Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0756325
Nº Convencional: JTRP00041100
Relator: ANTÓNIO ELEUTÉRIO
Descritores: CADUCIDADE
VENDA DE COISA DEFEITUOSA
Nº do Documento: RP200803030756325
Data do Acordão: 03/03/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO.
Indicações Eventuais: LIVRO 331 - FLS 101.
Área Temática: .
Sumário: I- A lei de Defesa do Consumidor (Lei n.º 24/96 de 31 de Julho, alterada pelo DL n.º 67/03 de 8 de Abril) aplica-se aos contratos de compra e venda celebrados entre uma sociedade comercial no âmbito da sua actividade mercantil e os vários compradores particulares, designadamente à venda de fracções autónomas para habitação particular e doméstica.
II- A especificidade do seu regime consiste em o comprador poder exigir, além do mais, a reparação da coisa independentemente da culpa, bastando-lhe apenas demonstrar o defeito.
III- Para exercer os direitos que tal Lei lhe confere, deve o comprador denunciar os defeitos no prazo de um ano após o seu conhecimento, nunca para além dos cinco anos da entrega e intentar a respectiva acção no prazo de seis meses após a denúncia.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto.
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B………. e mulher, C………., D………. e mulher, E………., F………. e mulher, G………., H………., I………. e mulher, J………., K………., L………. e M………. e N………. (habilitados como sucessores de O……….), P………. e Q………., e S………. e mulher, T………., intentaram contra U………., S.A., a presente acção declarativa sob a forma ordinária do processo comum, pedindo a condenação da Ré: 1° na eliminação dos defeitos e vícios de construção das fracções e edifício que identificam na p.i.; 2° na eliminação dos defeitos e vícios que se vierem a manifestar, designadamente
pelo agravamento dos actuais, a determinar em execução de sentença; 3° subsidiariamente, no pagamento da quantia que se vier a liquidar em execução de sentença, acrescido de juros moratórios calculados desde a citação.
Alegam, para tanto, que são proprietários de fracções autónomas de um edifício construído e vendido pela Ré e que as mesmas apresentam defeitos construtivos.
Contestou a Ré, excepcionando a caducidade da acção e impugnando factos alegados. Deduziu o incidente de intervenção provocada acessória, admitido, de V………., S.A., e de W………., que ofereceram as suas contestações.
Os AA replicaram.
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A acção culminou com a seguinte decisão (julgou-se, também, improcedente a excepcionada caducidade):
(…)
Nos termos expostos, julgo parcialmente procedente a acção e, em consequência, condeno a Ré a eliminar/reparar, no prazo de noventa dias, as anomalias descritas sob os números 1), 2), 3), 4), S), 6), 7), 8), 9), 10) e 11) na parte II. desta sentença, absolvendo-a do demais peticionado.
(…)
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Da sobredita decisão apelaram a ré e o interveniente acessório W………. concluindo, respectivamente, da seguinte forma:
Ré U………., S.A.:
A - Encontra-se provado nos autos, por confissão dos AÃ., que estes, pelo menos no Inverno de 2002 tomaram conhecimento dos defeitos e os denunciaram em 16.12.2002 B - Encontra-se provado nos autos que a recorrente não é empreiteira antes "compra terrenos, adjudica a construção a sociedades empreiteiras e, concluída esta, venda o prédio ou fracções autónomas que o constituem
C - Neste circunstancialismo de facto os autores tinham de interpor a acção no prazo de 6 meses a contar da denúncia
D - Não o fizeram, pelo que caducou o seu direito.
E - A douta decisão em apreciação violou o disposto nos art°s. 490° n° 2 e 917° do Cod. Civil. POR OUTRO LADO
F - Verificando-se o circunstancialismo previsto no art° 712° n° 1 do Cod. Proc. Civil pode-se modificar a decisão quanto à matéria de facto, proferida em 1° instância
G - A prova documental resultante da carta subscrita pêlos AÃ. em 28.09.2001, que foi parcialmente transcrita na resposta ao ponto 14 da BASE INSTRUTÓRIA, apreciada conjuntamente com a prova testemunhal transcrita, levam a que a resposta ao ponto 1 da BASE INSTRUTÓRIA deva ser alterada consignando-se: provado apenas que, apesar das reparações referidas na alínea L) os autores, pelo menos em 28.09.2001 constataram:
SEM PRESCINDIR
H - Se assim não se entender, face ao depoimento unânime e inequívoco da prova produzida pelas próprias testemunhas da autora, sempre a resposta ao ponto 1 da BASE INSTRUTÓRIA deverá ser alterada para: provado apenas que, apesar das reparações referidas em L) os autores, pelo menos no Inverno de 2001, constataram:
i - As respostas aos pontos da BASE INSTRUTÓRIA não têm de ser só, pura e simplesmente, afirmativas ou negativas, podendo ser restritivas ou explicativas J - Tal é, aliás, obrigação do julgador quando se mostre necessário à descoberta da verdade e á justa composição do litígio, nos termos do n° 3 do art° 265° do Código processo Civil.
