Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0724890
Nº Convencional: JTRP00041145
Relator: CRISTINA COELHO
Descritores: JUNÇÃO DE DOCUMENTO
FACTOS NOVOS
INCAPACIDADE FUNCIONAL GERAL
INDEMNIZAÇÃO
EQUIDADE
Nº do Documento: RP200803040724890
Data do Acordão: 03/04/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO. APELAÇÃO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO. REVOGADA PARCIALMENTE A DECISÃO.
Indicações Eventuais: LIVRO 266 - FLS 205.
Área Temática: .
Sumário: I - Os factos novos, que possam revelar um agravamento da situação clínica do lesado, devem ser alegados, designadamente em articulado superveniente, não sendo suficiente a simples junção de documentos com que se visava comprovar esse facto.
II - Se o lesado ficou afectado de incapacidade funcional geral, com repercussão na sua actividade profissional apenas na medida em que lhe vai exigir maior esforço do que aquele que lhe seria exigido se não fosse essa incapacidade, esse dano, patrimonial, é ressarcível em termos de equidade, não devendo ser utilizados os parâmetros de avaliação utilizados para cálculo dos lucros cessantes, uma vez que o dano não interfere com a capacidade de produzir rendimentos.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 4890/07-2 - Apelação
Decisão Recorrida: Proc. nº …/2001 da .ª Vara Mista de Vila Nova de Gaia.
Recorrentes: B………. e mulher
Recorrida: Companhia de Seguros C………, S.A.
Relator: Cristina Coelho
Adjuntos: Desemb. Eduardo Rodrigues Pires e Desemb. Canelas Brás

Acordam nesta Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto:

RELATÓRIO.
B.......... e mulher, D………. intentaram contra Companhia de Seguros C………., S.A., acção declarativa de condenação para pagamento de quantia certa, com processo ordinário, pedindo a condenação da R. a pagar-lhes a quantia de Esc. 11.100.000$00, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, bem como indemnização a liquidar em execução de sentença, mas nunca inferior a Esc. 12.000.000$00, também por danos patrimoniais e não patrimoniais, e juros de mora vencidos desde a citação e vincendos até integral e efectivo pagamento.
A fundamentar o peticionado, alegou, em síntese, que:
- No dia 26.10.1999, pelas 12h00, na EN nº ., Km 293,9, em ………., ………., Vila Nova de Gaia, os AA. foram vítimas de um acidente de viação, quando seguiam no veículo ligeiro de mercadorias, matrícula ..-..-IC, conduzido pelo A. marido.
- Seguiam no sentido Sul – Norte, na sua mão de trânsito, a cerca de 60 kms/h, quando, sem que nada o fizesse prever, o veículo pesado de mercadorias, com a matrícula QQ-..-.., propriedade de E………. e conduzido por F………., sob as ordens, direcção e por conta daquele, que seguia no sentido Norte – Sul, saindo de uma curva, a mais de 90 kms/h, invadiu a faixa de rodagem por onde circulavam os AA., embatendo-lhes violentamente de frente.
- O acidente ficou a dever-se a culpa exclusiva do condutor do veículo QQ, que seguia em velocidade excessiva, com grave negligência e imperícia, o que foi reconhecido pela R., para quem se encontrava transferida a responsabilidade civil pelos danos emergentes de acidentes de viação ocorridos com o referido veículo, através de contrato de seguro.
- Em consequência do embate, o veículo do A. sofreu danos, que a R. reembolsou aos AA..
- Tal como resultaram danos físicos e psíquicos nos AA., tendo a R. suportado as despesas hospitalares tidas com o internamento do A., com a reconstituição e reparação dentária deste, algumas despesas com medicamentos e honorários médicos.
- Os AA. sofreram graves lesões corporais, tal como sofreram grande angústia e ansiedade com a eminência do acidente e sua produção (especialmente a A. mulher por estar grávida), bem como sofreram dores.
- O A. marido teve um grande choque psicológico, que ainda hoje se revela no seu comportamento.
- Em consequência do embate a carga transportada, na altura, no veículo dos AA., ficou total ou parcialmente deteriorada e impossibilitada de ser vendida, tendo tido um prejuízo de cerca de Esc. 1.401.800$00, de que deverão ser ressarcidos.
- Essa mercadoria fazia parte de um conjunto que também era transportada pelos AA., na altura do acidente, e destinava-se a abastecer um loja comercial que os AA. haviam arrendado, e que, em virtude do acidente e das suas consequências, nunca chegou a abrir e a ser explorada pelos AA., que pagaram, contudo, rendas até Julho de 2000, no montante de Esc. 60.000$00, cada, que lhes deverão ser pagas.
- Na preparação da referida loja os AA. haviam dispendido Esc. 600.000$00, de que devem ser ressarcidos.
- Tendo em conta o investimento, a margem de comercialização dos produtos, a época pré-natalícia, os AA. deixaram de facturar, nos meses de Outubro, Novembro e Dezembro de 1999, em média, cerca de 1.000 contos / mês, e nos restantes meses até entrega do estabelecimento ao senhorio, em média, 700 contos / mês.
- Embora certos e previsíveis, não é ainda possível liquidar todos os lucros cessantes, pelo que formulam um pedido genérico a liquidar em execução de sentença, mas nunca inferior a 10.000.000$00.
- Atentos os ferimentos sofridos, tratamentos, dores, aborrecimentos, angústia, devem aos AA. serem atribuídos os montantes de Esc. 1.500.000$00 e Esc. 1.000.000$00, a título de danos não patrimoniais.
- A título de compensação pelo grau de incapacidade de que o A. marido ficou afectado deverá receber a quantia de Esc. 6.000.000$00.
- O A. continua sem poder fazer o seu trabalho e vida normal, e ainda sofre e vive todos os efeitos do acidente, nomeadamente psicológicos, relegando o apuramento de tais danos para execução de sentença, não devendo, porém, o seu montante ser inferior a Esc. 2.000.000$00.
A R., regularmente citada, contestou, alegando, em síntese, que:
- a culpa na ocorrência do acidente ficou a dever-se à conduta do condutor do veículo segurado, que invadiu a faixa de rodagem contrária, tendo, porém, o A. contribuído para a produção dos danos, uma vez que seguia a velocidade superior à permitida no local, o que condiciona os efeitos indemnizatórios;
- por outro lado, desconhece os danos alegados, mas os montantes peticionados são manifestamente exagerados.
Termina propugnando pela improcedência parcial da acção.
Os AA. replicaram, propugnando pela improcedência das “ excepções ” invocadas.
Foi proferido despacho saneador, e elaboradas matéria de facto assente e base instrutória, tendo a 1ª sofrido reclamação que não foi atendida.
Procedeu-se a audiência de discussão e julgamento, na qual o A. requereu a junção aos autos de 57 documentos para prova dos quesitos 8º, 9º, 17º, 21º e 22º da base instrutória, tendo sido indeferida a requerida junção, à excepção do documento identificado como o nº 54, por terem sido considerados impertinentes.
Deste despacho agravaram os AA., tendo, no final, formulado as seguintes conclusões:
1ª – Vem o presente recurso interposto do aliás douto despacho proferido em 19.09.2006, que, com excepção do documento sob o nº 54, não admitiu a junção dos documentos 1 até 55.
2ª – Data vénia, sem razão!
3ª – Na verdade, tais documentos estão intimamente relacionados não só com a matéria quesitada sob os artigos 8º, 9º, 17º, como com a levada à matéria assente sob a alínea G), e ainda com o pedido formulado pelos AA./Recorrentes sob a alínea B);
4ª – Por conseguinte, não se diga como no douto despacho em apreço, que tais documentos “são manifestamente impertinentes” “tendo em conta as pretensões formuladas pelos AA.”!?
5ª – Tais documentos, portanto, revelam-se úteis e pertinentes para a boa decisão da causa, e até para melhor e mais “rigoroso” cálculo dos valores peticionados – o que se invoca para todos os efeitos legais, v.g. arts. 661º, nº 2 e 663º, ambos do CPC e 564º, nº 2, 565º, 566º, nº 3 e 569º do CC.
6ª – Devendo, pois, ser anulado (ou revogado, conforme se entenda) e substituído por outro que julgue no sentido ora defendido, admitindo-se os mencionados documentos 1 até 53 e 55.
A R. não contra-alegou e foi proferido despacho sustentado a decisão recorrida.
Oportunamente foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, condenando a R. a pagar ao A. B………. a quantia de € 2.700,00, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros vencidos desde a data da sentença e até integral pagamento, e à A. D……… a quantia de € 800,00, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros vencidos desde a data da sentença e até integral pagamento, absolvendo a R. do resto peticionado.
Discordaram desta decisão os AA., dela interpondo recurso, tendo no final das respectivas alegações formulado as seguintes conclusões:
1ª. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida em 07 de Dezembro de 2006, que julgou apenas parcialmente procedente a acção intentada pelos ora Recorrentes.
2ª. Ou seja, condenou a ora Recorrida a pagar ao A. marido a quantia € 2.700,00, a título de indemnização por danos patrimoniais, acrescida de juros à taxa de 4% contados desde a presente data (07.12.06) e até integral e efectivo pagamento.
3ª. E condenou aquela ainda a pagar à ora Recorrente mulher a quantia € 800,00, também a título de indemnização por danos patrimoniais, acrescida de juros à taxa de 4% contados desde a presente data (07.12.06) e até integral e efectivo pagamento.
4ª. Acabando por absolver a R. do demais que lhe foi pedido.
5ª. Salvo o devido respeito por melhor opinião, julgamos que não foi feita integral, efectiva, verdadeira e sã justiça!
6ª. Visa-se, com o presente recurso, além do mais, não apenas a interpretação e aplicação da lei aos factos dados como provados, mas também a reapreciação da prova produzida v.g. documental e testemunhal (gravada), tendo em vista a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, nos termos e para os efeitos do disposto v.g. no 712º do CPC.
7ª. Quanto à matéria de facto em causa é a que consta dos quesitos 5º, 11º, 12º, 13º, 17º, 18º, 24º, 26º, 28º, 29º, 31º, 32º, 33º, 34º, na medida em que se considera que a mesma foi, ao ser dada como não provada, incorrectamente julgada.
8ª. Mutatis mutandis, relativamente à matéria do quesito 24º, ao considerar o mesmo como “provado apenas”.
9ª. Os ora recorrentes peticionaram 8.601.800$00, a título de danos patrimoniais, que se traduziram nos seguintes:
10ª. - 1.401.800$00, pelos danos causados na mercadoria transportada no veículo;
- 600.000$00, pelas obras realizadas no estabelecimento comercial;
- 6.000.000$00, a título de incapacidade parcial permanente do A. marido.
11ª. E a título de danos não patrimoniais, 1.500.000$00, para o A. marido e 1.000.000$00, para a A. mulher.
12ª. Ao que sempre acresceria sobre tais montantes os competentes juros de mora, calculados a partir da citação da R., à taxa supletiva legal, até integral e efectivo pagamento.
13ª. Contudo, o digníssimo Tribunal “a quo” limitou-se a arbitrar – segundo refere “tudo devidamente ponderado” – apenas as aludidas indemnizações por danos não patrimoniais, e reportadas “à data da sentença”, embora sem razão!!!
