Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
262/08.5TTOAZ.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: EDUARDO PETERSEN SILVA
Descritores: EXTINÇÃO DE SOCIEDADE
SUBSTITUTO
Nº do Documento: RP20110620262/08.5TTOAZ.P1
Data do Acordão: 06/20/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE.
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: Ocorrendo a extinção do empregador, sociedade comercial unipessoal, na pendência da acção de acidente de trabalho, não deve ser condenado o sócio único a título pessoal com a ressalva de que responde na qualidade de substituto nos termos e com os limites previstos nos artigos 162º e 163 nº 1 do Código das Sociedades Comerciais.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 262/08.5TTOAZ.P1
Apelação – 2ª

Relator: Eduardo Petersen Silva (reg. nº 73)
Adjunto: Desembargador Machado da Silva (reg. nº 1.575)
Adjunto: Desembargadora Fernanda Soares

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório
Na presente acção especial emergente de acidente de trabalho que B…, residente em S. João da Madeira, move contra C…, Ldª, com sede na mesma cidade, para reparação de acidente de trabalho ocorrido em 28.2.2008, designadamente capital de remição, indemnização por incapacidades temporárias e despesas com deslocações obrigatórias, não tendo a Ré contestado, foi a final proferida sentença que decidiu condenar o Réu D… a pagar à Autora o montante global de € 2.011,78 a título de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária, o capital de remição correspondente a uma pensão anual de 185,70€ com vencimento em 02-08-2008, a que acrescem juros à taxa legal desde o dia de vencimento das respectivas prestações, sendo desde a data mencionada no que toca ao capital de remição, e ainda condenar o mesmo réu a pagar ao ISS – IP o montante global de 1.341,26 € a título de reembolso pelos períodos de baixa médica, com juros de mora à taxa legal desde 06-05-2010, data da citação”.

Inconformado, veio D… interpôr o presente recurso, apresentando a final as seguintes conclusões:
1ª - O recorrente não foi citado como réu, mas como sócio único nos termos do artº 162º do CSC, para representar a sociedade R., extinta:
2ª - Não é responsável pelo acidente de trabalho nem foram alegados nem provados factos que importassem a sua condenação a título pessoal, como entidade responsável, a qualquer título, pelo sinistro ou pela satisfação das consequências patrimoniais do mesmo;
3ª - Tal ónus competia à A. e ao credor dos reembolsos;
4ª - Com tal, o recorrente não devia ter sido condenado como réu nem a título pessoal;
5ª - Os factos provados apenas conduzem à condenação da ré empregadora responsável pelo sinistro (e não do réu);
6ª - A decisão recorrida violou o artº 162º do CSC.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O Exmº Senhor Procurador Geral Adjunto nesta Relação emitiu parecer no sentido do recurso não ser provido.
O recorrente respondeu ao parecer mantendo a sua posição.

Corridos os vistos legais cumpre decidir.

II. Matéria de facto
A matéria de facto dada como provada na 1ª instância – e que este tribunal mantém, porque a matéria de facto não foi impugnada e porque os elementos do processo não impõem decisão diversa, nem foi admitido documento superveniente com virtualidade para infirmar aquela decisão (artigo 712º, nº 1 do CPC) – é a seguinte:
1. A Autora é trabalhadora da Ré, com a categoria profissional de gaspeadeira, auferindo o salário de 437,00, acrescido de 46,75€ de subsidio de alimentação, no seu todo 483,75€ mensais.
2. A Ré é uma empresa que se dedica ao fabrico de calçado.
3. No dia 28/02/2008, pelas 17 horas, quando a sinistrada se encontrava a trabalhar nas instalações da ré, sob as ordens direcção e fiscalização desta, ao meter uma "divete" numas sandálias e sofreu uma picada da mesma, no dedo médio da mão direita.
4. Como consequência directa e necessária de tal evento, resultou na pessoa da autora uma lesão a nível do dedo médio da mão direita.
5. Depois dessa picada passou a ter dores que iam aumentando à medida que o tempo passava.
6. Daí que se tenha dirigido aos serviços de Urgência do Hospital de S. João da Madeira, uma semana depois.
7. Foi pelos mesmos medicada com analgésicos e antibiótico para amenizar as dores.
8. Teve também de recorrer várias vezes ao serviço de urgência do Hospital …, de Santa Maria da Feira.
9. Na sequência, foi-lhe feita a amputação do 3º. dedo, e medicada com anti depressivos.
10. Esteve internada nos serviços de Ortopedia do Hospital …, da Feira, desde 16-03-2008 a 24-03-2008, de cujo registo clínico consta "Necrose da extremidade do 3º dedo da mão direita".
11. Esteve inactiva por incapacidade temporária absoluta desde 28-02-2008 a 01-08- 2008 (156 dias)
12. Por causa das lesões decorrentes de tal acidente é portadora de incapacidade permanente parcial de 4%.
13. A Autora nasceu a 28-11-1962.
14. A Ré não tinha feito a transferência de responsabilidade pela reparação de danos emergentes de acidente de trabalho para qualquer seguradora.
15. A Autora despendeu 8,00 € em transportes com as suas deslocações obrigatórias ao G.M.L. de Santa Maria da Feira e a este tribunal.

