Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0352610
Nº Convencional: JTRP00036297
Relator: CUNHA BARBOSA
Descritores: INVENTÁRIO
SEPARAÇÃO DE MEAÇÕES
TRIBUNAL COMPETENTE
EXECUÇÃO
Nº do Documento: RP200307030352610
Data do Acordão: 07/03/2003
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA.
Decisão: COMPETENTE O TRIBUNAL DE TRABALHO DE SANTO TIRSO.
Área Temática: .
Sumário: I - Nomeando-se à penhora bens comuns, em execução movida contra um dos cônjuges, deve o exequente requerer a citação do cônjuge do executado para, querendo, requerer a separação de meações.
II - Requerida a separação de bens, por inexistir pendente acção em que a separação tenha sido requerida, deve tal requerimento ser autuado por apenso à execução, sendo competente para a sua tramitação o tribunal da execução.
III - A competência é do tribunal da execução por via de extensão - artigos 825, n.3, e 96 do Código de Processo de Civil.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam neste Tribunal da Relação do Porto:

1. Relatório:
O Digno Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal da Relação veio requerer a resolução do conflito negativo de competência suscitado entre os Mmos. Juízes do Tribunal de Trabalho de Santo Tirso e do 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Santo Tirso, com fundamento em que ambos os Magistrados se atribuem mutuamente a competência, negando a própria, para os termos do inventário/partilha de bens em casos especiais – separação de meações durante a pendência do matrimónio – requerido por apenso à acção executiva a correr termos no Tribunal de Trabalho, por Maria .......... em que é cabeça-de-casal José ...........
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Foi dado cumprimento ao disposto no artº 118º do CPCivil, tendo apenas respondido a Mmª Juiz do 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Santo Tirso.
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O Digno Magistrado do Ministério Público, junto deste Tribunal da Relação, emitiu douto parecer – cfr. fls. 19 a 23 – em que se pronuncia no sentido de ser atribuída competência ao Tribunal de Trabalho de Santo Tirso.
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Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre decidir.
Assim:
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2. Conhecendo do conflito:
2.1 – Dos factos:
Com relevância para o conhecimento do conflito, resulta dos autos que:
a) – No Tribunal de Trabalho de Santo Tirso corre termos um processo de execução contra o marido da requerente do inventário para separação de meações;
b) – A referida execução foi movida apenas contra ele;
c) – Foram penhorados bens comuns do casal;
d) – A mulher do executado, citada nos termos do artº 825º do CPC, requereu a separação de bens por apenso ao processo de execução;
e) – Por despacho de 2002.10.01, o Tribunal de Trabalho de Santo Tirso declarou-se incompetente para conhecer do referido processo, por entender ser para ele competente o Tribunal Cível;
f) – Por despacho de 2003.01.15, o 2º Juízo Cível da mesma Comarca declarou-se, por sua vez, incompetente, atribuindo a competência ao Tribunal de Trabalho para dele conhecer.
2.2 – Dos fundamentos:
A questão objecto do presente conflito é a de saber em que tribunal deve ser instaurado e processado o inventário para separação de bens no âmbito do disposto no artº 825º, nº 2 do CPCivil, isto é, quando, pendendo execução apenas contra um dos cônjuges, tenham sido penhorados bens comuns e o cônjuge não executado tenha sido citado para requerer a separação de bens.
Vejamos.
Convirá notar, desde logo, que o inventário com vista a obter-se a separação de bens nos casos do artº 825º, nº 2 do CPC, é um procedimento processual específico, como resulta do disposto no artº 1406º do CPCivil, normativo este em que se prescrevem as regras próprias pelo qual se deve reger, ainda que fazendo apelo, em parte, a normas que regem para outro tipo de inventários, tal como seja, para o artº 1404º do CPCivil.
Ora, no artº 1404º, nº 3 do CPC, determina-se que «O inventário corre por apenso ao processo de separação, divórcio, declaração de nulidade ou anulação e segue os termos prescritos nas secções anteriores».
Todavia, como é óbvio, a possibilidade de se requerer a separação de bens, no âmbito do artº 825º do CPCivil, tem como pressuposto a inexistência de qualquer das situações previstas naquele normativo – separação, divórcio e declaração de nulidade ou anulação –, antes pressupondo a manutenção ou pendência de casamento, sendo até que, nos termos do disposto no nº 2 daquele normativo, «Qualquer dos cônjuges pode requerer, dentro de 15 dias, a separação de bens, ou juntar certidão comprovativa da pendência de acção em que a separação já tenha sido requerida, sob pena de a execução prosseguir nos bens penhorados».