14ª. Vejamos pois se tudo foi devidamente ponderado na aliás douta sentença em apreço!
15ª. Quanto aos danos patrimoniais reclamados e resultantes da “alegada incapacidade parcial permanente do A. marido”, como vimos, o Tribunal “a quo” acabou por julgar “improcedente”.
16ª. Aquela decisão fundamenta-se no facto de “nada” se ter provado quanto a tal dano, como resulta da “resposta negativa aos quesitos 12º, 13º e 34º da base instrutória”.
17ª. Data vénia, julgamos que lhe fenece razão!
18ª. Na verdade, o presente pedido fundamenta-se na “incapacidade parcial permanente” fixada no relatório pericial constante de fls..., que determinou, além do mais, uma “incapacidade permanente geral fixável em 5%”, sendo certo que segundo o mesmo relatório “as sequelas descritas, em termos de rebate profissional, são compatíveis com o exercício da profissão do sinistrado”.
19ª. Profissão essa que, como resulta da prova produzida v.g. depoimentos das testemunhas e matéria que ficou provada (cf. ponto 16), o ora recorrente marido, ao tempo do acidente, exercia a profissão de artesão e também de vendedor!
20ª. Na verdade, a presente questão insere-se naquilo que vem sendo designado por dano biológico, determinante de consequências negativas ao nível da sua actividade geral, e que justifica a concernente indemnização no âmbito do dano patrimonial, independentemente da valoração que se imponha a título de dano patrimonial.
21ª. Ora, o que está aqui em causa é a perda de capacidade de ganho do A. marido em 5%, que pura e simplesmente foram omitidos em absoluto do cálculo da indemnização arbitrada – que se invoca para todos os efeitos legais.
22ª. Na verdade a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado na data mais recente que puder se atendida pelo tribunal e a que ele teria então se não tivesse ocorrido o dano, daí que não podendo determinar-se o valor exacto, o tribunal deverá julgar equitativamente dentro dos limites que tiver como provados (566º, nºs 2 e 3 do CC).
23ª. Atento aos quarenta e dois anos do ora recorrente marido (cf. relatórios médicos de fls...), considerando a(s) referida(s) actividade exercidas (artesão e vendedor), deveria ter sido calculada e arbitrada uma indemnização por IPP, pelo menos, equivalente ao ordenado mínimo nacional;
24ª. Considerando não só o período de incapacidade temporária geral parcial fixado em 240 dias (cf. relatório médico-legal), bem como a já aludida incapacidade permanente geral fixada em 5% (inferior à IPP inicialmente sugerida (9,6%) no quesito 34º da base instrutória).
25ª. Assim, em conformidade com a idade daquele e a sua expectativa de vida que, segundo cremos, será de 75 anos para os homens e 80 para as mulheres, deveria aquela sentença ter procedido a um cálculo indemnizatório no quadro de juízos de verosimilhança e de probabilidade, tendo em conta a prova produzida e o curso normal das coisas, ou seja, com base na equidade, pelo menos um valor equivalente ao ordenado mínimo nacional – o que se invoca para todos os efeitos legais.
26ª. Cremos, data vénia, dever ser esta a posição a seguir, a qual, aplicada ao caso sub judice, justifica um acréscimo da indemnização arbitrada pela IPP de que o ora recorrente marido ficou a sofrer por causa do acidente dos autos.
27ª. Efectivamente, como bem se observou nos acórdãos do STJ de 4.12.96 e de 8.6.93, BMJ nº 462, pág. 396 e C.J./S.T.J., Ano 1, Tomo 2, pág. 138, a incapacidade permanente parcial é, de “per se”, um dano patrimonial indemnizável, é um dano patrimonial futuro, independentemente da prova de um prejuízo pecuniário concreto dela resultante, dada a inferioridade em que o lesado se encontra na sua condição física e/ou psíquica – cfr. Acórdãos de 5.2.87, BMJ nº 364, págs. 819 e ss., de 17.5.94, C.J./S.T.J., 1994, Tomo II, págs. 101-102, de 24.2.99, BMJ nº 484, pág. 359 e de 23.1.01, Revista nº 3617/00, 1ª Secção.
28ª. Por conseguinte, contrariamente ao defendido na aliás douta sentença, basta a alegação da incapacidade parcial permanente para, uma vez provada, servir de base ao pedido de indemnização de dano patrimonial cujo valor não se prova, sendo certo que o valor desse dano terá de ser apreciado equitativamente – o que se alega para todos os efeitos legais v.g. os previstos no art. 566º, nº 3 do Código Civil.
29ª. Ainda em sede de danos patrimoniais, os ora recorrentes reclamaram o valor dos danos causados na mercadoria transportada no seu veículo aquando do acidente.
30ª. Contudo, defendeu-se na aliás douta sentença em crise que “... não tendo os AA. logrado demonstrar o valor dos danos, como lhes competia, nem havido nos autos elementos para o fixar com base num juízo de equidade nos termos do disposto no artigo 566º, nº 3 do Código Civil e nem sendo caso de aplicação do disposto no art. 661º, nº 2 do Código de Processo Civil, tal pretensão não poderá merecer acolhimento” (sic).
31ª. Uma vez mais, data vénia, julgamos que não tem razão!
32ª. A presente questão, como de algum modo se observa naquela decisão, prende-se com o campo de aplicação do disposto no nº 2 do art. 661º do CPCivil, que dispõe que “ se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o tribunal condenará no que se liquidar em execução de sentença, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida ”.
33ª. A jurisprudência encontra-se dividida a este propósito, contudo deverá prevalecer “in casu” a que é maioritária, ou seja, a que defende que a razão de ser do art. 661º, nº 2 é a de que “... a mais elementar razão de sã justiça, de equidade, veda a solução de se absolver o réu apesar de demonstrada a realidade da sua obrigação; mas também se revela inadmissível, intolerável, que o juiz profira decisão à toa” – cfr. Ac. STJ de 18.01.94.
34ª. Tal tese é igualmente aceite no Ac. da Relação do Porto de 8.11.2001, onde se estabelece que “nada na lei permite, ou pelo menos obriga, a fazer a restrição pretendida pela corrente minoritária, por forma a considerar-se que ali se visa a falta de factos a provar e não o fracasso da prova sobre eles. O que aí se diz é que “se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o tribunal condenará no que se liquidar em execução de sentença”.
35º. O mesmo sucedendo no Ac. do STJ de 18.10.94, onde se considerou que “sendo certa a existência de danos e não se tendo apurado, com precisão e certeza, a quantidade de tais danos e correlativa reparação, há que condenar no que se liquidar em execução de sentença. A condenação ilíquida tanto é possível no caso de se ter formulado pedido genérico como no de se ter formulado pedido específico, mas não se ter conseguido fazer prova da especificação”.
36ª. Ora, foi precisamente o que sucedeu, os ora recorrentes provaram os pontos 16, 17, 18, mas, na óptica do tribunal, não lograram provar e demonstrar o valor dos danos causados na mercadoria transportada no seu veículo aquando do acidente!
37ª. Destarte, face ao entendimento seguido e aos respectivos considerandos, estando no caso em apreço verificados os danos – factos provados pontos 16, 17 e 18 – mas não tendo sido possível a sua quantificação nos montantes indicados na petição inicial, nem mesmo recorrendo a um juízo de equidade, por os factos assentes e resultantes da alegação constante daquela peça processual serem insuficientes para aceitar as quantidades e valores indicados pelos apelados, impunha-se relegar para execução em liquidação de sentença a determinação do quantum indemnizatório – o que se invoca para todos os efeitos legais, v.g. os previstos nos citados 566º, nº 3 do CC e 661º, nº 2 do CPC.
38ª. No que concerne ainda aos danos patrimoniais, os ora recorrentes peticionaram as despesas com as obras realizadas no estabelecimento arrendado à A. mulher.
39ª. Não obstante dar-se como provado na aliás douta sentença em apreço que naquela loja os AA. colocaram tijoleira, tecto falso e que ainda procederam à pintura das paredes, o certo é que o digníssimo tribunal “a quo”, na senda aliás da fundamentação apresentada para a questão supracitada, considerou (indevidamente) que aqueles não lograram demonstrar o valor de tais danos, acrescentando, todavia, que ainda que ficasse apurado o valor de tal dano, “não ficou provado que o mesmo foi causa directa e necessária do acidente a que se reportam os presentes autos” (sic).
40ª. Antes de mais, consideram os ora recorrentes ter ficado provado o valor de tal dano (cf. v.g. depoimento testemunhas), que se traduz em seiscentos contos, daí que a resposta ao quesito 24º não deveria ter sido “restritiva” (provado apenas)!
41ª. Por outro lado, ainda que assim não se entendesse – o que apenas se concede por mera hipótese de raciocínio -, sempre se aplicariam aos presentes danos reclamados, mutatis mutandi, o que acima se referiu quanto aos danos causados na mercadoria transportada no veículo dos ora recorrentes, aquando do acidente, ou seja, não tendo sido possível a sua quantificação nos montantes indicados na petição inicial, nem mesmo recorrendo a um juízo de equidade, por os factos assentes e resultantes da alegação daquela peça processual serem insuficientes para aceitar as quantidades e valores indicados pelos apelados, impunha-se relegar para execução em liquidação de sentença a determinação do quantum indemnizatório!
42ª. Ainda assim, resta a questão do “nexo de causalidade” entre o relatado acidente e os aludidos danos! Dir-se-á, a este propósito, que vem sendo pacificamente aceite ao nível da jurisprudência praticada v.g. pelo STJ que, no âmbito do direito civil, o art. 563º do Código Civil consagra a vertente mais ampla da causalidade adequada, ou seja, a sua formulação negativa.
43ª. Esta vertente negativa da causalidade adequada não pressupõe a exclusividade do facto condicionante do dano, nem exige que a causalidade tenha de ser directa e imediata, pelo que admite não só a ocorrência de outros factos condicionantes, contemporâneos ou não, como ainda a causalidade indirecta, bastando que o facto condicionante desencadeie outro que directamente suscite o dano.
44ª. Para que um dano seja considerado efeito adequado de certo facto, em corolário da teoria antes exposta, não tem que se tornar previsível para o seu autor. “A previsibilidade é decerto exigível relativamente, v.g., ao requisito da culpa, visto constituir um elemento (intelectual) desta em qualquer das suas modalidades, mas não em relação aos danos”;
45ª. Efectivamente, segundo a teoria da causalidade adequada consagrada no art. 563º do C.Civ., totalmente ignorada no acórdão recorrido, existe nexo de causalidade nos casos em que o facto, embora não constituindo causa directa e única do dano, favoreça a sua produção.
46ª. Data vénia, foi o que sucedeu no presente caso! Os AA. / Recorrentes, no período em que sofreram o acidente dos autos, haviam arrendado aquela loja, com o propósito de ali desenvolverem o respectivo negócio de “bazar”, cuja mercadoria consistia em bonecos e estátuas em madeira e com aplicações em pele, de diversos tamanhos e formatos, executados pelo ora recorrente marido, numa altura de particular vulnerabilidade física e emocional da recorrente mulher, pois encontrava-se grávida, com cerca de seis meses.
