Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP00039253 | ||
| Relator: | AMARAL FERREIRA | ||
| Descritores: | ADVOGADO RESPONSABILIDADE CIVIL | ||
| Nº do Documento: | RP200606010631913 | ||
| Data do Acordão: | 06/01/2006 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
| Decisão: | CONFIRMADA A SENTENÇA. | ||
| Indicações Eventuais: | LIVRO 673 - FLS. 190. | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I- “O contrato existente entre o advogado e o cliente é o de mandato com representação, quer haja quer não haja, procuração constante de instrumento, o qual só é indispensável nos termos do artigo 262º, n.º2, do Código Civil, quando tenha de revestir a forma exigida para o negócio que o procurador tenha de realizar. II- Se o advogado não cumpre ou cumpre defeituosamente as obrigações que lhe advém do exercício do mandato que firmou com o constituinte, tacitamente ou com procuração, incorre em responsabilidade civil contratual para com ele; III- se o advogado praticou facto ilícito lesivo dos interesses do seu constituinte, já a sua responsabilidade civil para com o mesmo constituinte é extracontratual ou aquiliana. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I – RELATÓRIO. 1. B……, instaurou, no Tribunal da Comarca de Matosinhos, contra C……., advogado, acção declarativa de condenação, com forma de processo ordinário, pedindo a condenação do R. a pagar-lhe a quantia de 400.000 Euros, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento. Alega para tanto, em síntese, que, no âmbito de um processo disciplinar que lhe foi instaurado pelo Conselho dos Oficiais de Justiça (COJ), enquanto funcionária judicial, e que a sancionou com a pena de demissão, foi patrocinada pelo R., como seu advogado, quer no processo disciplinar, quer posteriormente no respectivo recurso contencioso judicial, que interpôs extemporaneamente, o que motivou que o COJ tivesse invocado a excepção peremptória da caducidade do recurso, que foi julgada procedente, e, tendo o R. interposto recurso dessa decisão, não ofereceu as respectivas alegações, pelo que foi o recurso, que tinha todas as possibilidades de êxito, julgado deserto, vindo, em consequência, a perder o seu emprego, facto que lhe provocou danos patrimoniais e não patrimoniais que descrimina e que estima no valor global de 400.000 Euros. 2. Contestou o R. impugnando parcialmente os factos alegados pela A., designadamente no que se refere ao alegado êxito do recurso, já que a questão que nele se colocava era uma questão juridicamente discutível, e que ia ser explanada nas respectivas alegações, as quais, por ordem expressa da A. nesse sentido, não chegaram a ser apresentadas, aduzindo que sempre se empenhou seriamente na defesa dos interesses da sua constituinte. E, concluindo pela sua absolvição do pedido, deduziu pedido reconvencional pedindo a condenação da A. a pagar-lhe uma indemnização no valor de 15.000 Euros, acrescida de juros de mora à taxa legal, por danos causados à sua imagem com a instauração da acção, peticionando ainda a condenação da A. como litigante de má fé, em multa de valor a fixar pelo Tribunal e a remeter para a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima. 3. Respondeu a A. e, reiterando o que havia alegado na petição, por cuja integral procedência pugna, contesta o pedido reconvencional deduzido pelo R.. 4. O R. apresentou articulado de tréplica, cujo desentranhamento foi ordenado por intempestivo, por despacho do seguinte teor: “Fls. 140 e seg.: Atendendo a que a tréplica deu entrada via fax em 30/11/2003, que o R. foi notificado da réplica por carta enviada a 7/11/2003 e que o prazo para apresentação da tréplica é de 15 dias (artº 503º, nº 2, do C.P.C.), por manifestamente intempestiva, ordena-se o seu desentranhamento e devolução ao R.. Notifique ambas as partes”. 5. Após ter requerido a reparação do despacho com o fundamento de que se encontrava ilidida a presunção constante do artº 254º, nº 3, do CPC, o que foi indeferido por se ter entendido que não se encontrava ilidida tal presunção, nomeadamente nenhuma razão sendo invocada para que a carta não tivesse sido levantada no dia 11/11/2003, agravou o R. que, nas respectivas alegações, formulou as seguintes conclusões: 1ª: O agravante foi notificado da réplica por carta registada expedida em 7/11/2003 e recepcionada em 14/11/2003, mediante levantamento postal na estação dos CTT, após aviso deixado no seu escritório em 10/11/2003, do qual consta poder o levantamento ocorrer a partir de 11/11/2003 até ao sexto dia útil. 2ª: Em 10/11/2003 o agravante esteve presente em diligência na 1ª Vara Mista de Vila Nova de Gaia, no âmbito do processo nº 566/03.3TOPRT, com arguidos presos, motivo pelo qual não se encontrava no seu escritório. 3ª: Em 11/11/2003 teve de se deslocar para o Algarve a fim de preparar o julgamento que se realizou em 12/11/2003 no 1º Juízo Criminal da Comarca de Portimão, processo nº 44/99.3TAPTM. 4ª: Findo tal julgamento, de imediato teve de se deslocar para Loures a fim de preparar e intervir no julgamento ocorrido no dia 13/11/2003 na 1ª Vara Mista daquela comarca, processo nº 1237/99.9JGLSB. 5ª: Assim, por motivos que não lhe podem ser imputáveis, por integrarem o exercício da sua actividade profissional e que se sobrepõem ao simples levantamento de correspondência, esteve impedido de proceder ao levantamento da notificação em causa em data anterior a 14/11/2003. 6ª: Deverá pois por tais motivos considerar-se ilidida a presunção constante do nº 2 do artº 254º do Código de Processo Civil, nos termos do nº 4 da mesma disposição, considerando-se a notificação efectuada em 14/11/2003, data em que efectivamente foi o agravante notificado. 7ª: A tal não obsta a argumentação de que poderia ter diligenciado para que um terceiro procedesse ao levantamento da carta, pois que exerce a actividade profissional num escritório sozinho e não possui qualquer funcionário ou colaborador que assegure os aspectos administrativos do exercício da mesma, cabendo-lhe assegurar todo o expediente. 8ª: Além disso, e sem prescindir, sempre o levantamento da correspondência registada, como consta do próprio aviso, terá de ser efectuado pelo próprio destinatário ou por terceiro munido do bilhete de identidade deste, sendo que o agravante, por ter ido viajar, teve de o levar consigo. 9ª: Por tudo, a tréplica apresentada no Tribunal a quo via fax em 30/11/2003 e o original em 2/12/2003 foi-o tempestivamente, atento o prazo estipulado no nº 2 do artº 503º do Código de Processo Civil, pelo que deverá ser admitida a sua junção aos autos. 