Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0553032
Nº Convencional: JTRP00038239
Relator: FERNANDES DO VALE
Descritores: COMPETÊNCIA MATERIAL
TRIBUNAL COMUM
TRIBUNAL ADMINISTRATIVO
RATIFICAÇÃO
EMBARGO DE OBRA NOVA
Nº do Documento: RP200506270553032
Data do Acordão: 06/27/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO.
Área Temática: .
Sumário: É da competência da jurisdição administrativa e não da jurisdição comum – assim materialmente incompetente – a apreciação de procedimento cautelar de ratificação de Embargo Extrajudicial de Obra Nova, em que é embargado um Município que procedeu a obras de melhoramento do sistema de alimentação, abastecimento e distribuição da rede de iluminação pública, num espaço contíguo a prédio urbano da embargante.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto

1 – O Município .......... interpôs o presente recurso de agravo da decisão proferida, em 07.02.05, no Proc. nº .../04 da comarca de .......... (Ratificação de embargo extra-judicial de obra nova requerida por B..........), mediante a qual foram julgadas improcedentes as excepções dilatórias de incompetência absoluta, em razão da matéria, do tribunal demandado e da ilegitimidade da requerente, do mesmo passo que foi deferida a requerida ratificação.
Culminando as respectivas alegações, formulou as seguintes conclusões:
/
1ª - A requerente do embargo extrajudicial não tem legitimidade para intentar esta providência, sobretudo porque nem sequer interveio na qualidade de cabeça de casal, mas apenas por si, e como usufrutuária do imóvel descrito no ponto 1, pelo que violou o despacho que a julgou parte legítima o disposto no art. 2091º, nº1, do CC, já que a acção declarativa onde a providência iria desembocar só pode ser intentada por todos ou contra todos os herdeiros;
2ª - Além disso, a requerente não pode considerar-se como usufrutuária desse imóvel, por o respectivo acervo patrimonial de que tal imóvel fará parte ainda não se mostrar dividido e partilhado, pelo que a requerente apenas será titular de uma parte alíquota da herança e não, como pretende, de um direito certo e determinado;
3ª - O tribunal comum, neste caso especial, é também incompetente, em razão da matéria, pois a agravante, no momento do embargo, actuava no exercício do jus imperii em que está investida, ex vi da Lei nº 2110, enquanto autarquia e como pessoa colectiva de utilidade pública, praticando um acto administrativo genuíno, qual seja o de zelar pela conservação dos arruamentos públicos, de que faz parte integrante o passeio em causa;
4ª - Ora, se a requerente pretende questionar a autoridade da autarquia e obstar, assim, a que esta prossiga com a electrificação da via pública, cuja prossecução levava a cabo, no âmbito do dever que sobre si recai, carece o tribunal comum de competência, em razão da matéria, tendo-a, antes, o Tribunal Administrativo;
5ª - Nessa conformidade, por força do disposto no art. 414º do CPC – que, com referência ao disposto no art. 668º, nº1, al. d), do CPC, se mostra violado –, a obra em causa nem sequer poderia ter sido objecto de embargo extrajudicial, atenta a natureza pública do passeio;
6ª - O despacho recorrido não pode manter-se, não apenas por se tratar de uma decisão contra legem, mas também porque se omitiu o dever de conhecer de todas as questões e elementos carreados para os autos, com isso se violando o disposto nos arts. 265º, nº3, 514º, 515º, 646º, nº4, 655º, nº2 e 660º, nº2, todos do CPC;
7ª - De facto, a M.ma Juiz não deu o menor relevo à força e significado da planta do local junta em audiência – devidamente certificada pela própria agravante, única entidade, in casu, com o poder de atestar a sua autenticidade – vendo-se que a mesma respeitara ao processo da reconstrução do imóvel em causa, subscrito em nome do de cujus da herança e que acompanhava o processo instruído e regulado nos termos do art. 81º da Lei nº 2110;
