Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
213/10.7TTBRG.P1
Nº Convencional: JTRP00044023
Relator: FERREIRA DA COSTA
Descritores: DESPEDIMENTO
IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
REGULARIDADE
ILICITUDE
Nº do Documento: RP20100614213/10.7TTBRG.P1
Data do Acordão: 06/14/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: PROVIDA.
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO.
Área Temática: .
Sumário: I – O CPT2010 criou a acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, que segue os termos do processo especial previsto nos Art.ºs 98.º-B a 98.º-P, em que o articulado inicial é da autoria do empregador.
II – Visou o legislador possibilitar ao empregador o cumprimento acrescido do ónus da prova da justa causa de despedimento, face à consagração do carácter facultativo, ou menos gravoso, da instrução do procedimento disciplinar.
III – Ocorrendo o despedimento em 2009, no culminar de procedimento disciplinar em que a instrução era obrigatória, nenhuma razão existe para a aplicação do processo especial, pois em relação a ele não se coloca qualquer ónus acrescido de prova para o empregador, pelo que é de aplicar o processo comum, tal como sucederia se o A. tivesse intentado a acção em 2009, só que agora será de aplicar o CPT2010, por a acção ter sido proposta em 2010 e a lei processual ser de aplicação imediata.
IV – Assim, o Tribunal a quo, em vez de ter ordenado o arquivamento dos autos por considerar que a petição inicial traduz erro na forma de processo, deveria ter aceite o articulado oferecido pelo A. e ordenado o prosseguimento dos actos processuais correspondentes ao processo comum pelo que, não o tendo feito, deve o despacho ser revogado, em conformidade.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Reg. N.º 696
Proc. N.º 213/10.7TTBRG.P1

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:


B………. deduziu em 2010-02-23 a presente acção declarativa, emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum, contra C………., S.A. pedindo que seja declarado ilícito o seu despedimento e que esta seja condenada a pagar-lhe uma indemnização, correspondente a 45 dias de remuneração de base e diuturnidades por cada ano de antiguidade ou fracção, bem como a pagar-lhe a importância correspondente às retribuições que deixou de auferir desde 30 dias antes da data da propositura da acção até ao trânsito em julgado da decisão que sobre ela recair, para além de retribuição pela prestação de trabalho suplementar, sendo tudo acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.
Alega, para tanto e em síntese, que tendo sido admitido ao serviço da R. em 2007-08-06 para exercer as funções de “Chefe de Secção”, mediante a retribuição que descreve, foi despedido em 2009-03-07, sem justa causa e mediante procedimento disciplinar inválido. Mais alega que durante os anos de 2008 e 2009 prestou trabalho à R. para além do horário normal de trabalho, pelo que reclama o pagamento do trabalho suplementar prestado.
Em 2010-02-25 foi proferido o seguinte despacho:
“O Autor, B………, casado, actualmente desempregado, residente na Praça …., n° .., .. ° .. …, Braga, intentou a presente acção declarativa emergente de contrato de trabalho sob a forma de processo declarativo comum contra "C…….., S.A.", com sede no ……., Lugar de ….., Fafe.
Com a presente acção pretende o Autor impugnar a decisão de despedimento que culminou o processo disciplinar que a Ré lhe instaurou em 02/02/2009, e cuja decisão final lhe foi comunicada em 07/03/2009. Ora, pese embora o processo disciplinar tivesse corrido em 2009, o Autor esperou por 2010 para impugnar aquele despedimento, uma vez que a presente acção deu entrada apenas em 23 do corrente mês de Fevereiro.
Nessa data já estava em vigor o DL nº 295/2009, de 13 de Outubro que alterou o Código de Processo do Trabalho (cfr. artigo 9°, n° 1 do referido diploma), sendo certo que "as normas do Código de Processo do Trabalho com a redacção dada pelo presente decreto-lei aplicam-se às acções que se iniciem após a sua entrada em vigor".