10ª: Ao não o fazer, a decisão ora colocada em crise proferida pelo Mmº Juiz a quo violou o disposto no artº 254º do Código de Processo Civil. Nestes termos, deve ser dado provimento ao recurso e em consequência ordenar que o Mmº Juiz a quo admita a tréplica deduzida e apresentada pelo ora agravante, como é de inteira JUSTIÇA. 6. Não foram oferecidas contra-alegações. 7. Em sede de audiência preliminar foi proferido despacho saneador que, depois de afirmar a validade e regularidade da instância, não admitindo o pedido reconvencional deduzido pelo R., declarou a matéria assente e elaborou base instrutória, que se fixaram após atendimento parcial das reclamações formuladas por A. e R.. 8. Tendo-se procedido a julgamento com gravação e observância do formalismo legal, e sem que as respostas dadas à matéria de facto controvertida tivessem sido objecto de censura, foi proferida sentença a julgar a acção improcedente e a absolver o R. do pedido. 9. Inconformada, apelou a A. que, nas pertinentes alegações, formulou as seguintes conclusões: 1ª: A Recorrente impugna a decisão da matéria de facto quanto às respostas dadas aos quesitos 5º e 6º da base instrutória, uma vez que, face à prova produzida e sendo respeitados critérios de objectividade e rigor na sua análise crítica, a decisão deverá ser exactamente a oposta, ou seja, dar-se como não provado o quesito 5º e como provado o 6º. 2ª: Sobre aqueles dois quesitos não foi produzida qualquer outra prova para além da testemunhal, que ficou gravada em registo magnético e não houve rigor nem obediência a critérios estritos de imparcialidade na análise crítica dessas provas e na especificação dos fundamentos decisivos para a convicção do julgamento da matéria de facto em causa (quesitos 5º e 6º). 3ª: Na verdade, ouvindo-se atentamente os depoimentos gravados e lendo-se e relendo-se a sua transcrição literal, tem de concluir-se que nem é verdade que as testemunhas da Autora tenham propriamente demonstrado nada saber, nem é aceitável que se dê como provado um facto tão nuclear no temma decidendum com o único fundamento das meras circunstâncias relatadas pelas testemunhas do Réu acerca da competência e zelo deste. 4ª: Tal significaria a adopção da tese de que um advogado deixará de responder por quaisquer prejuízos causados ao seu mandante no exercício do mandato forense, sempre que apareçam dois ou três seus amigos e artesãos do mesmo ofício a dizer que ele (mandatário), mais tarde, lhes disse .... 5ª: Ou seria admitir o princípio de que é admissível a prova dum facto só na base do “ouvir dizer”, com a agravante absurda de que, no caso em apreço, quem disse foi o infractor ou o devedor e disse o que disse em seu proveito próprio e exclusivo, o que seria admitir uma espécie de confissão ao contrário feita por terceiros, ou seja, que é um meio de prova admissível o facto do confitente reconhecer a realidade dum facto que lhe é favorável e desfavorece a parte contrária, sendo esse conhecimento relatado ao Tribunal por terceiros amigos e profissionais do mesmo ofício, que o ouviram dele. 6ª: Ora, é absolutamente inadmissível e ofende a verdade, o direito e a mais elementar justiça, uma decisão assim alicerçada. 7ª: A testemunha D……, apesar de pouco saber sobre a matéria, prestou depoimento do qual se conclui que (tal depoimento) é obviamente contraditório e incompatível com as alegadas instruções da A. para que não fossem apresentadas alegações ou dada continuidade ao seu processo. 8ª: Por outro lado, a testemunha E……, que era funcionário judicial e que acompanhou o caso por dentro, depôs convictamente no sentido de que a A., tal como outros funcionários judiciais, acompanhavam com muito interesse os processos e decisões judiciais que eram conhecidos e tendiam para declarar inconstitucionais as normas que atribuíam ao COJ competência disciplinar e, de todo o seu firme e inabalado depoimento resulta claramente que é também de todo incompatível com qualquer vontade ou instrução da Autora dada ao Réu para que não prosseguisse com o processo. 9ª: Bem pelo contrário, o depoimento acabado de referir fornece indícios seguros de que, aliados às regras da experiência comum, induzem com credibilidade e segurança suficiente que a Autora nunca quis nem jamais deu instruções para não serem apresentadas quaisquer alegações ou, o que é o mesmo, para não ser dada continuidade aos seus processos, pois tal constituiria um absurdo e uma total contradição com o seu comportamento anterior e posterior, o que serve de fundamento para alterar a resposta dada ao quesito 6º, dando-o como provado. 10ª: Por seu lado, as testemunhas do Réu, que eram e são advogados (uma era desembargador mas não se pronunciou sobre os factos em causa), amigos do Réu e colaboraram com ele, emitindo opiniões, no caso dos autos, não disseram rigorosamente nada quanto às alegadas instruções da Autora no sentido de que não fossem apresentadas alegações sobre o tema em discussão ou a dar o seu testemunho sobre as qualidades de zelo e competência do Réu. 11ª: A verdade é que não têm a mínima relevância para o caso, as referências à competência habitual e ao zelo do Réu, pois não era isso que estava em julgamento e, bem pelo contrário, a Autora reconheceu e reconhece que o Réu lhe prestou serviços com competência e dedicação. 12ª: Em causa está tão só o facto indesculpável de ele não ter praticado actos essenciais dentro dos prazos legais para o efeito e com isso ter dado azo a que as pretensões da Autora tivesse sido votadas ao fracasso com o fundamento da caducidade do direito de impugnação. 13ª: Há outros factos assentes como provados que justificarão a revogação da sentença e uma decisão em sentido contrário, sendo para tal pertinentes, designadamente os factos elencados na sentença sob os nºs 4, 8, 12 e 13. 14ª: Desses factos resulta que o Réu apresentou o recurso contencioso da deliberação da aplicação da pena de demissão à Autora, depois de esgotado o prazo de 60 dias previsto no artº 28-1/a e 2 da LPTA e art. 279 do CC e aqui reside o facto essencial em que assenta o pedido da Autora ao contrário do que pressupõe a sentença recorrida. 15ª: Face aos factos assentes como provados e transcritos na sentença recorrida, expurgando-se dela o facto 25, correspondente ao acima falado quesito 5º, e substituindo-o pelo facto do quesito 6º, a decisão final terá de julgar provados os fundamentos da petição da Autora e terá de condenar o Réu no pedido. 16ª: E o mesmo deverá suceder ainda que fosse de entender que não é de alterar a decisão sobre a matéria de facto, o que de todo não se crê nem se espera. 