título executivo baliza os limites da execução e, nos termos do art. 55º, nº 1, do CPC, a legitimidade das partes executivas.
Com efeito, a legitimidade executiva, activa e passiva, afere-se, desde logo, pelas pessoas que figuram no título executivo como credor e devedor, como decorre do disposto no art. 55º, nº 1, do CPC, nos termos do qual “1 - A execução tem de ser promovida pela pessoa que no título executivo figura como credor e deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor.”.
Esta regra comporta, porém, excepções, designadamente, e no que ao caso poderá relevar, a que consta do art. 56º, nº 1, do CPC, nos termos do qual “1 – Tendo havido sucessão no direito ou na obrigação, deve a execução correr entre os sucessores das pessoas que no título figuram como credor ou devedor da obrigação exequenda, No próprio requerimento para a execução deduzirá o exequente os factos constitutivos da sucessão.”.
Como diz Eurico Lopes Cardoso, in Manual da Acção Executiva, 3ª Edição, Almedina, 1992, pág. 99/100, o termo sucessão é empregue em sentido lato, abrangendo todos os modos de transmissão das obrigações. Ocorrendo a sucessão entre o momento da formação do título e o da instauração da execução, esta deve correr entre os sucessores das pessoas que no título figurem como credor ou devedor da obrigação exequenda, caso em que o problema da legitimidade é discutido e dirimido por forma semelhante àquela pela qual se discute e dirime na acção declarativa, tendo o exequente que alegar no requerimento inicial os factos constitutivos da dita sucessão e, por consequência, todas as condições de que depende a sua legitimidade (na sucessão activa) ou a do executado (na sucessão passiva). É o que habitualmente se designa de habilitação-legitimidade. Mas não tem que oferecer logo prova deles, a qual apenas se imporá no caso de o executado se opor à execução com fundamento na ilegitimidade[3].

2.1. A sociedade poderá dissolver-se por deliberação dos sócios (art. 141º, nº 1, al. b), do CSC), devendo seguir-se a liquidação da mesma (nos termos dos arts. 146º e segs.), a menos que a sociedade não tenha, à data da dissolução, dívidas, caso este em que os sócios poderão proceder imediatamente à partilha dos haveres sociais (art. 147º, nº 1). Havendo dívidas, deverá o liquidatário proceder ao pagamento das dívidas da sociedade para as quais seja suficiente o activo social e, relativamente às dívidas litigiosas, deverão acautelar os eventuais direitos do credor por meio de caução, prestada nos termos do Código de Processo Civil (art. 154º, nºs 1 e 3).
A sociedade dissolvida, mas em liquidação, mantêm a personalidade jurídica (art. 146º, nº 2). Mas já se considera extinta, sem prejuízo porém do disposto nos artigos 162º a 164º, com o registo do encerramento da liquidação (art. 160º, nº 2).
Por sua vez, dispõem:
Artigo 162º
Acções pendentes
1 – As acções em que a sociedade seja parte continuam após a extinção desta, que se considera substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários, nos termos dos artigos 163º, nºs 2, 4 e 5, e 164º, nºs 2 e 5.
2 – A instância não se suspende nem é necessária habilitação.
Artigo 163º
Passivo superveniente
1 – Encerrada a liquidação e extinta a sociedade, os antigos sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado, até ao montante que receberam na partilha, sem prejuízo do disposto quanto a sócios de responsabilidade limitada.
2 – As acções necessárias para os fins referidos no número anterior podem ser propostas contra a generalidade dos sócios, na pessoa dos liquidatários, que são considerados representantes legais daqueles para este efeito, incluindo a citação; qualquer dos sócios pode intervir como assistente; sem prejuízo das excepções previstas no artigo 341º do Código de Processo Civil, a sentença proferida relativamente à generalidade dos sócios constitui caso julgado em relação a cada um deles,
3 – O antigo sócio que satisfizer alguma dívida, por força do disposto no nº 1, tem direito de regresso contra os outros, de maneira a ser respeitada a proporção de cada um nos lucros e nas perdas.
4 – (…)
5 – (…)