K - Modificada a decisão quanto ã matéria de facto, mesmo que se entenda que o prazo de caducidade é de um ano, aplicando-se á ré o disposto no n° 4 do art° 1.225° sempre haverá que concluir pela caducidade do direito dos AÃ.
TERMOS EM QUE
Deve ser dado provimento ã presente apelação, revogando-se a decisão proferida em 1° instância e substituindo-a por douto Acórdão que, julgando procedente a excepção de caducidade invocada na contestação, absolva a ré do pedido, (…).
Interveniente W……….:
1 - A douta decisão ora recorrida violou, por errada interpretação e aplicação, o disposto nos normativos constantes dos art.°s 328.°, 329-° e 1.225.° todos do Cód. Civil, e ainda, os art.°s 513°, 515-°, 516-° do Cód. Proc. Civil.
2 - A resposta ao quesito 1.°, não tem qualquer sustentação nos autos ou na prova produzida. Perante os depoimentos produzidos, facilmente se depreende que não só os defeitos reapareceram no Inverno de 2001, ou seja, no Inverno imediatamente subsequente à realização das obras, e não no Inverno de 2002 como os Recorridos pretenderam demonstrar, como estes lobrigaram as mencionadas anomalias em Setembro do mesmo ano, tendo por isso, remetido uma carta, no dia 28 de Setembro de 2001, à U………., S.A. (ré na presente acção), ao cuidado do Sr. X………., reclamando as defeituosas e insuficientes obras e reparações realizadas no Verão precedente, nas respectivas fracções.
3 - Resulta claramente da prova produzida em Audiência de Discussão e Juramento, que no Inverno de 2001, os Autores sabiam das infiltrações, do reaparecimento das humidades, pelo que, a resposta dada ao artigo primeiro deve ser alterada nos termos seguintes:
"Apesar das reparações referidas na alínea l), os Autores constataram de imediato que as obras foram mal executas e fogo no Inverno de. 2001, existiram sucessivas infiltrações de água e humidades."
4 - Não restam duvidas que a prova produzida em audiência de discussão e julgamento, tendo em conta o juízo do homem médio, o juízo do Bonus Pater Famílíae, objectivamente leva à conclusão de que os defeitos denunciados pela presente acção, eram do conhecimento dos Autores, desde Setembro de 2001;
5 - A carta remetida pelos Autores à Ré U………., S.A., no dia 28 de Setembro de 2001, denuncia sem sombra de dúvida que os Autores sabiam da patologia dos defeitos, da sua extensão, da sua gravidade, mais sabiam quais as medidas e técnicas construtivas que debelariam definitivamente os defeitos denunciados, sabiam também, que as obras realizadas no verão de 2001, mais não foram que uma operação de maquilhagem dos defeitos, como eles dizem de camuflagem.
6 - Termos em que, o direito dos Autores de accionar a reparação dos defeitos denunciados pela presente acção, aquando da preposição da presente acção, havia caducado fia mais de um ano.
Nestes termos e nos mais e melhores de direito aplicáveis, (…) deverá ser dado provimento ao presente recurso, e, em consequência, ser dada como provada a excepção da caducidade, absolvendo-se a Ré do pedido, com todas as consequências legais.
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Contra-alegou o autor B………. concluindo da seguinte forma:
A) - Da prova produzida nos autos resulta claro ter que improceder a excepção peremptória invocada nos autos pela Ré;
B) - O ónus da prova no âmbito da excepção invocada - caducidade - recaía sobre a Ré e sobre os Chamados;
C) - Como bem refere o Tribunal a quo na douta sentença de fls... "(...) caberia à Ré demonstrar (...) que os AA. denunciaram os defeitos cuja reparação visam há mais de um ano em relação à data da propositura da acção (...)";
D) - A Ré não logrou fazer prova da excepção invocada;
E) - Nenhuma das testemunhas inquiridas em sede de audiência de julgamento foi capaz de localizar, de forma precisa, quando é que os defeitos se começaram a manifestar e, consequentemente, quando é que os Autores tiveram conhecimento da sua existência.