17ª: É que o Tribunal a quo incorreu num erro essencial ao considerar que a Autora demandou o Réu com o único fundamento de este ser responsável pela deserção do recurso, por falta de alegações, o que não corresponde à verdade, pois a Autora fundamentou, antes de mais, o seu pedido exactamente no facto do Réu ter deixado passar o prazo legal de 60 dias para apresentar em juízo a impugnação da decisão da pena de demissão que lhe tinha sido aplicada. 18ª: E reside nesta falha essencial e irreparável do Réu o verdadeiro fundamento da sua responsabilidade pelos prejuízos causados à Autora. 19ª: Mutatis mutandis, são de aplicar as normas e os princípios jurídicos explanados na sentença. Nestes termos e nos mais de direito, deve ser dado provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida e substituindo-a por outra que julgue inteiramente procedente o pedido da Autora, assim se fazendo, como sempre, JUSTIÇA. 10. Contra-alegou o R. pugnando pela manutenção da sentença. 11. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. II. FUNDAMENTAÇÃO. 1. É a seguinte a matéria de facto que vem dada como provada na sentença recorrida: Constante da matéria assente: 1- A A. passou a integrar o quadro de funcionários judiciais em Março de 1972 e, desde 30.12.96, exercia funções de escrivã de direito na 3ª Vara Criminal do Círculo do Porto – Al. A). 2- No ano de 2000, encontrando-se em regime de suspensão da actividade, auferia o vencimento global líquido de Esc. 247.940$00 – Al. B). 3- A. A foi objecto dum processo disciplinar, que correu termos sob o n° 492-D/98, instaurado pelo Conselho dos Oficiais de Justiça (C.O.J.) – Al. C). 4- Nesse processo disciplinar o COJ, por acórdão datado de 4.12.00 e registado sob o nº 263, sancionou a A. com a pena de demissão, acórdão que foi notificado à A. em 18.12.00 – Al. D). 5- A A. tinha passado procuração ao Réu para a patrocinar no referido processo disciplinar, procuração que foi junta nesse processo tendo o R. sido notificado também do mesmo acórdão, por ofício datado de 15.12.00 – Al. E). 6- A A. passou e entregou duas novas procurações ao R., no escritório deste, em 21.12.00, para que este requeresse a suspensão da eficácia daquela pena de demissão e para que interpusesse o respectivo recurso contencioso, como ficou combinado na conferência então realizada entre ambos – Al. F). 7- Na sequência disso, o R. apresentou, nesse próprio dia de 21.12.00, um requerimento de suspensão de eficácia daquela deliberação de 04.12.00 do C.O.J., a qual deu origem ao processo 1173/00 do 3º Juízo do Tribunal Administrativo de Círculo do Porto, tendo sido proferida decisão de indeferimento da pedida suspensão de eficácia, em 15.01.01 – Al. EE). 8- Em 01.03.01, o R. apresentou o recurso contencioso de anulação daquela deliberação de 04.12.00 do C.OJ., recurso esse que fundamentou, no essencial, na inconstitucionalidade de várias normas do Estatuto dos Oficiais de Justiça, aprovado pelo DL 343/99, de 26.08, e normas do DL 376/87, de 11.12, na parte em que delas resulta a atribuição ao Conselho dos Oficias de Justiça da competência de apreciar o mérito e exercer a acção disciplinar relativamente aos oficiais de justiça – Al. FF). 9- As normas constantes dos art. 98° e 111°, al. a), do Estatuto dos Oficiais de Justiça, aprovado pelo DL 343/99, de 26.08, foram julgadas inconstitucionais, pelos acórdãos do Tribunal Constitucional n° 148/01 (Diário da República, II Série, de 08.06.01), n° 178/01 e n° 244/01 (Diário da República, II Série, de 06/07/2001 – Al. G). 10- As normas constantes dos art. 95° e 107°, al. a), do DL 376/87, de 11.12, foram julgadas inconstitucionais, pelos acórdãos do Tribunal Constitucional n° 145/00 (Diário da República, II Série, de 06.10.00), n° 159/01 e n° 266/01 – Al. H). 11- Todas as referidas normas foram julgadas inconstitucionais com força obrigatória geral pelo Acórdão do Tribunal Constitucional n° 73/02, publicado no Diário da República, I Série, de 16.03.02 – Al. I). 12- Naquele recurso contencioso da A. contra o C.O.J., esta entidade, na sua defesa, invocou a excepção da caducidade, alegando que a recorrente tinha tomado conhecimento da deliberação em 18.12.00 e só a impugnou contenciosamente com a interposição do recurso em 01.03.01, já depois de esgotado o prazo de 60 dias previsto no art. 28-1/a e 2 da L. P. T .A. e art. 279 do CC – Al. J). 13- Por acórdão proferido em 19.10.01, foi julgada procedente aquela excepção peremptória de caducidade do direito ao recurso contencioso por extemporaneidade na sua interposição e, em consequência, foi rejeitado o recurso – Al. K). 14- O R. foi notificado dessa sentença por ofício datado de 19.10.01. e, em 29.10.01, apresentou recurso da sentença, o qual foi admitido por despacho datado de 12.11.01 e notificado ao R. por ofício de 19.11.01 – Al. L). 15- O R. não apresentou alegações – Al. M). 16- Por decisão proferida em 22.01.02, foi julgado deserto o recurso, decisão que foi notificada ao R. em 13.02.02 – Al. N). 17- A A. nasceu em 23.04.1953 – Al. O). 18- A A. recebeu o seu último vencimento de funcionária pública em Fevereiro de 2001 – Al. P). 19- Aguardava-se, como sabia o R. e comunicou à A. Em Dezembro de 2000, um acórdão com força obrigatória geral sobre a questão das inconstitucionalidades referidas em G) e H) – Al. Q). 20- A A. foi condenada pela prática de um crime de falsificação de documento p. e p. pelo art° 256°, n° 1 al. a) e n° 3, com referência à al. a) do art° 255°, ambos do C. Penal, em concurso real com um crime de peculato p. e p. pelo art° 375°, n° 1 com referência ao art° 386°, ambos do C. Penal, por Acórdão proferido no âmbito do processo comum colectivo n° 90/00 que correu termos na 2ª Vara Criminal do Círculo do Porto, conforme certidão junta aos autos a fls. 47 a 73, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido – Al. R). Resultantes das respostas dadas à base instrutória: 21- A A. ficou desempregada e assim se mantém por não ter ainda conseguido arranjar trabalho, encontrando-se inscrita no Centro de Emprego da localidade – artº 1º. 22- E sentiu-se frustada, viu arruinado o seu projecto de vida, ficou numa situação humilhante, na dependência da ajuda de familiares e amigos – artº 2º. 23- E sentiu-se abalada, aflita, triste e revoltada – artº 3º. 24- Já que tinha a seu cargo uma filha menor e a sua mãe, doente, que auferia apenas de pensão de reforma a quantia de 200 Euros por mês – artº 4º. 25- As alegações do recurso referido em L) não chegaram a ser apresentadas por força de orientações expressas dadas pela A. ao R. nesse sentido – artº 5º. 2. De acordo com as conclusões