8ª - A M.ma Juiz, ao arrepio das disposições combinadas nos arts. 347º, 352º, 358º, nº/s 1 e 2, do CC, não valorou devidamente esse documento, deixando de conhecer de questão relevantíssima que lhe cumpria conhecer, incorrendo, assim, na nulidade do art. 668º, nº1, al. d), do CPC, pois é o próprio de cujus a confessar à autarquia que o passeio fora do ponteado não integra o seu prédio, fazendo, antes, parte do domínio público;
9ª - Afastando-se da corrente dominante que tem vindo a ser seguida nos nossos Tribunais, na esteira do Ac. do STJ, de 05.12.75 (in BOL. 252º/156), que decidiu “serem coisas do domínio público as que se achem no uso directo e imediato do público...não sendo necessária a prática de quaisquer actos de administração, jurisdição e conservação por parte da autoridade respectiva”, optou a M.ma Juiz por privilegiar os factos 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15 e 16 da decisão que ratificou o embargo, sem ter valorado os que, também, ali se mostram assentes nos pontos 29, 30, 31, 32, 33 e 34;
10ª - No que deixou, mais uma vez, de conhecer de questão relevante que importaria ter levado em conta, apesar de se mostrar assente, e com força de caso julgado, que por ali transitam todas e quaisquer pessoas, sem a menor interferência por parte da requerente; que os funcionários da CM.......... limpam esse e outros passeios e arruamentos públicos e que a mesma CM.........., ora agravante, cobra dos feirantes a respectiva taxa pela sua ocupação nos dias de festa e nas feiras. Factos estes que absorvem e tornam irrelevantes todos os demais;
11ª - Aliás, a M.ma Juiz nem sequer atentou no Regulamento Geral das Estradas e Caminhos Municipais (Lei 2110, de 19.08.61), designadamente, nos arts. 62º e 65º, cujos normativos, mesmo sem mais nada, já apontavam, claramente, para a ilegalidade da decisão recorrida, pois “as serventias das propriedades confinantes com as vias municipais são sempre executadas a título precário...”;
12ª - Acresce que o art. 73º da citada Lei prescreve mesmo que “quando a distância entre a aresta exterior da berma da estrada e a fachada dos edifícios a construir, reconstruir ou reparar não for superior a 2m – o que é, rigorosamente, o caso, pois o passeio tem apenas 1m de largura – deverão ser calcetadas pelos proprietários a berma e a faixa de terreno entre esta e a construção, incluindo a valeta, quando existir...”;
13ª - E se dúvidas havia sobre a natureza pública deste passeio, dissipá-las-ia o § 2º do citado art. 73º, ao prescrever que “os proprietários vizinhos poderão, mediante concessão de licença e nas condições nesta impostas, estabelecer na frente dos seus prédios uma serventia, constituindo passeio corrido e sobrelevado em relação à berma, desde que a Câmara verifique que tal não é inconveniente...”;
14ª - É, pois, irrelevante, a matéria elencada nos pontos 7, 8, 9, 10, 12 e 13 da douta decisão recorrida, devendo ter-se por não escrita – ex vi do art. 646º, nº4, do CPC e Ac. Un. 14/94 – a dos pontos 5, 14, 15, 16, 18, não só por atentar contra a referida Lei nº 2110, mas também por se tratar de matéria conclusiva e estar, além disso, em oposição com a força da referida planta e com os factos assentes nos pontos 29, 30, 31, 32, 33 e 34, mostrando-se, assim, incursa na nulidade prevista no art. 668º, nº1, al. c), do CPC;
15ª - Deverá proceder o presente recurso, revogando-se, em consequência, a decisão em mérito – com o corolário arrastamento das que a antecederam e que ora vêm postas em causa – substituindo-a por outra que indefira ao requerido.
Não foram apresentadas contra-alegações, tendo a decisão agravada sido objecto de tabelar sustentação.
