Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0714800
Nº Convencional: JTRP00040770
Relator: MACHADO DA SILVA
Descritores: EXAME
JUNTA MÉDICA
QUESITOS
Nº do Documento: RP200711120714800
Data do Acordão: 11/12/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO.
Indicações Eventuais: LIVRO 96 - FLS 204.
Área Temática: .
Sumário: I - A fixação da incapacidade para o trabalho corre por apenso, se houver outras questões a decidir no processo principal (n.º 1 do art. 132º do CPT).
II - Quando se manda organizar um apenso para determinação ou fixação da natureza e grau da incapacidade, todas as outras questões, como a caracterização do acidente como de trabalho e/ou o nexo de causalidade entre o acidente e as lesões, são apuradas no processo principal.
III - Estando em causa uma perícia requerida no processo principal, cujo objecto abrangia as questões acima referidas, a ré, na contestação, apenas estava vinculada a requerer exame por junta médica, mas não a formular quesitos – art. 138º, 1 e 2 do CPT.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

1. B………. instaurou a presente acção, com processo especial emergente de acidente de trabalho, contra a Companhia de Seguros C………., SA, e D………., SA, peticionando sejam os réus condenados a pagar-lhe:
- O capital de remição de uma pensão anual e vitalícia no montante de € 391,97 a partir de 10 de Outubro de 2002;
- € 325,65, a título de indemnização por ITA;
- O montante de € 509,13, relativo a despesas de transporte, hospedagem e assistência médica;
- Juros de mora à taxa legal.
Para tanto, em síntese, alega que, no dia 9 de Setembro de 2002, foi vítima de acidente de trabalho quando prestava trabalho para a segunda ré, ficando afectado com uma IPP de 10% a partir de 9 de Outubro de 2002 e afectado de ITA desde a data do acidente até 8 de Outubro de 2002 não lhe tendo sido paga a indemnização devida.
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A R Seguradora contestou, alegando que as lesões já existiam à data do acidente.
Na sua contestação, a R. requereu, ainda exame por junta médica.
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Procedeu-se à elaboração de despacho saneador com fixação dos factos assentes e matéria controvertida a fls. 214 e ss.
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A fls. 222, a R. Seguradora veio apresentar os seu meios de prova, mais tendo mantido o seu anterior requerimento de junta médica, apresentando os seus quesitos.
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Por despacho de fls. 228, o M.mo Juiz “a quo” indeferiu este requerimento, por a R., na contestação, não ter apresentado quesitos.
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Inconformada com esta decisão, dela recorreu a R., formulando as seguintes conclusões:
A- A ora recorrente requereu, na sua contestação de fls., a realização de junta médica, o que fez, após, naquela peça, ter alegado as razões de facto segundo as quais discordava da incapacidade que tinha sido atribuída ao examinado, na medida em que considerava que este padecia já em data anterior ao alegado acidente das lesões que determinaram a atribuição dessa incapacidade.
B- Tal requerimento não foi apreciado nessa oportunidade e só após a ora recorrente ter requerido de novo no seu requerimento de prova de fls. a realização dessa junta, momento em que, aliás, apresentou também quesitos, é que o Tribunal recorrido proferiu o despacho que indeferiu a realização da junta.
C- O indeferimento não está devidamente fundamentado, na medida em o Tribunal recorrido não se pronuncia relativamente à fundamentação apresentada pela ora recorrente na sua contestação e fundamenta o decidido indeferimento apenas na não apresentação dos quesitos, sendo certo que é bastante a fundamentação apresentada e, ainda, que na data em que é proferido o despacho recorrido já se encontravam nos autos os quesitos.
D- Deve pois ser revogado tal despacho e proferida decisão a ordenar a realização da requerida Junta Médica.
E- A decisão recorrida não fez a melhor interpretação do Direito tendo violado disposto nos arts. 508º do Código de Processo Civil e os art. 117º, nº 2, e 138º do Código de Processo de Trabalho.
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Contra-alegou o A., pedindo a confirmação do decidido.
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Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, julgando a acção procedente e condenando a R. Seguradora a pagar ao autor:
- O capital de remição correspondente à pensão anual e vitalícia de € 391,97, com início em 10 de Outubro de 2002;
- A quantia de € 325,65 a titulo de indemnização pelo período de incapacidades temporárias absoluta;
- A quantia de € 509,13, a título de despesas obrigatórias efectuadas pelo autor;
- Juros de mora à taxa legal sobre tais quantias desde os respectivos vencimentos e até efectivo e integral pagamento.
Mais, foi a 2ª Ré absolvida dos pedidos formulados pelo autor.
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Inconformada ainda com esta sentença, dela recorreu a Ré Seguradora, cujas conclusões coincidem com as anteriormente formuladas no agravo.
