Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0326268
Nº Convencional: JTRP00038132
Relator: MARQUES DE CASTILHO
Descritores: SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
CAUSA PREJUDICIAL
Nº do Documento: RP200505310326268
Data do Acordão: 05/31/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Área Temática: .
Sumário: I - Uma causa é prejudicial em relação a outra quando a decisão daquela pode prejudicar a decisão desta, isto é, quando a procedência da primeira tira a razão de ser à existência da segunda.
II - Importa que a causa prejudicial esteja proposta no momento em que se ordena a suspensão, sendo indiferente a circunstância de ainda não estar proposta no momento em que se instaurou a causa dependente.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto

Relatório

O BANCO....., SA ,
intentou acção declarativa com processo ordinário contra
B.....,
ambos já melhor identificados com os sinais dos autos na qual pede a condenação da mesma a pagar ao A. a quantia de Euros 142.711,15 (cento e quarenta e dois mil setecentos e onze euros e quinze cêntimos), bem como os juros de mora vincendos sobre o capital de cada uma das letras que se indicam infra, às taxas e sobretaxa peticionadas na respectiva proposta de desconto e ainda o imposto de selo calculado de acordo com o número 17 da Tabela de acordo com o artigo 3° do Código do Imposto de Selo, aprovado pela Lei n° 150/99 de 11 de Setembro, desde a data da propositura até efectivo e integral pagamento.
- letra de Esc. 450.000$00 (contravalor de Euros 2.244,59), saque de B..... e aceite de C....., com vencimento em 30.09.00 (cfr. doc. n.º2);
-letra de Esc. 300.000$00 (contravalor de Euros 1.496,39), saque de B..... e aceite de D....., com vencimento em 04.10.00 (cfr. doc. n.º3);
- letra de Esc. 300.000$00 (contravalor de Euros 1.496,39), saque de B..... e aceite de D....., com vencimento em 04.11.00 (cfr. doc. n.º3);
- letra de Esc. 700.000$00 (contravalor de Euros 3.491,59), saque de B..... e aceite de E....., com vencimento em 14.10.00 (cfr. doc. n.º4);
- letra de Esc. 750.000$00 (contravalor de Euros 3.740,98), saque de B..... e aceite de F..... e G....., com vencimento em 22.10.00 (cfr. doc. n.º5);
- letra de Esc. 750.000$00 (contravalor de Euros 3.740,98), saque de B..... e aceite de F..... e G....., com vencimento em 22.11.00 (cfr. doc. n.º5);
- letra de Esc. 350.000$00 (contravalor de Euros 1.745,79), saque de B..... e aceite de C....., com vencimento em 30.09.00 (cfr. doc. n.º6);
- letra de Esc. 562.500$00 (contravalor de Euros 2.805,74), saque de B..... e aceite de G....., com vencimento em 22.11.00 (cfr. doc. n.º7);
- letra de Esc. 420.750$00 (contravalor de Euros 2.098,69), saque de B..... e aceite de D....., com vencimento em 27.11.00 (cfr. doc. n.º8);
- letra de Esc. 184.500$00 (contravalor de Euros 920,28), saque de B..... e aceite de D....., com vencimento em 27.11.00 (cfr. doc. n.º9);
- letra de Esc. 270.000$00 (contravalor de Euros 1.346,75), saque de B..... e aceite de D....., com vencimento em 27.10.00 (cfr. doc. n.º10);
- letra de Esc. 675.000$00 (contravalor de Euros 3.366,88), saque de B..... e aceite de G....., com vencimento em 27.11.00 (cfr. doc. n.º11);
- letra de Esc. 13.450.000$00 (contravalor de Euros 67.088,32), saque de B..... e aceite de H....., com vencimento em 08.12.00 (cfr. doc. n.º12);
- letra de Esc. 270.000$00 (contravalor de Euros 1.346,75), saque de B..... e aceite de D....., com vencimento em 24.10.00 (cfr. doc. n.º13);
- letra de Esc. 48.969$00 (contravalor de Euros 244,26), saque de B..... e aceite de F....., com vencimento em 27.11.00 (cfr. doc. n.º14);
- letra de Esc. 1.540.000$00 (contravalor de Euros 7.681,49), saque de B..... e aceite de D....., com vencimento em 18.02.01 (cfr. doc. n.º15);
-letra de Esc. 736.950$00 (contravalor de Euros 3.675,89), saque de B..... e aceite de I....., com vencimento em 10.11.00 (cfr. doc. n.º16);-

Alegou para tanto que no exercício da sua actividade procedeu ao desconto dos aludidos títulos cambiários com o correspondente lançamento a crédito na conta à ordem da Ré de que é titular na Agencia em..... obrigando-se esta a reembolsar aquele da importância em causa mediante o pagamento das letras na data do seu vencimento o que não tem feito apesar das diligencias desenvolvidas para tal fim estando deste modo em divida para alem do valor inerente às mesmas igualmente o montante correspondente às taxas de juro convencionadas.
