Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0554438
Nº Convencional: JTRP00038424
Relator: PINTO FERREIRA
Descritores: ARRESTO
INDEFERIMENTO LIMINAR
Nº do Documento: RP200510170554438
Data do Acordão: 10/17/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO.
Área Temática: .
Sumário: Se o requerente de providência cautelar de arresto alega ser autor numa acção declarativa de condenação, contra os réus, em que pede o pagamento da quantia de € 174.530,00, por não acabamento de uma obra e a necessidade de reparação desta para que se possa obter a licença de utilização; que os requeridos se dedicam à indústria de construção civil, atravessando sérias dificuldades na venda de imóveis; que lutam com dificuldades financeiras, com dívidas a bancos, particulares e fornecedores; que têm bens mas sobre todos eles incidem hipotecas e penhoras de elevado valor, sendo previsível a sua venda, não deve o requerimento inicial ser indeferido liminarmente com fundamento de que não foram alegados factos que integrem o requisito – “justo receio” de perda da garantia patrimonial.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I – Relatório

Condomínio .........., .........., .........., intentou providência cautelar de arresto contra B.......... e mulher C.........., residentes na R. .........., .........., invocando que intentou acção contra os requeridos pedindo a condenação destes no montante de € 174.530,04, com fundamento em não terem acabado a obra e pela necessidade de reparação dos defeitos, para que os condóminos possam requerer as licenças de utilização, donde o seu crédito.
Por outro lado, os requeridos dedicam-se à indústria de construção civil, com dificuldades na vende de imóveis, lutam com dificuldades financeiras, com dívidas a bancos, particulares e fornecedores, os bens que possuem estão hipotecados, com previsível venda para pagamento dos credores, para além de outro condomínio, este de .........., intentar acção idêntica, donde considerar haver necessidade de acautelar o seu crédito e existir receio de perda de garantia patrimonial.
Pede que a providência seja decretada sem audição dos requeridos.
Profere-se decisão em que se indefere a providência por considerar ser manifesta a ausência de factos concretos reveladores do justo receio.
Inconformado recorre o requerente.
Admitido o recurso, apresentam-se as alegações.
Sustenta-se o despacho impugnado.
Colhidos os vistos legais, nada obsta ao conhecimento do recurso.
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II – Fundamentos do recurso

Delimitam e demarcam o âmbito do recurso, as conclusões que nele são apresentadas – artigos 684º n.º 3 e 690º n.º 1 do CPC –
Justificada se mostra, então, a sua transcrição.

I – A providência cautelar de arresto foi indeferida pela manifesta ausência de factos concretos reveladores do justo receio da perda de garantia patrimonial do crédito da requerente.
II – Mas pelos factos vertidos nos articulados 10º a 16º e pelas razões alegadas, é evidente o justo receio da perda da garantia patrimonial do seu crédito.
III – Há um verdadeiro periculum in mora da execução da sentença que decidir a acção, aconselhando a prudência e havendo razões e requisitos para que o arresto seja decretado.
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III – Os factos e o direito

Elaborou o tribunal a sua decisão argumentando e concluindo pela manifesta ausência de factos concretos reveladores do justo receio de perda de garantia patrimonial do crédito da requerente.
Diga-se, desde já, que no caso presente se tratou de um indeferimento liminar, proferindo decisão sem que tenham sido ouvidas as testemunhas arroladas pelo requerente.
A única questão aqui a decidir consistirá em se saber se, no caso concreto, estão reunidas as condições e os requisitos mínimos para que seja decretada a providência.
E convirá desde já, para melhor se entender o sentido da decisão a proferir neste recurso, que se lance mão dos ensinamentos doutrinais e jurisprudenciais sobre o que se deve entender por “justo receio” para efeitos de recebimento ou não de uma providência cautelar de arresto e de a indeferir liminarmente ou ordenar o seu prosseguimento para exame das provas produzidas – art. 408º n.º 1 do CPC -.
Diferente seria, com certeza, se analisado tal conceito de “justo receio”, após a produção de prova e o tribunal já com todos os elementos disponíveis
Nos termos dos artigos 406º n.º 1, 407º n.º 1 e 234-A do CPC, deve o tribunal averiguar da idoneidade dos factos alegados e se estes preenchem os pressupostos legais exigidos.
A providência cautelar de arresto exige, para ser decretada, a verificação cumulativa dos seguintes requisitos:

a) Probabilidade séria da existência do direito de crédito invocado pelo requerente;
b) Justo receio de perda de garantia patrimonial do seu crédito.

