Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP00040342 | ||
Relator: | PINTO FERREIRA | ||
Descritores: | EMBARGOS DE TERCEIRO FALÊNCIA | ||
Nº do Documento: | RP200705210752000 | ||
Data do Acordão: | 05/21/2007 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | AGRAVO. | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO. | ||
Indicações Eventuais: | LIVRO 300 - FLS 43. | ||
Área Temática: | . | ||
Sumário: | Relativamente à apreensão de bens realizada em processo especial de recuperação de empresa e da falência, não é admitida a dedução de embargos de terceiro, sejam estes com função repressiva ou mesmo preventiva. | ||
Reclamações: | |||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação do Porto I - Relatório B………, SA e C………. vieram requerer contra a Massa Falida da D………., Lda embargos de terceiro preventivos, nos termos do artigo 359º do CPC, com os seguintes fundamentos: - A embargante é possuidora do estabelecimento industrial, na posição de locatária no contrato de leasing relativo ao imóvel onde labora, composto de parque de máquinas de estamparia, tinturaria e acabamentos têxteis (algumas em leasing), sistema de ar comprimido, caldeira, carteira de clientes, 110 trabalhadores, cuja propriedade pertence à requerida. - A posse adveio à embargante no âmbito do Processo de Recuperação de Empresa da requerida, na qual foi aprovada uma medida que impunha ao Administrador Único nomeado, a venda do Estabelecimento daquele. - Na sequência da proposta publica de venda do Estabelecimento, o, agora, Administrador da embargante, apresentou, em seu nome próprio, uma proposta de aquisição do referido acervo patrimonial, que venceu, sendo adjudicado o Estabelecimento Industrial ao Administrador da embargante. - Por virtude disso, em 26/01/2005 o Administrador da embargante e o Administrador Único da requerida, nomeado pelo Tribunal, outorgaram contrato promessa de compra e venda do Estabelecimento Industrial, aqui em causa. (doc. n° 1) -O contrato promessa outorgado prévia que o então proponente e agora Administrador da embargante, pudesse constituir uma sociedade que figurasse como compradora do estabelecimento industrial. -Naquele dia, o Sr C………., agora Administrador da embargante, entregou como sinal e principio de pagamento a quantia 161.000,00 €, titulada por cheque sacado sobre o E………. - A partir daquela data, o promitente comprador passou a exercer - em parceria com o Administrador Único nomeado - a gestão corrente do Estabelecimento conforme impunha a medida aprovada. - Nessa conformidade, o promitente comprador angariava clientes, efectuava encomendas, controlava o processo produtivo de fabrico, pagava as matérias primas, etc .... - Entretanto, conforme previa a medida, foi constituída a Sociedade embargante, cuja a administração pertence ao promitente comprador (C……….). - Essa sociedade entretanto constituída, destinava-se a adquirir o Estabelecimento Industrial, na medida em que o contrato promessa permitia que o promitente comprador indicasse outro adquirente. (neste caso, a embargante) - Nesta sequência, o Administrador da embargante, desde Janeiro de 2005, primeiro em nome próprio e depois, em representação da sociedade entretanto constituída, vem exercendo a posse do Estabelecimento Industrial aqui em causa. - Tanto mais que o Administrador Único nomeado pelo Tribunal, para a D………., Lda.", em 08/07/2006, investiu na posse a embargante, por contrato de transmissão da posse, cuja cópia se junta. (doc. n.º 2) - De salientar que a escritura definitiva de aquisição do Estabelecimento Comercial não se realizou, porque o Administrador da requerida recusava-se a outorgar semelhante contrato, enquanto não estivesse decidido um recurso pendente nos Tribunais Superiores, interposto por credor. - Ao fim de 28 meses a requerida foi declarada falida e nomeado administrador de insolvência, a quem incumbirá liquidar o património. - Não obstante o Sr. Administrador de Insolvência ter sido sempre cordial com a requerente, o certo é que já iniciou o processo de liquidação. - Certo é que o Sr. Administrador de Insolvência, poderá entender que é mais vantajoso para a massa falida cumprir o contrato promessa nos termos do artigo 164-A do CPEREF e, assim, conciliar os interesses legítimos dos credores e um interesse igualmente legitimo da embargante. - Mas