Após citação da Ré que suscitou além do mais a excepção de litispendencia dado que o Banco se encontrava a mover contra os aceitantes e avalistas das letras descontadas pela Ré as correspondentes execuções foi após apresentação da replica na qual veio reduzir o pedido relativamente às letras mencionadas de 300 000$00 bem como de 184 500$00 e 420 750$00 aceites por D..... e outra de 700 000$00 aceite por E..... proferida decisão na qual se julgou tal excepção improcedente, tendo igualmente o Mmº Juiz proferido despacho no sentido de convidar a Ré a juntar as certidões correspondentes aos aludidos processos, após o que considerou, conforme decisão ora objecto do presente recurso a fls. 152 e 153 dos autos julgar de harmonia com o estatuído no artigo 279º nº 1 do Código Processo Civil, como serão todas as outras disposições legais infra citadas de que se não faça menção especial, verificados os pressupostos determinantes da suspensão da instância por existência de prejudicialidade que caracteriza nos seguintes termos:
“A presente acção tem por fundamento a alegada solicitação pela R. ao Banco Autor do desconto de várias letras, mediante as respectivas propostas de desconto, com o respectivo crédito da conta da R. dessas quantias. As execuções a que se referem as certidões juntas aos autos a fls. 121 e ss foram instauradas contra aceitantes/avalistas das mesmas letras, fundando as execuções precisamente nesses actos praticados pelos aceitantes/avalistas, tendo igualmente sido deduzido embargos a essas execuções.
Desta factualidade, resulta que se porventura a presente acção for julgada procedente acabará por, simultaneamente, o Banco obter pela via declarativa e executiva o mesmo direito, ainda que relativamente a sujeitos distintos (descontantes/aceitantes/avalistas), verificando-se, assim, os pressupostos legais para que se suspenda a presente instância até que as execuções também instauradas pelo aqui Autor tenham o respectivo termo, por pagamento ou por falta dele, com base na prejudicialidade e ao abrigo do disposto no art. 279° n°1 do CPC, o que se determina.”

Perante o teor deste despacho inconformado veio o banco Autor tempestivamente interpor o presente recurso de agravo tendo para o efeito nas alegações oportunamente apresentadas aduzir a seguinte matéria conclusiva que passamos a reproduzir:
1. Uma causa é prejudicial relativamente a outra quando o julgamento de uma pode vir a afectar o julgamento a proferir na outra, quando a decisão da primeira seja susceptível de fazer desaparecer o fundamento da segunda que será então improcedente.
2. A finalidade deste instituto consiste em evitar que uma mesma questão seja objecto de decisões desencontradas e incoerentes, bem como a existência de casos julgados contraditórios.
3. No caso dos autos, não se verificam os pressupostos de que a lei faz depender a verificação da prejudicialidade, porquanto a decisão a proferir nestes autos em nada depende do resultado das acções executivas interpostas. Tratam-se de devedores diferentes, relações jurídicas diferentes, que são perfeitamente autónomas entre si e que em nada contendem umas com as outras,
4. Fazer depender o prosseguimento da presente acção do desfecho dos processos executivos instaurados é ir para além do espírito do legislador que esteve na génese da consagração do artigo 2790 do C.P.C.
5. A suspensão da presente acção com fundamento na prejudicialidade traduz-se, na prática, numa diminuição das garantias do recorrente porquanto este não poderá exercer o seu direito relativamente a um dos co-devedores, cujo património fica assim retirado do seu alcance executório e que pode ser livremente dissipado.