Desta feita, se entrou no dia 23 de Fevereiro já lhe é aplicável o novo Código de Processo Civil[1], alterado pelo referido Decreto-Lei.
Acontece que no "novo" Código de Processo do Trabalho está prevista uma tramitação especial para a "acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento", que se inicia com a entrega pelo trabalhador, junto do tribunal competente, de requerimento em formulário electrónico ou em suporte de papel, do qual conste declaração do trabalhador de oposição ao despedimento, que apenas será dispensada se tiver sido apresentada providência cautelar de suspensão preventiva do despedimento (cfr. 98°-C, nºs 1 e 2 do Código de Processo do Trabalho, aprovado pelo referido DL nº 295/2009, de 13 de Outubro).
Assim, no caso dos autos, quem terá de apresentar um articulado para motivar o despedimento é o empregador que, para esse efeito, será notificado, em caso de frustração da tentativa de conciliação na audiência de partes (cfr. artigo 98°-I, nº 4, alínea a) do novo Código de Processo de Trabalho).
Ao trabalhador, ora Autor, para já, apenas cumprirá entregar na secretaria deste Tribunal o formulário referido no artigo 98°-D do novo CPT.
Desta feita, ocorre erro na forma de processo, que implica a anulação de todos os actos praticados, que, no caso, se resumem à entrega da petição inicial e documentos anexos (cfr. artigo 199° do Código de Processo Civil).
Em face do exposto, julgando nula a petição ora apresentada, ordeno o arquivamento dos autos.”
Inconformado com o assim decidido, veio o A. interpôr recurso de apelação, pedindo a revogação do despacho, tendo formulado a final as seguintes conclusões :

A) Vem o presente recurso interposto da decisão que julgou a petição inicial interposta pelo recorrente nula, por erro na forma de processo e ordenou o arquivamento dos autos;
B) Para decidir, como decidiu, entendeu o Tribunal a quo que o recorrente deveria ter impugnado o despedimento de que foi alvo através do formulário referido no artv 98º-D do Código de Processo do Trabalho;
C) Afigura-se que a douta decisão recorrida não fez correcta aplicação e interpretação dos preceitos legais atinentes;
D) Dos autos resulta que o ora recorrente, por não se conformar com a decisão disciplinar de despedimento aplicado em 07/03/2009, intentou, em 23/02/2010 acção emergente de relações de trabalho subordinado sob a forma comum;
E) A acção especial para a impugnação judicial da regularidade e licitude de despedimento prevista no artº 98º-C do CPT apenas se aplica às situações previstas no art° 387° do Código do Trabalho aprovado pela Lei 7/2009, de 12/02;
F) Nos termos do nº 14º da Lei 7/2009, de 12/02, o supra referido artº 387º do C.T apenas entrou em vigor em 01/01/2010, data em que entrou em vigor a revisão do Código de Processo do Trabalho;
G) Entendemos, assim que o novo processo especial regulado nos artvs 98º-B e ss. do CPT apenas terá aplicação nos despedimentos ocorridos após a entrada em vigor do C.P.T;
H) A reforçar o entendimento supra referido, saliente-se que a alínea b), do nº 5, do artº 7° da lei 7/2009, de 12/02 expressamente refere que o C.T./2009 não se aplica às situações constituídas antes da sua entrada relativamente a prazos de prescrição e caducidade;
I) Assim, atendendo que o recorrente foi despedido em 07/03/2009, não lhe é aplicável o prazo de caducidade previsto no artº 387º, nº 2 do C.T./2009 e, por maioria de razão não lhe é exigido que o despedimento seja impugnado "mediante a apresentações de requerimento em formulário próprio";
J) Pelas razões aduzidas supra, conclui-se quer que a forma adequada para impugnar o despedimento do ora recorrente é a forma de processo comum prevista nos artvs 49° e 51º, e ss. do Código de Processo do Trabalho;
K) Afigura-se, assim, que a decisão recorrida não interpretou e aplicou correctamente os preceitos legais atinentes, nomeadamente os artºs 435º, nº 2 da Lei 99/2003, de 27/08, artº 7º, nº 5 e 14°, ambos da Lei 7/2009, de 12/02, artºs 48°, nº 2, 49°, nº 1, 54° e ss, 98º-B, 98º-C, 98°-D, estes do Código de Processo do Trabalho.