47ª. Com o devido respeito por melhor opinião, julgamos ocorrer “in casu” o necessário nexo de causalidade em virtude da prova testemunhal produzida e antes referida!
48ª. Efectivamente, o tribunal “a quo” deveria ter dado como provados os mencionados quesitos 26º e 28º, pois, apesar do acidente embora possa não constituir a causa directa e única do dano (não abertura da loja com o consequente prejuízo não só das obras ali realizadas, demais investimentos, e o que deixaram de facturar num período especialmente propício (Natal de 1999), indiscutível e notoriamente aquele acidente favoreceu e foi determinante para a sua produção (danos) – o que se alega para todos os efeitos legais.
49ª. Daí que, tendo sido dados como provados alguns dos danos invocados – pontos 19, 21
-, mas não tendo sido possível a sua quantificação nos montantes indicados na petição inicial, nem mesmo recorrendo a um juízo de equidade, por os factos assentes e resultantes da alegação constante daquela peça processual serem insuficientes para aceitar as quantidades e valores indicados pelos apelados, impunha-se relegar para execução em liquidação de sentença a determinação do quantum indemnizatório – o que se invoca para todos os efeitos legais, v.g. os previstos nos citados 566º, nº 3 do C.C. e 661º, nº 2 do CPC.
50ª. Os ora recorrentes reclamaram ainda a título de danos não patrimoniais a quantia de 1.500.000$00, para o ora recorrente marido, e de 1.000.000$00, para a recorrente mulher.
51ª. Contudo, a Meritíssima Juiz “a quo”, quedou-se por arbitrar uma soma pecuniária que julgou adequada a compensar e reparar dores e sofrimentos sentidos pelos ora recorrentes, sem contudo atentar, data vénia, verdadeiramente à gravidade dos danos, à justa medida das coisas e à criteriosa ponderação das realidades da vida – ao contrário do que defende.
52ª. No entanto, a(s) indemnizações fixadas, salvo o devido respeito por melhor opinião, não podem deixar de ser meramente simbólicas ou miserabilistas – o que se invoca para todos os efeitos legais.
53ª. Parecendo-nos que as indemnizações peticionadas a este título (danos não patrimoniais, 1.500.000$00 e 1.000.000$00, para o recorrente marido e recorrente mulher, respectivamente), estão mais de acordo com o princípio que a considera uma compensação destinada a facultar aos lesados uma importância em dinheiro apta a proporcionar-lhes alegrias e satisfações e que lhes faça esquecer ou mitigar o sofrimento físico e moral provocado pelo acidente (sofrimentos passados, presentes e futuros) – o que se invoca para todos os efeitos legais.
54ª. Quantos aos danos a liquidar em execução de sentença e reclamados pelos ora recorrentes, “mutatis mutandis”, damos aqui como reproduzidos e integrados os argumentos e fundamentação aduzida supra, quer a propósito dos danos que aqueles também reclamaram e causados na mercadoria transportada no seu veículo aquando do acidente, quer ainda a respeito das despesas realizadas com obras no aludido estabelecimento.
55ª. Resulta da prova produzida (v.g. testemunhal) e dos factos dados como provados (ponto 14), dever o Tribunal “a quo” considerar provado o quesito 17, da aliás douta base instrutória.
56ª. Efectivamente, apesar destes tais factos “serem já conhecidos” no momento da propositura da acção – como se alcança do quesitado v.g. sob o 17º, o certo é que estes “danos” tiveram um agravamento (sequelas) durante a pendência da presente acção, ao ponto de, como se disse, o ora recorrente marido necessitar de novas consultas médicas, medicamentos vários, e de uma nova prótese dentária – facto até mesmo reconhecido pela própria ré (extrajudicialmente), cf. requerimento apresentado e constante da acta de julgamento, aqui dado como reproduzido e integrado para todos os efeitos legais.
57ª. Por conseguinte, não se diga (como na aliás douta sentença em apreço), que tais prejuízos não são dignos da tutela do direito !!!
58ª. Esta questão, uma vez mais, prende-se com o campo de aplicação do disposto no nº 2 do art. 661º do CPCivil, que dispõe que “se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o tribunal condenará no que se liquidar em execução de sentença, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já se liquida”.
59ª. Efectivamente, previne-se nesse preceito a situação em que se reconheceu o direito do autor, mas em que o tribunal, por não ter conseguido alcançar o objecto ou a quantidade, se encontra impossibilitado de proferir decisão específica.
60ª. Como bem é observado naquela decisão “o autor já conhece os danos quer sejam presentes ou futuros, desconhecendo contudo a sua extensão e a sua tradução numa determinada quantia”, e, do mesmo modo, “... por não serem conhecidos ainda, naqueles momentos, com rigor as unidades que integram a universalidade ou por não se terem revelado, por estarem em evolução, todas as consequências”.
61ª. Por conseguinte e sempre com a devida vénia por melhor opinião, verificam-se pois os dois pressupostos citados na aliás douta sentença, ou seja, foram causados danos v.g. na pessoa do recorrente marido, e o montante desses danos não foram, de uma forma completa, averiguados (e determinados) na presente acção, desde logo por não haver elementos parra fixar o objecto ou a quantidade (não obstante terem sido apresentados os documentos objecto do recurso de agravo) – o que se invoca para todos os efeitos legais.
62ª. Foram realmente provados prejuízos (cf. quesitos 14 e 17 – que deve ser julgado como provado), mas que contudo não puderam, na ocasião da sentença, ser totalmente quantificados.
63ª. Razão pela qual não é possível aos autores / recorrentes formular um pedido genérico quer quanto a danos patrimoniais, quer quanto a danos não patrimoniais, uma vez que, à data da propositura da acção, nem à data da prolacção da sentença, apesar de já existirem, não estavam aqueles totalmente determinados com exactidão.
64ª. Bastará pensar nos documentos que constituem objecto do recurso de agravo e que se encontram intimamente relacionados com a presente matéria.
65ª. Finalmente e quanto aos juros dir-se-á que analisando a aliás douta sentença em crise, em lado nenhum – salvo a lacónica referência “... reportada à data da presente sentença ...”, se encontra qualquer indício de que a fixação das indemnizações ali efectuadas tenham tido em conta a actualização decorrente do decurso do tempo entre a data do acidente (1999), a data da propositura da acção (2001) e a data da mesma sentença (2006 ), pelo que se terá de entender, data vénia, que aquela fixação se referiu ao valor dos danos na data da propositura da acção – o que se invoca para todos os efeitos legais.
66ª. Aliás, em face dos parcos valores “ponderados” e arbitrados “equitativamente”, nenhum outro entendimento será de admitir senão o antes expresso. Daí que não pode ter sido tal indemnização objecto de cálculo actualizado, pelo que não há lugar à restrição constante do acórdão uniformizador no DR I-A, de 27.06.2002, e os juros moratórios só poderão ser devidos, nos termos da 2ª parte do nº 3 do art. 805º do CC, ou seja, desde a citação, tanto para danos patrimoniais como não patrimoniais – o que se invoca para todos os efeitos legais.
67ª. Acresce que nos termos v.g. do art. 712º do CPC, a decisão ora recorrida proferida v.g. sobre a matéria de facto alegada supra, deverá ser alterada por esse venerando tribunal, uma vez que os elementos fornecidos pelo processo impõem uma decisão diversa relativamente aos mencionados quesitos 5º, 11º, 12º, 13º, 17º, 18º, 24º, 26º, 28º, 29º, 31º, 32º, 33º, 34º, conforme defendido pelos ora recorrentes – o que se invoca para todos os efeitos legais.
Termina pedindo que o recurso seja julgado procedente, uma vez que a aliás douta sentença violou, v.g. por erro de interpretação, os aludidos preceitos legais v.g. 483º, 494º, 563º, 566º, todos do Ccivil e 661º, nº 2 do CPC, devendo ser revogada (ou anulada, conforme se entenda), e substituída por outra que decida no sentido ora defendido pelos recorrentes.
Houve contra-alegações, pugnando a recorrida pela improcedência da apelação e pela confirmação da decisão recorrida, alegando, em termos de questão prévia, a impossibilidade de reconhecimento das transcrições dos depoimentos das testemunhas feitas pelos recorrentes.

Corridos os vistos, cumpre decidir.

A – RECURSO DE AGRAVO.
Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões dos recorrentes (art. 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do CPC) a questão a decidir no recurso de agravo é se deveriam ter sido admitidos os documentos cuja junção aos autos os AA. requereram em audiência de julgamento, por os mesmos serem pertinentes, por estarem intimamente relacionados com a matéria quesitada sob os artigos 8º, 9º e 17º, e a dada por assente na al. H) (existe manifesto lapso de escrita ao referir-se a al. G) atento o que se diz ser o teor da mencionada alínea), e, ainda, com o pedido formulado pelos AA. sob a alínea B).
Analisemos da bondade do recurso.
Em audiência de julgamento, os AA. vieram requerer a junção de 57 documentos para prova dos quesitos 8º, 9º, 17º, 21º e 22º.
O Mmo juiz recorrido apenas admitiu a junção do documento nº 54, indeferindo a junção dos restantes com os seguintes fundamentos: “Da análise dos documentos juntos sob os nºs 1 a 53 e 56 verifica-se que os mesmos reportam-se a factos alegadamente ocorridos posteriormente à data da propositura da presente acção (compra de medicamentos, despesas com consultas médicas, orçamento e relatório médico). Sucede que tendo em conta quer as pretensões formuladas pelos autores na sua petição inicial, quer a factualidade vertida nos quesitos aludidos no supra requerimento do ilustre mandatário dos autores, tais documentos são manifestamente impertinentes, pelo que não se admite a sua junção aos autos. Da análise dos documentos 55 e 57, atento os pedidos formulados pelos autores, bem como a matéria de facto constante dos referidos quesitos, tais documentos mostram-se igualmente impertinentes não se admitindo por isso a sua junção aos autos” (fls. 314 ).
Em causa no recurso está, apenas, a não admissão dos documentos apresentados sob os nºs 1 a 53 e 56 (e não 55 como referido, atento o teor do alegado, sendo manifesto o lapso de escrita), como resulta das conclusões.
Os documentos são um meio de prova, e “têm por função a demonstração da realidade dos factos” (arts. 341º e 362º e ss. do CC).
Dispõe o art. 523º, nº 1 do CPC que “os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da acção ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes”, prevendo o nº 2 do mesmo artigo a possibilidade da sua apresentação até ao encerramento da discussão em 1ª instância, mediante condenação em multa, excepto se a parte provar que os não pôde oferecer com o articulado.
Em anotação ao art. 550º do CPC39, Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. IV, pág. 11, escrevia que com este normativo “concilia-se assim o princípio de disciplina processual que postula o oferecimento imediato de documentos, com o princípio de justiça segundo o qual a decisão deve ser a expressão, tão perfeita e completa quanto possível, da verdade dos factos que interessam ao litígio. Não se priva a parte de juntar os documentos, porque estes podem ser necessários para esclarecer a questão e habilitar o juiz a proferir decisão justa; mas pune-se com multa a negligência ou malícia da parte em guardar para o fim documentos que podia e devia juntar com os seus articulados”.