6. Nos presentes autos é peticionado o reconhecimento de um direito, não se vislumbrando que a simples condenação da recorrida possa depender do resultado das demais execuções propostas.
7. A própria noção de prejudicialidade pressupõe a existência de duas acções, estando as execuções de fora da previsão do nº1 do artigo 279º. Não é, por isso, possível determinar a suspensão de uma acção com base na existência de um processo executivo.
8. A sentença recorrida violou, por deficiente aplicação, o disposto no artigo 279° nº1 do C.P.C. e o artigo 9° do Código Civil.
Termina pedindo que seja dado provimento ao presente recurso, revogando-se o despacho recorrido.

Foram apresentadas contra alegações nas quais se pugna pela manutenção da decisão.
Mostram-se colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Adjuntos pelo que importa decidir.

THEMA DECIDENDUM
A delimitação objectiva do recurso é feita pelas conclusões dos recorrentes, não podendo este Tribunal em princípio decidir sobre matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso, artigos 684º nº3 e 690º nº1 e 3.
A questão que está subjacente no âmbito de apreciação do recurso traduz-se em determinar se o objecto da presente acção em que se pede a condenação da Ré pelo reconhecimento da divida inerente ao desconto bancário operado pelo desconto e seu pagamento em constitui questão prejudicial relativamente a outras acções executivas relativas aos mesmos títulos em que são demandados os intervenientes cambiários aceitantes e avalistas.

DOS FACTOS E DO DIREITO
Para além do já referido supra no relatório importa mencionar que conforme certidões juntas aos autos encontram-se pendentes a execução ordinária nº 531/2002 movida contra D..... e respectivos embargos de executado com o nº 531-A/2002 bem como as execuções com processo ordinário nº 464/02 movida contra C....., nº 510/02 movida contra G..... nº 532/02 movida contra H..... nº 769/02 movida contra I..... conforme documentos juntos aos autos.
Vejamos
Dispõe o nº1 do art. 276º que a instância suspende-se entre outras situações elencadas no normativo “quando o tribunal ordenar a suspensão;” referindo ainda o nº1 do art. 279º que “o tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado”.
Por sua vez, estatui o nº2 do mesmo normativo que:
“Não obstante a pendência de causa prejudicial, não deve ser ordenada a suspensão se houver fundadas razões para crer que aquela foi intentada unicamente para se obter a suspensão ou se a causa dependente estiver tão adiantada que os prejuízos da suspensão superem as vantagens”.
Nestes dispositivos legais prevêem-se as situações em que, sob o ponto de vista da fonte de que procede a suspensão, esta opera por vontade do magistrado jussu judicis, por oposição àquelas que resultam de causa legal ope legis, existindo sempre de qualquer modo um despacho judicial a ordenar tal estado [Ver M. Andrade , Lições pág. 481] traduzindo-se a diferença no seguinte:
- se a suspensão resulta ope legis o despacho limita-se a dar cumprimento ao ordenamento legal, sem que seja licito ao Magistrado exercer qualquer espécie de valorização ou apreciação, por outro lado,
- se a suspensão se produz jussu judicis, é ao Juiz que compete emitir o juízo sobre o facto ou acontecimento e decidir perante ele se deve ou não ordenar a suspensão da instância ou seja, é o Magistrado que, colocado perante o evento material, compete apreciar se deve ou não atribuir-lhe efeito ou eficácia suspensiva.
Dentre estas situações e atenta a classificação baseada na natureza intrínseca dos factos o ilustre processualista Prof. Alberto dos Reis in Comentário ao Código Processo Civil Vol. 3º- pág. 233 refere que os casos previstos no artigo 284º hoje 1ª parte do artigo 279º são os designados por "incerteza" por antítese aos casos de "impedimento" e de inobservância dos preceitos fiscais que apelida de "conveniência processual" onde engloba as situações da 2ª parte do actual artigo 279º, ou seja, "quando ocorra outro motivo justificado".
Caberá então perguntar quando deve entender-se que a decisão duma causa depende do julgamento de outra já proposta?
Ou seja, a determinação da prejudicialidade de uma causa relativamente a outra, e desde logo, a questão de saber se a causa prejudicial há-de ser necessariamente anterior à causa dependente, ou deve ser tomada em consideração mesmo no caso de ser proposta depois de estar em juízo a causa dependente.
