Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0754992
Nº Convencional: JTRP00040620
Relator: SOUSA LAMEIRA
Descritores: OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
Nº do Documento: RP200710080754992
Data do Acordão: 10/08/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: LIVRO 313 - FLS 70.
Área Temática: .
Sumário: Embora nas acções executivas não possa ocorrer suspensão da instância com fundamento na existência de causa prejudicial, o mesmo já não pode dizer-se em relação à oposição à execução, a qual deverá ser suspensa sempre que esteja pendente acção comum destinava a abalar a validade do título executivo com os mesmos fundamentos daquela oposição.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I-RELATÓRIO
A) No Tribunal Judicial da Comarca de Matosinhos, por apenso à execução comum que B………., Lda move contra C………., veio o executado C………. deduzir a presente oposição à execução e à penhora alegando, alem do mais, a existência de uma questão prejudicial (pendência de uma acção declarativa na qual é peticionada a invalidade do título executivo), que determinaria a suspensão da presente execução.

2 – Notificado o Exequente veio deduzir oposição, peticionando a improcedência da questão prejudicial.

3 – O Sr. Juiz a quo proferiu então o despacho de fls. 181/182, ora recorrido, a determinar a suspensão da instância, até ao trânsito em julgado da decisão que vier a ser proferida nos autos do processo …./06.0TBMTS, a correr termos no .º juízo do mesmo tribunal.

4 – O Exequente agravou, nos termos de fls. 78 a 80, formulando as seguintes conclusões:
1ª- Por despacho o tribunal a quo considerou ser aplicável ao presente processo executivo o artigo 279 n.º 1 do CPC, por entender existir uma questão prejudicialidade entre a presente execução e a acção declarativa que está a correr termos no .° Juízo Cível do Tribunal Judicial de Matosinhos, sob o …./06.0, na qual é pedida a declaração de invalidade/ineficácia da acta dada à execução. Determinando por isso, a suspensão do processo executivo até ao trânsito em julgado daquela acção declarativa.
A 1ª parte do n°1 do Art° 279 do C.P.C. não tem aplicabilidade no âmbito das acções executivas, já que no processo executivo não se discute a existência ou declaração de um direito, in casu, de um direito de crédito, mas tão somente se exerce através, de um titulo executivo, a coercibilidade judicial para a sua obtenção. Pelo que não existe uma “decisão da causa” na presente acção executiva, pelo que não poderá qualquer haver dependência do julgamento da acção declarativa. Com o presente despacho aplicou erradamente o Tribunal “a quo” o Art°279, n°1, ia parte do C.P.C., o que se alega nos termos e para efeitos do Art°755, n°1 alínea b) do referido diploma.
2ª- Constitui hoje entendimento praticamente pacifico, a nível da nossa doutrina e jurisprudência, que aquela primeira parte do no 1 do citado art° 279 não é aplicável às acções executivas, ou seja, que não é possível suspender os termos de uma acção executiva com o fundamento na prejudicialidade de uma outra causa que se encontra pendente. Para o efeito aduz-se, essencialmente, como fundamento o facto de uma acção executiva não ser propriamente uma causa a decidir mas antes, e como regra, conter em si um direito já efectivamente declarado ou reconhecido, não havendo, por isso, e em principio, qualquer nexo ou razão de prejudicialidade. Entendimento esse que, aliás, começou por se tornar obrigatório com o Assento do STJ de 24/5/1960 (publicado no BMJ nº 97—173), referindo-se então ao art° 284, que professou tal doutrina, a qual hoje se vem ainda considerando manter-se actualizada, já que o citado art° 279, n° 1, da actual reforma do CPC, manteve praticamente a mesma redacção do antigo art° 284, e portanto ser de seguir, não já como jurisprudência obrigatória mas como entendimento jurisprudencial (…) “Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 07.07.2004 in www.dgsi.pt.
3ª- Através da aplicação da conjugação do DL 268/94 de 25 de Outubro e Art°46 d) do Código de Processo Civil: é título executivo a acta da reunião da Assembleia de Condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio, contra o proprietário que deixe de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte. Direito esse que só deixará de existir com o pagamento que se pretende. E que por não ter sido feito, não foi igualmente alegado pelo próprio executado.
4ª- O título executivo que serviu de base á presente execução reúne os requisitos legais exigidos, bem como, foi junto aos autos a sua notificação ao executado nos termos consignados no Art° do Art°1432, n°6 do Código Civil. Sendo ainda de acrescentar há muito que caducou o seu direito de exercer impugnação de deliberações daquelas assembleias. O que se alega e alegou para efeitos do Art°493, n°3 do C.P.C..
5ª- Além da presunção legal de aprovação daquelas deliberações por parte do executado (art°1432, n°8 do Código Civil).
6ª- Acresce ainda que a lei processual civil já prevê normas específicas que regulam a eventual suspensão da instância executiva (Art°s 813 e 818 do Código Processo Civil) mormente através de apresentação de oposição à execução e prestação de caução.
7ª- Alberto do Reis (obra citada) sustenta que para as execuções existem normas especiais reguladoras da suspensão — v.g. dedução de embargo de terceiro – que deverão prevalecer sobre a regra geral contida na supra citada disposição; para além de que, sendo a razão de ser da suspensão por pendência de causa prejudicial a economia e a coerência dos julgamentos, o seu decretamento só se justificará na fase declaratória.”
Conclui pedindo a procedência do recurso e a revogação da decisão recorrida e, em consequência, se ordene o prosseguimento da execução até final.
4 – A Recorrida contra alegou defendendo a manutenção do decidido.
O Sr. Juiz manteve o despacho recorrido.