L) Nestas circunstâncias deve a decisão recorrida ser revogada.

A Exm.ª Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta, nesta Relação, emitiu douto parecer no sentido de que a apelação merece provimento.
Recebido o recurso, elaborado o projecto de acórdão e entregues as respectivas cópias aos Exm.ºs Juízes Desembargadores Adjuntos[2], foram colhidos os vistos legais.

Cumpre decidir.

Estão provados os factos constantes do relatório que antecede.

Fundamentação.
Sendo pelas conclusões do recurso que se delimita o respectivo objecto[3], como decorre do disposto nos Art.ºs 684.º, n.º 3 e 685.º-A, n.º 1, ambos do Cód. Proc. Civil, na redacção que lhe foi dada pelo diploma referido na nota (2), ex vi do disposto no Art.º 87.º, n.º 1 do Cód. Proc. do Trabalho de 2010[4], salvo tratando-se de matérias de conhecimento oficioso de que o Tribunal ad quem pode conhecer por sua iniciativa, a única questão a decidir nesta apelação consiste em saber se deve ser revogado o despacho acima transcrito.
Vejamos.
Tendo o A. sido despedido - por escrito - em 2009 e proposto a acção em 2010, coloca-se a questão de saber se a pretensão deve ser actuada através de processo especial ou através de processo comum, previstos no CPT2010, respectivamente, Art.ºs 98.º-B e ss. ou 49.º e 51.º e ss. pois, sendo acolhido o primeiro termo da alternativa, o meio processual próprio é o requerimento formulário e sendo acolhido o segundo, o meio processual próprio é a petição inicial.
Vejamos.
“...[5] Desde o Livro Branco das Relações Laborais[6], passando pelo acordo de concertação social celebrado entre o Governo e os parceiros sociais para a reforma das relações laborais, de 25 de Junho de 2008, até ao Cód. do Trabalho de 2009 [CT2009] e sem esquecer, quer a lei de autorização de alteração do Cód. Proc. do Trabalho [CPT2010], quer o proémio do Decreto-Lei pelo qual este código foi alterado, que existiu o propósito claro de criar uma acção, com processo especial, de impugnação do despedimento individual, efectuado por escrito, com o objectivo de fazer corresponder a tramitação de tal acção - de impugnação do despedimento - às regras sobre o ónus da prova da justa causa e isto no seguimento das alterações propostas para a simplificação do procedimento.
Tal desiderato consta do LBRL, ponto 4.2.1, pág. 110.
No entanto, o sentido da alteração é mais vasto, como logo se verifica no ponto 4.2.3., pág. 111, na redacção proposta para substituir o disposto no Art.º 435.º do Cód. do Trabalho de 2003, donde resulta que o prazo de caducidade de propositura da acção será reduzido de 1 ano para 60 dias, a contar da recepção da comunicação do despedimento. Só que, assim, para além de se reduzir drasticamente o prazo de caducidade da acção, está-se também a restringir o número de casos em que o despedimento é impugnado através desta acção, pois ela apenas abrange aquelas hipóteses em que o despedimento foi formalmente comunicado, o que significa, por outro lado, que se trata de despedimentos provados, assumidos como tal pelo empregador, em que o trabalhador não tem, a este nível, qualquer ónus da prova para cumprir. Significa também que apenas o empregador o tem e que consiste na demonstração da justa causa do despedimento ou dos fundamentos da extinção do posto de trabalho ou da inadaptação do trabalhador.