A questão já versada na jurisprudência acolheu a orientação unânime [Vide Acs Rel. Coimbra de 14/7/8 in BMJ 311-442, 27/3/84 in BMJ 335-351, 18/12/84 in CJ 1984 tomo V-101, 2/10/85 in BMJ 350-399, 17/11/87 in BMJ 371-560, Ac. Rel. Porto 18/12/84 in BMJ 342-447.] de que o que importa e é necessário é que a causa prejudicial esteja proposta no momento em que se ordena a suspensão, nada interferindo a circunstância de ainda não estar proposta no momento em que se instaurou a causa dependente.

Na verdade a expressão "já proposta" respeita manifesta e claramente ao momento em que o juiz profere o despacho de suspensão, dado que se encontra em correlação com a outra prévia "o tribunal pode ordenar a suspensão".
Além disso o nº 2 evidencia de modo insofismável que igualmente se quis admitir a suspensão, com o fundamento de pendência de causa prejudicial proposta depois da causa a suspender, quando se refere que a suspensão não deve ser ordenada quando existirem fundadas razões para crer que a causa prejudicial foi intentada unicamente para se obter a suspensão, ou e ainda, quando se refere in fine do mesmo normativo "se a causa dependente estiver tão adiantada que os prejuízos da suspensão superem as vantagens".
Apreciemos então a questão da prejudicialidade ou dependência das acções.
Citando uma vez mais Alberto dos Reis in Comentário ao Código Processo Civil Vol. 3º pág. 206 doutrina que "uma causa é prejudicial em relação a outra quando a decisão daquela pode prejudicar a decisão desta, isto é quando a procedência da primeira tira a razão de ser à existência da segunda" ou seja, tal situação ocorre quando na causa prejudicial esteja a apreciar-se uma questão cuja sentença possa modificar ou destruir o fundamento ou a razão de ser da segunda, uma situação jurídica que tem de ser considerada para a decisão de outro pleito, só existindo verdadeira prejudicialidade e dependência quando na primeira causa se discuta, em via principal, uma questão que é essencial para a decisão da outra causa [Cfr. Ac. Rel. Lisboa de 20/3/70 in JR 16º- 256]
Ou, mais ainda, como sustenta A. dos Reis citando o Prof. M. de Andrade " ... uma questão que é essencial para a decisão da segunda e que não pode resolver-se nesta em via incidental, como teria de o ser, desde que a segunda causa não é a reprodução, pura e simples da primeira".
Acrescenta que nada impede que se alargue a noção de prejudicialidade a outros casos, tais como, considerar-se prejudicial em relação a outro em que se discute a título incidental uma dada questão, o processo em que a mesma questão é discutida a título principal [Para Rodrigues Bastos, in Notas ao C.P.Civil, vol. II, pág. 45, a decisão de um causa depende da decisão de outra, quando na causa prejudicial esteja a apreciar-se uma questão cuja resolução possa modificar uma situação jurídica que tem de ser considerada para decisão de outro facto.
Também, para Lebre de Freitas, in Código de Processo Civil Anotado, 1º vol., pág. 501 a causa prejudicial deve ser entendida por aquela que tenha por objecto pretensão que constitui pressuposto da formulada].
E exemplifica que na verdade existem casos em que a questão pendente na causa prejudicial não pode discutir-se na causa subordinada v.g. acção de anulação de casamento e acção de divórcio e há outros em que pode discutir-se nesta, mas apenas a título incidental tais como por exemplo acção de anulação de contrato e acção a exigir o seu cumprimento ou a acção de dívida e a acção pauliana proposta pelo autor daquela.
Poderá ainda definir-se a prejudicialidade como a situação proveniente da impossibilidade de apreciar um objecto processual, o objecto processual dependente, sem interferir na análise de um outro, o objecto processual prejudicial - cfr. Ac. do STJ. de 18/2/93, in BMJ. nº424, pág. 587, citando Miguel Teixeira de Sousa.
No sentido de que a prejudicialidade ou dependência só terá razão de ser perante acções em que o desfecho de uma pode ser susceptível de inutilizar os efeitos pretendidos na outra veja-se o Ac. do STJ de 28/5/91, in BMJ 407-455.
