Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
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| Nº Convencional: | JTRP00035120 | ||
| Relator: | ALVES VELHO | ||
| Descritores: | ACÇÃO CÍVEL INDEMNIZAÇÃO LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ ACESSO AOS TRIBUNAIS MEIO PROCESSUAL | ||
| Nº do Documento: | RP200210240231203 | ||
| Data do Acordão: | 10/24/2002 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Tribunal Recorrido: | 6 J CIV V N GAIA | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
| Decisão: | REVOGADA A DECISÃO. | ||
| Área Temática: | DIR CIV - DIR OBG. DIR PROC CIV. | ||
| Legislação Nacional: | CCIV66 ART483 N1. CPC95 ART2 N2 ART457. | ||
| Sumário: | É possível, em acção autónoma, reclamar indemnização por danos causados por conduta integradora de litigância de má fé em acção anterior finda. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação do Porto: 1. - No Tribunal Judicial da Comarca de .......... (.. Juízo Cível), JOSÉ ........ e mulher, MARIA ......... intentaram acção declarativa, com processo comum ordinário, contra ANTÓNIO ............, pedindo condenação deste a pagar-lhes a quantia de esc. 17 800 000$00, acrescida de juros, à taxa legal, a contar da citação. Como fundamentos da respectiva pretensão, alegaram os Autores que em 1988 o R. fez embargar judicialmente a construção de um edifício daqueles a pretexto de este estar a ser construído sobre o leito de um caminho de acesso a um tanque de que era arrendatário, privando-o do uso da água, e, com os mesmos fundamentos, intentou a acção definitiva cuja improcedência se tornou definitiva em Maio de 1997, com a condenação do ora R., e A. na acção, em sede de recurso, como litigante de má fé. Os factos alegados no requerimento do procedimento cautelar e repetidos na acção eram falsos, falsidade de que o ora R. estava plenamente consciente, invocando em juízo um direito que sabia não ter e sabendo que iria causar, como causou, avultados prejuízos aos AA., decorrentes da procedência do embargo de obra nova e da pendência da acção e inerente sustação da construção do edifício, danos de natureza patrimonial e não patrimonial computados na quantia global pedida. Contestada a acção e deduzido pedido reconvencional, no despacho saneador a reconvenção foi rejeitada e declarada a improcedência da acção, com absolvição do R. do pedido. Os AA. apelaram, pedindo agora a revogação do saneador-sentença e o prosseguimento dos autos, formulando, para o efeito, as seguintes conclusões: 1 - Os prejuízos invocados e cujo ressarcimento é peticionado resultam, não da própria acção n.º ......, na qual a litigância de má fé foi apreciada , mas no embargo de obra nova que a precedeu e que pendeu pela então .. secção do .. Juízo de ..........; 2 - Os AA. estavam então legalmente inibidos da impugnação dos factos alegados no requerimento de embargo e, consequentemente, de arguir a conduta processual anormal do apelado. 3 - O Mmo. Juiz que decidiu do mérito da causa na acção n.º ...... entendeu não ter havido litigância de má fé, mas apenas quanto aos autos principais; 4 - Tendo os aqui apelados obtido total vencimento na acção, estavam impedidos de interpor qualquer recurso; 5 - Assim, não dispuseram os autores, aqui apelantes, de oportunidade de demandar o réu, aqui apelado, pelos factos alegados na petição em ocasião anterior; 6 - Ao considerar-se que não podem, fora do âmbito do processo, deduzir o presente pedido equivalerá a considerar que os autores não dispõem de meio processual adequado a fazer valer o seu direito, em clara contradição com o disposto no art. 2.º-2 do CPC: 7 - Finalmente, não se vê que o art. 457.º vede a possibilidade de deduzir em acção autónoma pedido de indemnização por danos causados por factos que constituem litigância de má fé. A decisão recorrida violou as disposições dos art.s 2.º-2 e 457.º CPC e 1305 e 483.º-1 C. Civil. O Apelado apresentou resposta, defendendo a manutenção do julgado impugnado. 2. - A questão proposta pelos Apelantes consiste em saber se é possível, em acção autónoma, reclamar indemnização por danos causados por conduta integradora de litigância de má fé em acção anterior finda. 3. - Factos. Os factos que para tanto relevam são os já mencionados no relatório desta peça e que, evitando inúteis repetições, se dão aqui por reproduzidos. 