Corridos os vistos e nada obstando ao conhecimento do recurso, cumpre decidir.
*
2 – Na decisão agravada, tiveram-se por provados os seguintes factos:
/

1 – Está descrito, na Conservatória do Registo Predial de .........., sob o nº 01657/030997, um prédio urbano que consta de casa de rés-do-chão e andar, anexo e logradouro, sito no .......... (Rua ..........), freguesia de .......... concelho de .........., a confrontar, de Norte, com Misericórdia .........., do Sul, com C.......... e herdeiros de D.........., inscrito na matriz sob o art. 996º, o qual se encontra inscrito, pela quota G-2, a favor de E.........., casado, no regime da comunhão de adquiridos, com a requerente;
2 – E.......... faleceu, em 17.06.00, no estado de casado, em primeiras núpcias, com a requerente;
3 – Mediante testamento público lavrado no Cartório Notarial do .........., em 01.07.99, a fls. 33vº do Livro de Notas para Testamentos nº 74-T, foi legado à requerente por seu marido, E.........., o usufruto dos bens que compõem a herança, por conta da quota disponível e com observância do condicionalismo previsto no art. 2164º do CC;
4 – Da herança do referido E.........., ainda ilíquida e indivisa, faz parte o prédio mencionado em 1, que adveio ao seu património por o ter herdado de seus pais, F.......... e D..........;
5 – Deste prédio faz parte integrante uma faixa de terreno que se situa entre a parede fronteira da casa de habitação e a Rua .........., com o comprimento de cerca de 23 metros;
6 – Constituindo o que se pode denominar um “passeio”, formado por lajes e granito trabalhadas, sobrelevado em relação ao arruamento público;
7 – Este “passeio” foi construído, conjuntamente com a casa de habitação que compõe o urbano referido em 1, pelos sogros da requerente, F.......... e D.........., esta conhecida por “D1..........”, ou “D2..........”;
8 – Algumas das lajes estão parcialmente colocadas por baixo da parede fronteira da casa, que assenta sobre elas;
9 – Pelo que o edifício que integra o prédio se encontra parcialmente alicerçado nas pedras do mencionado “passeio”;
10 – Este sempre foi limpo, varrido e esfregado por requerente e antecessores e seus serviçais;
11 – Tendo por eles sempre sido arranjado e reparado;
12 – Há alguns anos, ainda em vida do marido da requerente, um camião pesado partiu algumas das lajes que o constituem, tendo elas sido repostas e pagas pelo marido da requerente;
13 – Aquando da reconstrução da casa, ocorrida na mesma altura, as juntas das lajes foram tapadas, a mando do marido da requerente;
14 – A requerente e seu marido, por si e antepossuidores, com exclusão de outrem, há mais de vinte anos ininterruptos, estão na posse do urbano referido, com todas as suas partes integrantes, incluindo o “passeio” referido em 6, praticando os actos materiais correspondentes ao direito de propriedade, tais como habitarem a casa, repará-la, fazer benfeitorias, cultivarem o quintal, colherem os seus frutos, limpar, varrer e esfregar o “passeio”, arranjá-lo e repará-lo, à vista e com o conhecimento de toda a gente, sem oposição de ninguém, pública e pacificamente, na convicção de exercer um direito próprio e assim o julgando as demais pessoas;
15 – Nunca a requerida ou a população de .......... efectuaram, no sobredito “passeio”, qualquer obra, serviço ou trabalho;
16 – Jamais nele colocaram qualquer objecto, equipamento ou material, sem autorização dos seus donos;
17 – Os passeios públicos da vila de .......... foram “arranjados”, tendo o cimento ou as lajes de pedra que constituíam alguns deles sido substituídos por pequenos cubos de pedra;
18 – Nessa altura, a requerente e seu marido pediram à requerida, “nas pessoas dos seus titulares”, que também fosse arranjado o “passeio” em causa, ao que lhes foi respondido que tal não poderia ser, pois era privado e não pertencia ao domínio público;