F) - Ainda que se admitisse que os Autores tiveram conhecimento da existência dos defeitos no Inverno seguinte à realização das obras, não se poderia concluir, face aos depoimentos ouvidos em sede de audiência de discussão e julgamento, qual o mês exacto em que tal conhecimento aconteceu, porquanto não houve qualquer referência nesse sentido por parte das Testemunhas ouvidas;
G) - A referência a "Inverno" é demasiado abrangente para permitir a localização temporal necessária à apreciação da excepção da caducidade;
H) - Para que tal tivesse ficado provada a excepção da caducidade era necessário que f*- tivesse resultado da prova produzida nos autos que o conhecimento dos defeitos em causa por parte dos Autores havia ocorrido antes de 16 de Dezembro de 2001, o que não aconteceu;
l) - A carta datada de 28 de Setembro de 2001 não consubstancia uma denúncia de defeitos.
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Factos provados:
Por escritura pública celebrada em 04.11.1998 os AA B………. e mulher, C………., declararam comprar à Ré U………., Lda, que declarou vender, a fracção autónoma designada pela letra "C", correspondente a uma habitação no r/c esquerdo frente, com entrada pelo número ..-A, do prédio urbano sito na Rua ………., freguesia ………., descrito na 2° Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o número 01687 (alínea A) dos factos assentes).
Por escritura pública celebrada em 30.10.1998 os AA D………. e mulher, E………., declararam comprar à Ré U………., Lda, que declarou vender, a fracção autónoma designada pela letra "J", correspondente a uma habitação no .° andar direito traseiras do mesmo prédio (alínea B).
Por escritura pública celebrada em 03.11.1998 os AA F………. e mulher, G………., declararam comprar à Ré U………., Lda, que declarou vender, a fracção autónoma designada pela letra "K", correspondente a uma habitação no .° andar esquerdo frente do mesmo prédio (alínea C).
Por escritura pública celebrada em 06.01.1999 a A H………., declarou comprar à Ré U………., Lda, que declarou vender, a fracção autónoma designada pela letra "M", correspondente a uma habitação no .° andar direito frente do mesmo prédio (alínea D).
Por escritura pública celebrada em 13.11.1998 os AA I………. e mulher, J………., declararam comprar à Ré U………., Lda, que declarou vender, a fracção autónoma designada pela letra "O", correspondente a uma habitação no .° andar esquerdo frente do mesmo prédio (alínea E).
Por escritura pública celebrada em 09.12.1998 o A K………. declarou comprar à Ré U………., Lda, que declarou vender, a fracção autónoma designada pela letra "P", correspondente a uma habitação) no .° andar esquerdo traseiras do mesmo prédio (alínea F).
Por escritura pública celebrada em 30.10.1998 os AA O………. e mulher, L………, declararam comprar à Ré U………., Lda, que declarou vender, a fracção autónoma designada pela letra "R", correspondente a uma habitação no .° andar direito traseiras do mesmo prédio (alínea G).
Por escritura pública celebrada em 05.11.1998 os AA P………. e Q………. declararam comprar à Ré U………., Lda, que declarou vender, a fracção autónoma designada pela letra "S", correspondente a uma habitação no .° andar esquerdo frente do mesmo prédio (alínea H).
Por escritura pública celebrada em 30.10.1998 os AA S………. e mulher, T………., declararam comprar à Ré U………., Lda, que declarou vender, a fracção autónoma designada pela letra "T", correspondente a uma habitação no .° andar esquerdo traseiras do mesmo prédio (alínea I).
A Ré compra terrenos, adjudica a construção a sociedades empreiteiras e, concluída esta, vende o prédio ou fracções autónomas que o constituem (alínea J).
Pouco tempo após os AA terem adquirido as suas fracções autónomas e as ocuparem (nunca mais de dois meses após a celebração das escrituras públicas de compra e venda) começaram a verificar em alguns pontos de alguns compartimentos das fracções o aparecimento de algumas infiltrações de humidades e fissuras, sendo que desconheciam a origem das mesmas (alínea K).
Os AA procederam de imediato à reclamação junto da Ré, que reconheceu os referidos factos e, algum tempo depois, mandou proceder à reparação das fracções dos AÃ, o que ocorreu no Verão de 2001 (alínea L).
Por telecópia recepcionada pela Ré em 16 de Dezembro de 2002, a administração do condomínio do prédio referido comunicou à Ré a existência de infiltrações de água nas fracções correspondentes ao .° direito traseiras, .° esquerdo traseiras, .° esquerdo frente e .° esquerdo traseiras (alínea M).