Devem, pois, ser juntos ao processo os documentos que se destinem a provar a realidade de factos alegados e que tenham interesse para a decisão da causa, tendo em conta, nomeadamente, o disposto no art. 663º do CPC.
Indeferiu o Mmo juiz recorrido a junção de documentos peticionada pelos AA., precisamente por entender que os mesmos eram manifestamente impertinentes quer para fazer prova dos factos que, segundo requerimento dos AA., se destinavam a provar, quer tendo em conta as pretensões dos AA.
Como referido supra, os AA. discordam desta decisão porque entendem que os documentos numerados de 1 a 53 e 56 cuja junção se pretendia, são pertinentes por estarem intimamente relacionados com a matéria quesitada sob os artigos 8º, 9º e 17º, e a dada por assente na al. H), e, ainda, com o pedido formulado pelos AA. sob a alínea B).
A presente acção, intentada em 22.03.01, tem subjacente um acidente de viação de que os AA. foram vítimas, em 26.10.99, pretendendo os AA. ser ressarcidos dos danos patrimoniais e não patrimoniais por si sofridos em consequência do referido acidente.
Os documentos que os AA. pretendiam juntar em audiência de julgamento são os seguintes, todos emitidos em nome do A.:
- docs. 1 a 44º - recibos de farmácia, datados de 2004, 2005 e 2006, alguns referentes a produtos estomatológicos e dentífricos;
- doc. 45 – orçamento para tratamento dentário a efectuar, datado de 18.10.05;
- doc. 45A – prescrição para efectuar uma ortopantomografia, datada de 27.09.05;
- doc. 46 – recibo de consulta de medicina dentária, datado de 6.10.05;
- doc. 47 – recibo referente a prótese dentária, datado de 6.10.05;
- doc. 48 – recibo de pagamento de uma ortopantomografia, datado de 28.09.05;
- docs. 49 a 53 – recibos emitidos por clínica dentária, referentes a tratamentos dentários, datados, respectivamente, de 2005, 2005, 2004, 2003 e 2002;
- doc. 56 – relatório do Prof. Dr. G………. e referente a necessidade de tratamento estomatológico do A., datado de 24.02.05.
Cumpre desde logo esclarecer que, em princípio, os documentos respeitantes a recibos não se destinavam a fazer prova de quaisquer importâncias monetárias pagas, uma vez que nada foi peticionado nessa matéria, mas a comprovar a realização das mesmas, tal como os recibos da farmácia se destinavam a demonstrar a necessidade de medicamentos e o género dos mesmos, pelos mesmos motivos.
Os documentos referidos, ou, pelo menos, parte deles, poderão estar, efectivamente, relacionados com a matéria constante da al. H) dos factos assentes e cujo teor é “(o A. marido) apresentava também traumatismo na face, gengivas e dentes, com ausência do dente 2.1 com defeito osteo-mucoso que interessa as faces vestibular oclusal e palatina; mobilidade grau III do dente 1.1 com retracção gengival e óssea pronunciada”.
Como alegado pelos AA. no requerimento de junção dos mesmos aos autos, e foi reafirmado no recurso, os documentos destinavam-se a fazer prova dos factos constantes dos quesitos 8º, 9º e 17º da B.I.
Nestes quesitos perguntava-se:
Quesito 8º - Com dificuldade em tomar as suas refeições, obrigando-o (ao A.) durante mais de 4 meses a restringir os seus hábitos alimentares, pois, todos os alimentos tinham de ser “passados” em puré?
Quesito 9º - “O Autor marido foi sujeito a intervenções cirúrgicas, para aplicação de prótese dentária nos dentes 1.3, 1.2, 2.1, 2.2 e 2.3, o que lhe causou fortes dores?
Quesito 17º - As próteses dentárias que lhe foram colocadas caem-lhe frequentemente, obrigando-o a recorrer ao dentista?
Concordamos com o decidido pelo Mmo Juiz recorrido, uma vez que tais documentos não podem fazer prova sobre os factos naqueles perguntados, tendo em conta que são posteriores à data da propositura da acção e se referem a factos posteriores, e nos mencionados quesitos se perguntavam factos anteriormente ocorridos.
Quanto ao quesito 17º, poderiam os documentos 50 a 53, eventualmente, servir como um dos meios de prova, mas nunca desacompanhados de mais prova, uma vez que não demonstram a realidade perguntada no quesito.
Contudo, foi feita prova pericial e a fundamentação dada a fls. 319 demonstra da irrelevância dos mencionados documentos para prova do quesitado.
São, pois, os documentos irrelevantes para prova dos mencionados quesitos.
E serão os mesmos pertinentes para fixar o montante da indemnização a título de danos não patrimoniais sofridos pelo A., até à data da sentença (ponderando eventuais tratamentos feitos e dores sofridas - art. 663º, nº 1 do CPC), ou para apreciar, em parte, o pedido ilíquido formulado pelos AA.?
Os AA. alegaram ter sofrido danos em consequência desse acidente e, a final, pediram a condenação da R. a pagar-lhes: A/ a quantia de Esc. 11.100.000$00 a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais (estes no montante de Esc. 1.500.000$00 para o A. e Esc. 1.000.000$00 para a A.), e “B/ Bem como a indemnização por prejuízos patrimoniais e não patrimoniais, em montante a liquidar em execução de sentença, ...”.
Analisada a P.I., conclui-se que os danos cujo montante os AA. não conseguiram liquidar e que determinou o formulado pedido ilíquido são os mencionados, em termos conclusivos, nos artigos 70º e 71º da P.I..
É apenas relevante, para a questão em apreço, o referido artigo 71º da P.I. que tem o seguinte teor: “Do mesmo modo, é-lhes permitido formular um pedido genérico quanto a danos não patrimoniais, derivados do acidente que, embora previsíveis, não estão, na presente data, totalmente determinados com exactidão, tanto mais que o A. marido continua sem poder fazer o seu trabalho e vida normal, pois, ainda hoje, aquele sofre e vive todos os efeitos v.g. psicológicos do acidente, mantém-se a alteração da vivência e unidade familiar, pelo que lhe é lícito peticionar um montante nunca inferior a Esc. 2.000.000$00”.
Os pedidos formulados em termos genéricos têm de ter subjacente factos, embora ainda não quantificáveis (cfr. o Ac. desta Relação de 19.09.02, P. 0230421, in www.dgsi.pt).
E os factos subjacentes ao referido pedido genérico formulado pelos AA. são os constantes dos artigos 28º, 29º, 30º, 34º e 35º da P.I., que foram vertidos nos quesitos 12º a 18º da B.I., dos mesmos nada constando relativamente ao agravamento ou inoperância dos tratamentos efectuados ao A. a nível dentário (uma coisa é a queda frequente das próteses, por defeito, inadaptação, ou outra causa, outra coisa é a “inflamação e hipertrofia gengival e defeitos ósseos acentuados”).
Os documentos cuja junção se pretendia visavam possibilitar a prova de um agravamento da situação clínica dentária do A., ou de imperfeição ou inoperância dos tratamentos efectuados, que se veio a verificar em data muito posterior à propositura da acção, o que implicava, necessariamente, a apresentação de requerimento articulando os respectivos factos, novos, e ampliação do pedido em conformidade, tanto mais que existia já nos autos perícia feita em 18.12.03, que, relativamente à situação clínica dentária, nada referia em termos de sequelas, indicando a data da alta em 28.06.00 e mencionava, apenas, como queixas apresentadas na data do exame, e no que respeita à questão em apreço, “refere que evita a mastigação de alimentos de consistência dura” (art. 663º, nº 1 do CPC) .
Como se escreveu no Ac. da RC de 24.11.1981, in CJ, Tomo V, pág. 73, “para efeitos de indemnização, a situação concreta a ter em conta é a existente no momento em que o tribunal for chamado a decidir, tendo em atenção os factos articulados, e os constitutivos, modificativos ou extintivos, produzidos posteriormente à propositura da acção, desde que as partes os tragam ao processo através de articulados supervenientes”.
Não o tendo feito, os documentos cuja junção se pretendia não são pertinentes, como se decidiu em 1ª instância.
Face ao que se deixa dito, nega-se provimento ao agravo.

B – RECURSO DE APELAÇÃO.
Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões dos recorrentes (art. 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do CPC) são as seguintes as questões a decidir:
1ª - Reapreciação da matéria de facto – quesitos 5º, 11º, 12º, 13º, 17º, 18º, 24º (em parte), 26º, 28º, 29º, 31º, 32º, 33º e 34º da B.I.;
2ª - Se deveria ter sido fixada indemnização, segundo a equidade, pela IPP sofrida pelo A.;
3ª - Se deveria ter sido fixada indemnização, a liquidar em execução de sentença, pelos danos sofridos pelos AA. com a perda da mercadoria que transportavam no seu veículo;
4ª - Se deveria ter sido fixada indemnização, a liquidar em execução de sentença, pelos danos sofridos pelos AA. e respeitantes às obras realizadas na loja arrendada;
5ª - Reapreciação do montante da indemnização fixada pelos danos não patrimoniais sofridos pelos AA.;
6ª - Indemnização peticionada e a fixar em execução de sentença;
7ª - Desde quando são devidos os juros de mora.

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
O tribunal recorrido considerou provados os seguintes factos:
1. No dia 26 de Outubro de 1999, pelas 12 horas, na EN ., ao Km. 293,9, em ………., ………., Vila Nova de Gaia, o Autor marido, acompanhado da sua mulher, conduzia o seu veiculo automóvel ligeiro de mercadorias, marca Renault ………., com a matrícula ..-..-IC no sentido norte – sul, pela metade direita da faixa de rodagem, considerando o seu sentido de marcha, pelo menos a cerca de 60 Kms./hora (al. A) dos factos assentes).
2. Em sentido contrário, nas mesmas condições de tempo e lugar, circulava o veículo pesado de mercadorias com a matrícula QQ-..-.., propriedade de E………. e conduzido por F………. (al. B) dos factos assentes).
3. As condições atmosféricas e do piso eram boas (al. C) dos factos assentes).
4. Ao sair de uma curva, o veiculo QQ-..-.. invadiu a hemi-faixa de rodagem destinada aos veículos que seguissem em sentido oposto ao seu (norte-sul), indo embater com violência de frente com o veículo propriedade dos Autores (al. D) dos factos assentes).
5. O proprietário do veículo QQ-..-.. havia transferido para a Ré a responsabilidade pela circulação do mesmo, mediante contrato de seguro titulado pela apólice n.º ……/50 (al. E) dos factos assentes).
6. Como consequência directa e necessária do acidente, os Autores sofreram lesões corporais, tendo recorrido ao Serviço de Urgência do Hospital ………., onde lhes foram prestados os primeiros socorros (al. F) dos factos assentes).
7. O Autor marido sofreu os seguintes ferimentos: fractura e traumatismo no 5º dedo da mão direita, com incapacidade de flexão e mobilidade anormal, e com fortes dores; ferida na região mentoneana, com cicatriz que lhe prejudica o visual (al. G) dos factos assentes).