19 – Na manhã do dia 21 do corrente mês, funcionários ao serviço da requerida partiram uma das lajes que integra o “passeio”, escavaram um buraco, colocaram fios eléctricos, iniciando obras para aí instalarem um poste de iluminação;
20 – Sem darem conhecimento à requerente e sem lhe pedirem autorização;
21 – Assim, nesse mesmo dia, cerca das 10H30, a requerente embargou-as, extrajudicialmente, por intermédio do seu advogado;
22 – Embargo feito na pessoa dos dois trabalhadores que, aí, se encontravam (H.......... e I..........) e na de duas testemunhas, referindo-lhes para suspender e não continuar a obra que, assim, ficava embargada;
23 – O embargo extrajudicial não foi efectuado na pessoa da representante (a Presidente da Câmara Municipal de ..........) da dona da obra (o Município de ..........), porque não se encontrava presente;
24 – Também não se encontrava presente o fiscal de obras, funcionário camarário;
25 – Esse fiscal (de seu nome, J..........) foi avisado e chamado telefonicamente por um outro funcionário da requerida, o motorista, L.........., mas não se deslocou ao local;
26 – Razão pela qual o embargo foi efectuado na pessoa dos dois únicos trabalhadores presentes, por serem os únicos que no local se encontravam;
27 – Mais tarde, apareceu no local uma jurista da requerida para analisar a situação e referiu que, se o embargo estava feito, era para cumprir;
28 – A requerente, dias depois, avisou, por escrito, a legal representante da requerida dos factos mencionados de 21 a 24 e 26;
Da Oposição
29 – Entre a fachada desse prédio e o limite exterior do passeio existe uma junta;
30 – Não existe, no local em que se encontra o passeio referido em 6, qualquer solução de descontinuidade relativamente ao nivelamento do passeio público, que é perfeitamente contínuo e com toda a sua pavimentação no mesmo plano;
31 – O passeio referido em 6 é transitado por toda a gente, sem interferência por parte da requerente;
32 – Os funcionários do município limpam o passeio em causa e os passeios e arruamentos públicos;
33 – A requerida cobra dos feirantes a respectiva taxa de ocupação desse passeio; e
34 – Ao embargar a obra, a requerente não podia ignorar que estava a impedir os munícipes de verem a luminosidade nocturna melhorada.
*
3 – Como é bem sabido, são as conclusões formuladas pelo recorrente que, em princípio (exceptuando as meras razões de direito e as questões de oficioso conhecimento), delimitam o âmbito e objecto do recurso (Cfr. arts. 660º, nº2, 664º, 684º, nº3 e 690º, nº1, todos do CPC).
Assim, são as seguintes as questões suscitadas pelo agravante e que demandam apreciação e decisão por parte deste Tribunal de recurso, caso a solução dada às, processualmente, precedentes não prejudique a abordagem e decisão das, também processualmente, subsequentes:
/
I – (In)competência, em razão da matéria, do Tribunal recorrido;
II – Ilegitimidade da requerente;
III – Mérito da decretada providência cautelar, sustentando o agravante que esta, a ser objecto de apreciação judicial, deveria ter sido indeferida.
Vejamos, pois, pela enunciada ordem e com observância da eventual preclusão parcial de conhecimento que ficou assinalada.
*
4 – I – Preliminarmente, impõe-se acentuar que o caso em apreço se encontra submetido à disciplina legal introduzida pelas Leis nº/s 13/2002, de 19.02, alterada pelas Leis nº/s 4-A/2003, de 19.02 e 107-D/2003, de 31.12 (“Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais” – ETAF), com início de vigência genérica (e na parte que, aqui, interessa), em 01.01.04, e pela Lei nº 15/2002, de 22.02 (“Código de Processo nos Tribunais Administrativos” – CPTA).