Apesar das reparações referidas na alínea L), os AA constataram, que na fracção C" existiam sinais de infiltrações e manchas de humidade, nos quartos e no WC grande, diversos azulejos rachados nas casa de banho e cozinha, a janela do quarto suite não funciona e na cozinha, o respiro que fica por cima do cilindro, verte água (números 1) e 2) da base instrutória).
Na fracção "J" existiam infiltrações de água e manchas de humidade junto das janelas de todas as divisões, por baixo e por cima, rente ao tecto (número 3).
Na fracção "K" o tecto da cozinha apresenta manchas de humidade e infiltrações de água, encontrando-se empolado em algumas zonas, azulejos rachados nas casas de banho e cozinha e fissuras nas paredes de divisões (número 4).
Na fracção"M" existiam infiltrações de água e humidade junto das janelas e nas paredes, a janela da sala não abre, azulejos rachados nas casas de banho e cozinha e a tijoleira do corredor levantada (número 5).
Na fracção "O" existiam infiltrações de água e manchas de humidade junto da janela central da sala, fissuras na parede lateral do quarto da suite e fissuras em todas as paredes do outro quarto (número 6).
Na fracção "P" existiam infiltrações de água e manchas de humidade, com bolor das paredes, com a pintura descascada e negra, no quarto suite, e manchas de humidade junto da janela central na sala, estando a pintura descascada (número 7).
Na fracção "R" existiam infiltrações e escorrimentos de água, manchas de humidade e fissuras no tecto de paredes do quarto suite, infiltrações de água, manchas de humidade e fissuras no tecto e paredes do quarto central e infiltrações de água e manchas de humidade na sala (número 8).
Na fracção "S" existiam manchas de humidade e bolor, com infiltrações de água, nos tectos e paredes do quarto suite e casa de banho, manchas de humidade e infiltrações de água na parede junto à janela da sala e no tecto da cozinha (número 9).
Na fracção "T" existiam manchas de humidade e pintura a descascar no tecto e paredes do quarto de casal e no outro quarto, manchas de humidade no tecto e paredes da casa de banho e pintura a descascar junto às janelas da sala (número 10).
Tais factos têm origem em deficiências construtivas ao nível do isolamento térmico da envolvente exterior horizontal (cobertura), ao nível das pontes térmicas da envolvente exterior vertical (fachada) e ao nível das ligações/vedações das caixilharias exteriores com vãos exteriores da fachada (obreiras e peitoris) (número 11).
Os AA enviaram à Ré, em 28 de Setembro de 2001, uma carta com o seguinte teor:
"(•••) Na sequência da carta de V.Exa datada de 27.08.2001, aproveito a ocasião para manifestar por escrito o nosso descontentamento, por diversas vezes apresentado verbalmente aos vários representantes da empresa (...).
Na comunicação que nos foi enviada, é referido que apenas se responsabilizam pelos trabalhos decididos pela Z………., no entanto, e apesar de ter sido assumido por diversas vezes pela Z………., que seria necessário proceder à impermeabilização das fachadas, para resolver definitivamente os problemas existentes, neste momento tem-nos sido referido que está fora de questão qualquer intervenção desta natureza, uma vez que esta é considerada demasiado onerosa (...).
Na alínea b) do parágrafo primeiro da vossa comunicação, é referido que as humidades interiores foram eliminadas, no entanto, o que realmente aconteceu foi a sua camuflagem através da aplicação de tinta com aditivos anti-fungos. Provavelmente nos primeiros meses do próximo Inverno as infiltrações não serão detectadas. E depois o que irá acontecer?
Através de uma análise efectuada por não técnicos da área da construção civil, são ainda verificadas anomalias que têm obrigatoriamente que ser corrigidas, tais como:
- A substituição do vidro da porta de acesso ao telhado que foi partido no decurso das obras de reparação;
- A colocação das tijoleiras das fachadas que foram retiradas para a colocação das novas soleiras das janelas;
- A escada de acesso à casa das máquinas foi pintada com tinta que aí foi armazenada no decurso das obras (...);
- As portas corta-fogo não se encontram a funcionar devidamente (...)" (número 14).
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Os recorrentes alegam, em suma, que, com fundamento no depoimento das testemunhas dos autores, devia ter sido dado como provado (resposta ao ponto 1º da base instrutória) que os autores tiveram conhecimento dos defeitos em questão no Inverno de 2001 ou em Setembro desse ano (cfr carta supra referida) pelo que caducou o direito que pretendem fazer valer.