II. - FACTUALIDADE PROVADA

Com interesse para a decisão encontram-se provados os seguintes factos:
1 – B………., Lda move contra C………. a execução comum de que os presentes autos constituem apenso, tendo como título executivo a acta da assembleia de condóminos.
2 – O executado C………. veio deduzir oposição à execução e à penhora invocando além do mais a existência de uma causa prejudicial.
3 – O executado C………. alega que corre termos contra a ora exequente, no .º juízo cível do mesmo tribunal, uma acção declarativa de condenação, sob o n.º …./06.0TBMTS, na qual é colocada em questão a existência e validade das deliberações tomadas na assembleia de condóminos, o que afecta a própria validade do título executivo.
4 – A exequente deduziu oposição á pretensão do executado.
5 – Foi então proferido o despacho ora recorrido, do seguinte teor: “C………. vem, nos autos de oposição à presente execução, pedir, nomeadamente, a suspensão da mesma por existência de causa prejudicial, urna vez que no Processo nº …./06.0 TBMTS, a correr termos no .° Juízo Cível deste Tribunal, foi pedida a declaração de invalidade/ineficácia da acta dada à execução.
Recebida a oposição e notificada a exequente veio a mesma opor-se à pretendida suspensão, defendendo, com base em jurisprudência dos Tribunais superiores, que a execução não pode ser suspensa com fundamento no nº 1 do art. 279° do CPC, por não ser urna causa a decidir mas antes um direito efectivamente declarado, não havendo, assim, qualquer nexo de prejudicialidade.
Cumpre decidir.
Dispõe o art. 279°, n° 1, do CPC que “O Tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta (...)”.
Assim, verifica-se a relação de dependência ou de prejudicialidade, justificativa da suspensão da instância, quando a decisão ou o julgamento de urna acção - a dependente — á atacada ou afectada pela decisão ou julgamento emitida noutra - a prejudicial (neste sentido, ALBERTO DOS REIS, Comentário, 3°, pág. 267 e segs.).
Ora, o executado deduz a presente oposição à execução defendendo a inexequibilidade da acta dada à execução por a deliberação que a mesma documenta padecer de diversos vícios.
Na acção que corre termos no .° Juízo deste Tribunal conforme ressalta do pedido constante da respectiva petição inicial, bem como do explanado nos arts. 101° a 136° de tal peça (cfr. certidão de fis. 101 e segs.), pretende o executado a declaração de nulidade e de ineficácia das deliberações constantes da mesma acta apresentada como título executivo.
Do exposto retira-se claramente a existência de prejudicialidade entre a presente execução e a acção que corre termos no 10 Juízo deste Tribunal, uma vez que da procedência daquela acção decorrerá a inexistência de título exequível contra o opoente/executado.
Além disso, refira-se que a oposição à execução configura, dentro do processo executivo, uma verdadeira sub-acção de cariz declarativo, no âmbito da qual persiste um diferendo a decidir. Não se reduz, portanto, à mera efectivação de um direito já declarado, como é timbre do processo executivo.
Diga-se igualmente que os presentes autos executivos já se encontram suspensos por força da oposição deduzida pelo executado (bem como pela prestação de caução), sendo que a suspensão por existência de relação de prejudicialidade apenas se reporta ao incidente de oposição.
Pelo exposto, e nos termos do nº 1 do art. 279° do CPC, determino a suspensão da presente instância até ao trânsito em julgado da decisão que vier a ser proferida nos autos do Proc. …./06.0 TBMTS, a correr termos no .º Juízo deste Tribunal”.

