Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0021365
Nº Convencional: JTRP00031157
Relator: SOARES DE ALMEIDA
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
DECISÃO CONDENATÓRIA
JUROS DE MORA
SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA
Nº do Documento: RP200103130021365
Data do Acordão: 03/13/2001
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: T CIV PORTO 5J
Processo no Tribunal Recorrido: 792-A/95-2S
Data Dec. Recorrida: 11/21/1997
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO.
Área Temática: DIR PROC CIV - PROC EXEC.
DIR CIV - DIR OBG.
Legislação Nacional: CPC95 ART45 N1.
CCIV66 ART805 ART806 ART829-A N4.
Sumário: Se o título executivo for uma sentença condenatória no pagamento de determinada quantia em dinheiro, apesar de essa sentença não fazer referência a juros, podem incluir-se no requerimento executivo os juros legais, pela mora, posteriores ao trânsito em julgado da sentença, bem como os juros à taxa de 5% a título de sanção pecuniária compulsória
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto

C....., N.V. instaurou na comarca do Porto, por apenso à acção ordinária que moveu contra P....., Lda, execução de sentença com vista ao pagamento coercivo da quantia de 2.000.100$00, bem como dos juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal de 15%, e ainda dos juros compensatórios, à taxa de 5%.
O requerimento inicial foi, porém, liminarmente indeferido na parte atinente aos juros.
Inconformada com tal decisão, agravou a Exequente que, nas alegações apresentadas, formula as seguintes conclusões:
- O título dado à execução reveste natureza contratual pois, não obstante a sua forma judicial, resulta da convergência de duas manifestações de vontade opostas, mas confluentes num propósito comum.
- Desta natureza fluem, em linha recta, duas vertentes: a regulação do normal desenvolvimento do acordado, sob a forma de cumprimento pontual das obrigações, e a previsão das suas vicissitudes, sob a veste de incumprimento, mora, ou cumprimento defeituoso.
- Nem todas as obrigações de sinal positivo decorrem directamente do texto do acordo firmado, algumas existindo que têm fonte legal, e fluem da simples aplicação das normas vigentes ao reconhecimento de existência de direitos e deveres, como sejam os deveres gerais de boa fé e as imposições laterais e acessórias.
- O mesmo sucede quanto às obrigações de sinal negativo, já que o credor insatisfeito se encontra investido na panóplia de direitos legais que antecedem o artigo 809º do Código Civil, tão só pela sua natureza de titular de uma prestação creditícia incumprida.
- Até porque, modos de vinculação existem, como os títulos cambiários, cuja tipificação é incompatível com a fixação contratual dos direitos do credor.
- Assim, a inexistência de cláusulas penais não é identificável com a renúncia aos legais direitos decorrentes da responsabilidade contratual.
- Pelo que, a sua falta investe a Agravante ope lege nos direitos potestativos consagrados nos artigos 559º, 805º, 806º, 809º e 929º-A do Código Civil, e Portaria nº 1171/95, de 25 de Setembro.
- Direitos tão exequíveis quanto o título que lhes serve de causa eficiente.
- E cujo prévio reconhecimento por meio de acção declarativa seria cominado com a sanção prevista na alínea c) do nº 2 do artigo 449º do Código de Processo Civil.
- Uma vez que o cômputo de juros legais moratórios e compensatórios é subsumível à norma do artigo 805º do Código de Processo Civil, no que toca às operações de liquidação aritmética da quantia exequenda.
- Assim, o petitório de juros moratórios e compensatórios tem sede no titulo executivo e fonte na lei.
- Pelo que, ao indeferir parcialmente o requerimento executivo, o Tribunal fez errada interpretação dos artigos 449º, nº 2, alínea c) e 805º do Código de Processo Civil, bem como dos artigos 559º, 805º, 806º, 809º e 929º-A do Código Civil, e da Portaria nº 1171/95, de 25 de Setembro.
A Executada não contra-alegou.
O Sr. Juiz a quo sustentou o despacho.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
Cinge-se o objecto do recurso à questão de saber se a execução poderá abranger os juros pedidos.
Eis os factos com relevo para a decisão do agravo:
Em transacção efectuada no processo principal, acordaram as partes nas seguintes cláusulas:
- A Autora fixa o pedido em 2.000.100$00 (dois milhões e cem escudos) que será pago pela Ré em 10 prestações trimestrais no montante de 210.000$00 (duzentos e dez mil escudos).
