Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0631866
Nº Convencional: JTRP00039090
Relator: TELES DE MENEZES
Descritores: INTERDIÇÃO
ACÇÃO ESPECIAL
COMPETÊNCIA
Nº do Documento: RP200604200631866
Data do Acordão: 04/20/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: LIVRO 666 - FLS 118.
Área Temática: .
Sumário: São os seguintes os procedimentos de competência relativamente à acção especial de interdição:
1.º. Deve a mesma ser interposta nos juízos cíveis, por poder acontecer que, por falta de oposição, se não perspective a intervenção do tribunal colectivo;
2.º. Havendo contestação, seguem-se os demais articulados previstos para o processo ordinário e, findos os mesmos, a acção será remetida às varas para posterior desenvolvimento;
3.º. Não havendo contestação e fornecendo o interrogatório e o exame do arguido elementos suficientes, será o juiz singular (juízos cíveis) a decretar imediatamente a interdição;
4.º. Não havendo contestação, mas não fornecendo o interrogatório e exame elementos suficientes, por imposição do n.º 2 do art. 952.º, conjugado com o n.º 5 do art. 646.º, os autos serão remetidos às varas, para que o juiz respectivo presida ao desenvolvimento posterior dos autos.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I.
O M.ºP.º intentou nas Varas Cíveis do Porto acção com processo especial para interdição por anomalia psíquica contra B………., pedindo se decrete a interdição da requerida, com todas as consequências legais.

II.
Procedeu-se à publicação de anúncios e determinou-se a citação da requerida, mediante contacto pessoal com a mesma.
O oficial de justiça lavrou a certidão negativa de fls. 33, após ter constatado a incapacidade da requerida para receber a citação.

III.
Foi nomeado curador provisório à requerida, o qual foi citado para, querendo, em representação da mesma, contestar a acção.

Não foi oferecida contestação.

IV.
O Sr. Juiz proferiu despacho em que declarou incompetente a 6.ª Vara Cível para a tramitação e subsequente decisão da acção, considerando que essa competência cabe aos Juízos Cíveis do Porto.

V.
O M.ºP.º recorreu, concluindo como segue a sua alegação:
1.º. Do teor do disposto nos art.s 17.º da LOFTJ (Lei 3/99, de 13.1) e 62.º/2 do CPC, resulta que no âmbito da actual lei orgânica dos tribunais judiciais, a competência em função da forma do processo não é um critério determinativo da competência jurisdicional, já que aquele preceito lhe não faz qualquer referência.
2.º. Posto isto, cumpre averiguar se o processo especial de interdição por anomalia psíquica é da competência das varas cíveis, pois se o não for, então é da competência dos juízos cíveis, atento o disposto no art. 99.º da LOFTJ.
3.º. Às varas cíveis compete, no que agora nos interessa, a preparação e julgamento das acções declarativas cíveis de valor superior à alçada do Tribunal da Relação em que a lei preveja a intervenção do tribunal colectivo – cfr. art. 97.º/1-a) da LOFTJ.
4.º. Não se exige, pois, a efectiva intervenção do tribunal colectivo, sendo suficiente a mera previsibilidade, possibilidade ou probabilidade desse tribunal ser chamado a intervir.
5.º. Também não se exige que as acções sejam declarativas comuns, logo, as acções declarativas cíveis especiais (nelas se incluindo as acções de interdição) que tenham valor superior à alçada da Relação e em que a lei preveja a mera possibilidade de intervenção do tribunal colectivo são da competência originária das varas cíveis.
6.º. A presente acção, apesar de seguir a forma de processo especial e se regular pelas disposições que lhe são próprias e pelas disposições gerais e comuns, e no que nestas não estiver prevenido, pelas disposições do processo ordinário, é uma acção declarativa cível de valor superior à alçada da Relação – cfr. art.s 138.º a 151.º do CC e 312.º do CPC, já que é uma acção sobre o estado das pessoas e, por isso, excede o valor da alçada da Relação – e em que a lei prevê a possibilidade de intervenção do tribunal colectivo – cfr. art.s 952.º/2 e 646.º/1 do CPC.
7.º. Portanto, ab initio, a competência para preparar e julgar as acções especiais de interdição é das varas cíveis e não dos juízos cíveis.
8.º. Por isso, não há aqui lugar à aplicação do n.º 4 do art. 97.º da LOFTJ, ao contrário do defendido pelo Sr. Juiz, o qual se aplica àqueles processos que originariamente não eram da competência das varas, nomeadamente, porque o seu regime jurídico processual é muito específico, como acontece, por exemplo, com o processo de expropriação, que tem uma fase administrativa (até ser interposto recurso da arbitragem) e uma fase judicial, nesta se prevendo a intervenção do tribunal colectivo (cfr. art.s 58.º e 60.º do CExp. Aprovado pela Lei 168/99, de 18/9), independentemente do valor, a requerimento dos expropriados ou do expropriante.
9.º. Assim, ao julgar incompetente a vara, o despacho em recurso violou as normas contidas nos art.s 97.º/1-a) e 99.º da Lei 3/99, de 13.1, 138.º a 151.º do CC, 312.º, 952.º/2 e 646.º/1 do CPC.
10.º. Deve ser substituído por outro que considere competentes as varas cíveis para conhecer da presente acção especial de interdição, no caso a 6.ª Vara Cível do Porto, 2.ª secção, à qual foi distribuída.