Quanto ao direito ameaçado, cujo receio de lesão se tem de mostrar suficientemente fundado, não se exige para a concessão da sua tutela, um juízo de certeza, mas antes um “justificado receio”, "bastará que o requerente mostre ser fundado (compreensível ou justificado) o receio da sua lesão” – Antunes Varela, Manual do Processo Civil, 2ª ed., pág. 25 -, isto é, a demonstração do perigo de insatisfação desse crédito, bastando uma averiguação e juízo perfunctório dos factos alegados – Ac. RP, CJ, vol. IV, pág. 216 -.
O que se procura evitar com o decretamento do arresto é que o facto receado - perda da garantia patrimonial do crédito -, possa ocorrer caso se não decrete a medida e se evite essa perda, incidente em bens do próprio devedor, o que se consegue com a apreensão desses mesmos bens.
Daí que este instituto do arresto se encontre integrado num procedimento cautelar, cuja alegação e prova serão necessariamente sumários e cujos requisitos serão apenas indiciadores, apontando quer para uma “provável existência do crédito” e “justificado receio” o que se reconduz a uma “aparência do direito” e a um “periculum in mora” – Ac. RP, BMJ, 369, 601 -
Acresce, no entanto, que este critério de aferição “não deve ser conduzido à certeza inequívoca quanto à existência da situação de perigo, invisível ou dificilmente obtida em processos com as características e objectivos dos procedimentos cautelares, bastando, por isso, que se mostre razoavelmente fundada esse pressuposto” – Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, Vol. III, Procedimento cautelar Comum, pág. 88 -.
Este mesmo autor e imediatamente a seguir, refere “As circunstância em que o juiz deve ter por justificado o receio de lesões futuras deve ser apreciadas objectivamente pelo juiz que, para o efeito, terá em conta o interesse do requerente que promove a medida e o do requerido, que com ela é afectada, as condições económicas de um e de outro, a conduta anterior e a sua projecção nos comportamentos posteriores”.
Também e agora em IV volume relativo aos Procedimentos Cautelares Especificados, a fls. 176 escreve que “o critério de avaliação deste requisito não deve assentar em juízos puramente subjectivos do juiz ou do credor, antes deve assentar em factos ou em circunstâncias que, de acordo com as regras da experiência, aconselham uma decisão cautelar imediata como factor potenciador da eficácia da acção declarativa ou executiva”.
Ainda sobre a questão do justo receio escreve Antunes Varela, C Civil Anotado, vol. I, pág. 637, em anotação ao artigo 619º que “Para que haja justo receio de perda da garantia patrimonial basta que, com a expectativa de alienação de determinados bens ou a sua transferência para o estrangeiro, o devedor torne consideravelmente difícil a realização coactiva do crédito”.
De igual modo e sobre o justo receio considera Lebre de Freitas, em CPC Anotado, vol. 2º, pág. 119 “que qualquer causa idónea a provocar num homem normal esse receio é concretamente invocável pelo credor, constituindo o periculum in mora”, dando ainda alguns exemplos típicos como o receio de insolvência, ocultação ou venda de bens, etc., concluindo ainda que genericamente que existe também desde que se esteja perante uma actuação do devedor “que levasse uma pessoa de são critério, colocada na posição do credor, a perder a garantia patrimonial do seu crédito”
E é sabido e resulta da lei que será na acção principal que poderá e deverá ser feita a averiguação exaustiva dos factos alegados, com todo o ritualismo processual existente sempre mais completo e exigente, e ser proferida decisão definitiva, esta já com base num melhor e mais profundo conhecimento desses mesmos factos.
Ao requerente do arresto compete deduzir os factos que tornam provável a existência do crédito e justifica o justo receio – art. 407º n.º1 -, devendo juntar todas as provas – art. 302º e 303º, todos do CPC –
O requerente alegou que era autor numa acção declarativa de condenação, por si intentada contra os réus, em que pediam destes o pagamento da quantia de € 174.530,00, por não acabamento de uma obra e a necessidade de reparação desta para que se possa obter a licença de utilização, que os requeridos se dedicam à indústria de construção civil, atravessando sérias dificuldades na venda de imóveis, que lutam com dificuldades financeiras, com dívidas a bancos, particulares e fornecedores, que os requeridos têm bens mas sobre todos eles incidem hipotecas e penhoras de elevado valor, sendo previsível a sua venda para pagamento dos credores, para além de outro condomínio, este de .........., intentar acção idêntica, para reparação de defeitos e pagamento de indemnização, donde considerar haver necessidade de acautelar o seu crédito, por existir receio de perda de garantia patrimonial.
Ora, o receio de perda de garantia patrimonial de um crédito tanto pode ocorrer em relação a quem tenha muitos ou poucos bens, mas será porventura maior esse receio quando se sabe que os bens que existem estão hipotecados ou penhorados.
Consideramos, por isso, que há nos autos a alegação de elementos mínimos que justifiquem, pelo menos, a audição das testemunhas arroladas e só depois o decretamento ou não da providência cautelar de arresto, bastando para tanto atentar nos factos enunciados em 11º a 16º da petição inicial, pese embora a circunstância de os requeridos serem eventualmente possuidores de outros bens, para além dos hipotecados e penhorados, o que não faz dissipar, só por si e sem mais, o perigo e receio de perda de garantia patrimonial, pois não será a maior parte das vezes pelo facto de se terem muitos bens que deixa de existir receio de dissipação e fuga de bens com prejuízo para os credores.
O receio aqui em análise é o da perda de garantia patrimonial de um credor sobre os bens do devedor e ele tanto pode existir em relação a quem tenha muitos ou poucos bens para dar como garantia.
Assim, atendendo a todos os ensinamentos acima expostos, ao sentido que se deve retirar da letra e do espírito da lei – art. 9º do C. Civil - e ao sentir e sentido de um homem normal em situação de credor, consideramos que os requisitos mínimos exigidos pelo artigo 406º do C.P.C., concretamente do “justo receio” para que seja recebido o arresto estão verificados, não sendo, consequentemente, um caso e uma situação típica de indeferimento liminar, como o entendeu o tribunal recorrido.
Assim, o despacho deverá ser revogado e substituído por outro que dê prosseguimento ao processo, com inquirição das testemunhas, nos termos do art. 408º n.º 1 e 2 do CPC.
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IV – Decisão

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acorda-se em se dar provimento ao recurso, revogando-se o despacho recorrido que deve ser substituído por outro que prossiga o processo
Custas pela agravante – art. 446º n.º 1 do CPC -.
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Porto, 17 de Outubro de 2005
Rui de Sousa Pinto Ferreira
Joaquim Matias de Carvalho Marques Pereira
Manuel José Caimoto Jácome