formuladas, as quais delimitam o objecto do recurso – cfr. arts. 684º, nº 3 e 690º do CPCivil, temos que as questões a resolver são, essencialmente, as seguintes: - tempestividade de apresentação da tréplica (no agravo), - alteração da decisão da matéria de facto e subsunção jurídica dos factos (apelação). - procedência da acção. Todavia, relativamente ao recurso de agravo, há que referir que o agravo interposto pelo R. só será apreciado se a sentença recorrida não for confirmada. Efectivamente, se, nos termos do disposto no artº 710º, nº 1, 1ª parte, do CPCivil, a apelação e os agravos que com ela tenham subido são julgados pela ordem da sua interposição, ressalta da 2ª parte do mesmo preceito legal que, se os agravos forem interpostos pelo apelado, ainda que tenham interesse para a decisão da causa, os mesmos só serão apreciados se a sentença não for confirmada. Alteração da decisão da matéria de facto. Pretende a recorrente que seja modificada a decisão do tribunal recorrido quanto à matéria de facto dos pontos 5º e 6º da base instrutória, cujas respostas foram, respectivamente, de “provado” e “não provado”, de modo a que sejam se sentido contrário, para o que chama à colação os depoimento das testemunhas inquiridas. Nos termos previstos no artigo 712º, nº 1, do CPC (diploma a que pertencerão os demais preceitos legais a citar na apreciação desta questão, sem outra indicação de origem), a decisão da matéria de facto da 1ª instância pode ser modificada pela Relação: “a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos de matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 690ºA, a decisão com base neles proferida; b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas; c) Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou”. Constituindo esta as excepções à regra básica da imodificabilidade da decisão de facto proferida em 1ª instância, no caso em apreço é claro não serem aplicáveis as previsões das referidas als. c), pois não foi apresentado documento novo superveniente que, só por si, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou, e b), já que, estando esse fundamento da modificabilidade da decisão da matéria de facto relacionado com o valor legal da prova, exigindo-se que o valor dos elementos coligidos no processo não possa ser afastado por outra prova produzida em julgamento, sendo a alteração das respostas admissível quando no processo exista um meio de prova plena, resultante nomeadamente de documento, confissão ou acordo das partes, e esse meio de prova diga respeito a determinado facto sobre o qual o tribunal também se pronunciou em sentido divergente, tal situação não se verifica. Resta, portanto, a previsão constante da al. a), tendo presente que do normativo em apreço resulta, como refere F. Amâncio Ferreira [Manual dos Recursos em Processo Civil, 2ª ed., 2001, pág. 127], que «... o direito português segue o modelo de revisão ou reponderação ...», ainda que não em toda a sua pureza, e que os recursos de reponderação, no ensinamento do Prof. Miguel Teixeira de Sousa [Estudo sobre o novo processo civil, pág. 374], «... satisfazem-se com o controlo da decisão impugnada e em averiguar se, dentro dos condicionalismos da instância recorrida, essa decisão foi adequada, pelo que esses recursos controlam apenas – pode dizer-se – a “justiça relativa” dessa decisão». Constam do processo todos os elementos de prova que serviram de base à decisão da matéria, dado que os depoimentos prestados estão gravados. A impugnação da matéria de facto não importa a realização de um novo julgamento global nem afasta o princípio da livre apreciação da prova pelo julgador da primeira instância, que é indissociável da oralidade e imediação em que decorre a audiência. No domínio da prova testemunhal, vigora o princípio da livre apreciação das provas (artºs 396º do CC e 655º, nº 1 do CPC), apreciando o tribunal livremente as provas e decidindo segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto. Na valoração dos depoimentos, nomeadamente no que concerne à maior ou menor credibilidade desta ou daquela testemunha, não pode deixar de ponderar-se que a apreciação da prova na Relação envolve “risco de valoração” de grau mais elevado que na primeira instância, em que estão presentes os princípios da imediação, concentração e oralidade, ao contrário daquela que não tem essa possibilidade do contacto directo com as testemunhas, e deve também ter-se presente que a comunicação não se estabelece apenas por palavras mas também, e porventura com maior relevo, por outras formas de comunicação, como a postura corporal, a espontaneidade e convicção com que a testemunha fala, tudo informação decisiva na valoração dos depoimentos produzidos e apreciados segundo as regras da experiência comum e que, no entanto, se trata de elementos que são intraduzíveis numa gravação. É o juiz que interpela a testemunha e que se apercebe da sua postura, das suas hesitações, dos seus esgares e de todo um sem número de gestos que não podem ser dissociados dos depoimentos e que contribuem também para a convicção do julgador, que, não sendo perceptíveis nas gravações fonográficas ou nos escritos, não são possíveis de avaliar pela Relação. É a oralidade e a imediação que permitem melhor avaliação da credibilidade das declarações dos participantes processuais e esses princípios da oralidade e imediação observam-se essencialmente na audiência de julgamento. Como já Alberto dos Reis escrevera, CPC Anotado, IV Vol., pág. 137, “tanto ou mais do que o que o depoente diz vale o modo por que o diz, é que se as declarações contam, contam também as reticências, as hesitações, as reservas, enfim a atitude e a conduta do declarante no acto do depoimento”. Ver em idêntico sentido, A. Varela, em Manual de Processo Civil, 2ª Ed/657, Lopes Cardoso, em BMJ, 80/203, e António S. Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, 4ª Ed., II, 266) Deste modo, em atenção a essas circunstâncias, em melhor situação se encontra o julgador de 1ª instância para apreciar e valorar os depoimentos prestados perante si, pela possibilidade de apreensão de um vasto universo de elementos, não apreensíveis na gravação dos depoimentos, e que são decisivos para o processo de formação da sua convicção, não tendo a Relação possibilidade de apreciar para lá daquilo que se mostra gravado, daí que a alteração da matéria de facto, em reapreciação da decisão, só deva ocorrer em casos de manifesto erro na apreciação da prova, quando haja flagrante desconformidade entre os elementos probatórios e a decisão da matéria de facto que se impugna, designadamente por o Juiz deixar de considerar provas relevantes e assentar a decisão noutras inidóneas e indiferentes para sustentar a sua convicção. Por outro lado, deve ter-se presente que, no que respeita à suficiência ou não das provas para se concluir pela realidade de determinado facto, a prova não se destina a criar a certeza absoluta da realidade dos “factos” afirmados pela parte. Como ensinava Antunes Varela (RLJ, Ano 116, pág. 339) “provar um facto no tribunal perante o juiz não é o mesmo que demonstrar um teorema na aula para o aluno, nem será o mesmo que realizar no laboratório uma análise clínica para o cliente. A prova, por força das exigências da vida jurisdicional e da natureza da maior parte dos factos que interessam à administração da justiça, visa apenas a certeza subjectiva, a convicção positiva do julgador. Se a prova em juízo de um facto reclamasse a certeza absoluta da verificação do facto, a actividade jurisdicional saldar-se-ia por uma constante e intolerável denegação de justiça”. “A prova tem (...) de contentar-se com certo grau de probabilidade do facto: a probabilidade bastante, em face das circunstâncias concretas da espécie, para convencer o julgador (que conhece as realidades do Mundo e as regras da experiência que neles se colhem) da verificação ou realidade do facto”. Quando o tribunal julga a matéria de facto, deve fazê-lo numa medida de convicção necessária, levando em consideração as regras da lógica e da experiência, de que todo o juiz dispõe em alguma medida, de que necessita e deve utilizar na sua actividade. O grau de convicção do tribunal, quando aprecia e decide a matéria de facto, deve ser de probabilidade que baste para as necessidades da vida, uma vez que as provas não visam criar no espírito do julgador uma absoluta certeza acerca dos factos a provar, dado ser normalmente impossível encontrar essa certeza absoluta, sem prejuízo de se persistir na sua procura como um objectivo. A prova como demonstração efectiva (segundo a convicção do juiz) da realidade de um facto “não é certeza lógica mas tão-só um alto grau de probabilidade suficiente para as necessidades práticas da vida (certeza histórico-empírica)” – cfr. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, 191. As decisões dos tribunais devem ser fundamentadas (artigo 205º/1 da CRP), dever que, no que respeita à decisão da matéria de facto, é reafirmado no artigo 653º, nº 2, que dispõe que “a decisão proferida declarará quais os factos que o tribunal julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas e especificando os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador”. Essa decisão “deve indicar os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não provado”, motivação que se não destina à exteriorização das razões psicológicas da convicção do juiz, mas a convencer (terceiros) da correcção da decisão (M. Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 348). A decisão da matéria de facto impugnada mostra-se fundamentada nos termos legalmente impostos, independentemente da discordância quanto à decisão e sua eventual razoabilidade ou fundamento. Nela se expressam os fundamentos decisivos para a convicção adquirida pelo julgador. A recorrente faz uma diferente apreciação da prova produzida, pondo em causa a convicção adquirida pelo julgador, no que se refere às respostas aos artºs 5º e 6º da base instrutória. Ouvido o registo/gravação dos depoimentos, e tendo presentes as considerações expostas, vejamos se a decisão tem ou não tem suporte razoável nos elementos de prova disponíveis no processo. Perguntando-se no ponto 5) da base instrutória “As alegações do recurso referido em L) não chegaram a ser apresentadas por força de orientações expressas dadas pela A. ao R. nesse sentido”, e no ponto 6) “Nunca a A. deu instruções nesse sentido ao R.” quer a recorrente se responda em sentido inverso ao da decisão da 1ª instância, respostas que foram, respectivamente, de “Provado” e de “Não provado”. Na fundamentação das respostas dadas o Tribunal recorrido, depois de referir que as testemunhas arroladas pela A., D…… e F……., demonstraram nada saber sobre a tramitação do recurso e a apresentação das respectivas alegações (pontos 5 e 6), para responder afirmativamente ao ponto 5) baseou-se nos depoimentos das testemunhas arroladas pelo R., fazendo referência às respectivas profissões e extractando parte dos respectivos depoimentos. A testemunha D……, terapeuta de acupunctura e empresário, disse conhecer a A. há cerca de ano e meio, através do marido, que era seu doente, e depôs essencialmente sobre as dificuldades económicas da família (por causa do preço das consultas) e de algumas diligências que efectuou junto de pessoas conhecidas no sentido de arranjar trabalho à A., o que não conseguiu essencialmente devido à idade dela, que obstava logo à marcação de entrevista. No que se refere ao passado disse que lhe foi contado e que não tinha conhecimento próprio da situação. A testemunha F….., secretário de inspecção do COJ, que disse ter conhecido a A. em 1991, sendo seu colega de trabalho durante cinco anos no Tribunal do Trabalho de Penafiel, e, a partir daí passaram a ser amigos, tendo-a chegado a ajudar quando lhe foi aplicada a pena de demissão, não obstante a partir de 1996 passarem a trabalhar em Serviços e/ou Tribunais diferentes, afirmou nunca ter ouvido da A., nem acreditar que isso tenha acontecido, que ela tenha dado instruções ao R. para parar com o recurso em causa. Para essa convicção referiu que ela “queria limpar a sua imagem” e que havia colegas em circunstâncias idênticas que beneficiaram da declaração de inconstitucionalidade de normas do Estatuto do COJ, e ainda que a A. o contactou telefonicamente a perguntar-lhe se conhecia alguém no Tribunal Administrativo do Porto por causa de um aviso para pagar custas, onde ela terá ido passados 1/2 dias, altura em que ela apenas teria sabido do que se tinha passado com o recurso e em que começaram a surgir os casos de inconstitucionalidade de decisões do COJ. Quanto à data em que isso teria acontecido disse não saber precisá-la mas que teria sido em 2002. Esta testemunha, que disse ter tido um problema de memória, tendo-lhe sido perguntado pelo mandatário do R. se ela lhe tinha falado em ter dado instruções expressas para que o processo não prosseguisse disse “sobre isso não sei nada”. A testemunha G……, advogado, que conhece o R. há cerca de 20 anos, já que foram colegas de curso e estagiaram juntos, disse que na altura dos factos era assessor jurídico num Ministério e que, por isso trocava impressões com