- O vencimento da primeira prestação decorrerá em 1 de Junho de 1997, vencendo-se as restantes no primeiro dia útil dos trimestres subsequentes.
- A Ré desiste do pedido reconvencional.
- A falta de pagamento de qualquer das prestações implica o vencimento das restantes.
- Custas em dívida a juízo em partes iguais, prescindindo ambos de custas de parte e de procuradoria.
Tal transacção foi judicialmente homologada por sentença de 20-2-1997, condenando nos precisos termos.
Toda a execução – diz o artigo 45º, nº 1 do Código de Processo Civil – tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva.
Como se ensina no Manual de Processo Civil, 2ª edição, de Antunes Varela e outros, “títulos executivos são os documentos (escritos) constitutivos ou certificativos de obrigações que, mercê da força probatória de que estão munidos, tornam dispensável o processo declaratório (ou novo processo declaratório) para certificar a existência do direito do portador”.
O título executivo corresponde, na acção executiva, à causa de pedir (Eurico Lopes-Cardoso, Manual da acção Executiva, 3ª edição, pág. 23).
Munido de um título de tal natureza, não carece o exequente de justificar o direito que pretende fazer cumprir com a execução.
Pois bem.
Não tendo a sentença que serve de título executivo condenado no pagamento de quaisquer juros, dado a transacção efectuada a eles se não referir também, somos tentados, numa primeira aproximação da lei, a concluir que a Agravante não dispõe de título que cubra essa parte do requerimento executivo.
Há, aliás, abundante jurisprudência nesse sentido.
Por exemplo no Acórdão da Relação de Coimbra de 10-3-87, Col. Jurisp., Ano XII, tomo 2, pág. 67, que versa sobre um caso idêntico ao dos autos, afirma-se o seguinte:
“Não se nega que a mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor (art. 804º, nº 1), que na obrigação pecuniária a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora (art. 806º, nº 1), e que a presunção de danos causados pela mora nas obrigações pecuniárias é juris et de jure.
O que se afirma é que, não constando do título executivo a condenação em juros, estes não podem ser pedidos na acção executiva porque nesta não se pode ir além da condenação”.
E um pouco mais à frente:
“Há uma autonomia do crédito de juros, como claramente resulta do art. 561º do Cód. Civil que estabelece que desde que se constitui, o crédito de juros não fica necessariamente dependente do crédito principal, podendo qualquer deles ser cedido ou extinguir-se sem o outro”.
Curiosamente constata-se um entendimento oposto quando os títulos dados à execução sejam letras, livranças ou cheques.
Nesse caso, havendo lei que confere ao portador o direito de reclamar, além do pagamento da quantia inscrita no título, juros desde a data do vencimento e certas despesas (conf. artigos 48º e 77º da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças e artigo 45º da Lei Uniforme sobre Cheques), tem-se entendido correntemente que tais títulos são exequíveis tanto pelo seu montante como pelos juros e despesas referidas.
Ora não vislumbramos por que razão haja de ser assim no caso dos referidos títulos de crédito e já não em casos como o dos autos.
No Acórdão desta Relação de 13-5-86 (Proc. nº 19.193, 1ª Secção), num caso de execução de sentença que se não pronunciara sobre a questão dos juros de mora e em que o exequente incluiu no pedido executivo juros a partir da citação na acção declarativa, decidiu-se que, por falta de título executivo, até ao trânsito em julgado da sentença, não podiam tais juros ser contemplados, mas já deviam ser considerados os juros posteriores a esse momento.
Afirma-se aí o seguinte:
“É de salientar que em qualquer acção só se formula um pedido de juros quando se pretende exigi-los a partir de um momento anterior à sentença (data em que contratualmente a obrigação devia ser cumprida, data da interpelação extrajudicial, data da citação para a acção ...). Se o credor só pretender exigir juros que se vençam a partir da sentença, não tem obviamente que os pedir na acção, omitindo por isso o pedido de juros.
Na verdade, a partir do trânsito em julgado da sentença condenatória que impôs o pagamento de uma quantia em dinheiro, o devedor fica em situação de mora se não pagar. As consequências dessa mora, no plano da indemnização, resultam directamente de preceitos legais, sendo dispensável por isso que figurem no título executivo”.