Daí resulta que não é aplicável, ao requerimento de separação de pessoas e bens nos termos do artº 825º do CPCivil, o disposto no nº 3 do citado artº 1404º do mesmo diploma legal; aliás, o afastamento da aplicabilidade de tal preceito resulta, desde logo, do disposto na primeira parte do nº 1 do artº 1406º do CPCivil, na medida em que aí se dispõe que «Requerendo-se a separação de bens nos termos do artigo 825º, ou ...», e sendo que neste se refere onde e como deve ser instaurado o respectivo procedimento processual.
Na realidade, no artº 825º do CPCivil, dispõe-se de forma expressa que

“...
1. Na execução movida contra um só dos cônjuges, podem ser penhorados bens comuns do casal, contanto que o exequente, ao nomeá-los à penhora, peça a citação do cônjuge do executado, para requerer a separação de bens.
2. Qualquer dos cônjuges pode requerer, dentro de 15 dias, a separação de bens, ou juntar certidão comprovativa da pendência de acção em que a separação já tenha sido requerida, sob pena de a execução prosseguir nos bens penhorados.
3. Apensado o requerimento em que se pede a separação ou junta a certidão, a execução fica suspensa até à partilha; se, por esta, os bens penhorados não couberem ao executado, podem ser nomeados outros que lhe tenham cabido, contando-se o prazo para a nova nomeação a partir do trânsito da sentença homologatória.
...”.
De tal normativo, designadamente do seu nº 3, resulta que o inventário para separação de bens corre por apenso à execução e como processo incidental desta, como, de forma lapidar, refere o Prof. Miguel Teixeira de Sousa [ Cfr. Acção Executiva Singular, pág. 216;] «...A separação de bens deve ser realizada através do processo especial de inventário (cfr. arts. 1326º a 1369º), que, salvo quando já estiver pendente, corre por apenso ao processo executivo (arts. 1406º, nº 1 proémio, e 1404º, nº 3) com as particularidades definidas no artº 1406º e, por remissão deste, no artº 1404º. Após a apensação do requerimento em que é pedida a separação ou a junção da certidão comprovativa da pendência do processo de inventário, a execução fica suspensa até à partilha (artº 825º, nº 3 1ª parte). ...» [Cfr., no mesmo sentido, Prof. J. Lebre de Freitas, ‘in’ A Acção Executiva à Luz do Código Revisto, 2ª edição, pág. 187;].
Daí que, sendo o Tribunal de Trabalho de Santo Tirso o competente para a execução, como todos concedem, é o mesmo, também, competente para o processo incidental de separação de bens a que alude o artº 825º do CPCivil e por força do disposto no nº 3 do mesmo preceito processual, na medida em que aí se determina que o mesmo seja processado por apenso à execução, constituindo dessa forma um processo incidental da execução e, por isso, sendo a competência para a sua tramitação e julgamento determinada pelo processo principal, em função do disposto no artº 96º, nº 1 do CPCivil, onde se prescreve que «O tribunal competente para a acção é também competente para conhecer dos incidentes que nela se levantem e das questões que o réu suscite como meio de defesa»; tal competência, como se extrai do disposto no nº 2 do artº 825º do CPCivil, só poderá considerar-se afastada quando ocorra pendência de acção em que a separação já tenha sido requerida.
A tal propósito, de forma peremptória, o Prof. Miguel Teixeira de Sousa [Ob. cit., pág. 130;] afirma que “...Segundo a regra de extensão de competência que se encontra estabelecida no artº 96º, nº 1, o tribunal da execução é o competente, em princípio, para os processos declarativos incidentais a ela respeitantes, ...».
Assim, não ocorrendo, no caso concreto, qualquer situação de natureza excepcional, dúvidas não restam de que o tribunal da execução é o competente para tramitar e julgar o processo incidental de separação de bens requerida no âmbito do disposto no artº 825º, nº 2 e 3 do CPCivil, o que equivale por dizer que é competente, em razão da matéria, o Tribunal de Trabalho de Santo Tirso.
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Em conclusão e síntese temos que:
- Nomeando-se à penhora bens comuns, em execução movida contra um só dos cônjuges, deve requer-se a citação do cônjuge do executado para requerer a separação de bens;
- Requerida a separação de bens, por inexistir pendência de acção em que a separação tenha sido requerida, deve tal requerimento ser autuado por apenso à execução, sendo competente para a sua tramitação e julgamento o tribunal da execução;
- A competência do tribunal de execução decorre por via de extensão e em função do disposto nos arts. 825º, nº 3 e 96º, nº 1 do CPCivil.
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3. Decisão:
Nos termos supra expostos, acorda-se em resolver o conflito no sentido de atribuir ao tribunal da execução – Tribunal de Trabalho de Santo Tirso – a competência para tramitar e julgar a requerida, ao abrigo do disposto no artº 825º do CPC, separação de bens, para onde devem os autos ser remetidos.
Sem custas, por não serem devidas.
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Porto, 3 de Julho de 2003
José da Cunha Barbosa
José Augusto Fernandes do Vale
Rui de Sousa Pinto Ferreira