também, a embargante receia que o SR. Administrador de insolvência proceda à apreensão efectiva das máquinas e iniba a requerente de continuar o processo produtivo. - Esclareça-se que a embargante vem pagando a energia eléctrica, o gás, etc. - Diga-se também que, a embargante já inscreveu todos os trabalhadores da falida na Segurança Social, tendo com eles, outorgado contrato de trabalho. - Saliente-se que a embargante está a laborar normalmente. - E a embargante receia que a sua posse venha a ser perturbada pelas diligências de liquidação. - A requerente está interessada em manter o negócio e pretende cumprir a promessa de compra. - Bastará, para tanto, que o Sr. Administrador de Insolvência marque escritura de compra e venda para o efeito. - A embargante teve conhecimento da eventualidade da perturbação da posse, há menos de 30 dias, mais concretamente no dia 10 de Novembro de 2006 (cfr. artigo 2790 do CC). - A embargante é terceira em relação ao processo falimentar e de recuperação, medida em que não interveio como parte na causa. Tal pedido foi indeferido liminarmente pelo tribunal a quo com fundamento em que não havia possibilidade legal de accionar o meio processual dos embargos de terceiro por impedimento fixado no n.º 2 do art. 351º n.º 2 do CPC. Inconformados recorrem os requerentes. Recebido o recurso, apresentam-se alegações. Sustenta-se o despacho agravado. Colhidos os vistos legais, nada obsta ao conhecimento do recurso. * II - Fundamentos do recurso As conclusões de recurso delimitam o seu âmbito - art.s 684º n.º 3 e 690º n.º 1 do CPC -. No caso concreto, foram: A) - O legislador do CPC consagrou dois tipos de embargos de terceiro: embargos repressivos e embargos preventivos. B) - Estes dois tipos de embargos têm regras gerais e regras específicas para cada um deles. C) - Os embargos de terceiro preventivos tem o seu regime consignado no artigo 359, que remete para o artigo 351, ambos do CPC, apenas e tão só, para a definição da diligência a realizar. D) - O disposto no artigo 351, n.º 2 do CPC, apenas se aplica aos embargos de terceiro repressivos e não aos embargos de terceiro preventivos. E) - Razão pela qual, no âmbito de um processo fàlimentar, deverão ser admitidos embargos preventivos, nos termos do artigo 359 do CPC. F) - Pois se assim não fosse, os terceiros prejudicados com o projecto de apreensão de bens não teriam meio processual que acautelasse os seus direitos. Deve, pois, ser revogada a decisão da M.ma Juiz de 1ª instância, por outra que admita os presentes embargos preventivos. * III - Os Factos e o Direito Os factos apontados como justificativos dos embargos, estão acima expostos. Ora, perante os factos relatados e o teor das conclusões formuladas, aliados ainda com a decisão e a justificação dada para o indeferimento liminar dos embargos de terceiro, podemos concluir que a questão única aqui em discussão consiste em saber se o n.º 2 do art. 351º do CPC permite que haja embargos de terceiro, na modalidade de preventivos, em processo de falência. De facto, na secção do direito processual civil e na parte referente à “Oposição Mediante Embargos de Terceiro”, indica e determina o art. 351º n.º 2 do CPC, que não é admitida a dedução de embargos de terceiro relativamente à apreensão de bens realizada no processo especial de recuperação da empresa e da falência. Isto é, será que a proibição fixada no n.º 2 do art. 351º do CPC se aplica não só aos embargos de terceiro com função repressiva mas também aos embargos de terceiro com função preventiva? Para responder a tal questão será essencial saber a razão de ser e função de tal instituto e mecanismo processual. O Relatório do DL. n.º 329-A/95 determina que, o que realmente caracteriza os embargos de terceiro, não é tanto o carácter especial da sua tramitação - que se molda essencialmente na matriz do processo declaratório, com a particularidade de ocorrer uma fase introdutória de apreciação da viabilidade da pretensão do embargante -, mas na circunstância de uma pretensão do embargante se enxertar num processo pendente entre outras partes e visar a efectivação de um direito incompatível com a subsistência dos efeitos de um acto de agressão patrimonial. E prossegue o mesmo Relatório que relativamente ao seu regime, o embargante pode efectivar qualquer direito incompatível com o acto de agressão patrimonial cometido, que não apenas a posse, permitindo-se que os direitos substanciais atingidos ilegalmente pela penhora ou outro acto de apreensão de bens possam ser invocados, desde logo, pelo lesado no próprio processo em que a diligência ofensiva teve lugar, em vez de o orientar necessariamente para a propositura de acção de reivindicação. Assim, dentro desta perspectiva e com base nestes princípios, teremos de conciliar o fixado no n.