Como decorre das disposições legais transcritas, mormente da conjugação dos arts. 160º, nº 2, 162º e 163º, nºs 1 e 2, dissolvida a sociedade e efectuado o registo do encerramento da liquidação, esta considera-se extinta, facto este que determina a perda da personalidade jurídica e judiciária (cfr. art. 5º do CPC). Ou seja, perde a sociedade a susceptibilidade de ser parte na acção. Por essa razão é que a sociedade extinta, quanto às acções que contra ela se encontrem pendentes, é substituída pela generalidade dos sócios (representados pelos liquidatários) e, relativamente às acções a instaurar por dívidas sociais, deverão elas ser intentadas contra a generalidade dos sócios.
É que, como também decorre dessas disposições, mormente do art. 163º, nº 1, a extinção da sociedade não determina a extinção dos créditos, não satisfeitos ou acautelados aquando da liquidação, de que sejam titulares os credores sociais.
Com efeito, nos termos dessa disposição, os antigos sócios responderão por esse passivo social mas apenas até ao montante do que receberam na partilha (salvo quanto aos sócios de responsabilidade ilimitada). Como refere Raúl Ventura, in Dissolução e Liquidação das Sociedades, pág. 484, “(…)A responsabilidade dos antigos sócios é limitada ao montante que receberam na partilha, (…). «Montante que receberam na partilha» apura-se relativamente a cada sócio, i.é, cada sócio é responsável até ao montante por ele recebido na partilha e não por aquilo que outros sócios também tenham recebido, (…).
Fixada a responsabilidade até esse montante, tem ela natureza solidária. O credor não necessita de ratear a dívida entre os antigos sócios, segundo algum critério; necessita apenas de, em cada demanda individualmente não ultrapassar o montante percebido na partilha pelo sócio demandado, podendo, portanto, suceder que apenas um ou alguns sócios venham a ser demandados, assim como poderá suceder que algum sócio esteja isento desta responsabilidade por nada ter recebido na partilha.
O limite da responsabilidade é um montante, fácil de determinar quando tenha sido partilhado dinheiro; quando a partilha tenha sido efectuada total ou parcialmente em espécie, o credor não tem direito algum quanto aos bens percebidos pelos sócios, embora ainda se conservem no património destes à data da demanda, (…). Nesse caso, o limite é constituído pelo valor dos bens percebidos.”.
Ou seja, respondendo os antigos sócios pelo passivo social não satisfeito ou acautelado até ao montante do que receberam na partilha, tal significa que eles, até esse limite, sucedem na obrigação que competia à sociedade. Como refere o citado autor, a págs. 480, “Há apenas que explicar como e porquê esses débitos, bens, créditos que tinham como sujeito a sociedade passam a ser encabeçados nos sócios.
O como não pode deixar de ser uma sucessão; só assim não seria se admitíssemos que, antes de extinta a sociedade, tais activo e passivo já pertenciam aos sócios, ou seja, se desprezássemos a personalidade jurídica da sociedade. Como tal não podemos fazer, temos de aceitar este corolário.
O porquê é, em primeiro lugar, intuitivo; desaparecida a sociedade-sujeito, e mantidos vivos os direitos da sociedade ou contra esta, só os sócios podem ser os novos titulares desse activo e passivo. Os sócios têm direito ao saldo da liquidação, distribuído pela partilha, Se tiverem recebido mais do que era seu direito, porque há débitos insatisfeitos, terão de os satisfazer; se tiverem recebido menos, porque não foram partilhados bens sociais, terão direito a estes.”.