Ora, a necessidade de criação de tal acção de impugnação do despedimento, visando adequar a tramitação do respectivo processo às regras sobre o ónus da prova da justa causa, resultou das alterações propostas para a simplificação do procedimento disciplinar, as quais arrancaram da consideração de que a instrução, neste levada a cabo, de nada serviria, na medida em que, tratando-se de processo interno à empresa, toda a prova sempre teria de ser repetida em Tribunal, de forma contenciosa.
Tal desvalorização do procedimento levou o LBRL a propôr[7]:
- Quer o fim da obrigatoriedade da instrução, pelo que o empregador apenas procede às diligências de prova requeridas pelo trabalhador na resposta à nota de culpa, se assim o entender, salvo tratando-se de trabalhadoras protegidas – grávidas, puérperas ou lactantes – [o trabalhador em gozo de licença parental ainda não entrava no elenco dos trabalhadores protegidos] e, mesmo nestes casos, a omissão das diligências de prova não conduz à invalidade do procedimento, como acontecia no CT2003, mas à sua mera irregularidade;
- Quer a obrigatoriedade de sobrestar na decisão de despedir, durante 5 dias úteis, se o empregador tiver decidido não proceder à instrução, isto é, tendo decidido não inquirir as testemunhas arroladas pelo trabalhador na resposta à nota de culpa ou proceder a outras diligências requeridas na mesma peça, recebida esta ou depois da junção do parecer a que haja lugar, o empregador tem de observar um prazo de reflexão de 5 dias úteis, só podendo decidir da ocorrência de justa causa depois de exaurido tal prazo. Trata-se, de algum modo, do retorno à solução consagrada em três versões da lei dos despedimentos[8].
Tais propostas obtiveram consagração legal no CT2009, a primeira no Art.º 356.º, n.º 1, que dispõe
Cabe ao empregador decidir a realização das diligências probatórias requeridas na resposta à nota de culpa e a segunda, no Art.º 357.º, n.º 3, que dispõe,
Se o empregador optar por não realizar as diligências probatórias requeridas pelo trabalhador, a decisão só pode ser tomada depois de decorridos cinco dias úteis após a recepção dos pareceres dos representantes dos trabalhadores, ou o decurso do prazo para o efeito ou, caso não exista comissão de trabalhadores e o trabalhador não seja representante sindical, após a recepção da resposta à nota de culpa ou o decurso do prazo para este efeito.
No entanto, o CT2009, para além de manter a figura da invalidade do procedimento, como acontecia no CT2003, criou a figura nova da irregularidade do procedimento, quando o empregador não observa o prazo de reflexão de 5 dias úteis e quando não procede às diligências de instrução no caso de trabalhores protegidos – grávidas, puérperas ou lactantes e trabalhadores em gozo de licença parental – como se vê do disposto no Art.º 356.º, que dispõe:
2 — Se o despedimento respeitar a trabalhadora grávida, puérpera ou lactante ou a trabalhador no gozo de licença parental, o empregador, por si ou através de instrutor que tenha nomeado, deve realizar as diligências probatórias requeridas na resposta à nota de culpa, a menos que as considere patentemente dilatórias ou impertinentes, devendo neste caso alegá-lo fundamentadamente por escrito.
3 — Quando haja lugar à instrução requerida pelo trabalhador, o empregador não é obrigado a proceder à audição de mais de três testemunhas por cada facto descrito na nota de culpa, nem mais de 10 no total.
E no Art.º 389.º, n.º 2 que dispõe:
No caso de mera irregularidade fundada em deficiência de procedimento por omissão das diligências probatórias referidas nos n.ºs 2 e 3 do artigo 356.º, ou a inobservância do prazo referido no n.º 3 do artigo 357.º, se forem declarados procedentes os motivos justificativos invocados para o despedimento, o trabalhador tem apenas direito a indemnização correspondente a metade do valor que resultaria da aplicação do n.º 1 do artigo 391.º.