º 2 do art. 351º do CPC com o estabelecido nos artigos 141º a 148º do CPEREF aprovado pelo DL 53/04, dado que se trata de uns embargos de terceiro que ocorrem dentro dum processo de falência. E aqui - art. 141º a 148º do CPEREF - determina-se e prevê-se a restituição e separação de bens que foram apreendidos para a massa falida, sendo-lhe aplicável as disposições relativas à reclamação e verificação de créditos e englobam-se: - à reclamação e verificação do direito de restituição, a seus donos, dos bens apreendidos para a massa insolvente, mas que o insolvente fosse mero possuidor em nome alheio; - à reclamação e verificação do direito que tenha o cônjuge a separar da massa insolvente os seus bens próprios e a sua meação nos bens comuns; - à reclamação destinada a separar da massa os bens de terceiro indevidamente apreendidos e quaisquer outros bens, dos quais o insolvente não tenha a plena e exclusiva propriedade ou sejam estranhos à insolvência ou insusceptíveis de apreensão para a massa. Prevê o n.º 2 do mesmo art. 141º a forma processual de actuar, simplificada, como resulta do Relatório do citado DL 53/2004, ponto 37. Assim, verificamos que o Código das Falências previu expressamente a possibilidade de funcionamento de mecanismos próprios que satisfaçam os interesses de terceiros prejudicados com a apreensão indevida de bens alheios decretada em falência. E embora o art. 359º do CPC, que prevê os embargos de terceiro com função preventiva não contenha nenhuma ressalva como contém o n.º 2 do art. 351º do CPC, o certo é que não podemos concluir, tanto pelo espírito como o sentido e letra da lei - art. 9º n.º 2 do CC -, que o legislador aceitasse a existência de embargos de terceiro, com esta função e finalidade, no processo de falência. Por outro lado, o n.º 2 do art. 351º do CPC não distingue entre embargos de terceiro com função repressiva e preventiva, sendo certo que certamente o legislador o saberia dizer, caso assim o entendesse, donde que não podemos nós ir para além do seu pensamento, ainda que mal expresso - n.º 3 do art. 9º do CC -. Mas sabemos que o legislador foi claro nas disposições que incluiu no DL. 53/2004, concretamente nos seus n.ºs 141º a 148º do CPEREF, que articulou então especificamente com o n.º 2 do art. 351º do CPC, prevendo as hipóteses de admissão de restituição e separação de bens indevidamente apreendidos para a massa falida. Perante o que acima se acaba de expor, nenhuma censura merece a decisão agravada, antes elogios por ter decidido conforme a melhor interpretação jurídica. E diremos que a tese defendida pelos agravantes de que o disposto no n.º 2 do art. 351º do CPC apenas se aplica aos embargos de terceiro repressivos e não aos embargos de terceiro preventivos e como tal, deviam ser admitidos tais embargos com feição preventiva no processo falimentar, não tem o mínimo apoio legal nem o pretendido. E menos ainda com a razão invocada de os terceiros ficarem prejudicados por falta de meio processual que acautelasse os seus direitos. Assim, podemos concluir que em processo de recuperação de empresa e de falência, decretada esta e ordenada a apreensão de bens, a reacção contra tal apreensão não pode ocorrer através de embargos de terceiro, quer tenham a finalidade repressiva quer a finalidade preventiva, dado que estão previstos meios próprios e específicos no CPEREF, mormente, nos artigos 141º a 148º e a tal impedir e obstar o n.º 2 do art. 351º do CPC. Este tem sido, aliás, o sentido manifestado e dado nos acórdãos deste Tribunal da Relação do Porto, de 12/11/2001 e 20-02-03, inseridos em www.dgsi.pt. * IV - Decisão Nos termos e pelos fundamentos expostos, acorda-se em se negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida. Custas pelos agravantes. * Porto, 21 de Maio de 2007 Rui de Sousa Pinto Ferreira Joaquim Matias de Carvalho Marques Pereira Manuel José Caimoto Jácome |