3. Revertendo ao caso em apreço:

3.1. No caso, o título executivo consiste na sentença condenatória proferida na acção declarativa referida nos factos provados.
Nessa acção, após inicialmente haver sido demandada a sociedade “I……….”, perante a extinção desta (com o registo do encerramento da liquidação) o Mmº Juiz determinou, por despacho de fls. 108, a intervenção dos ex-sócios da sociedade, invocando o disposto no art. 162º, nº 1, do CSC e referindo que a acção prosseguiria os seus termos “contra” eles, tudo levando, então, a crer que, subjacente a essas considerações, estaria o entendimento de que, face à extinção da sociedade e consequente cessação da personalidade jurídica, a “parte” deixaria de ser a sociedade, que seria substituída pelos sócios demandados.
Acontece porém que, na sentença, o Mmº juiz expressamente consignou um diferente entendimento, como decorre, de forma manifesta, da passagem que deixámos transcrita no nº 15 dos factos provados, que aqui se dá por reproduzida, e em que conclui dizendo que “(…) Nestes termos, os sócios da R. não são aqui partes, não se colocando quanto a eles, por isso, qualquer questão de legitimidade: a parte continua a ser a R. que eles representam.”. E, em sede decisória, apenas proferiu decisão condenatória contra a sociedade “I……….”. Pese embora, na parte decisória, o Mmº Juiz não haja absolvido os sócios demandados, seja da instância, seja do pedido[4], o certo é que dela apenas decorre a condenação da sociedade e não a dos sócios, o que, conjugado com o vertido em sede de fundamentação e transcrito no ponto 15, leva a concluir que estes, sócios, não foram condenados e, por consequência, não figuram no título executivo como devedores. Refira-se que a A. não recorreu da sentença assim como não arguiu a sua nulidade ou, perante o recurso interposto pela parte contrária, não requereu a ampliação do seu objecto.
Ora, assim sendo, não poderemos deixar de concluir que, nos termos do art. 55º do CPC, a exequente não dispõe de título executivo contra a executada H………. ou, melhor dizendo, que esta, porque não foi condenada na sentença, é, perante o título executivo e atenta a referida disposição legal, parte ilegítima. Cabe referir que, nesta sede, são irrelevantes as considerações tecidas pela Recorrente no que se reporta à alegada sucessão da referida executada no débito social, considerações essas que poderão, eventualmente, relevar, mas apenas no âmbito da legitimidade, por eventual sucessão, a que se reporta o art 56º, nº 1, do CPC.
E é esta a questão que, de seguida, passaremos a apreciar.

3.2. Como decorre do que já se deixou dito, com o registo do encerramento da liquidação da sociedade, esta extinguiu-se, ou seja, deixou de ter personalidade jurídica, pelo que nem poderia, sequer, a execução ser contra ela intentada (cfr. art. 814º, nº 1, al. c), do CPC).
E, como também deixamos dito, os antigos sócios da sociedade extinta sucedem nas obrigações desta, porém e apenas se algo receberam em partilha e até ao montante do que receberam, sucessão que é susceptível de se enquadrar no conceito, lato, de sucessão previsto no art. 56º, nº 1, do CPC.
Habitualmente, entende-se que este preceito tem o seu campo de aplicação às situações em que o facto determinante da sucessão haja ocorrido após a formação do título executivo, o que bem se compreende se tivermos em conta que, estando pendente acção declarativa, será nesta que a questão da sucessão se deverá colocar (art. 162º do CSC).
Acontece que, no caso concreto, pese embora os sócios hajam sido, ao abrigo do citado art. 162º, chamados a intervir na acção declarativa, o certo é que o Mmº Juiz nada decidiu quanto a eles, pois que se não os condenou, como não condenou, certo é que, também, não os absolveu, seja da instância, seja do pedido. Ou seja, a questão ficou “em aberto”. Assim sendo, e sendo certo que não poderá a sociedade, por falta de personalidade jurídica, ser demanda em sede executiva, afigura-se-nos que, processualmente, não poderá deixar de se considerar tempestiva e admissível a dedução, nesta sede, da habilitação-legitimidade deduzida ao abrigo do art. 56º, nº 1, do CPC.
E, assim sendo, importa apreciar da questão de saber se a executada H………., embargante, sucedeu, ou não, na dívida da sociedade reconhecida no título executivo.
A referida executada, então sócia de responsabilidade limitada, apenas sucede se e na medida do montante que haja recebido em partilha, sendo que é ao credor, no caso à exequente, que compete o ónus de alegação e prova de tais factos, porque constitutivos do seu direito (art. 342º, nº 1, do Cód. Civil). Neste sentido, cfr. Acórdão do STJ de 26.06.2008, CJ/Acórdãos STJ, TII, págs. 138 a 141, no qual se refere que “(…) operada a substituição da sociedade pelos sócios, e estando a responsabilidade destes legalmente definida, cumpria à autora, quando requereu a substituição, alegar e provar aqueles factos [que a sociedade tinha bens e que esses bens foram partilhados entre os sócios em detrimento da satisfação do seu crédito], que se apresentam como constitutivos do seu direito a obter deles o montante do seu crédito, «até ao montante que receberam em partilha»”.
E em sentido, no essencial, idêntico, também apontam os Acórdãos do STJ de 05.11.2007, in Sociedade Comerciais, Jurisprudência, 1997-2008, Colectânea de Jurisprudência, Edições, págs. 291 a 293, de 20.05.2009 e de 07.07.2010, estes dois in www.dgsi.pt, Processos nºs 09S0323 e 203-D/1999.L1. S1, neste último se dizendo, para além do mais, o seguinte: “Nem se diga que a responsabilidade deferida aos liquidatários pelo artigo 163 CSC se basta com a anterioridade do crédito relativamente ao momento da liquidação, pois que a responsabilidade pessoal pressupõe: que tenha existido partilha subsequente à liquidação, a qual, de resto, até funciona como limite da responsabilidade; no processo não há notícia de tal ocorrência e falta factualidade que suporte a aplicação do art.158º (…)”..
Ora, no caso em apreço nos autos, da matéria de facto provada nada resulta no sentido de que hajam bens da sociedade que tivessem sido partilhados e que a executada/embargante haja, em partilha, recebido qualquer montante (em dinheiro ou em bens), sendo que o ónus dessa prova competia à exequente. Aliás, e em bom rigor, a exequente nem nada alegou quanto ao concreto montante que a referida executada haja, porventura, recebido em partilha, tendo-se limitado a alegar, na resposta à oposição à execução, que no dia 13.09.2007, foi levantada a quantia de €26.337,01 da conta bancária de que a “I……….” era titular no J………., facto este que foi dado como não provado como decorre da decisão da matéria de facto proferida na presente oposição.
E, ao contrário do que refere, era em sede de habilitação-legitimidade, e não em fase posterior da execução, que lhe cabia essa demonstração.
Ora, assim sendo, impõe-se concluir que, também por via do disposto no art. 56º, nº 1, do CPC, carece a executada embargante de legitimidade passiva.