A razão de ser, subjacente ao aludido instituto, encontra-se no princípio da coerência de julgamentos e da economia, ou seja, pretende-se evitar que com o decurso de duas acções, em que uma das questões suscitadas pode determinar o não conhecimento da submetida a apreciação na outra, o tribunal esteja a despender esforços processuais e a onerar as partes bem como a poder eventualmente proferir decisões de sentido antagónico.
Ora aqui chegados importa analisar o pedido formulado quer na presente acção quer no que concerne aos processos executivos correspondentes e aos embargos de executado deduzidos relativamente às execuções movidas pelo A. inerentes às letras supra elencadas e cujo objecto foi considerado prejudicial havendo determinado a suspensão desta acção.
Assim, o Autor agravante nesta acção pede que se declare que por virtude do reconhecimento do seu crédito, cuja génese se encontra nas relações estabelecidas com a Ré fundamentado na causa de pedir da existência dos descontos operados, relativamente aos títulos de crédito de que aqueles são subscritores cambiários, e para futuro, poder com base em tal declaração judicial inerente à decisão, obter a cobrança do montante correspondente por via eventualmente executiva sobre o património da Ré, o que diga-se aliás pretende igualmente através da execução dos títulos apresentados e judicializados formalizado pelos documentos aludidos letras e respectivas relações cambiarias ou seja o pagamento das respectivas importâncias.
Nos processos executivos em causa o que se visa é obter o pagamento pelos executados das importâncias constantes do respectivos títulos e pelas quais não foi demandada a ora Ré por outro lado nesta acção o que o se visa é obter a declaração judicial do reconhecimento do direito que ao Banco assistirá proveniente da aludida operação de desconto que na verdade tem subjacente igualmente aquelas relações cambiárias mas que porque o desconto em si mesmo é uma operação autónoma e distinta daqueles outros
Todavia se bem atentarmos no que esta em causa nos autos necessariamente que não podemos conferir razão ao agravante e que se traduz salvo o devido respeito pela opinião contraria emitida no seguinte:
A pendência das execuções fundadas na letras de câmbio contra os demais intervenientes processuais impõe que o banco não possa exigir daquele a quem procedeu ao respectivo desconto das mesmas e por força dele em acção declarativa paralela como a presente o crédito emergente dessa mesma operação enquanto não devolver esses mesmos títulos que servem ou serviram de base à execução pois que deve existir uma suspensão da faculdade de exercer os direitos provenientes das operações de desconto, diferindo-se a exigibilidade da obrigação para momento ulterior.
Nesta acção o agravante pede o cumprimento das obrigações que emergentes do contrato de desconto sendo de ponderar em face do que dispõe o art. 519º nº 1 do Código Civil que tal lhe esta vedado com base em tal contrato enquanto corre seus termos uma execução cambiária por ele promovida para obter de outros intervenientes o pagamento das letras que descontou.
Os diversos intervenientes numa letra, embora sendo todos responsáveis pelo seu pagamento perante o respectivo portador, não são devedores solidários em sentido verdadeiro, na medida em que o pagamento feito por um deles, embora aproveitando a todos na liberação para com o credor, não produz na relação interna o efeito estabelecido no art. 524º do Código Civil e que é próprio das obrigações solidárias perfeitas.
O devedor cambiário que satisfaça o direito do credor, ou nada pode exigir dos demais co-devedores, o que ocorre no caso de ter ser sido ele quem primeiro se obrigou no titulo - aceitante -, ou pode exigir dos obrigados anteriores a restituição por inteiro daquilo que pagou — art. 49º da LUL [cfr. Vaz Serra, RLJ, ano 103º, pág. 421-422 e nota 1, e RLJ, ano 111º, pág. 188 e segs Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 4’ edição, vol. 1, pág. 668, nota 2].
Trata-se de uma solidariedade imperfeita. Algumas das regras próprias da solidariedade passiva não lhe serão aplicáveis, mas outras terão pleno cabimento, consoante a conclusão a que se chegue na análise sobre o seu ajustamento ao caso [cfr. Vaz Serra, RLJ, ano 111º, pág. 191].