III – DA SUBSUNÇÃO – APRECIAÇÃO

Verificados que estão os pressupostos de actuação deste tribunal, corridos os vistos, cumpre decidir.
O objecto do recurso é definido pelas conclusões da alegação do recorrente, artigo 684 nº 3 do Código de Processo Civil.
A) A questão a decidir é a seguinte: podia ou não o Sr. Juiz a quo ter decidido pela existência de uma causa prejudicial?
Vejamos
Dispõe o artigo 279 n.º 1 do CPC que “o tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado”.
E nos termos do n.º 2 do mesmo preceito “não obstante a pendência de causa prejudicial, não deve ser ordenada a suspensão se houver fundadas razões para crer que aquela foi intentada unicamente para se obter a suspensão ou se a causa dependente estiver tão adiantada que os prejuízos da suspensão superem as vantagens”.
Uma questão é prejudicial relativamente a uma outra quando a sua decisão pode destruir os fundamentos da segunda.[1]
Desta forma se numa acção se discute certo facto jurídico que está na base ou é fundamento de outra acção então aquela primeira acção é e constitui causa prejudicial relativamente a esta.
Assim, a suspensão da instância por causa prejudicial apenas está dependente de, nessa acção, se discutir questão cuja decisão pode destruir o fundamento da acção cuja suspensão se ordena.[2]
A decisão de suspender a instância ao abrigo do artigo 279 do CPC, que não traduz um poder totalmente discricionário mas sim vinculado[3], depende da verificação do condicionalismo legal.
No caso concreto estamos perante uma Oposição à Execução (não perante a própria acção executiva) e uma Acção Declarativa (aquela na qual se pede a declaração de invalidade/ineficácia da acta que serve de título executivo).
O despacho recorrido entendeu que se verifica a existência de causa prejudicial uma vez que a procedência da acção declarativa implicará a inexistência de título exequível.
Afigura-se-nos que o despacho recorrido se deve manter.
Ninguém coloca em causa que a procedência, com trânsito em julgado, da acção declarativa conduzirá inevitavelmente à extinção da acção executiva.
De igual modo a procedência da oposição (embargos) à execução terá como consequência a extinção da execução.
De igual modo a procedência, com trânsito em julgado, da acção declarativa conduzirá inevitavelmente à inutilidade da oposição.
A execução não depende ela própria da acção declarativa.
Na execução não se discute a existência ou não do direito. Na acção declarativa discute-se o direito existe e se deve ou não ser declarado. Na execução exerce-se esse direito. Através do título executivo – que em principio traduz um direito já declarado – pretende-se a realização, ainda que coerciva desse direito já declarado.
Daí que a acção declarativa não seja causa prejudicial da acção executiva, pois nesta não há qualquer causa a decidir mas sim um direito (já decidido) a executar.
Tem-se entendido, julgamos que de forma uniforme e pacífica, que nas acções executivas não pode ocorrer a suspensão da instância com fundamento na existência de causa prejudicial, Cfr. neste sentido e a título exemplificativo os Ac. da Relação do Porto de 12.11.2001, Relator Desembargador Fernandes do Vale (“na acção executiva não pode ordenar-se a suspensão da instância com fundamento na pendência de causa prejudicial”), de 24.02.2000, Relator Desembargador Sousa Leite (“a instância executiva não pode ser suspensa por existência de acção prejudicial”), de 23.05.2000, Relator Desembargador Cândido Lemos (“a execução não pode ser suspensa com fundamento na existência de causa prejudicial”), todos em www.dgsi.pt.
A questão da prejudicialidade apenas se poderia colocar relativamente à própria oposição à execução.[4]
O despacho recorrido determinou a “suspensão da presente instância até ao trânsito em julgado da decisão que vier a ser proferida nos autos do proc…../06.0TBMTS, a correr termos no .º Juízo deste Tribunal”.
Afigura-se-nos que existe uma verdadeira causa prejudicial, pois que a pretensão deduzida na acção declarativa constitui um pressuposto da pretensão deduzida na oposição à execução.
A oposição à execução pode e deve ficar suspensa pela existência de uma causa prejudicial (a acção declarativa).
Mas o facto de a oposição à execução ficar suspensa não significa que a execução tenha de prosseguir (o que se revelava de todo injusto).
Na verdade, a execução já estava suspensa devido ao facto de ter sido deduzida a presente oposição (com prestação de caução). E a suspensão da oposição (devido à existência de uma causa prejudicial) não tem a virtualidade se levantar a suspensão da execução.
A suspensão da instância ordenada no despacho recorrido foi, ao contrário do que a Recorrente pretende fazer crer, apenas da oposição à execução. O despacho recorrido apenas apreciou a questão da prejudicialidade entre a acção declarativa e a oposição à execução e não entre aquela e a própria execução (como pretende a Recorrente nas suas alegações e conclusões).
Deste modo entendemos que o Sr. Juiz “a quo” podia ter decidido, como decidiu, pela existência de uma causa prejudicial.
Improcedem, assim, as conclusões do recurso.
B) Em suma, e m conclusão podemos afirmar que:
1- Nas acções executivas não pode ocorrer a suspensão da instância com fundamento na existência de causa prejudicial;
2- Todavia pode ocorrer a suspensão da instância na oposição à execução pela existência de uma causa prejudicial (pendência de uma acção declarativa em que se discuta a validade do título executivo);
3- Impõe-se a improcedência do recurso pois entendemos, que a acção declarativa (proc…../06.0TBMTS, a correr termos no .º Juízo do mesmo Tribunal) constitui causa prejudicial relativamente aos presentes autos de oposição à execução.
4- Nenhuma censura merece o despacho recorrido, pelo que se impõe a improcedência do presente recurso de agravo.