4. Finalmente, diz a Recorrente que os sócios sempre seriam responsáveis pelo montante do capital social - €20.000,00.
Também não lhe assiste razão.
Desde logo, a executada embargante nem era a titular da totalidade do referido capital, mas apenas de uma parte dele. De todo o modo, como decorre do art. 163º, nº 1, já mencionado, a responsabilidade dos sócios pelas dívidas da sociedade depende do que hajam recebido em partilha, sendo que dos autos não só não resulta que haja a embargante recebido algo em partilha, como também não resulta que o capital social não haja sido realizado.
Nos termos do art.º 197º CSC:
1- Na sociedade por quotas o capital está dividido em quotas e os sócios são solidariamente responsáveis por todas as entradas convencionadas no contrato social, conforme o disposto no artigo 207º.
2. Os sócios apenas são obrigados a outras prestações quando a lei ou o contrato, autorizado por lei, assim o estabeleçam.
3. Só o património social responde para com os credores pelas dívidas da sociedade, salvo o disposto no artigo seguinte.
Resulta do referido a obrigação de os sócios realizarem as quotas.
No entanto, no caso, da matéria de facto provada não decorre que a Executada/Recorrida, sócia H………., não tenha realizado a sua quota, isto é, que não tenha feito a respectiva entrada, sendo que, o respectivo ónus de alegação e prova cabia à Exequente – cfr. Acórdão do STJ de 20.05.09, in www.dgsi.pt, Processo 09S0323.
Por outro lado, como também se diz no referido Acórdão, bem como no Acórdão do STJ, de 23.04.2008, in www.dgsi.pt, Processo 07S4745, os sócios, nomeadamente de sociedades por quotas, não são obrigados a manter a integridade do capital social.
Com efeito, a respeito da responsabilidade dos sócios até ao limite da sua quota, diz-se neste aresto, de 23.04.2008, o seguinte:
“(…) Para que tal responsabilidade existisse, era necessário alegar e provar que os sócios da 1.ª ré não tinham realizado a sua quota do capital social.
Com efeito e ao contrário do que a decisão recorrida implicitamente pressupõe, os sócios, nomeadamente nas sociedades por quotas, não são obrigados a manter a integridade do capital social. O princípio da intangibilidade do capital social não tem esse alcance. Como diz, Ferrer Correia – [5], a intangibilidade do capital social não significa “que a sociedade esteja obrigada a conservar constantemente no seu activo os valores necessários para assegurar ao capital estatutário a sua integridade. Se assim fosse, a sociedade deveria logicamente dissolver-se todas as vezes que se registassem perdas, todas as vezes que a marcha dos negócios da empresa fosse absorvendo tais somas, que em determinado momento aquele fundo ficasse a descoberto.” E “os sócios não estão obrigados a cobrir, mediante novas entradas, sob pena de dissolução, todas as perdas sofridas pela sociedade no exercício do seu comércio. Nem a sociedade faz voto de meter em cofre e zelosamente guardar, preservando-o das urgências e apetites do seu giro, as quantias que tenha recebido dos sócios – para só no momento da liquidação, comum ou falimentar, as exibir. Tal não é a função do capital social, nem lei alguma determina coisa tão extravagante. Como já temos dito e repisado, o capital social é simplesmente uma cifra – cifra abaixo da qual o património da empresa não poderá descer em virtude de atribuições aos sócios (enquanto tais, e não enquanto terceiros) de valores de qualquer natureza”.
De facto, no CSC não existe qualquer norma que obrigue os sócios a fazer novas entradas, de modo a manter permanentemente a intangibilidade do capital social. Contém, é certo, disposições que limitam a distribuição de bens e dos lucros de exercício aos sócios (art.ºs 32.º e 33.º) e contém uma outra que obriga os membros da administração a propor aos sócios, quando, pelas contas de exercício, verifiquem estar perdida metade do capital, umas das seguintes medidas: a dissolução da sociedade; a redução do capital social; a realização de entradas em dinheiro que mantenham pelo menos em dois terços a cobertura do capital social; a adopção de medidas concretas tendentes a manter pelo menos em dois terços a cobertura do capital social (art.º 35.º).
Todavia, de nenhuma delas decorre que os sócios são obrigados a fazer novas entradas sempre que o património da sociedade seja inferior ao valor do capital social.
No caso em apreço, não está provado nem alegado foi sequer que os sócios não tivessem realizado as suas quotas, sendo certo que o ónus desse facto também pertencia à autora, nos termos do art.º 342.º, n.º 1, do C.C.(…)”.