o R. o ia pondo ao corrente da situação, tendo-lhe referido que, por instruções da A. não tinha apresentado as alegações porque se iria tentar resolver a situação por outras vias alternativas, que passavam pela resolução administrativa da questão junto do COJ. Referiu ainda esta testemunha que, no recurso contencioso de decisão que aplicou a pena de demissão à A., se levantava a questão de saber se a arguição da inconstitucionalidade integrava nulidade ou apenas mera anulabilidade, o que tinha a ver com o prazo de interposição do recurso, questão que era controversa mas que o STA veio a entender constituir anulabilidade, apesar de o Tribunal Central Administrativo seguir a tese de que se estava perante nulidade. Mais acrescentou que o R. pretendia depois interpor recurso jurisdicional e que achou estranho não terem sido apresentadas as alegações, mas que confiava no que lhe disse o R. para o não ter feito (por instruções da A.), até porque chegou a ver no escritório dele uma minuta das alegações do recurso jurisdicional, que se encontravam materializadas e em que se reagia contra a decisão do Tribunal Administrativo do Porto que rejeitou o recurso por extemporaneidade. A testemunha H……, desembargador, conheceu o R., quando este era advogado estagiário, no Tribunal de S. João Novo do Porto, onde era juiz, que lhe chamou à atenção porque era africano e, como tinha estado em África, estabeleceu, por isso, com ele uma relação de alguma proximidade, contacto esse que perdeu por ter sido promovido a juiz desembargador, tendo-lhe o R. dito, em encontro ocorrido em Setembro/Outubro de 2000, que era advogado da A., que conhecia por ter sido funcionária no referido Tribunal, embora não sua funcionária, que o seu único objectivo era evitar que ela fosse condenada a prisão efectiva, porque já tinha dito à A. que era iria ser demitida. A testemunha I……, advogado, que conhece o R. há cerca de 10 anos, sendo colegas e amigos, disse que da vivência com o R. podia afirmar que ele era uma pessoa empenhadíssima, aplicada e diligente. No que respeita ao caso dos autos, e sobre a não apresentação das alegações, disse que o R. lhe comentou “depois deste trabalho todo a cliente não quis interpor recurso”, o que tem até algum sentido já que a própria A., no respectivo depoimento de parte, disse que desconhecia que esse recurso havia sido interposto. Mas, para além disso, a testemunha referiu também que o R., lhe pediu opiniões, por várias vezes, a ele e a outros colegas de escritório, nomeadamente a um que é especialista nas áreas de administrativo e fiscal, que o R. interpôs recurso contencioso de anulação e que existia, pelo menos, uma decisão que se havia pronunciado pela tese da nulidade. Acrescentou ainda que o R. lhe telefonou a dizer que não valia a pena a interposição do recurso porque a eficácia do acto administrativo praticado e a decisão do COJ, independentemente da decisão do recurso, não alteraria a decisão da pena de demissão. Ora, tendo presentes as considerações expendidas sobre a reapreciação da decisão da matéria de facto, e face os depoimentos prestados, e nomeadamente aos das testemunhas G….. e I……., afigura-se-nos sem razão a posição da recorrente, não existindo razões que permitam concluir por incorrecção de julgamento ao nível dos mencionados pontos da matéria de facto – artºs 5º e 6º da base instrutória -, que se mantêm inalterados. É que, vigorando, no domínio da prova testemunhal, o princípio da livre apreciação das provas – artº 396º do CCivil -, segundo a convicção que o julgador tenha formado acerca de cada facto – artº 655º, nº 1 -, sem embargo do dever de analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos decisivos para a convicção adquirida – artº 653º, nº 2 -, de forma a poder controlar-se a razoabilidade daquela convicção, e tendo presente que a impugnação da matéria de facto não importa a realização de um novo julgamento, nem afasta o princípio da livre apreciação da prova pelo julgador da 1ª instância, que é indissociável da oralidade, imediação e concentração em que decorre a audiência, que àquele permite, usando as regras da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica, aperceber-se e apreender os diversos aspectos relevantes para a formação da convicção, que não estão ao alcance de quem não está em contacto directo e imediato com as testemunhas ou depoentes, não se vislumbram razões que determinem a alteração, por erro grosseiro ou manifesto, dos pontos da matéria de facto postos em crise. Procedência da acção. Entende ainda a apelante que, mesmo sem a pretendida alteração da decisão da matéria de facto, a acção teria que proceder porque fundamentou, antes de mais, o seu pedido no facto do R. ter deixado passar o prazo legal de 60 dias para apresentar em juízo a impugnação da decisão da pena de demissão que lhe tinha sido aplicada. Todavia, também nesta questão não procede a apelação. Resultando, indubitavelmente, dos factos provados que entre A. e R. foi celebrado um contrato de mandato, por virtude do qual uma das partes, o R. (mandatário) se obrigou para com a outra, a A. (mandante), a realizar no seu interesse um ou mais actos jurídicos (artº 1157º do CCivil), o incumprimento ou o cumprimento imperfeito ou defeituoso da prestação do R. (mandatário) não se analisa pelo improcedência da pretensão da A., mas, sim, pela omissão dos actos tendentes (de acordo com as regras profissionais da respectiva actividade) a produzir tal resultado, ou, na prática, de actos inadequados à obtenção do desiderato pretendido. Assim, porque se trata de uma obrigação de meios e não de resultados, a não obtenção do resultado pretendido pelo mandante não só não constitui critério para a aferição da pontualidade do cumprimento da obrigação pelo mandatário, como também pode não consubstanciar um dano imputável a este, caso tenha cumprido pontualmente a sua obrigação. Quanto à natureza da responsabilidade do advogado, como se refere no Ac. deste Tribunal e Secção proferido no processo nº 1945.06, que neste aspecto se segue, discute-se se a responsabilidade civil profissional do advogado é de natureza contratual, extracontratual ou mista, discussão que não é despicienda já que são diferentes os regimes em questões como, por exemplo, quanto ao ónus da prova (artigos 799º e 487º do CCivil) e da prescrição (artigos 309º e 498º, ambos do mesmo Código). Os que defendem a primeira tese argumentam que ela resulta de um contrato «sui generis», atípico ou inominado porque a culpa atribuível ao advogado consiste na falta de uma obrigação de conselho, de informação, de prudência