IV – DECISÃO
Por tudo o que se deixou exposto, acorda-se em negar provimento ao agravo deduzido pela Recorrente B………., Lda e, consequentemente, confirma-se a decisão recorrida.
Custas pela Agravante.

Porto, 8 de Outubro de 2007
José António Sousa Lameira
António Eleutério Brandão Valente de Almeida
José Rafael dos Santos Arranja

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[1] Para Alberto dos Reis, [Comentário ao C.P.C. Vol. III., pág. 206] estamos perante uma causa prejudicial “sempre que numa acção se ataca um acto ou facto jurídico que é pressuposto necessário de outra acção, aquela é prejudicial em relação a esta”.
Lebre de Freitas[C.P.C. Anotado, Vol. I, pág. 501] escreve: “Entende-se por causa prejudicial aquela que tenha pretensão que constitui pressuposto da formulada.”.
Rodrigues Bastos [Notas ao C.P.C.”, Vol. II, pág. 43] refere que a decisão de uma causa depende do julgamento de outra “quando na causa prejudicial esteja a apreciar-se uma questão cuja resolução possa modificar a situação jurídica que tem de ser considerada para a decisão de outro pleito”.
[2] “I- A suspensão da instância, com fundamento na pendência de acção prejudicial, depende apenas de a decisão desta poder destruir os fundamentos ou a razão de ser da segunda acção.
II - Essa suspensão baseia-se em motivos de conveniência e de oportunidade e distingue-se da suspensão determinada por questões prejudiciais, na qual estão em causa razões de competência e de necessidade.” Ac. R. Porto de 11.12.97, Relator Des. Alves Velho, in www.dgsi.pt, Ac. RP.
[3] “O poder vinculado (ver Ac. STJ, BMJ 410/656) facultado pelo art. 279 do CPC, de sobrestar na decisão, visa a economia e a coerência de julgados, ou seja, evitar que a mesma questão possa vir a ser objecto de decisões desencontradas ou incoerentes”, Ac. R.P. de, proferido no processo 1494/2002; Relator Des. Caimoto Jácome.
[4] Veja-se a este propósito