8. Apresentava também traumatismo na face, gengivas e dentes, com ausência do dente 2.1 com defeito osteo-mucoso que interessa as faces vestibular oclusal e palatina; mobilidade grau III do dente 1.1. com retracção gengival é óssea pronunciada (al. H) dos factos assentes).
9. A Autora encontrava-se grávida à data do acidente, tendo o seu filho nascido em Janeiro de 2000 (al. I) dos factos assentes).
10. Os Autores sofreram, em virtude do acidente, angústia e ansiedade e sentiram dores (resposta ao quesito 3º da base instrutória).
11. A Autora mulher, em virtude do acidente, sofreu ainda ansiedade face ao facto assente em 9. (resposta ao quesito 4º da base instrutória).
12. O Autor marido sentiu vergonha de se apresentar em público sem os dentes da frente (resposta ao quesito 7º da base instrutória).
13. Após o acidente e enquanto esteve sem os dentes da frente, o Autor marido teve dificuldade em tomar as suas refeições, tendo os alimentos que ser “passados” em puré (resposta ao quesito 8º da base instrutória).
14. Ao Autor marido foi-lhe aplicada prótese dentária nos dentes 1.3, 1.2, 2.1, 2.2 e 2.3, o que lhe causou dores (resposta ao quesito 9º da base instrutória).
15. O Autor marido sofreu ainda traumatismo de grade costal (resposta ao quesito 10º da base instrutória).
16. Na altura do acidente, os Autores transportavam no seu veículo: cavalos de madeira executados pelo Autor, elefantes em madeira executados pelo Autor e estátuas em madeira (resposta ao quesito 19º da base instrutória).
17. Em virtude do acidente parte da mercadoria referida em 16. ficou deteriorada (resposta ao quesito 20º da base instrutória).
18. Na altura do acidente, os Autores transportavam no seu veiculo bonecas de porcelana, tendo parte delas ficado danificadas (resposta aos quesitos 21º e 22º da base instrutória).
19. Na loja comercial que a Autora mulher havia arrendado no Porto os Autores colocaram tijoleira e tecto falso e procederam à pintura de paredes (resposta ao quesito 24º da base instrutória).
20. Ambos os Autores trabalhavam em conjunto, deslocando-se a feiras na zona do distrito do Porto, tendo a Autora mulher decidido estabelecer-se na loja comercial que havia arrendado no Porto, considerando o seu estado de gravidez (resposta ao quesito 25º da base instrutória).
21. Por força do contrato que a Autora mulher havia celebrado, continuou a pagar as rendas, no valor de 60.000$00 mensais, pelo menos, desde Novembro de 1999 a Abril de 2000 e Julho de 2000 (resposta ao quesito 27º da base instrutória).

FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
Os recorrentes pretendem, em primeiro lugar, impugnar a decisão de facto do tribunal de 1ª instância, com vista a uma reapreciação da resposta dada aos quesitos 5º, 11º, 12º, 13º, 17º, 18º, 24º (em parte), 26º, 28º, 29º, 31º, 32º, 33º e 34º da B.I..
Dispõe o art. 712º, n.º 1 do CPC que “a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação; a) se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do art. 690º-A, a decisão com base neles proferida; b) se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas; c) se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou”.
Por seu turno, dispõe o art. 690ºA do CPC que “1. Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida. 2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, indicar os depoimentos em que se funda, por referência ao assinalado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 522º-C”.
É inquestionável que os recorrentes especificaram os concretos pontos de facto que consideram incorrectamente julgados.
Já quanto à indicação dos concretos meios probatórios que impunham decisão diversa da recorrida sobre os mencionados pontos da matéria de facto, não cumpriram tal obrigação em relação a todos aqueles pontos da matéria de facto.
Analisadas as alegações de recurso verifica-se que, quanto aos quesitos 5º, 11º, 18º, 24º, 29º, 31º, 32º e 33º da B.I., não obstante os recorrentes defenderem que os mesmos deveriam ter sido dados como provados (ao contrário do que o foram, e quanto ao quesito 24º que apenas resultou provado em parte), não alegam quais os concretos meios probatórios que impunham tal decisão diversa, nomeadamente não indicam os depoimentos em que se fundam.
Limitam-se a alegar, a final, que se impunha resposta diversa “ em face da prova produzida e perante a audição constante da gravação fonográfica ”.
O art. 690º-A do CPC foi aditado pelo DL. 39/95 de 15.02, que previu e regulamentou a possibilidade de documentação ou registo das audiências de julgamento, gravando-se a prova nelas produzida, tendo em vista, desse modo, criar um 2º grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto, facultando às partes a possibilidade de reacção contra eventuais erros do julgador na apreciação da prova e na fixação da matéria de facto relevante para a decisão de mérito.
Mas, para além de apenas se visar “a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto”, como se refere no preâmbulo do referido decreto-lei, não se deve, também, esquecer que o processo civil continua a ser norteado pelo princípio da imediação e da oralidade, sendo as provas apreciadas livremente pelo tribunal, e segundo as regras da experiência comum.
Como se escreveu no sumário do Ac. da RP de 19.09.00, in CJ, Tomo IV, pág. 186 e ss., “porque se mantêm vigorantes os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e guiando-se o julgamento por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova e aquela decisão, nos concretos pontos questionados”.
O que é fundamental é que o tribunal, no seu livre exercício de convicção, indique “os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não provado” – Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, pág. 348.
E a M.ma Juiz recorrida fundamentou porque não valorizou, quanto aos mencionados quesitos, os depoimentos das testemunhas ouvidas, confrontando com a demais prova (pericial e documental) junta aos autos.
Não tendo os recorrentes indicados os concretos meios de prova que impunham resposta diversa aos mencionados quesitos 5º, 11º, 18º, 24º, 29º, 31º, 32º e 33º da B.I., deveria rejeitar-se, liminarmente, o recurso nesta parte.
Sempre se dirá, contudo, que ouvida toda a prova testemunhal produzida em juízo, e analisada a prova documental e pericial junta aos autos, se constata que não assiste razão aos AA., tendo plena justificação a fundamentação adiantada pela M.ma Juiz recorrida, que nenhuma censura merece.
Efectivamente, quanto aos quesitos 5º e 11º, nenhuma das testemunhas confirmou o aí referido, o mesmo sucedendo com o quesito 18º, que também é contraditado pelo relatório pericial; quanto ao quesito 24º, a parte que não foi dada como provada foi referida pelas testemunhas H………. e I………., mas por conhecimento indirecto, uma vez que referiam o montante que lhes foi referido pela irmã, a A.; quanto aos quesitos 29º, 31º e 32º, nenhuma das testemunhas confirmou a factualidade deles constante, e os documentos juntos, desacompanhados de outra prova, não se mostram suficientes para demonstrar a realidade quesitada; quanto ao quesito 33º, apenas as testemunhas H………. e I………. demonstraram conhecimento sobre os factos, sendo os seus depoimentos manifestamente contraditórios.
Improcede, pois, nesta parte a pretendida alteração.
Quanto aos quesitos 12º, 13º, 17º, 26º, 28º e 34º, os recorrentes cumpriram o estatuído no art. 690º-A do CPC, pretendendo os recorrentes que a tais quesitos seja dada a resposta de provados, ao contrário do decidido pelo tribunal recorrido.
Analisemos, pois, sendo certo que a apreciação em causa se fará primeiro relativamente aos quesitos 12º, 13º e 34º, depois relativamente ao quesito 17º, e, finalmente, quanto aos quesitos 26º e 28º.
Era o seguinte o teor dos quesitos 12º, 13º e 34º:
-Quesito 12º: (o A.) Apresenta ainda hoje alguma rigidez no referido dedo, dores intensas, cíclicas e hipersensibilidade na polpa da falange distal, principalmente no tempo húmido?
-Quesito 13º: O referido em 12º prejudica a sua actividade profissional de artesão, por ter dificuldade em trabalhar alguns materiais e sente dores à medida que vai evoluindo num dia normal de trabalho?
-Quesito 34º: Em consequência do acidente, o Autor sofre de uma incapacidade permanente parcial para o seu trabalho de 9,6%?
A estes quesitos o tribunal recorrido respondeu não provado, justificando as suas respostas nos seguintes termos: “o relatório pericial de fls. 236-238 e os registos clínicos de fls. 212 não corroboram a factualidade contida nos aludidos quesitos” – fls. 318 v.º.
Entendem os recorrentes que, face ao teor do relatório pericial, conjugado com o depoimento das testemunhas H………., I………., J………. e K………., a resposta aos mencionados quesitos deveria ter sido de provado, embora a percentagem referida no quesito 34º devesse ser fixada em 5%.
De acordo com o relatório pericial junto aos autos, e no que à matéria dos referidos quesitos importa, escreveu-se o seguinte: “ESTADO ACTUAL A. QUEIXAS Nesta data refere, a nível funcional: ... Queixas dolorosas: dor ao nível do 5º dedo e do 5º metacarpiano nas mudanças de tempo e em relação de esforços. Em termos situacionais refere: ... Vida profissional ou de formação: sem alterações. B. EXAME OBJECTIVO ... Membro superior direito: sem alteração da mobilidade dos dedos. DISCUSSÃO ... 4. No âmbito do período de danos permanentes são valorizáveis, entre os diversos parâmetros de dano, os seguintes: - A incapacidade permanente geral (correspondente à afectação definitiva da integridade física e/ou psíquica da pessoa, com repercussão nas actividades da vida diária, incluindo as familiares, sociais, de lazer e desportivas) .... – O rebate profissional das sequelas resultantes. CONCLUSÕES ... – Incapacidade permanente geral fixável em 5%. – As sequelas descritas, em termos de rebate profissional, são compatíveis com o exercício da profissão do sinistrado. ...”.
Porque emitido por perito médico, e estarem em causa factos que exigem conhecimentos especiais, embora a prova pericial seja livremente apreciada pelo tribunal (art. 389º do CC), que só a afastará se da mesma resultar flagrante contradição ou violação de normas, não pode ser afastada por prova testemunhal, para mais sem quaisquer conhecimentos técnicos na matéria, pelo que são irrelevantes os depoimentos das testemunhas referidas nesta matéria.
Ora, do referido teor do relatório pericial resulta, desde logo demonstrado que o A. não apresenta qualquer rigidez no 5º dedo da mão direita, nem hipersensibilidade na polpa da falange distal (quesito 12º), nem sofre de qualquer IPP para o seu trabalho, o que, de certa forma, é consequência de não apresentar qualquer rigidez no referido dedo.
A incapacidade permanente geral que foi fixada em 5%, apenas respeita “à afectação definitiva da integridade física e/ou psíquica da pessoa, com repercussão nas actividades da vida diária, incluindo as familiares, sociais, de lazer e desportivas”, e não profissionais.
A prova testemunhal produzida apenas poderia versar sobre o facto do A. sentir dores (intensas e cíclicas, e as que sente à medida que vai evoluindo um dia normal de trabalho), e sobre a sua actividade profissional de artesão, embora esse não seja o cerne do quesito.
Quanto à questão das dores, nada foi referido pelas testemunhas nesse sentido.