ou de diligência, sem relação com qualquer contrato definido no Código Civil. A responsabilidade civil do advogado seria sempre a contratual em relação aos seus clientes, sendo extracontratual em relação a terceiros (cfr. Yves Avril, La responsabilité de l’avocat, pág. 4, citado por Moitinho de Almeida, Responsabilidade Civil dos Advogados, Coimbra, 1985, págs. 10 e 11). Os que perfilham a segunda doutrina, como é o caso, entre nós, do Dr. António Arnaut (Iniciação à Advocacia, 3ªed., Coimbra, 1996, págs. 114-119) baseiam-se no carácter público da actividade forense e na violação dos deveres que, legalmente, lhe são exigíveis. O Autor acabado de citar, justifica a sua adesão à segunda daquelas posições, por várias razões. A primeira, emerge, desde logo, do facto do art. 1161º do Código Civil (que estabelece as obrigações do mandatário), não se aplicar, manifestamente, ao mandatário forense, pois já o Código Civil de 1867 continha uma regra específica quanto aos procuradores e advogados, responsabilizando-os por «perdas e danos» no caso de abandono do mandato sem tomarem as providências ali prescritas (art. 1362º). A segunda razão, resulta de que a fonte das obrigações contraídas pelo advogado para com o cliente, não é o instrumento notarial ou particular que o habilita a representá-lo, mas a violação dos deveres deontológicas previstos no art. 83º do E.O.A., designadamente, nas alíneas c), d), e), g), h), i) e j) do n.º1. É dessa violação que promana a sua responsabilidade de indemnizar os danos que, culposamente, causa ao constituinte. Tanto isto é exacto que o cliente, ao passar a procuração, ou incumbir o advogado de qualquer assunto, sabe em regra, que ao fazê-lo, o advogado está sujeito aos deveres ético-profissionais decorrentes da sua função, não lhe impondo um dever concreto de agir deste ou daquele modo, como sucede com o vulgar procurador. O advogado deve apenas actuar segundo a sua consciência, a praxe forense e a «leges artis». Finalmente, sendo a advocacia uma actividade de eminente interesse público, a responsabilidade civil decorrente do seu exercício só pode resultar da infracção de deveres deontológicos estabelecidos, justamente, em nome daquele interesse. E é, por isso, que a responsabilidade civil do advogado acompanha sempre a sua responsabilidade disciplinar, pois esta é o pressuposto e o fundamento daquela.”. Finalmente, os que adoptam a teoria da concorrência de ambas as responsabilidades, que é a maioria dos autores, fundamentam-se em que o mesmo acto ou omissão do advogado pode constituir responsabilidade contratual ou extracontratual, havendo que fixar, em cada caso concreto, qual o regime jurídico a adoptar (cfr., neste sentido, L.P. Moitinho de Almeida, A Responsabilidade, cit., pág.13, Cunha Gonçalves, Tratado de Direito Civil, ed. de 1937, tomo XII, pág. 762. Esta última teoria é a mais conforme ao Direito e às realidade da vida. Como escreve Moitinho de Almeida, obra citada, pág. 10, “O contrato existente entre o advogado e o cliente é o de mandato com representação, quer haja quer não haja, procuração constante de instrumento, o qual só é indispensável nos termos do artigo 262º, n.º2, do Código Civil, quando tenha de revestir a forma exigida para o negócio que o procurador tenha de realizar (Cód. Civil, arts. 1157º, 1178º, 258º e 262º).”. Se o advogado não cumpre ou cumpre defeituosamente as obrigações que lhe advém do exercício do mandato que firmou com o constituinte, tacitamente ou com procuração, incorre em responsabilidade civil contratual para com ele; se o advogado praticou facto ilícito lesivo dos interesses do seu constituinte, já a sua responsabilidade civil para com o mesmo constituinte é extracontratual ou aquiliana. No mesmo sentido se pronunciam diversos arestos dos nossos tribunais superiores de que são exemplos, entre outros, os Acs. do STJ de 24/11/1987, BMJ 371, pág. 444, de 30/5/95, CJSTJ, Tomo II, pág. 119, deste Tribunal de 4/2/1992, CJ, Tomo I, pág. 223, e, também deste Tribunal de 10/7/97, proc.º n.º 9520437, de 19-10-1999, proc.º n.º 9920902, e de 7/12/99, proc.º n.º 9921245, da RC de 12/10/99, proc.º n.º 1646/99, e do S.T.J. de 6/4/00, proc.º n.º 00B160, todos em www.dgsi.pt.. Do exposto se conclui que, a haver responsabilidade civil do R., derivada da não instauração tempestiva do recurso contencioso, tal responsabilidade é, manifestamente, contratual. Regressando, então, ao caso dos autos, há que sublinhar, desde logo, que não está demonstrado, dado que foi invocada a inconstitucionalidade de várias normas do Estatuto do COJ, que a violação de tais normas constitua apenas anulabilidade do acto, e não nulidade, e que as decisões jurisdicionais fossem todas no sentido da anulabilidade, o que teria efeitos na apreciação da excepção da caducidade do direito de recurso contencioso por extemporaneidade. Mas, ainda que se entenda que sim, e se admita que se o R. houvesse interposto atempadamente o recurso, daí não se infere que à A não viesse a ser aplicada a pena de demissão pelo órgão competente para o efeito, face à posterior publicação do DL nº 96/02, de 12 de Abril, mesmo que as normas fossem declaradas inconstitucionais em eventual recurso para o Tribunal Constitucional e mesmo perante o acórdão com força obrigatória geral a declarar a inconstitucionalidade dessas normas, como resulta dos factos provados. É que, como defendido em várias decisões do STA (cfr. nomeadamente os Acs. de 7/2/06, procº nº 0269/03, e de 13/01/2005, Procº nº 0694/04, ambos em www.dgsi.pt., o primeiro dos quais se segue e em parte transcreverá), a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas do Estatuto dos Funcionários de Justiça (EFJ) aprovado pelo DL nº 343/99, de 26 de Agosto, não implica que não pudessem ser aproveitados todos os actos procedimentais com excepção da decisão do COJ, com posterior aplicação da sanção pelo órgão competente para o efeito. Como se escreve nesses arestos, a declaração de inconstitucionalidade não atingiu a totalidade das normas do EFJ mas apenas “a parte em que delas resulta a atribuição ao Conselho dos Oficiais de Justiça da competência para apreciar o mérito e exercer a acção disciplinar relativamente aos oficiais de justiça”. Na sequência do julgamento de inconstitucionalidade das referidas normas o legislador, “independentemente da solução definitiva que venha a ser consagrada em sede constitucional,” sentiu necessidade de evitar “uma situação de profunda instabilidade e insegurança” e através do DL 96/02, procedeu a uma “imediata redefinição de competências quanto à apreciação do mérito profissional e ao exercício do poder disciplinar sobre os oficias de justiça, que vem sendo exercida pelo Conselho Superior dos Oficiais de Justiça, por forma a que estas percam a sua natureza de competências exclusivas e admitam, em qualquer caso, uma decisão final do conselho superior competente de acordo com o quadro de pessoal que integram.” – cfr. preâmbulo do referido diploma. Tais intenções reflectiram-se na nova redacção dos preceitos do Estatuto dos Oficiais de Justiça que haviam sido julgados inconstitucionais, os quais passaram a estatuir o seguinte : Art.