Ora, se para a generalidade dos trabalhadores é facultativa a instrução do respectivo procedimento disciplinar e se, mesmo relativamente àqueles em que ela é obrigatória, a sua omissão não gera a invalidade do procedimento, mas a sua mera irregularidade, [com a consequência de que está excluída a reintegração na empresa, prevista no CT2003 e a indemnização de antiguidade é reduzida a metade], a necessidade de cumprir o ónus da prova relativamente à justa causa na acção de impugnação do despedimento, por parte do empregador, acentua-se. Na verdade, como já se referiu, o trabalhador não tem qualquer ónus a cumprir, relativamente ao despedimento, pois ele foi-lhe comunicado, por escrito, pelo empregador, mas este, não tendo procedido à instrução, quer por ter exercido a faculdade legal, no caso da generalidade dos trabalhadores, quer por ter omitido as diligências de prova, no caso dos trabalhadores protegidos – grávidas, puérperas ou lactantes e trabalhador em gozo de licença parental – tem necessidade de fazer a prova da justa causa do despedimento.
É neste enquadramento que surge a acção de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, com processo especial.
Na verdade, dispõe a propósito o Art.º 387.º, n.º 2 do CT2009:
O trabalhador pode opor-se ao despedimento, mediante apresentação de requerimento em formulário próprio, junto do tribunal competente, no prazo de 60 dias, contados a partir da recepção da comunicação de despedimento ou da data de cessação do contrato, se posterior, excepto no caso previsto no artigo seguinte, o qual respeita ao despedimento colectivo, em que o prazo de caducidade da acção de impugnação se manteve nos 6 meses – cfr. Art.º 388.º, n.º 2 do CT2009.
E, no desenvolvimento de tal norma - o Art.º 387.º, n.º 2 do CT2009 - no plano processual, pela Lei n.º 76/2009, de 13 de Agosto, foi o Governo autorizado a, nomeadamente:
n) Criar uma acção declarativa de condenação com processo especial para impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, de natureza urgente, que admite sempre recurso para a Relação, aplicável aos casos em que seja comunicada por escrito ao trabalhador a decisão de despedimento individual, seja por facto imputável ao trabalhador, seja por extinção do posto de trabalho, seja ainda por inadaptação.
Por outro lado, como se refere no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 295/2009, de 13 de Outubro, que alterou o CPT2010,
“Nestes casos [do processo especial], a acção inicia-se mediante a apresentação pelo trabalhador de requerimento em formulário próprio, junto da secretaria do tribunal competente, no prazo de 60 dias previsto no n.º 2 do artigo 387.º do CT...” e
“Todas as demais situações continuam a seguir a forma de processo comum e ficam abrangidas pelo regime de prescrição previsto no n.º 1 do artigo 337.º do CT.”
Assim, sendo o despedimento declarado por escrito pelo empregador, a acção de impugnação segue os trâmites do processo especial e nos outros casos – por exemplo, despedimento declarado pelo empregador, mas verbalmente, cessação de contrato em que as partes divergem sobre a sua qualificação como contrato de trabalho ou de prestação de serviços ou se a forma de cessação foi o despedimento ou a caducidade de contrato a termo – segue a tramitação do processo comum.
Daí que não seja a existência de procedimento disciplinar que marque a diferença, pois será de observar o processo especial nas hipóteses em que o empregador declarou o despedimento por escrito, mas não elaborou o procedimento e será de observar o processo comum nos casos em que, apesar de ter elaborado o procedimento prévio, o empregador comunicou o despedimento verbalmente ou adoptou uma conduta que possa ser entendida como correspondendo a um despedimento individual.
Cre[io]mos que isto acontece como corolário do que anteriormente se referiu: o processo especial está pensado para as situações em que o trabalhador não tem, relativamente ao despedimento em si, qualquer ónus da prova para cumprir. Ao contrário, acentua-se a necessidade de criar os meios processuais que possibilitem ao empregador a prova da justa causa do despedimento, face à desvalorização do procedimento disciplinar, em que a instrução é, por via de regra, facultativa, sem necessidade de fundamentação da respectiva decisão e, quando obrigatória, a sua omissão não conduz à invalidade do procedimento, mas à sua mera irregularidade...”