A razão de ser das limitações instituídas pelo citado art. 519º, nº 1 à existência de vários processos judiciais onde, separadamente, se demandem os diversos responsáveis solidários vale para situações deste tipo. Na verdade, sendo desejável que na mesma causa se discuta a matéria litigiosa quanto a todos os responsáveis, não é razoável que o credor, quando tenha optado por demandar apenas um ou alguns dos devedores, apesar de ter podido fazê-lo em relação a todos, venha mais tarde, sem motivo razoável, accionar os demais.
Ora apesar de como se disse não haver sido demandada nas execuções é agora a Ré demandada nesta segunda acção que, como se disse já, não é idêntica àquelas outra, designadamente no que respeita à causa de pedir e ao seu formalismo naquelas trata-se de processo executivo e aqui de processo declaratório de condenação.
O direito aqui exercido não tem natureza cambiária, assentando, diversamente, em relações contratuais de mútuo com dação “pro solvendo”.
Com efeito, como se disse no acórdão do STJ de 5.12.85, [Publicado no BMJ nº 352, pág. 389] o endosso da letra representa, face à concessão de empréstimo através da operação de desconto, uma dação “pro solvendo”.
O crédito cambiário funciona, em tal caso, como um meio suplementar concedido ao credor para cobrança do seu crédito.
Assim, não se está aqui perante relações creditícias plurais em regime de solidarieadade passiva, mas, ao contrário, perante relações independentes e distintas.
Assim, por inaplicável, o disposto no citado art. 519º, nº 1 não obstaria à procedência desta acção, sendo no regime próprio da dação pro solvendo que tem de buscar-se a solução para o caso.
E no seu âmbito, dir-se-á que, na falta de alegação e prova de que a intenção das partes tenha sido a de obrigar o credor, ora agravante, a cobrar-se através do uso do meio de pagamento dado em substituição do primeiro, poderia ele recorrer, em seu lugar, ao principal, renunciando ao outro [Cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. II, 6ª edição, pág. 174 e Vaz Serra, RLJ, ano 101º, págs. 350-351 e ano 103º, pág. 121].
Todavia o que ocorre é que nesse caso, teria de restituir ao obrigado a coisa ou direito dado “pro solvendo”, ao menos por imposição da boa fé [Cfr. Antunes Varela, obra e lugar citados, nota 1].
Enquanto o não fizer, concretamente enquanto não restituir à agravada as letras em causa e que servem (ou serviram) de base às execuções, o agravante não pode exigir dela o pagamento do que lhe é devido por força das operações de desconto.
Existe como que uma suspensão da sua faculdade de exercer os correspondentes direitos, o que leva à prejudicialidade daquelas execuções — isto, evidentemente, sem impedir que essa faculdade seja reactivada logo que se mostre verificado o indicado condicionalismo.
Daí que por esta acção o agravante não possa obter o reconhecimento do seu direito sobre a agravada e a condenação desta a cumprir aquilo a que estaria obrigado - obrigação essa que, por tudo o que se disse, não é aqui posta em causa ou negada, uma vez que apenas a sua exigibilidade está diferida para momento ulterior no referido condicionalismo.
Existe assim salvo o devido respeito pela opinião contrária emitida prejudicialidade entre a presente acção e as mencionadas execuções que se encontram pendentes com base e fundamento nos mencionados títulos ajuizados concretamente nos segmentos expostos e que são necessariamente alvo e objecto de apreciação jurisdicional o que se poderia traduzir, a continuar a presente acção, precisamente na violação ou melhor, na prática de actos processuais que a natureza do próprio instituto da suspensão visa salvaguardar evitando que sejam praticados e que supra foram referenciados.

DELIBERAÇÃO
Nestes termos, improcedendo as conclusões do Agravante, nega-se provimento ao interposto recurso dado que se verifica in casu uma razão determinante de suspensão destes autos relativamente às aludidas execuções e embargos de executado deduzidos pelos ali obrigados cambiários intervenientes nos mesmos títulos em que pela presente acção se visa alcançar o respectivo direito patrimonial inerente ao seu desconto bancário.
Custas pelo Agravante.
*
Porto, 31 de Maio de 2005
Augusto José Baptista Marques de Castilho
Maria Teresa Montenegro V C Teixeira Lopes
Emídio José da Costa