Como, a propósito, assinalam os Profs. Diogo Freitas do Amaral e Mário Aroso de Almeida (in “Grandes Linhas da Reforma do Contencioso Administrativo”, 3ª Ed., págs. 34/35):...“Nas propostas de lei que o Governo apresentou à Assembleia da República, foi assumido o propósito de pôr termo a essas dificuldades” (suscitadas pela delimitação do âmbito da jurisdição administrativa em matéria de responsabilidade civil e de contratos), “consagrando um critério claro e objectivo de delimitação nestes dois domínios. A exemplo do que, como vimos, acabou por suceder em matéria ambiental, o critério em que as propostas se basearam foi o critério objectivo da natureza da entidade demandada: sempre que o litígio envolvesse uma entidade pública, por lhe ser imputável o facto gerador do dano ou por ela ser uma das partes no contrato, esse litígio deveria ser submetido à apreciação dos tribunais administrativos. Propunha-se, assim, que a jurisdição administrativa passasse a ser competente para a apreciação de todas as questões de responsabilidade civil que envolvessem pessoas colectivas de direito público, independentemente da questão de saber se tais questões se regem por um regime de direito público ou por um regime de direito privado... (...) Em defesa desta solução, sustentava-se na Exposição de Motivos do ETAF que, se a Constituição faz assentar a definição do âmbito da jurisdição administrativa num critério substantivo, centrado no conceito de “relações jurídicas administrativas e fiscais”, a verdade é que ela “não erige esse critério num dogma”, porquanto “não estabelece uma reserva material absoluta”. Por conseguinte, “a existência de um modelo típico e de um núcleo próprio da jurisdição administrativa e fiscal não é incompatível com uma certa liberdade de conformação do legislador, justificada por razões de ordem prática, pelo menos quando estejam em causa domínios de fronteira, tantas vezes de complexa resolução, entre o direito público e o direito privado” (...) O art. 4º do ETAF só veio a consagrar, no essencial, estas propostas no domínio da responsabilidade civil extracontratual. Já não no que toca aos litígios emergentes de relações contratuais”...
E, mais adiante (págs. 62), ainda que em diferente temática, ponderam os mesmos conceituados autores: “Pese embora o reconhecimento de princípio de que os tribunais administrativos já podiam, até aqui, conceder providências cautelares não especificadas, recorrendo, para o efeito, à aplicação subsidiária do CPC, a verdade é que, na prática, a tutela cautelar no contencioso administrativo português continuou, até hoje, a centrar-se essencialmente no instituto da suspensão da eficácia de actos administrativos, que, como é sabido, padece de evidentes insuficiências (...) O CPTA, nesta matéria, estabelece, no art. 112º, que os tribunais administrativos passam a poder adoptar toda e qualquer providência cautelar, antecipatória ou conservatória, que se mostre adequada a assegurar a utilidade da sentença a proferir num processo principal – com o que se limita, de resto, a dar cumprimento ao que, neste preciso sentido, determina o art. 268º, nº4, da CRP”.
Por outro lado, por via das assinaladas reformas, passou a ser admissível apresentar junto dos tribunais administrativos todo o tipo de pedidos tendentes à tutela dos direitos e interesses legalmente protegidos do A., à semelhança do que se passa no processo civil (art. 2º, do CPTA), sendo meramente exemplificativa a enumeração do tipo de pedidos admissíveis na acção administrativa comum, dada a indispensabilidade de assegurar uma tutela jurisdicional efectiva a todo o tipo de posições jurídicas que não se insiram no âmbito objectivo da acção administrativa especial (nº/s 1 e 2 do art. 37º do CPTA).