E quanto à actividade de artesão do A., como já referido a mesma não é o cerne dos quesitos 12º e 13º (que antes versavam sobre a existência de sequelas e a sua repercussão na actividade profissional do A.), resultando a mesma de outros factos dados como assentes (o que os AA., aliás, reconhecem), tornando-se desnecessário fazer referência a esse facto no quesito 13º.
Assim sendo, ao contrário do defendido pelos recorrentes, não existem fundamentos para alterar as respostas dadas aos quesitos 12º e 13º, nem ao quesito 34º no sentido propugnado pelos recorrentes, mas a resposta dada ao quesito 34º deverá ter em conta o teor do relatório pericial, porque tal releva, como adiante se referirá.
Assim, procedem, parcialmente, as alegações dos recorrentes nesta parte, alterando-se a resposta dada ao quesito 34º da B.I., nos seguintes termos: Quesito 34º provado que, em consequência do acidente, o Autor sofre de uma incapacidade permanente geral fixável em 5%”, aditando-se este facto à factualidade dada como assente.
No quesito 17º perguntava-se: “As próteses dentárias que lhe foram colocadas caem-lhe frequentemente, obrigando-o a recorrer ao dentista?
A este quesito o tribunal recorrido respondeu não provado, justificando a sua resposta nos seguintes termos: “do relatório pericial de fls. 236-238, dos registos clínicos de fls. 212 e do documento junto na audiência de julgamento não resulta a factualidade constante nos mencionados quesitos (referindo aos quesitos 17º e 18º) e, por isso, o depoimento da referida testemunha H………. não nos mereceu credibilidade. Acresce que a referida testemunha I………. também não revelou ter conhecimento directo sobre a factualidade em causa. Além disso, não foram juntos aos autos outros elementos clínicos que comprovassem a matéria de facto contida nos quesitos acima identificados” – fls. 319.
Entendem os recorrentes que, face ao depoimento das testemunhas H………, I……… e J………., a resposta ao mencionado quesito deveria ter sido de provado.
Não assiste, porém, razão aos AA.
Quanto à testemunha I………., como refere o tribunal recorrido, a mesma não demonstrou conhecimento directo dos factos (o que referiu foi o que lhe disse a irmã).
Quanto à testemunha J………., o seu depoimento não é de molde a confirmar a factualidade quesitada.
Quanto à testemunha H………., face ao teor do relatório pericial, entendemos que nada há a criticar à apreciação feita pela M.ma Juiz recorrida, quanto à pouca credibilidade que lhe mereceu nesta matéria.
Como se verifica do relatório pericial, aquando do exame feito (em 18.12.03) ao A., a única queixa apresentada pelo mesmo, nesta matéria, foi a de que “evita a mastigação de alimentos de consistência dura”, sendo pouco credível que o A. não referisse a queda constante da prótese, caso a mesma se verificasse, nada tendo, também, o perito médico referido quanto a esta matéria, fixando a data de consolidação de todas as lesões em 28.06.00.
Ademais, remetem-se para as considerações já feitas na apreciação do recurso de agravo, nomeadamente quanto ao facto da queda da prótese dentária ser questão distinta do eventual agravamento da situação posteriormente verificada.
Improcede, pois, a alteração pretendida.
Por último, era o seguinte o teor dos quesitos 26º e 28º:
Quesito 26º: “Devido ao acidente, por a Autora ter ficado mais debilitada física e psicologicamente no fim do tempo da gravidez, e ao comportamento que o Autor passou a ter depois do acidente, não tiveram condições para explorar a loja?
Quesito 28º: “Os Autores previam abrir o estabelecimento ao público no período do Natal de 1999?
A estes quesitos o tribunal recorrido respondeu não provado, justificando a sua resposta nos seguintes termos:
- quanto ao quesito 26º, “... ninguém confirmou na íntegra a factualidade constante no quesito em causa. Além disso, atentas as contradições existentes entre os depoimentos das testemunhas H………, I………., J………. e K………. o tribunal ficou com fundadas dúvidas sobre os reais motivos que levaram os Autores a não abrirem a loja que a Autora mulher havia arrendado”;
- quanto ao quesito 28º, “... atentas as contradições existentes entre os depoimentos das referidas testemunhas H………., J………. e K………. o tribunal ficou com fundadas dúvidas sobre a data em que os Autores pretendiam abrir a loja que a Autora mulher havia arrendado”.
É com base no depoimento das referidas testemunhas que os recorrentes defendem a alteração da resposta dada aos mencionados quesitos.
Sem razão, porém.
Ouvido o depoimento de todas as testemunhas, ressalta, efectivamente, a contradição dos seus depoimentos e dos mesmos com os das outras testemunhas, o que plenamente justifica as dúvidas criadas no espírito da julgadora.
Referiu a testemunha H………., de forma bastante peremptória aliás, que o estabelecimento em questão era para ser aberto em Fevereiro, depois da A. ter o bebé, para, de seguida, referir que não chegaram a abrir porque a irmã teve o bebé e, durante 2 meses, o cunhado não saía à rua, concluindo que “tudo isso contribuiu para não abrir a loja”.
A testemunha I………. referiu que a irmã queria abrir a loja para não andar com o bebé nas feiras, continuando o cunhado a vender nestas, referindo que a ideia da irmã era abrir no Natal, não sabendo porque não chegaram a abrir o estabelecimento.
A testemunha J………. refere que andou por alturas do Natal a fazer uns trabalhos de electricista no estabelecimento, estando a mesma pronta a receber mercadoria, pretendendo os AA. abrir a loja na semana do Natal, o que não chegaram a fazer, por a A. estar grávida e o A. não querer ir para a loja sem dentes.
Por último a testemunha K………. refere que os AA. eram vendedores e o interesse era abrir a loja para deixarem de andar a vender na feiras, o que pensavam fazer perto da época de Natal, para aproveitarem, não tendo chegado a abrir porque a A. estava no fim da gravidez e o A. ficou com complexos por causa do estado em que tinha a boca.
Face ao teor dos referidos depoimentos, entendemos que não merecem censura as respostas dadas, que ressaltam das dúvidas criadas pelas contradições dos mencionados depoimentos, e tendo em conta o disposto no art. 516º do CPC.
Improcede, pois, a pretensão dos recorrentes em ver alterada a resposta dada aos quesitos indicados.

Passemos, agora, à análise das questões de direito suscitada pelos recorrentes.

A 1ª questão colocada pelos recorrentes é a de que deveria ter sido arbitrada ao A. indemnização pela IPP de que ficou a padecer.
Alegando que ficou a padecer de uma IPP de 9,6% e que da sua actividade tirava cerca de 150.000$00/mês, peticionou o A. que a título de perda de capacidade de ganho lhe fosse arbitrada uma indemnização no montante de 6.000.000$00, atenta a sua idade e a esperança média de vida.
Dispõe o art. 562º do CC que “quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”.
Por seu turno, o art. 563º do mesmo diploma legal estatui que “a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”.
Finalmente, o art. 564º do CC estabelece a forma de cálculo da indemnização (são ressarcíveis os danos emergentes e os lucros cessantes resultantes do acidente, bem como os danos futuros previsíveis), e o art. 566º estabelece a forma de fixação da indemnização.
Embora o lesado não tenha a obrigação de indicar a importância exacta em que avalia os danos (art. 569º do CC), tem de fazer prova da verificação dos mesmos (art. 342º, n.º 1 do CC).
Alega o A. ter ficado afectado, em consequência das lesões sofridas no acidente, de uma determinada incapacidade permanente geral que o afecta na sua capacidade de ganho, isto é, alega ter ficado afectado de uma IPP de 5%, que, nessa medida e ponderados os artigos referidos é ressarcível, e tendo em conta o ordenado mínimo nacional, defende que a indemnização deve ser fixada em € 15.000,00.
Na sentença recorrida entendeu-se que nada se provou quanto a tal dano, pelo que não podia proceder a pretensão do A..
A questão em apreço prende-se com a reapreciação dos quesitos 12º, 13º e 34º da B.I. que mereceram a resposta de não provados, as quais os AA. pretendiam ver alteradas para provados.
Conforme se referiu supra, não existem razões para alterar as respostas dadas aos quesitos 12º e 13º, tendo-se alterado, apenas, a resposta dada ao quesito 34º, de acordo com o teor do relatório pericial.
De facto, resulta deste relatório que, em consequência das lesões sofridas, o A. não ficou a padecer de nenhuma sequela que o impeça ou limite na sua capacidade de trabalho, não tendo sido fixada qualquer IPP, sendo que a incapacidade permanente geral que lhe foi fixada (em 5%) tem a ver com as actividades da vida diária incluindo familiares, sociais, de lazer e desportivas.
Em consequência das lesões que sofreu no acidente, o A. não ficou com sequelas que lhe diminuam a capacidade de trabalho, isto é, o A. ficou curado sem qualquer desvalorização profissional, ou como se diz no relatório, “ as sequelas descritas, em termos de rebate profissional, são compatíveis com o exercício da profissão do sinistrado”.
Contudo, conforme escreve Salvador da Costa no Ac. do STJ de 10.05.07, P. 07B1341, in www.dgsi.pt, “a incapacidade permanente é, além do mais, susceptível de afectar e diminuir a potencialidade de ganho por via da perda ou diminuição da remuneração ou da implicação para o lesado de um esforço acrescido para manter os mesmos níveis de ganho ou para exercer as tarefas e actividades gerais quotidianas. No primeiro caso, procurando atingir a justiça do caso, têm os tribunais vindo a acolher a solução de a indemnização do lesado por danos futuros dever representar um capital que se extinga ao fim da sua vida activa e seja susceptível de lhe garantir, durante ela, as prestações periódicas correspondentes à sua perda de ganho. ... Mas na segunda das supra citadas hipóteses, em que a afectação da pessoa do ponto de vista funcional não se traduz em perda de rendimento de trabalho, deve todavia relevar o designado dano biológico, porque determinante de consequências negativas a nível da actividade geral do lesado. O referido dano biológico, de cariz patrimonial, justifica, com efeito, a indemnização, para além da valoração que se imponha a título de dano não patrimonial. ...”.
Este, aliás, vem sendo o entendimento dominante da jurisprudência do STJ, podendo ver-se a título meramente exemplificativo, o Ac. daquele Tribunal de 06.07.04, P. 04B2084, Cons. Ferreira de Almeida, in www.dgsi.pt.
Também este entendimento foi já sufragado nesta Relação, podendo ver-se, entre outros, o Ac. de 04.04.06, P. 0620599, Rel. Desemb. Henrique Araújo, in www.dgsi.pt, onde se escreveu que no caso em que estejam em causa danos corporais que, embora traduzidos numa determinada incapacidade permanente geral, não se projectam, directa e imediatamente, na capacidade de ganho do sinistrado, o prejuízo estritamente funcional que resulta para o lesado não perde a natureza de dano patrimonial, na medida em que é susceptível de avaliação pecuniária.
No caso sub judice, não estamos perante uma situação de incapacidade para o trabalho em geral, nem para o exercício pelo A. da sua profissão habitual, do que se trata é de uma incapacidade funcional geral, com repercussões na sua actividade profissional na medida em que lhe vai exigir maior esforço do que aquele que lhe seria exigido se não fosse essa incapacidade.