Por outro lado, o problema da aplicação da lei no tempo está a dividir, quer a doutrina, quer a jurisprudência.
“…O quadro normativo que serve de fundamento à divisão de opiniões é o seguinte:
Art.º 6.º do Decreto-Lei n.º 295/2009, de 13 de Outubro:
As normas do Código de Processo do Trabalho com a redacção dada pelo presente decreto-lei aplicam-se às acções que se iniciem após a sua entrada em vigor.
Art.º 9.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 295/2009, de 13 de Outubro:
O presente decreto-lei entra em vigor em 1 de Janeiro de 2010...
Face a tais normas, entendem alguns que, ocorra o despedimento em 2009 ou depois, desde que comunicado por escrito, sendo o processo especial de aplicação imediata, é ele que deverá ser aplicado. Alegam, para tanto, que tal decorre do princípio de que a lei adjectiva é de aplicação imediata, o qual só pode ser derrogado por vontade do legislador, o qual não estabeleceu qualquer restrição, que os prazos de caducidade e de prescrição não são de conhecimento oficioso, que tendo ocorrido o despedimento em 2009, até ao fim de Fevereiro de 2010 o trabalhador sempre teria dois prazos para actuar e que, sendo o despedimento decretado em 2009 e sendo a acção proposta em 2010, através do processo especial, este não é um meio processual manifestamente impróprio mas, se o juiz vier a considerar o contrário, sempre poderá absolver o empregador da instância e informar o trabalhador do prazo que lhe resta para intentar a acção de processo comum.
Entendem outros que, regendo o CPT2010 todas as acções intentadas depois de 2010-01-01, os casos dos despedimentos decretados em 2009 devem ser actuados através do processo comum, tendo o prazo de caducidade de um ano para o fazer. Tal decorrerá do regime transitório constante do Art.º 7.º, n.º 5, alíneas b) e c) da Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, que dispõem que o regime estabelecido no CT2009 não se aplica a situações constituídas ou iniciadas antes da sua entrada em vigor, nomeadamente, tratando-se de prazos de caducidade e de prescrição e de procedimentos para a cessação do contrato de trabalho.
O processo especial estaria assim reservado para as acções intentadas depois de 2010-01-01, desde que o despedimento tenha sido comunicado por escrito ao trabalhador em data também posterior, assim se entendendo a razão pela qual o legislador deferiu para a referida data a entrada em vigor das disposições relativas ao procedimento para despedimento individual.
Ora, pensando nas considerações feitas no início acerca do escopo do legislador quando criou o processo especial, talvez se possa dar algum contributo para o debate que está instalado.
O processo legislativo, digamos assim, iniciado com o LBRL pretendeu tornar facultativa a instrução ou, nos casos de obrigatoriedade, diminuir as consequências da sua omissão, criando a figura da irregularidade procedimental, na ideia de que a prova produzida no procedimento de pouco ou nada valia frente à necessidade de a repetir contenciosamente em juízo. Criou, entâo, um processo célere, em que o despedimento está declarado por escrito, não tendo o trabalhador de fazer a prova de tal, por estar inequivocamente declarado, mas tendo o empregador uma espécie de ónus acrescido de prova, a efectuar no processo especial, pois não procedeu a instrução no procedimento.
As normas do CT2009, a esta matéria respeitantes, não entraram em vigor em 2009-02-17, mas em 2010-01-01, ao par do CPT2010, para que o processo especial pudesse cumprir o seu desiderato, sendo todas as outras situações actuadas através do processo comum, como diz o preâmbulo do diploma que reformou o CPT2010.