Por ter interesse para a decisão da causa, dá-se ainda como provado que:
16. Com data de 4.11.2009 foi inscrita no registo comercial a dissolução e encerramento da liquidação da ré. (certidão do registo comercial junta aos autos).
17. Com data de 5.11.2009, D… assinou o aviso de recepção da carta de citação da ré empregadora para contestar a acção (aviso de recepção junto aos autos a fls. 128).

III. Direito
Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões do recorrente, nos termos do disposto nos artigos 684º, nº 3, e 685º-A, nº 1, do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi do disposto nos artigos 1º, nº 2, al. a), e 87º do Código de Processo do Trabalho, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso, a única questão a decidir é a de saber se quem devia ter sido condenado era a Ré C…, Ldª e não D…, a título pessoal.

Dispõe o artigo 160º do Código das Sociedades Comerciais que:
“1 - Os liquidatários devem requerer o registo do encerramento da liquidação.
2 - A sociedade considera-se extinta, mesmo entre os sócios e sem prejuízo do disposto nos artigos 162.º a 164.º, pelo registo do encerramento da liquidação”.
Dispõe o artigo 162º do mesmo diploma que: “1 - As acções em que a sociedade seja parte continuam após a extinção desta, que se considera substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários, nos termos dos artigos 163.º, nºs 2, 4 e 5, e 164.º, nºs 2 e 5.
2 - A instância não se suspende nem é necessária habilitação”.
Dispõe o artº 163º, ainda do mesmo Código, no seu nº 1, que “Encerrada a liquidação e extinta a sociedade, os antigos sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado, até ao montante que receberam na partilha, sem prejuízo do disposto quanto a sócios de responsabilidade ilimitada”.