E tal dano patrimonial é, efectivamente, ressarcível, como defendem os recorrentes, embora em termos de equidade, não devendo, nesta matéria, ser utilizados os parâmetros de avaliação utilizados para cálculo dos lucros cessantes, uma vez que o dano em causa não interfere com a capacidade de produzir rendimentos. (cfr., neste sentido, os supra referidos Acs. do STJ de 10.05.07 e da RP de 4.04.06).
Haverá que ponderar: as lesões sofridas e o grau de incapacidade permanente geral fixada; a idade do A. (recorrendo-se ao indicado no relatório pericial, o A. terá nascido no ano de 1961); a profissão pelo mesmo exercida (de vendedor, quesito 25º da B.I., e de artesão em madeira, quesito 19º da B.I.); os períodos de incapacidade temporária geral total e parcial - períodos durante os quais o A. esteve impedido de realizar com razoável autonomia as actividades da vida diária, familiar e social, e períodos em que retomou tal actividade, ainda que com limitações (cfr. relatório a fls. 237 e 238); a maior penosidade no exercício das suas profissões, na proporção do grau de incapacidade atribuído, presumindo o desenrolar da vida profissional até aos 65 anos, como a generalidade dos trabalhadores.
Não se tendo apurado os rendimentos mensais do A., deverá ter-se em atenção o ordenado mínimo nacional, à data do acidente, vezes 12 meses, uma vez que o A. trabalha por conta própria.
Haverá, por último, que ponderar as várias taxas de inflação verificadas em Portugal, desde 2000 até à presente data, com vista a fixar um montante indemnizatório devidamente actualizado.
Tudo ponderado, afigura-se-nos equilibrado e justo fixar o montante da indemnização pelos danos patrimoniais referidos em € 7.500,00.
Procede, pois, em parte, o recurso, nesta matéria.
A 2ª questão suscitada pelos recorrentes é a de que deveria ter sido fixada indemnização, a liquidar em execução de sentença, pelos danos sofridos pelos AA. com a perda da mercadoria que transportavam no seu veículo.
Peticionavam os AA. a quantia de Esc. 1.402.200$00 (€ 6.994,14), a título de danos patrimoniais sofridos com a perda de parte da mercadoria por si transportada no veículo quando ocorreu o acidente.
Resultou provado que, na altura do acidente, os Autores transportavam no seu veículo: cavalos e elefantes em madeira executados pelo Autor, e estátuas em madeira (resposta ao quesito 19º da base instrutória), e que, em virtude do acidente parte dessa mercadoria ficou deteriorada (resposta ao quesito 20º da base instrutória).
Por outro lado, na altura do acidente, os Autores, também, transportavam no seu veículo bonecas de porcelana, tendo parte delas ficado danificadas (resposta aos quesitos 21º e 22º da base instrutória).
Na sentença recorrida entendeu-se que, não tendo os AA. logrado provar o valor da referida mercadoria danificada, não era possível fixar o valor dos danos recorrendo a juízos de equidade, na falta de elementos nos autos, bem como se entendeu não ser caso de aplicar o disposto no art. 661º, n.º 2 do CPC.
Da matéria de facto provada resulta que, em consequência do acidente objecto dos autos, ficaram danificados vários artigos em madeira, executados pelo A. e bonecas de porcelana, que eram transportados no veículo dos AA.
Não lograram, porém, os AA. fazer prova do valor dos artigos danificados e do prejuízo daí resultante.
Dispõe o art. 661º, n.º 2 do CPC que “ se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o tribunal condenará no que vier a ser liquidado, sem prejuízo da condenação imediata na parte que já seja líquida ”.
É certo que sobre a interpretação do mencionado artigo foram já defendidas 2 posições: para uns, o art. 661º, n.º 2 do CPC só poderia ser aplicado por inexistência de factos provados, por não serem conhecidos ou estarem em evolução no momento em que é instaurada a acção ou no da decisão quanto à matéria de facto, não podendo ser razão para relegar para execução de sentença a falta da prova dos factos (parece-nos ser esta a posição seguida pela M.ma Juiz recorrida); para outros, a faculdade concedida no mencionado artigo tanto tem aplicação ao caso de ser formulado inicialmente pedido genérico, como ao caso de se ter formulado pedido específico mas não se chegarem a coligir dados suficientes para se fixar, com precisão e segurança, o objecto ou quantidade da condenação.
Este último entendimento tem vindo a ser seguido maioritariamente, e é, também, o por nós perfilhado, remetendo-se para os vários acórdãos referidos nas alegações de recurso.
No domínio das acções indemnizatórias só será possível deixar para liquidação em execução de sentença a indemnização respeitante a danos relativamente aos quais se provou a sua existência, embora não existam elementos indispensáveis para fixar o seu objecto e quantitativo exacto, ainda que com recurso à equidade.
Os AA. lograram provar que, em consequência do acidente, sofreram danos patrimoniais em virtude de se terem danificados vários artigos em madeira e bonecas em porcelana, que, à data, transportavam no seu veículo.
Não conseguiram, porém, fazer prova da quantidade e valor dos artigos danificados.
Também não existem nos autos elementos que permitam fixar o montante indemnizatório por tais danos, com recurso à equidade.
Haverá, pois, que, ao abrigo do art. 661º, n.º 2 do CPC, relegar o seu apuramento para execução de sentença (atenta a data de propositura da acção e o regime processual aplicável), assistindo, nesta parte, razão aos AA., devendo alterar-se a sentença recorrida em conformidade.

A 3ª questão suscitada pelos AA. é a de que deveria ter sido fixada indemnização, a liquidar em execução de sentença, pelos danos sofridos pelos AA. e respeitantes às obras realizadas na loja arrendada.
Resultou provado que, na loja comercial que a Autora mulher havia arrendado no Porto, e onde havia decidido estabelecer-se, considerando o seu estado de gravidez, os Autores colocaram tijoleira e tecto falso e procederam à pintura de paredes.
Pretendem os AA. ser ressarcidos do valor destas obras efectuadas, uma vez que tiveram esse encargo e não chegaram a abrir a loja e a ter o correspondente benefício.
Quanto a esta matéria, o tribunal recorrido entendeu, por um lado, que os AA. não lograram demonstrar o valor dos danos, pelo que não era possível fixar o valor dos mesmos recorrendo a juízos de equidade, na falta de elementos nos autos, bem como não era caso de aplicar o disposto no art. 661º, n.º 2 do CPC, e, por outro, ainda que tivesse ficado apurado o valor de tais danos, não tinha ficado provado que os mesmos foram causa directa e necessária do acidente.
Discordam os AA. deste entendimento, defendendo não só que o acidente foi causa adequada dos danos referidos, como, não se provando o valor dos mesmos, deveria o seu montante ser relegado para execução de sentença.
Dispõe o art. 563º do CC que “a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado não teria sofrido se não fosse a lesão”.
Sufraga-se o entendimento (Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, págs. 921, 922 e 930) de que este artigo consagra a doutrina da causalidade adequada, na sua formulação negativa, i.e., o facto que actuou como condição do dano deixa de ser considerado como causa adequada, quando para a sua produção tiverem contribuído, decisivamente, circunstâncias anormais, extraordinárias ou anómalas, que intercederam no caso concreto.
Para Galvão Telles, in Direito das Obrigações, pág. 405, “como causa adequada deve considerar-se, em princípio, toda e qualquer condição do prejuízo. Mas uma condição deixará de ser causa adequada, tornando-se pois juridicamente indiferente, desde que seja irrelevante para a produção do dano segundo as regras da experiência, dada a sua natureza e atentas as circunstâncias conhecidas do agente, ou susceptíveis de ser conhecidas por uma pessoa normal, no momento da prática da acção. E dir-se-á que existe aquela relevância quando, dentro deste condicionalismo, a acção não se apresente de molde a agravar o risco da verificação do dano”.
Como refere Vaz Serra citado por Pires de Lima e Antunes Varela, in CC Anotado, Vol. I, pág. 502 e 503, “não podendo considerar-se como causa em sentido jurídico toda e qualquer condição, há que restringir a causa àquela ou àquelas condições que se encontrem para com o resultado numa relação mais estreita, isto é, numa relação tal que seja razoável impor ao agente responsabilidade por esse mesmo resultado. O problema não é um problema de ordem física ou, de um modo geral, um problema de causalidade tal como pode ser havido nas ciências da natureza, mas um problema de política legislativa: saber quando é que a conduta do agente deve ser tida como causa do resultado, a ponto de ele ser obrigado a indemnizar. Ora, sendo assim, parece razoável que o agente só responda pelos resultados, para cuja produção a sua conduta era adequada, e não por aqueles que tal conduta, de acordo com a sua natureza geral e o curso normal das coisas, não era apta para produzir e só se produziram em virtude de uma circunstância extraordinária”.
Como se escreve no Ac. do STJ de 17.04.07, P. 07A701, Rel. Cons. Azevedo Ramos, “... a teoria da causalidade adequada impõe, num primeiro momento, a existência de um facto naturalístico concreto, condicionante de um dano sofrido, para que este seja reparado. Depois, ultrapassado aquele primeiro momento, pela positiva, a teoria da causalidade adequada impõe, num segundo momento, que o facto concreto apurado seja, em geral e em abstracto, adequado e apropriado para provocar o dano. ... Assim, no nexo de causalidade, a ligação entre o facto e o dano é feita, em último termo, mediante um nexo de adequação do resultado danoso à conduta”.
A questão em apreço prende-se com a reapreciação dos quesitos 26º e 28º da B.I. que mereceram a resposta de não provados, as quais os AA. pretendiam ver alteradas para provados.
Conforme se referiu supra, não existem razões para alterar as respostas dadas aos mencionados quesitos.
De facto, os AA. não lograram demonstrar que não abriram a loja como planeado, em virtude de não terem condições para explorar a loja, por a Autora ter ficado mais debilitada física e psicologicamente no fim do tempo da gravidez, e atento o comportamento que o Autor passou a ter depois do acidente.
Desde logo não resultou clara a data em que os AA. pretendiam abrir a loja.
Tal como não resultou claro porque acabaram por não a abrir, na data planeada, fosse ela qual fosse, ou nos meses subsequentes, até Julho de 2000 ( cerca de 9 meses após o acidente e cerca de 6 meses após a A. ter tido o filho ).
Da prova produzida e da matéria de facto provada, não se pode, pois, concluir que o acidente foi causa adequada dos referidos danos, não estando, pois, a R. obrigada ao seu ressarcimento.
Improcede, assim, o recurso, nesta parte.

A 4ª questão suscitada pelos recorrentes é a da reapreciação do montante da indemnização fixada pelos danos não patrimoniais sofridos pelos AA.
Dispõe o art. 496º, n.º 1 do CC que “na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”.
E o n.º 3 do mencionado artigo estabelece que “o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art. 494º”.