4. Mérito do recurso. 4. 1. - O art. 456.º-1 do CPC estabelece que "tendo litigado de má fé, a parte será condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir", ao que o art. 457.º acrescenta: "A indemnização pode consistir: (...) b) No reembolso dessas despesas (com o processo) e na satisfação dos restantes prejuízos sofridos pela parte contrária como consequência directa ou indirecta da má fé"; "2- Se não houver elementos para se fixar logo na sentença a importância da indemnização, serão ouvidas as partes e fixar-se-á depois, com o prudente arbítrio o que parecer razoável ...". Como imediatamente se colhe do regime legal, a atribuição da indemnização por litigância de má fé depende da formulação de pedido nesse sentido pela parte. Quando tal sucede, isto é, quando a parte que se sente prejudicada pela conduta da outra deduz o pedido de reparação dos prejuízos sofridos, prevê a lei a tramitação do incidente na acção por forma a permitir e impor a fixação da indemnização e a condenação do responsável em termos simples, expeditos e eficazes, designadamente afastando a possibilidade de relegar a fixação do quantum para execução de sentença. Por outro lado, quando o pedido de indemnização seja deduzido o julgador terá de se pronunciar sobre ele e de decidir na acção, conhecendo do incidente, formando-se, consequentemente, caso julgado sobre a pretensão indemnizatória, com a inerente preclusão de reapreciação -art.s 673.º, 497.º, 493.º-2, 494.º-1-i) e 493.º-2, todos do CPC. No caso, não foi formulado qualquer pedido na acção com tal objectivo. De resto, note-se, a condenação por litigância de má fé a que se alude teve lugar num recurso e por questões com ele relacionadas, nada tendo que ver com o fundo da causa. Não tendo havido pedido indemnizatório, nem sequer condenação da parte como litigante de má fé pelos factos que fundamentam o pedido nesta acção, não pode falar-se em caso julgado. Estará, então vedado à parte que se sente prejudicada pelos factos integradores da má fé, lançar mão dos meios de acção comuns? A resposta a essa questão não será, certamente, isenta de dúvidas. Por nós, conscientes, embora, que a jurisprudência que se conhece tem decidido em sentido contrário - Acs. STJ de 21/01/64, BMJ 133.º-389 e RC invocados na decisão recorrida, sumariados no mesmo Boletim nos n.ºs 434.º-701 e 467.º-637 -, entendemos que é lícito ao lesado formular o pedido indemnizatório em acção autónoma. As razões desse entendimento são as que a seguir se alinham. O direito à indemnização pela prática de factos passíveis de levar à condenação por litigância de má fé encontra o seu fundamento nos princípios e requisitos gerais da responsabilidade civil. A conduta do litigante é ilícita e geradora da obrigação de indemnizar se culposa, como exige a lei, isto é, movemo-nos no campo da responsabilidade subjectiva. Como refere A. DOS REIS - Anotado, II, 261 -, «o que inquina o facto da parte, o que lhe imprime mancha ou vício, o que transforma o facto lícito em facto ilícito, é justamente o dolo ou a culpa com que ela se conduziu em juízo». Quando tal sucede, a parte comete um ilícito processual a que corresponde, como sanção, além do mais, a responsabilidade civil pela reparação dos prejuízos sofridos pela parte contrária como consequência da má fé. Assim, a única diferença entre os factos integradores de má fé e outros igualmente geradores de responsabilidade civil e fonte da obrigação de indemnizar reside na circunstância de os primeiros serem praticados num processo judicial. Ao lesado, titular do direito de indemnização reconhecido pelo direito substantivo, assiste um direito de acção contra o lesante. É assim que no art. 2.º CPC se estabelece que "a todo o direito, excepto quando a lei determine o contrário, corresponde a acção destinada a fazê-lo reconhecer em juízo (...)", cabendo a forma de processo comum aos casos a que a lei não destine processo especial (art. 460.