O Sr. Juiz sustentou o seu despacho.

VI.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

Os factos com interesse são os que se deixam supra relatados.

A questão colocada é a de saber se é competente para o prosseguimento dos autos a 6.ª Vara Cível ou os juízos cíveis.

VII.
Segundo a posição assumida no despacho impugnado, a acção devia ter sido intentada nos juízos cíveis, porque na altura da sua interposição ainda não se sabia se ia ou não ser contestada, e só perante a existência de contestação é que o n.º 2 do art. 952.º do CPC prevê que se sigam os termos do processo ordinário, posteriores aos articulados.

Concordamos com este entendimento.

Não deixa de causar alguma estranheza que uma acção desta natureza possa ser decidida fora do formalismo do processo ordinário, dado que não estamos perante uma acção qualquer, mas perante uma acção de estado, cujo melindre é manifesto, porquanto se vai cercear o exercício de direitos a determinada pessoa, em virtude de se encontrar afectada de anomalia do foro psicológico.
Por conseguinte, tendo como suporte o disposto no art. 948.º do CPC, a lei adjectiva encerra a ideia de que a acção se equipara a uma acção ordinária, porquanto dispõe este preceito que «À contestação, quando a haja, seguir-se-ão os demais articulados admitidos em processo ordinário».
Todavia, o desenvolvimento da acção como ordinária só acontece quando haja contestação, primeiro através do oferecimento dos articulados admitidos nessa forma de processo (art. 948.º), depois mediante a prática dos termos do processo ordinário, posteriores aos articulados (art. 952.º/2).
No caso inverso, isto é, não havendo contestação, após o interrogatório (art. 950.º) e o exame pericial (art. 951.º), se estes fornecerem elementos suficientes, pode o juiz decretar imediatamente a interdição (n.º 1 do art. 952.º).
Quer dizer que, para se decretar imediatamente a interdição, não basta que a acção não tenha sido contestada, sendo ainda necessário que o interrogatório e o exame forneçam elementos suficientes. O que aponta para uma evidência relativamente à necessidade da interdição, que dispensa um formalismo mais rigoroso, nomeadamente por atribuição da competência a um tribunal pensado para formas de processo mais solenes, relacionadas com a complexidade dos litígios que lhe são submetidos.
Portanto, a competência inicial para estas acções, dado que só a partir da fase da contestação se tem a certeza sobre se se vai ou não seguir a forma de processo ordinária, com possibilidade de intervenção do tribunal colectivo, parece dever ser atribuída aos juízos cíveis, por força do disposto nos art.s 94.º e 99.º da LOFTJ.
Torna-se, no entanto, necessário tratar a outra hipótese prevista no art. 952.º/2.
Já falámos da possibilidade de decretação imediata da interdição, quando a acção não tenha sido contestada e haja elementos suficientes nesse sentido fornecidos pelo interrogatório e o exame do requerido.
Que sucederá quando assim não seja, isto é, quando não tenha sido deduzida oposição, mas aqueles apontados elementos não sejam determinantes da interdição sem sombra de dúvida?
Impõe o n.º 2 do art. 952.º que se sigam os termos do processo ordinário posteriores aos articulados.
Ora, se nesta hipótese de falta de contestação, não é admissível a intervenção do colectivo (art. 646.º/1 do CPC), não é menos verdade que o julgamento da matéria de facto e a prolação da sentença final incumbem ao juiz que a ele deveria presidir, se a sua intervenção tivesse tido lugar (n.º 5 do art. 646.º).
Assim, também nesta hipótese – de impossibilidade de prolação imediata de decisão após a realização do interrogatório e do exame, por falta de elementos suficientes fornecidos por estes – o processo será remetido às varas, para que o juiz que seria o competente para presidir ao colectivo dirija a instrução, faça o julgamento e profira a sentença final.

Podemos, pois, assentar nos seguintes procedimentos de competência relativamente à acção especial de interdição:
1.º. Deve a mesma ser interposta nos juízos cíveis, por poder acontecer que, por falta de oposição, se não perspective a intervenção do tribunal colectivo;
2.º. Havendo contestação, seguem-se os demais articulados previstos para o processo ordinário e, findos os mesmos, a acção será remetida às varas para posterior desenvolvimento;
3.º. Não havendo contestação e fornecendo o interrogatório e o exame do arguido elementos suficientes, será o juiz singular (juízos cíveis) a decretar imediatamente a interdição;
4.º. Não havendo contestação, mas não fornecendo o interrogatório e exame elementos suficientes, por imposição do n.º 2 do art. 952.º, conjugado com o n.º 5 do art. 646.º, os autos serão remetidos às varas, para que o juiz respectivo presida ao desenvolvimento posterior dos autos.

No caso em análise, a competência para a realização da prova preliminar a que se refere o art. 949.º (interrogatório e exame referidos nos art.s 950.º e 951.º) é dos juízos cíveis, após o que se verá se essa competência se mantém ou se passará a ser das varas.

Pelo exposto, nega-se provimento ao agravo e confirma-se o despacho em crise.

Sem custas.

Porto, 20 de Abril de 2006
Trajano A. Seabra Teles de Menezes e Melo
Mário Manuel Baptista Fernandes
Fernando Baptista Oliveira