5. Resta acrescentar que mesmo que, porventura, se entendesse que a sentença recorrida teria condenado a Executada/embargante no pagamento da quantia exequenda até ao montante do que recebeu em partilha, o certo é que também não foi feita prova da medida da responsabilidade da referida executada, sendo que essa prova competia à Exequente e que o momento processual de o alegar era no requerimento executivo e, o de o provar, era no âmbito da oposição deduzida. Com efeito, o recebimento em partilha, e respectivo montante, constituem factos ou pressupostos prévios e fundamentais da responsabilidade do executado e da determinação da respectiva medida. Ora, nem tal foi alegado, nem provado.

6. Assim sendo, improcedem todas as conclusões do recurso, sendo de confirmar a decisão recorrida, embora com fundamentação não inteiramente coincidente.
*
IV. Decisão

Em face do exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se, embora com fundamentação não inteiramente coincidente, a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.

Porto, 15.12.2010
Paula Alexandra Pinheiro Gaspar Leal Sotto Mayor de Carvalho
António José da Ascensão Ramos
José Carlos Dinis Machado da Silva

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[1] Artigos esses que têm por objecto matéria referente a danos patrimoniais e não patrimoniais alegadamente sofridos pela executada em consequência da execução.
[2] Eliminado e substituído pelo nº 13, conforme adiante se dirá.
[3] Cfr. Autor e ob. citada e Fernando Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, 2007, 10ª Edição, Almedina, pág. 71/72,
[4] Não tendo, aliás, conhecido do mérito da questão referente à eventual responsabilidade, ou não, dos sócios nos termos previstos no art. 163º, nº 1, do CSC.
[5] Lições de Direito Comercial, reimpressão, 1994, página 333


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SUMÁRIO

I. A sociedade extinta (o que ocorre com o registo do encerramento da liquidação, nos termos do art. 160º, nº 2, do CSC) carece de personalidade jurídica e judiciária (art. 5º do CPC), pelo que não é passível de ser demanda em acção executiva, para a qual passam a deter legitimidade passiva, nos termos do art. 56º, nº 1, do CPC, os antigos sócios que, nos termos do art. 163º, nº 1, do CSC, hajam sucedido nas obrigações da sociedade; porém, quanto aos sócios de responsabilidade limitada, apenas se algo receberam em partilha a até ao montante do que receberam.
II. Porque constitutivos do seu direito e da habilitação-legitimidade deduzida ao abrigo do art. 56º, nº 1, do CPC, ao exequente incumbe o ónus de alegação e prova do recebimento, em partilha, de bens da extinta sociedade por parte do (ex) sócio demandado na execução

Paula Alexandra Pinheiro Gaspar Leal Sotto Mayor de Carvalho