º 98.º “O Conselho dos Oficiais de Justiça é o órgão que aprecia o mérito profissional e exerce o poder disciplinar sobre os oficiais de justiça sem prejuízo da competência disciplinar atribuída a magistrados e do disposto no n.º 2 do art.º 68.º”. Art.º 111.º “Compete ao Conselho dos Oficiais de Justiça : 1. - ....... a) Apreciar o mérito profissional e exercer o poder disciplinar sobre os oficiais de justiça, sem prejuízo da competência disciplinar atribuída a magistrados e do disposto no n.º 2 do art.º 68.º. b) ...... 2. – O Conselho Superior da Magistratura, o Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais e o Conselho Superior do Ministério Público, consoante os casos, têm o poder de avocar bem como o poder de revogar as deliberações do Conselho dos Oficiais de Justiça proferidas no âmbito do disposto na al. a) do número anterior.” E, prosseguindo o mesmo desígnio, foi dada uma nova redacção ao art.º 118.º do mesmo Estatuto que passou a dispor como se segue: “1. - ..... 2. Das deliberações do Conselho dos Oficiais de Justiça proferidas no âmbito do disposto nas al.s a) e b) do n.º 1 do artigo 111.º, bem como das decisões dos presidentes dos Tribunais proferidas ao abrigo do n.º 2 do art.º 68.º, cabe recurso, consoante os casos para o Conselho Superior da Magistratura, para o Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais ou para o Conselho Superior do Ministério Público, a interpor no prazo de 20 dias úteis.” Poderia ser aplicado o novo quadro legal, aos processos disciplinares em que a punição foi anulada por ter sido proferido à luz das normas declaradas inconstitucionais? Poderia aproveitar-se tudo o que fora feito no processo disciplinar, antes da decisão punitiva? A resposta a ambas as questões é claramente afirmativa. O quadro legal à sombra do qual o acto foi praticado foi julgado inconstitucional e, por isso, só o novo quadro legal poderia ser aplicado na execução do julgado. Não teria sentido outra solução. Defender que um novo acto só poderia ser proferido à luz do regime jurídico vigente à data da sua emissão, é, neste caso, absurdo – pois o vício do acto radicava na lei aplicada e aplicável (inconstitucionalidade). Como refere Freitas do Amaral, a “competência para a execução deve ser determinada, não pela consideração do acto impugnado no processo contencioso, mas sim pela consideração dos actos em que houver de consistir a própria execução da sentença. Sabe-se com efeito, que a execução se traduz na prática de um conjunto de actos administrativos e de operações materiais, precisamente aqueles que se mostrem necessários para obter a reintegração efectiva da ordem jurídica violada: pois competente para a execução da sentença será, quanto a nós, quem for competente para a prática dos actos e das operações em que a execução deva consistir” – A execução das Sentenças dos Tribunais Administrativos, 2ª Edição, Coimbra, 107. Por outro lado, as regras sobre competência são imediatamente aplicáveis, valendo mesmo na execução do julgado anulatório. É competente para executar o julgado, quem detiver as atribuições na data da execução – cfr. art. 174º, 3 do CPTA. Não há, pois, qualquer obstáculo a que, sendo possível praticar um novo acto punitivo, o mesmo seja proferido pelas entidades competentes na data da sua emissão. Ora, como facilmente se demonstrará, também o procedimento disciplinar anterior à decisão anulada pode e deve ser aproveitado, na justa medida em que a anulação do acto o não afecte. A nova lei, no que respeita ao procedimento disciplinar veio alterar a fase da decisão final, acabando com a competência exclusiva do COJ, consagrando a existência de um recurso das suas deliberações, bem como a possibilidade de avocação do processo e o poder de revogação pelos dos Conselhos Superiores das Magistraturas. A entrada em vigor da lei nova, implica assim sua aplicação aos processos pendentes, onde ainda não tenha sido proferida a decisão final, isto é a todos os processos onde ainda seja possível uma intervenção do COJ, sem competência exclusiva, e onde seja dada a possibilidade de recurso para os referidos Conselhos Superiores das Magistraturas. A anulação da decisão final faz com que esta desapareça da ordem jurídica. A supressão da decisão final vai reconduzir o procedimento ao momento ontologicamente anterior à ilegalidade cometida e que serviu de fundamento à anulação. No presente caso, a anulação do acto radicou na inconstitucionalidade da regra que atribuiu competência punitiva exclusivamente ao COJ. A anulação faz retroceder o procedimento até ao momento anterior a essa decisão. Só essa decisão (anulada) e os actos subsequentes afectados por tal anulação são suprimidos da ordem jurídica. Os actos anteriores não são afectados por tal invalidade. Podemos concluir, deste modo, que não havia qualquer obrigação de repetição dos actos procedimentais anteriores à decisão anulada, porque o vício que fundamentou a anulação apenas atingia esta. O processo disciplinar anterior à decisão anulada não foi afectado pela anulação. Assim a decisão recorrida deve ser encarada como a decisão final do procedimento disciplinar que serviu para preparar a decisão anulada. Deste entendimento resulta que da declaração de inconstitucionalidade das normas do EFJ não se seguiria que os actos praticados pela A. no exercício das suas funções enquanto funcionária judicial ficassem sem sanção. Agravo. Face ao que se referiu supra àcerca do conhecimento do agravo, e uma vez que ele não tem um interesse autónomo para o agravante, ora apelado, fica prejudicado o seu conhecimento, uma vez que a sentença foi confirmada. III. DECISÃO. Pelo exposto, acordam os juizes que constituem esta Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em não tomar conhecimento do agravo interposto pelo R. e julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida. * Sem custas o agravo, suportando a apelante as da apelação.* Porto, 01 de Junho de 2006António do Amaral Ferreira Deolinda Maria Fazendas Borges Varão Ana Paula Fonseca Lobo |