É isso que explica a razão pela qual o Art.º 12.º, n.º 5 da Lei que aprovou o CT2009 determina que a revogação dos Art.ºs 414.º, 418.º, 430.º e 435.º, 436.º, n.º 2 e 438.º, n.º 1 do CT2003 produz efeitos a partir da entrada em vigor da revisão do CPT e que o Art.º 14.º, n.º 1 da mesma Lei disponha que os Art.ºs 356.º, n.ºs 1, 3 e 4, 358.º, 382.º, 387.º, 388.º, 389.º, n.º 2 e 391.º, n.º 1 entram em vigor na data do início de vigência da legislação que proceda à revisão do CPT, tudo relacionado com o Art.º 98.º-C do CPT2010, cujo n.º 1 começa, dispondo:
“Nos termos do artigo 387.º do Código do Trabalho…”.
De facto, pretendendo-se com a criação do processo especial actuar de forma diversa o cumprimento do ónus da prova em função das alterações introduzidas no procedimento, ao nível da instrução, não faria sentido lançar mão do processo especial num caso em que a justa causa tivesse sido apurada em procedimento em que a instrução fosse obrigatória e determinasse [apenas] a respectiva invalidade, como sucedia no CT2003.
A harmonização levada a cabo entre o regime substantivo e processual, fazendo entrar em vigor na mesma data e em bloco os preceitos respectivos de ambos os diplomas, poderá significar que a acção com processo especial é de aplicar apenas aos despedimentos ocorridos desde 2010-01-01, sendo os restantes actuados pelo processo comum [do CPT2010, embora].[9] “ – fim de citação.
In casu, tendo o despedimento ocorrido em 2009, no culminar de procedimento disciplinar em que a instrução era obrigatória, nenhuma razão existe para a aplicação do processo especial, pois em relação a ele não se coloca qualquer ónus acrescido de prova para o empregador. Ao contrário, é de aplicar o processo comum, tal como sucederia se o A. tivesse intentado a acção em 2009, só que agora é de aplicar o CPT2010, por a acção ter sido proposta em 2010 e a lei processual ser de aplicação imediata.
Assim, o Tribunal a quo, em vez de ter ordenado o arquivamento dos autos por considerar que a petição inicial traduz erro na forma de processo, deveria ter aceite o articulado oferecido pelo A. e ordenado o prosseguimento dos actos processuais correspondentes ao processo comum previsto no CPT2010. Não o tendo feito e embora com o devido respeito por diferente opinião, deve o despacho ser revogado, em conformidade.
Procedem, destarte, as conclusões do recurso.

Decisão.
Termos em que se acorda em conceder provimento à apelação, assim revogando o despacho recorrido que deverá ser substituído por outro que ordene a normal tramitação do processo comum previsto no CPT2010.
Custas pela parte vencida a final.

Porto, 2010-06-14
Manuel Joaquim Ferreira da Costa
António José Fernandes Isidoro
Albertina das Dores N. Aveiro Pereira (vencida conforme declaração de voto)
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Declaração de Voto
Voto vencida, pois entendo que aos despedimentos ocorridos anteriormente a 1.1.2010 é aplicável o regime decorrente da nova acção de impugnação judicial de regularidade e licitude do despedimento, prevista nos artigos 98-B a 98-P, do Código de Processo de Trabalho, ora revisto.
Assim resulta da conjugação dos artigos 9.º, n.º 1 e art.º 6.º do DL 295/2009, de 13 de Outubro, que aprovou aquela revisão e do próprio art.º 142.º do Código de Processo Civil, que consagra o princípio da aplicação imediata da lei processual.
Negaria por isso, provimento ao recurso
PORTO, 2010.06
Albertina das Dores N. Aveiro Pereira
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S U M Á R I O
I – O CPT2010 criou a acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, que segue os termos do processo especial previsto nos Art.ºs 98.º-B a 98.º-P, em que o articulado inicial é da autoria do empregador.
II – Visou o legislador possibilitar ao empregador o cumprimento acrescido do ónus da prova da justa causa de despedimento, face à consagração do carácter facultativo, ou menos gravoso, da instrução do procedimento disciplinar.