º). Como já se aludiu a lei processual prevê a faculdade de a parte formular incidentalmente a pretensão indemnizatória na acção em que ocorreu a actuação ilícita da contraparte. Porém, não impõe expressamente esse dever, nem prevê quaisquer consequências para o seu não exercício. Em tais circunstâncias, não será de afastar a hipótese de o legislador não ter pretendido mais que facultar ao lesado pela actuação de má fé um meio simples e célere de exercer o seu direito, regulamentando a respectiva tramitação em função da natureza incidental e acessória que ali assume, sem querer bulir com a possibilidade de o credor de indemnização que não pretenda utilizar a faculdade que lhe é concedida através desse meio expedito lançar mão de acção autónoma, sujeita à regra do processo comum, para efectivação da responsabilidade civil. Se, como já se argumentou, a utilização da regulamentação simplificada incidental encontra justificação na necessidade de poupar o credor às desvantagens de uma extensa, morosa e dispendiosa tramitação processual, tem de se convir que fica por explicar por que razão esse mesmo fundamento se há-de voltar contra o lesado em termos de o impedir de fazer reconhecer o seu direito em juízo fora do processo em que foi cometido o ilícito. De resto, bem pode acontecer que, mesmo no fim do processo, a parte vítima da má fé ainda não conheça a extensão dos prejuízos directa ou indirectamente dela derivados, obstaculizando, em tal caso, o ressarcimento total dos danos a regra do 2.º segmento do art. 457.º-1-b) CPC (fixação da indemnização em quantia certa, ou seja, de imediato, não relegável para execução de sentença, e com recurso à equidade). Finalmente, uma outra razão, e a que temos por mais relevante. A omissão de uma determinada tramitação processual desencadeia directamente apenas consequências de natureza processual, nomeadamente excepções dilatórias e nulidades, sem consequências imediatas a nível do direito substantivo - art.s 493.º e ss. e 193.º e ss. CPC. Porém, na situação em apreciação, a falta de formulação da pretensão indemnizatória como incidente da acção, teria como consequência inevitável, não alguma das decorrentes da utilização de uma forma ou meio processual errado, impróprio ou inadequado, mas a extinção imediata do direito subjectivo exercitado, o direito à indemnização. Estar-se-ia, assim, perante uma forma de preclusão e extinção do direito substantivo por caducidade que a lei não prevê, consagrando o afastamento da possibilidade legal do seu exercício, e que, na falta de expressa manifestação de vontade do legislador, não se vê como aceitar (cfr., neste sentido, o ac. RP, de 19/5/94, CJ XIX, III, 211). Consequentemente, conclui-se pela possibilidade do uso desta acção autónoma para reconhecimento do direito indemnizatório exercido pelos Autores/apelantes. 4. 2. - Mas, mesmo que assim se não entendesse, crê-se que a decisão impugnada não poderia igualmente subsistir. Ao julgar improcedente a acção com fundamento em que a pretensão dos Autores tinha de ser formulada na acção sumária n.º ....., em que foram RR., não a podendo exercer em processo autónomo, atribui-se, como se disse, a essa inacção um efeito preclusivo do direito à indemnização, ou seja, como também referido, considera-se que o esse direito se extinguiu, caducando (cfr. ac. citado, 213) Está a conhecer-se do efeito da excepção peremptória da caducidade, enquanto modo de extinção do efeito jurídico dos factos articulados pelo autor (art. 493.º-2 CPC). Ora, o tribunal deve conhecer oficiosamente das excepções peremptórias cuja invocação a lei não torne dependente da vontade do interessado, ou seja, quando se trate de matéria que, por razões de interesse público, verse sobre relações jurídicas indisponíveis. Nos restantes casos, o conhecimento da caducidade está dependente da invocação pela parte que dela pode aproveitar - art.s 496.º CPC e 333.º 1 e 2 CC. Acontece, porém, que o Réu/apelado na acção não arguiu tal excepção, qualificando-a ou não como caducidade, e temos por certo trata-se de matéria sob disponibilidade das partes. Consequentemente, vedado estava ao Julgador o conhecimento oficioso da excepção. 4. 3. - Pelos fundamentos expostos, procedem, embora apenas em parte e por razões não totalmente coincidentes com as trazidas aos autos, as conclusões dos Apelantes e o recurso. 5. Decisão. - Termos em, de conformidade, que se decide: - Julgar procedente a apelação; - Revogar o saneador-sentença impugnado; - Determinar, como requerido, o prosseguimento do processo; e, - Condenar o Apelado nas custas. Porto, 24 de Outubro de 2002 António Alberto Moreira Alves Velho Camilo Moreira Camilo António Domingos Ribeiro Coelho da Rocha |