/
II – A providência cautelar a que respeita o presente agravo tem subjacente um contencioso relativo ao estatuto jurídico (designadamente, se de propriedade privada ou pública) do pequeno espaço contíguo a um prédio urbano de que a requerente – agravada se diz titular e onde o requerido – agravante, através de pessoal ao seu serviço, levava a cabo actos materiais conducentes ao melhoramento do sistema de alimentação, abastecimento e distribuição da rede de iluminação pública, no exercício e em cumprimento de uma das atribuições legais que lhe são cometidas. Daí que, se nos confrontássemos com a aplicação do anterior ETAF, não se nos oferecessem dúvidas de que para o conhecimento de tais questões seriam competentes, em razão da matéria, os tribunais comuns, atento o preceituado no respectivo art. 4º, nº1, al. f), por via do qual eram excluídos da jurisdição administrativa e fiscal os recursos e acções que tivessem por objecto...questões de direito privado, ainda que qualquer das partes fosse pessoa de direito público.
Contudo, perante a assinalada evolução legislativa e que, aqui, tem de ser tida em conta, subscrevemos, ainda que não isentos de dúvidas, o entendimento contrário, sustentado nos acentuados pilares em que foi erigida a correspondente reforma, reforçados com os seguintes considerandos:
/
a) – Como já ficou assinalado, no actual ETAF (respectivo art. 4º, nº2), não foram, expressamente, excluídas do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal as “questões de direito privado, ainda que qualquer das partes seja pessoa de direito público”, ao contrário do ocorrido com o pré – vigente ETAF (respectivo art. 4º, nº1, al. f));
b) – Nos termos do art. 1º, nº1, do vigente ETAF, “Os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais” (Sublinhámos). Sendo certo que, na definição de J.C. Vieira de Andrade (in “A Justiça Administrativa” – Lições, 3ª Ed., 2000, págs. 79), as relações jurídicas administrativas são “aquelas em que um dos sujeitos, pelo menos, é uma entidade pública ou uma entidade particular no exercício de um poder público, actuando com vista à realização de um interesse público legalmente definido” (Em sentido coincidente, Ac. desta Relação, de 07.12.2000 – Cons. – actualmente – Afonso Correia);
c) – Nos termos do disposto no art. 113º, do CPTA: “O processo cautelar depende da causa que tem por objecto a decisão sobre o mérito, podendo ser intentado como preliminar ou como incidente do processo respectivo (1) O processo cautelar é um processo urgente e tem tramitação autónoma em relação ao processo principal, sendo apensado a este (2) Quando requerida a adopção de providências antes de proposta a causa principal, o processo é apensado aos autos logo que aquela seja intentada (3)”. Assim, atendendo a que, na acção principal de que a providência cautelar decretada é dependência, poderá ser também formulado o pedido de condenação da pessoa colectiva de direito público, com base na respectiva responsabilidade civil extracontratual, o que determina a atribuição da respectiva competência, em razão da matéria, à jurisdição administrativa (Cfr. art. 4º, nº1, al. g), do vigente ETAF), pelo menos por conexão legalmente imposta, a correspondente competência para o processamento daquela providência também terá de ser atribuída à jurisdição administrativa.
Em suma, ainda que se reconheça que a questão não é desprovida de melindre jurídico, entendemos que assiste razão ao agravante, quando, perante a vigente legislação administrativa, argui a incompetência, em razão da matéria, do Tribunal comum para o processamento e conhecimento da decretada providência cautelar, antes assistindo tal competência aos Tribunais que integram a jurisdição administrativa. Estando, assim, prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas pelo agravante e, processualmente, situadas “a jusante” (Cfr. art. 660º, nº2, do CPC).
*
5 – Em face do exposto, acorda-se em conceder provimento ao agravo, em consequência do que se revoga a, não obstante, douta decisão recorrida, a substituir por outra que, declarando incompetente, em razão da matéria, o Tribunal demandado, por tal competência ser da jurisdição administrativa, absolva o requerido da instância (Cfr. arts. 101º e 105º, nº1, ambos do CPC).
Custas, em ambas as instâncias, pela requerente – agravada.
/

Porto, 27 de Junho de 2005
José Augusto Fernandes do Vale
António Manuel Martins Lopes
Rui de Sousa Pinto Ferreira