III – Ocorrendo o despedimento em 2009, no culminar de procedimento disciplinar em que a instrução era obrigatória, nenhuma razão existe para a aplicação do processo especial, pois em relação a ele não se coloca qualquer ónus acrescido de prova para o empregador, pelo que é de aplicar o processo comum, tal como sucederia se o A. tivesse intentado a acção em 2009, só que agora será de aplicar o CPT2010, por a acção ter sido proposta em 2010 e a lei processual ser de aplicação imediata.
IV – Assim, o Tribunal a quo, em vez de ter ordenado o arquivamento dos autos por considerar que a petição inicial traduz erro na forma de processo, deveria ter aceite o articulado oferecido pelo A. e ordenado o prosseguimento dos actos processuais correspondentes ao processo comum pelo que, não o tendo feito, deve o despacho ser revogado, em conformidade.
________________
[1] Certamente, querer-se-ia ter escrito do Trabalho.
[2] Atento o disposto no Art.º 707.º, n.º 2 do CPC, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, ex vi do disposto nos Art.ºs 11.º, n.º 1 – a contrario sensu – e 12.º, n.º 1, ambos deste diploma.
[3] Cfr. Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, volume V, reimpressão, 1981, págs. 308 a 310 e os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 1986-07-25 e de 1986-10-14 in Boletim do Ministério da Justiça, respectivamente, n.º 359, págs. 522 a 531 e n.º 360, págs. 526 a 532.
[4] Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 295/2009, de 13 de Outubro e de ora em diante designado também por CPT2010.
[5] Segue-se de muito perto o texto [parte] que serviu de base à comunicação que o Relator efectuou em 2010-04-29 na Associação Jurídica de Braga, a convite da respectiva Direcção e subordinada ao tema A Acção de Impugnação Judicial da Regularidade e Ilicitude do Despedimento. As notas de rodapé que se seguem, só agora foram inseridas.
[6] In www.mtss.gov.pt/LivroBrancoDigital.pdf, designado de ora em diante também por LBRL.
[7] Cfr. LBRL, ponto 4.1, págs. 109 e 110.
[8] Cfr. o disposto no Art.º 11.º, n.º 4 do Decreto-Lei n.º 372-A/75, de 16 de Julho [15 dias], o Art.º 11.º, n.º 5 na redacção do Decreto-Lei n.º 84/76, de 11 de Janeiro [15 dias] e Art.º 11.º, n.º 8 na redacção do Decreto-Lei n.º 372-A/75, de 16 de Julho [10 dias].
[9] Cfr. Pedro Romano Martinez, in O Código do Trabalho revisto, O Direito, Ano 141.º, 2009, II, págs. 260-1, nomeadamente, Albino Mendes Baptista, in A nova acção de impugnação do despedimento e a revisão do Código de Processo do Trabalho, Coimbra, 2010, págs. 69 ss., Paulo Sousa Pinheiro, in Curso Breve de Direito Processual do Trabalho, Coimbra, 2010, págs. 140 ss., Susana Silveira, in Da cessação do Contrato de Trabalho Por Facto Imputável ao Trabalhador no Regime Introduzido pela Lei N.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, Julgar, n.º 8, 2009, Coimbra, págs. 85 a 99, José Eusébio Almeida e Duro Mateus Cardoso, in Parecer acerca do Projecto de Alteração do Código de Processo do Trabalho, Boletim Informativo do Conselho Superior da Magistratura, III Série, N.º 2, Outubro de 2009, págs. 210-211, Pedro Freitas Pinto, in A Nova Acção Especial de Impugnação do Despedimento, Trabalho & Segurança Social, Março de 2010, N.º 3, págs. 7 a 10, Paula Dutschmann, in Impugnar o Despedimento – Como?, Trabalho & Segurança Social, Abril de 2010, N.º 4, págs. 15 e 16, Cláudia Santos, in Código de Processo do Trabalho, Principais Alterações, Trabalho & Segurança Social, Outubro de 2009, N.º 10, págs. 10 a 12. Cfr. também o Boletim da Ordem dos Advogados, N.º 64, Março de 2010, pág. 12.