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Nos termos do art. 664º do CPC o juiz só pode servir-se dos factos articulados pelas partes.
A recorrente U………., S.A. suscita efectivamente a caducidade do direito que os autores pretendem fazer valer (o recorrente W………. aderiu à alegação da U……….., S.A.) mas circunscreve-a à sobredita carta de 28.9.2001 e nada refere quanto a um eventual conhecimento, por parte dos autores, dos defeitos das referidas fracções autónomas com referência ao Inverno de 2001.
Consequentemente, o conhecimento dos defeitos em causa no Inverno de 2001, como é facto não alegado pelos recorrentes, não podia sequer ser considerado pelo tribunal a quo (cfr preceitua o supra citado artigo) mesmo em sede de resposta restritiva ao dito ponto de facto nem o pode ser no contexto do presente recurso.
Fica, por isso, prejudicada a apreciação da prova testemunhal invocada pelos recorrentes no sentido da demonstração de que os autores conheciam os defeitos em causa no Inverno de 2001.
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Ao caso em apreço aplica-se a Lei de Defesa do Consumidor (Lei nº 24/96 de 31.7, em vigor à data dos factos, alterada pelo DL 67.2003 de 8.4).
Aplica-se tal lei, de acordo com o seu art. 2º nº 1, porque os contratos de compra e venda referidos foram celebrados por uma sociedade comercial no âmbito da sua actividade de vendedora - cfr matéria de facto supra transcrita - e vários compradores particulares, destinando-se as fracções vendidas a uso particular e doméstico (habitação dos condóminos).
A Lei de Defesa do Consumidor abrange o incumprimento (designadamente do contrato de compra e venda que é o que está em causa) na modalidade de incumprimento imperfeito ou seja quando se está perante uma venda de coisa defeituosa.
A especificidade deste regime consiste em o comprador poder exigir, além do mais, a reparação da coisa, independentemente de culpa, bastando-lhe apenas demonstrar o defeito (art. 12º nº 1 da citada Lei).
Para exercer os direitos que a Lei de Defesa do Consumidor lhe confere o comprador, sob pena de caducidade, deve denunciar os defeitos no prazo de um ano após o seu conhecimento, nunca depois dos cincos anos após a entrega da coisa e deve ainda intentar a acção respectiva no prazo de seis meses após a denúncia (art. 12º nºs 2º e 3º da Lei nº 24.96 de 31.7 /os prazos fixados pelo DL nº 67.2003 são iguais).
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Nos termos do art. 4º nº 1 da Lei nº 24/96 de 31.7 “Os bens e serviços destinados ao consumo devem ser aptos a satisfazer os fins a que se destinam e produzir os efeitos que se lhes atribuem, segundo as normas legalmente estabelecidas, ou, na falta delas, de modo adequado às legitimas expectativas do consumidor”.
No caso em apreço, as fracções acima referidas apresentavam os defeitos supra descritos.
O ónus da prova da caducidade competia à recorrente cfr art. 343º nº 2 do CC.
A carta supra mencionada (de 28.9.2001) é posterior à reparação que a recorrente efectuou no Verão de 2001, dá conta que a mesma foi realizada, que os defeitos foram eliminados (se camuflados o relevante é que os defeitos não ficaram visíveis pelo que se pode concluir que, no que às fracções autónomas dizia respeito, o arranjo foi consumado) pelo que, apesar do descontentamento que a dita carta reflecte, todas as anomalias acima referenciadas têm que ser entendidas como novos defeitos para o fim ora em vista.
Consequentemente, não se conclui que a missiva de 28.9.2001 consubstancie uma denúncia dos defeitos, acima descritos, nas fracções autónomas dos autores na medida em que é mais uma manifestação de descontentamento e uma antecipação de problemas futuros do que um concreto enunciado das anomalias das referidas fracções (sem prejuízo de, quanto às partes comuns, referir expressamente anomalias que foram postas à consideração da ré).
Por todo o exposto, inexiste prova de que caducou o direito que os autores pretendem fazer valer (única questão objecto do recurso) quer porque o tribunal só se pode servir de factos alegados (o conhecimento dos defeitos no Inverno de 2001 não foi alegado pela recorrente) quer porque a missiva referida não tem virtualidade para ser entendida como uma verdadeira denúncia dos defeitos em questão pelos motivos expostos.
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Nestes termos, nega-se provimento ao recurso e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.
Custas pelos recorrentes.

Porto, 3.3.2008
António Eleutério Brandão Valente de Almeida
José Rafael dos Santos Arranja
Paulo Neto da Silveira Brandão