A propósito da avaliação do prejuízo corporal, escreveu Dário Martins de Almeida, in Manual de acidentes de viação, pág. 126 e ss. que “..., dentro da perspectiva legal, importa que o dano não patrimonial chegue a reflectir em gravidade tudo quanto baste para merecer a tutela do direito. Quer dizer, o dano só será indemnizável quando atingir uma gravidade que o torne digno de protecção e tutela. ... Há que ponderar, sobretudo, as circunstâncias que acompanham as diferentes situações de dano moral. ... O sofrimento começará a ser grave sempre que o seu diagnóstico, em termos razoáveis, possa revelá-lo como inexigível, do ponto de vista da resignação. As circunstâncias concretas serão normalmente sintomas dessa gravidade e até dos escalões que esta comporta, desde o grave ao gravíssimo. Para as dores físicas é possível compreendê-las sobretudo através da extensão e gravidade das lesões e da complexidade do seu tratamento clínico. Também a dor moral, traduzida de maneira multiforme, pelas aflições, desgostos, angústias e inquietações, pode atingir intensidade psíquica bastante e revelá-la exteriormente. Mas em geral terá de ser aferida pelos dados da experiência comum, exceptuados os casos anómalos de “cegueira afectiva”, quando devidamente comprovada. Daqui decorre que todas as situações de dor física ou moral tem de ser apreciadas e valoradas em concreto e não em abstracto. A sua gravidade estabelece-se em função da sua intensidade, isto é, do impacto ou mal estar ou ressonância que produzam sobre a sensibilidade anímica do lesado; mas há que atender também à sua duração”.
E na mesma obra, em anotação ao artigo 496º do CC, pág. 270 e ss. escreve, ainda, que “O dano não patrimonial não se pode avaliar em medida certa. ...Mas a dor pode pagar-se com o prazer; e o prazer, quando se encontra na satisfação de necessidades, pode obter-se com dinheiro. ... A lei, porém, manda atender sempre a um critério de equidade na fixação do montante da indemnização correspondente a esta espécie de dano, devendo fazer-se uso dos factores previstos no artigo 494º; haverá mesmo que ter em conta a possível con-culpabilidade da vítima, observando-se o disposto no art. 570º. ... A indemnização equitativa transforma-se assim em mera compensação pela dor sofrida”.
Feitas estas apreciações preliminares, atentos no caso sub judice.
Na sentença recorrida, depois de se elencarem os factos que resultaram provados nesta matéria, concluiu-se que os danos, pela sua gravidade, mereciam a tutela do direito, devendo ser compensados, e fixou o montante das indemnizações em € 2.700,00 para o autor e € 800,00 para a autora.
Defendem os AA. que as indemnizações peticionadas (de € 7.500 para o autor e € 5.000 para a autora) estão mais consentâneas com a equidade.
Apreciemos.
O acidente em causa ficou a dever-se a culpa exclusiva do condutor do veículo segurado.
É irrelevante a situação económica deste, uma vez que a demandada é a seguradora, para quem se encontrava transferida a responsabilidade civil.
Desconhece-se a situação económica concreta dos AA., sem certo que se apurou que os mesmos são feirantes, fabricando, ainda, o A. objectos em madeira.
Na sequência do acidente, ambos os AA. foram transportados ao hospital, onde lhe foram prestados os primeiros socorros.
O A., em consequência do acidente, sofreu as seguintes lesões:
- fractura e traumatismo no 5º dedo da mão direita, com incapacidade de flexão e mobilidade anormal, e com fortes dores;
- ferida na região mentoneana, com cicatriz que lhe prejudica o visual, tendo a perícia fixado o dano estético no grau 1, numa escala de 7 graus de gravidade crescente – fls. 238;
- traumatismo na face, gengivas e dentes, com ausência do dente 2.1 com defeito osteo-mucoso que interessa as faces vestibular oclusal e palatina; mobilidade grau III do dente 1.1. com retracção gengival e óssea pronunciada;
- traumatismo de grade costal.
Foi-lhe aplicada prótese dentária nos dentes 1.3, 1.2, 2.1, 2.2 e 2.3, o que lhe causou dores.
Sentiu vergonha de se apresentar em público sem os dentes da frente, e enquanto esteve sem os dentes da frente, o Autor marido teve dificuldade em tomar as suas refeições, tendo os alimentos que ser “passados” em puré.
Em consequência do acidente, o Autor sofre de uma incapacidade permanente geral fixável em 5%.
A perícia graduou o quantum doloris do A. no grau 3 numa escala de 1 a 7.
A Autora encontrava-se grávida à data do acidente, tendo sofrido ansiedade por tal facto e pela verificação do acidente (tendo o seu filho nascido em Janeiro de 2000).
Os Autores sofreram, em virtude do acidente, angústia e ansiedade e sentiram dores.
Os danos sofridos pelos AA. mostram-se de alguma gravidade.
Quanto ao A., atente-se: nas lesões sofridas, ao nível da mão, cara, boca e grelha costal; nas sequelas, aplicação de prótese dentária e cicatriz facial; dores que sofreu; angústia, ansiedade e embaraço social sofridos.
Quanto à A. mulher, para além de ter sofrido dores, a ansiedade que sofreu tem de ser relevada em alto grau, atento o seu estado de gravidez, para além da angústia e ansiedade que sofreu perante o acidente e as consequências deste, nomeadamente quanto ao seu marido.
Haverá, por último, que ponderar as várias taxas de inflação verificadas em Portugal, desde 2000 até à presente data, com vista a fixar um montante indemnizatório devidamente actualizado.
Assim sendo, afigura-se-nos que os montantes indemnizatórios fixados em 1ª instância, pecam por defeito (ainda para mais dizendo-se actualizados), mostrando-se mais ajustado, sem exageros ou miserabilismos, fixar os referidos montantes em € 5.000 para o Autor e € 2.500 para a Autora.

A 5ª questão suscitada pelos AA. prende-se com a indemnização peticionada pelos mesmos a título de danos não patrimoniais a fixar em execução de sentença.
Peticionavam os AA., na alínea B/ do pedido, que a R. fosse condenada a pagar-lhes a indemnização por danos não patrimoniais em montante a liquidar em execução de sentença, na sequência do invocado no artigo 71º da P.I., com o seguinte teor: “Do mesmo modo, é-lhes permitido formular um pedido genérico quanto a danos não patrimoniais, derivados do acidente que, embora previsíveis, não estão, na presente data, totalmente determinados com exactidão, tanto mais que o A. marido continua sem poder fazer o seu trabalho e vida normal, pois, ainda hoje, aquele sofre e vive todos os efeitos v.g. psicológicos do acidente, mantém-se a alteração da vivência e unidade familiar, pelo que lhe é lícito peticionar um montante nunca inferior a Esc. 2.000.000$00”.
De facto, dispõe o art. 471º, n.º 1 do CPC que “é permitido formular pedidos genérico nos casos seguintes: b) quando não seja ainda possível determinar, de modo definitivo, as consequências do facto ilícito, ou o lesado pretenda usar da faculdade que lhe confere o art. 569º do Código Civil ”.
Mas como já se referiu supra, os pedidos formulados em termos genéricos têm de ter subjacentes factos, embora ainda não quantificáveis, podendo tais factos vir a ser concretizados, através do articulado próprio, no decorrer da acção se entretanto forem conhecidos.
Mas, não pode ser formulado um pedido genérico que vise abranger todos e quaisquer danos que eventualmente se venham a verificar.
Os factos subjacentes ao referido pedido genérico formulado pelos AA. são os constantes dos artigos 28º, 29º, 30º, 34º e 35º da P.I., que foram vertidos nos quesitos 12º a 18º da B.I., os quais mereceram, todos, a resposta de não provado, não obtendo provimento a pretensão dos AA. de ver alteradas as respostas dadas aos quesitos 12º, 13º, 17º e 18º.
E face à ausência de prova de tais factos, não resultaram provados os danos não patrimoniais invocados.
Como bem se refere na sentença recorrida, só se pode relegar a liquidação do montante da indemnização para momento posterior, desde que resulte, desde logo, demonstrada a existência de danos.
In casu, não resultaram os mesmo provados, pelo que nada há a censurar à sentença recorrida.
Relacionam os AA. o pedido genérico formulado com o alegado agravamento da situação clínica do A., no que aos dentes se refere, contudo sem razão, no nosso entender, remetendo-se para o que já se referiu supra, na apreciação do agravo.

A 6ª e última questão suscitada pelos AA. é a de determinar a partir de quando são devidos os juros de mora sobre as quantias devidas.
Na sentença recorrida, fazendo referência ao Ac. Uniformizador de Jurisprudência do STJ n.º 4/2002 de 09.05.2002, publicado no DR, Iª Série-A de 27.06.02, decidiu-se que os juros de mora são devidos desde a data da sentença, isto é, 7.12.2006.
De acordo com o mencionado acórdão, sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo, nos termos do art. 566º, n.º 2 do CC, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805º, n.º 3, interpretado restritivamente, e 806º, n.º 1 do CC, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação.
No recurso, os AA. põem em causa que os juros apenas sejam devidos a partir da sentença, uma vez que entendem que, não obstante na sentença recorrida se tenha dito que a indemnização fixada é “reportada à data da presente sentença”, face ao montante da mesma, à data do acidente e da propositura da acção, a decisão não foi actualizadora.
Em princípio, os montantes indemnizatórios deverão ser, todos eles, reportados à data da citação, de harmonia com a regra geral plasmada nos artigos 804º, n.º 1 e 805º, n.º 3 do CC.
E só assim não será se vier a ser proferida decisão judicial actualizadora expressa que contemple, por majoração e com base no disposto no art. 566º, n.º 2 do CC, esses cômputos indemnizatórios, com apelo aos índices de inflação e/ou desvalorização monetária, para evitar duplicações ou cumulações que colidam com critérios de justiça material.
A sentença, de forma expressa, referiu que a indemnização fixada era actualizadora (embora não tenha feito referência a que factores atendeu para essa actualização), pelo que bem condenou no pagamento de juros de mora, desde a data da sentença.
Coisa diferente é o entendimento que os AA. têm que tais montantes são tão “irrisórios” que não podem estar já actualizados.
De qualquer forma, os montantes indemnizatórios fixados neste acórdão são actualizados à data do mesmo, tendo em conta os índices de inflação entretanto verificados, como supra referido, pelo que dúvidas não restam de que os juros de mora devidos são-no deste a data do acórdão.

DECISÃO.
Pelo exposto, acorda-se em negar provimento ao agravo, e julgar parcialmente procedente a apelação, revogando-se, em parte, a decisão recorrida, condenando-se a R. a pagar:
- ao A. B……….:
a) a quantia de € 7.500,00 ( sete mil e quinhentos euros), a título de indemnização por danos futuros, acrescida de juros de mora, à taxa legal, vencidos desde 4.03.08, inclusive e vincendos até integral pagamento;
b) a quantia de € 5.000,00 (cinco mil euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, vencidos desde 4.03.08, inclusive e vincendos até integral pagamento;
- à A. D………., a quantia de 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, vencidos desde 4.03.08, inclusive e vincendos até integral pagamento;
- aos AA. B………. e D………. a quantia que se liquidar em execução de sentença e referente à mercadoria referida nos pontos 16 a 18 da matéria de facto.
Absolve-se a R. do demais peticionado.
Custas na proporção do decaimento.
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Porto, 2008.03.04
Cristina Maria Nunes Soares Tavares Coelho
Eduardo Manuel B. Martins Rodrigues Pires
Mário João Canelas Brás