O mesmo pensamento se colhe no Acórdão da Relação de Évora de 9-12-88, cujo sumário se encontra publicado no Bol. Min. Just. nº 382, pág. 546, no sentido de que quando a sentença condenatória compreenda uma ordem de cumprimento de obrigação pecuniária e não haja condenação em juros, o pedido do exequente pode abranger o crédito do capital e o dos respectivos juros de mora, à taxa legal, a contar da data da notificação da sentença ao executado.
Em Acórdão proferido no Proc, nº 1023/94, 2ª Secção, que vimos seguindo de perto até porque foi subscrito como adjunto pelo aqui relator, voltou esta Relação do Porto a afastar-se da tese dominante, que assenta numa interpretação literal do citado artigo 45º, nº 1 e não merece, a nosso ver, ser seguida.
Por outro lado, estabelece o nº 4 do artigo 829º-A do Código Civil que quando for estipulado ou judicialmente determinado qualquer pagamento em dinheiro corrente, são automaticamente devidos juros à taxa de 5% ao ano, desde a data em que a sentença de condenação transitar em julgado, os quais acrescerão aos juros de mora, se estes forem também devidos, ou à indemnização a que houver lugar.
Enquanto na sanção pecuniária compulsória prevista no nº 1 do citado artigo 829º-A o tribunal é chamado a fixá-la segundo critérios de razoabilidade (conf. o nº 2 do mesmo artigo) naquela outra – a prevista no nº 4 – o legislador disciplina-a ele próprio, estabelecendo o seu montante e o momento a partir do qual é devida.
Porque prevista e disciplinada por lei pode falar-se aqui de sanção pecuniária compulsória legal, enquanto que à sanção que tem de ser ordenada e fixada pelo juiz poderá chamar-se sanção pecuniária compulsória judicial.
O escopo de ambas, porém, é o mesmo: levar o devedor a encarar as coisas a sério e a não desprezar o interesse do credor e o tribunal (Calvão da Silva, Sanção Pecuniária Compulsória, BMJ nº 359, pág. 101).
Os juros à taxa de 5% ao ano, constituindo sanção pecuniária compulsória aplicável às obrigações pecuniárias em geral – e não apenas às cláusulas penais fixadas em dinheiro e às sanções pecuniárias compulsórias decretadas pelo tribunal nos termos prescritos no nº 1 do referido artigo, como pretendem Pires de Lima e Antunes Varela no Código Civil Anotado, Vol. II, 3ª edição, pág. 108 – são devidos automaticamente, conforme já salientamos.
Resulta daí que o credor não necessita de pedir, na acção declarativa, a condenação do devedor na sanção pecuniária compulsória prevista no nº 4 do citado artigo 829º-A.
Basta, conforme entendimento corrente, que a reclame no requerimento inicial da acção executiva (conf. Acórdão do STJ de 5-6-97, BMJ nº 468, pág. 315 e ainda Acórdãos desta Relação de 9-5-91 e da Relação de Évora de 11-4-96, Col. Jurisp., Ano XVI, tomo I, pág. 228, e Ano XXI, tomo II, pág. 278).
Não devia, pois, ter sido decretado o indeferimento liminar parcial do requerimento executivo: os juros à taxa de 5% ao ano a título de sanção pecuniária compulsória são devidos automaticamente, ex lege, assim como decorrem directamente da lei os juros posteriores ao trânsito em julgado da sentença que condene no pagamento de um determinada quantia em dinheiro, visto a notificação dessa sentença ao devedor valer por interpelação para efeitos do artigo 805º, nº 1 do Código Civil, não sendo por isso necessário que uns e outros figurem no título executivo.
Nos termos expostos, dá-se provimento ao agravo, revogando-se o despacho recorrido e decidindo-se que a execução prossiga nos termos requeridos pela Agravante.
Sem custas, por delas estar isenta a Agravada nos termos do artigo 2º, nº 1, alínea o) do Código das Custas Judiciais).
Porto, 13 de Março de 2001
Armando Fernandes Soares de Almeida
Pedro Silvestre Nazário Emérico Soares
Eurico Augusto Ferreira de Seabra