A participação do acidente de trabalho a que se reportam os autos deu entrada em 17.4.2008, data em que o processo foi autuado. Frustrada a tentativa de conciliação, à qual compareceu D… em representação da empregadora C…, Ldª, a Autora deu entrada de petição inicial contra a empregadora, em 7.8.2009.
Em 4.11.2009 foi inscrita no registo comercial a dissolução e encerramento da liquidação da ré, empregadora.
D… recebeu em 5.11.2009 a citação da ré para a fase contenciosa e veio aos autos, por requerimento de fls. 130, dar conta de que tinha recebido indevidamente a citação, o que mereceu o despacho de fls. 132, no qual se lê: “Dispõe o artigo 162º do Código das Sociedades Comerciais que: “1 – As acções em que a sociedade seja parte continuam após a extinção desta, que se considera substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários, nos termos dos artigos 163º, nº 2, 4 e 5, e 164º, nº 2 e 5.
2 - A instância não se suspende nem é necessária habilitação”.
A extinção da sociedade C…, SA, ocorreu em 04-11-2009 – data da inscrição na Conservatória do Registo Comercial – cfr. artº 160º, nº 2 do Código das Sociedades Comerciais.
A presente acção foi intentada em 25-09-2009.
Donde, a posterior extinção da Ré não suspende a instância e não é necessário o pedido de habilitação por banda das partes para que se considere aquela substituída pela generalidade dos sócios.
Assim, cite o sócio único nos termos e para os efeitos do acima transcrito artigo 162º do Código das Sociedades Comerciais para contra o mesmo prosseguir a acção, e conforme despacho de citação de 01-10-2009”.
Embora a nosso ver desnecessária a citação do sócio único – face ao simples mecanismo de substituição previsto no artigo 162º do CSC e à citação da ré já então operada – ela tem o condão de explicar que a intervenção de D…, no prosseguimento dos autos, se faz na qualidade de sócio único da ré.
Não há dúvida de que a acção estava pendente e de que o preceito a observar, face ao registo da dissolução da ré, era o artigo 162º citado.
A substituição da sociedade extinta faz recair o sucesso ou insucesso da lide sobre o substituto?
O artigo 163º nº 1 que acima citámos é claro no sentido de que se for necessário satisfazer passivo que não tenha sido acautelado na liquidação da sociedade, ele será satisfeito pelos sócios na medida do que tiverem recebido na partilha. Ele não será satisfeito tout court pelos sócios, mas pelos sócios na medida do que houverem recebido. Desta limitação de responsabilidade resulta que a condenação da pessoa do sócio, sem qualquer menção dessa sua qualidade, se repercutirá sobre todo o património deste, enquanto garantia da sua solvabilidade. E a verdade é que o sócio não era originariamente responsável e só o passou a ser na restrita medida do que tiver recebido na partilha.
Este é verdadeiramente o problema que o recorrente coloca nos autos: - a condenação na sua própria pessoa, em singelo, quer dizer, sem que na sentença se faça qualquer menção da qualidade em que é condenado, importa na violação (talvez não do artigo 162º do CSC mas sim) do artigo 163º nº 1 do CSC – sem esquecer que não há factos para a mesma, designadamente, a relação laboral da qual deriva a responsabilidade infortunística.
Nos termos do artº 160º do CSC após o encerramento da liquidação a sociedade considera-se extinta - sem prejuízo do disposto nos artº 162º a 164º - e como tal deixa de ter personalidade e capacidade jurídicas e consequentemente personalidade e capacidade judiciárias. Tal não determina, nas acções pendentes, o seu fim, nem exige que a instância se suspenda nem que se proceda a habilitação para a acção prosseguir a favor ou contra os habilitados, determinando a lei uma mera substituição da sociedade pela generalidade dos sócios – artº 162º do CSC.
Já porém, se o passivo que não foi satisfeito carecer ainda de ser processualmente acudido e a sociedade já estiver extinta, a acção é interposta directamente contra a generalidade dos sócios, representada pelos liquidatários, vinculando a decisão cada sócio, que responderá na medida do que houver recebido na partilha – artigo 163 nº 2 e 1, respectivamente. Neste caso, não há dúvida de que não será condenada a sociedade. No caso da sociedade se extinguir na pendência da acção, será ela, que já não é legalmente sujeito de direitos nem susceptível de deveres, condenada?
Com o devido respeito, não nos parece que seja legalmente possível, em conformidade com o devido rigor jurídico, que a sociedade seja condenada. A sentença deve reflectir o estado de coisas que lhe é contemporâneo – veja-se a montante o artº 663º nº 1 parte final do CPC. Após a extinção da sociedade liquidada, ela – em si mesma, não nas suas emanações ou decorrências - não tem mais personalidade jurídica nem judiciária, pelo que não pode ser condenada.
Quem deve ser condenado é a entidade à qual a lei, residual e restritivamente, isto é, para o efeito específico de resolução dos interesses não resolvidos pela liquidação, atribuiu personalidade e capacidade judiciárias, a saber “a generalidade dos sócios”, representada pelos liquidatários. No caso da sociedade unipessoal, a “generalidade dos sócios” converte-se na “pessoa do sócio único” que, enquanto liquidatário, se representa a si mesmo.
Ora, se viermos ao caso concreto, se a acção tivesse sido interposta depois da sociedade já estar extinta, teria ela de ser intentada contra o sócio D… e seria ele, o sócio D…, o condenado. Note-se porém que não cumpriria à autora alegar nem provar outra coisa que não fosse a simples extinção da sociedade e a qualidade de sócio, não tendo ela – porque não é constitutivo do seu direito à reparação infortunística – de alegar a medida de bens que este sócio teria recebido na partilha, precisamente porque o sócio D… ainda e só, estaria a ser demandado enquanto sócio da sociedade extinta, nos termos do artigo 163º nº 2 e 1 do CSC.
O caso previsto no artigo 163º citado corre paralelo ao caso previsto no artigo 162º, com a única diferença que neste não é necessário que a parte sobreviva accione qualquer mecanismo processual.
Deste modo, e volvendo à sentença dos autos, ela não pode condenar a pessoa de D…, precisamente porque não era empregador da sinistrada e não era responsável por qualquer sinistro, e, não podendo – em termos jurídicos rigorosos – condenar a pessoa da sociedade extinta – teria de condenar o sócio D…, com ressalva expressa de que a condenação se fazia ao abrigo do artº 162º do Código das Sociedades Comerciais. Deste modo, o sócio D… poderá vir a opor ao cumprimento da condenação a excepção que resulte da menor proporção do que recebeu na liquidação da sociedade ou o não recebimento de qualquer valor, ao que, se tiver sucesso, se deverá seguir a condenação do FAT.
Assim, concede-se parcial provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida na parte em que condenou D… sem qualquer menção da sua qualidade de único sócio da extinta Ré, substituindo-se tal decisão por outra que o condena enquanto tal, no limite legal.

IV. Decisão
Nos termos supra expostos acordam conceder provimento parcial ao recurso, revogando a sentença recorrida apenas na parte em que condenou D… sem qualquer menção da sua qualidade de único sócio da extinta Ré, que substituem pela condenação do mesmo D… na qualidade de único sócio da extinta C…, Ldª, nos termos do artigo 162º e 163 nº 1 do Código das Sociedades Comerciais, nos demais termos constantes da sentença.
Custas por ambas as partes, na proporção de 50% para cada.

Porto, 20.6.2011
Eduardo Petersen Silva
José Carlos Dinis Machado da Silva
Maria Fernanda Pereira Soares
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Sumário:
Ocorrendo a extinção do empregador, sociedade comercial unipessoal, na pendência da acção de acidente de trabalho, não deve ser condenado o sócio único a título pessoal mas com ressalva de que responde na qualidade de substituto nos termos e com os limites previstos nos artigos 162º e 163 nº 1 do Código das Sociedades Comerciais.
(Processado e revisto com recurso a meios informáticos (artigo 138º nº 5 do Código de Processo Civil).