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Contra-alegou o A., pedindo a confirmação do decidido.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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2. Factos provados (na 1ª instância):
1. O autor auferia a retribuição de 354,11 euros x 14 meses acrescido de subsídio de alimentação mensal no montante de 58,32 euros x 11 meses;
2. Submetido a exame médico neste Tribunal, o perito médico concluiu que o sinistrado apresenta lombalgia aguda, lombociatalgia e radiculalgia L5, ás quais o Perito Médico do Tribunal atribuiu uma IPP de 10 % a partir de 9 de Setembro de 2002, conforme laudo exarado no auto de exame e documentos de fls. 30-33, 38, 52, 58, 59, 61, 67, 87-110, 120 e 121 que aqui tenho por integralmente reproduzidos;
3. Ao autor não foi paga qualquer indemnização por ITA;
4. A ré D………., SA que se dedica à extracção, tratamento e comercialização de granitos, tinha, em relação aos trabalhos aí exercidos, a sua responsabilidade infortunística transferida para a ré seguradora, por contrato de seguro, na modalidade de folha de férias, titulado pela apólice n.º …/……../…;
5. Na tentativa de conciliação de fls. 148 a 151, cujo teor se tem por integralmente reproduzido não foi possível obter acordo entre as partes e:
6. A ré Seguradora não reconheceu o acidente como de trabalho por não existir, na sua opinião, o nexo de causalidade entre as lesões e o acidente; reconheceu a transferência da responsabilidade pela sobredita retribuição;
7. A ré entidade patronal reconheceu o acidente e a sua caracterização como acidente de trabalho, o nexo de causalidade entre todas as lesões e o acidente e a retribuição e defende que tem toda a sua responsabilidade infortunística transferida para a ré seguradora;
8. O autor despendeu em transportes, hospedagem e assistência médica a quantia global de 509,13 euros, tendo-se deslocado duas vezes a este Tribunal e duas ao Porto, em carro próprio, porque a utilização de transportes públicos não lhe permite comparecer nas horas designadas para as diligências;
9. No dia 9 de Setembro de 2002, cerca das 14.30 horas, em ………., na pedreira onde trabalha, e no exercício da sua profissão, o autor quando deslocava uma pedra aparelhada, com cerca de 80 kg para outro local, ao fazer o movimento de esforço sentiu uma dor muito aguda, com prisão de movimentos na perna direita, de que lhe resultou dor na anca direita e região lombar (lombalgia aguda) e lombociatalgia direita e raculalgia L5;
10. Na ocasião mencionada em 9, o autor prestava trabalho, em regime de contrato de trabalho subordinado, sob as ordens, direcção e fiscalização da ré D………., SA, com a categoria de pedreiro;
11. 2 é consequência de 9;
13. O autor esteve afectado com ITA desde essa data até 8 de Outubro de 2002.
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A fixação da matéria de facto está dependente da decisão do objecto de ambos os recursos, coincidindo na mesma questão: a não admissibilidade da requerida prova pericial.
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3. Do mérito.
A única questão, como se disse, consiste em saber se foi válida a decisão recorrida ao indeferir a requerida prova pericial.
Adiantemos, desde já, que a resposta é negativa.
Desde logo, foi o exame por junta médica indeferido com o fundamento de a R., na contestação, não ter apresentado quesitos para tal exame.
Ora, como decorre dos autos e dos factos supra transcritos em 2, 5 e 6, a Ré Seguradora não limitou a sua discordância à questão da incapacidade, indo muito para além dessa questão ao não reconhecer o acidente dos autos como de trabalho, não reconhecendo, ainda, o nexo de causalidade entre as lesões e o acidente em apreço.
Dispõe o nº 1 do art. 132º do CPT:
“A fixação de incapacidade para o trabalho corre por apenso, se houver outras questões a decidir no processo principal”.
Assim, a regra (com a excepção do nº 3) é a de que, discutindo-se outro tipo de questões nos autos, a fixação da incapacidade para o trabalho deverá correr por apenso.
Realizados os exames a que se refere o art. 139º do mesmo diploma, e se a fixação da incapacidade tiver lugar no apenso, “o juiz (…) profere decisão, fixando a natureza e grau de desvalorização…” – nº 2 do art. 140º.
Também estabelece este último comando legal que essa decisão “só pode ser impugnada no recurso a interpor da decisão final”.
Quando se manda organizar um apenso para determinação ou fixação da natureza e grau da incapacidade, no processo principal correm todas as outras questões, como a caracterização do acidente como de trabalho e/ou o nexo de causalidade entre o acidente e as lesões de que o sinistrado é portador e a sua incapacidade.
Deste modo, todas as questões a decidir no processo principal só aí podem ser discutidas e resolvidas, após a prova admitida por lei, maxime, a fazer em audiência de julgamento, pela forma adequada.
Por seu turno, a questão da determinação da incapacidade para o trabalho só no respectivo apenso pode ser solucionada – e só pode correr no processo principal quando ela é a única questão em discussão no processo.
No caso, o M.mo Juiz “a quo”, aquando do saneador, não ordenou o desdobramento dos autos, e notificadas esta decisão, dela não qualquer impugnação, nessa parte.
Assim sendo, no caso em apreço, as questões respeitantes ao nexo de causalidade entre o acidente e as lesões apresentadas e entre as lesões apresentadas e as incapacidades, bem como ao grau de incapacidade, deviam ser discutidas e decididas em julgamento no processo principal (arts. 118º, 126º, nº 1 e 132º, nº 1, do CPT), sendo admissíveis, nessa matéria, todos os meios de prova: testemunhais, documentais e periciais, incluindo, se necessário, os depoimentos e os esclarecimentos dos peritos médicos que intervieram nos exames médicos efectuados ao longo do processo, devendo o juiz, nesse caso, determinar a sua comparência na audiência de discussão e julgamento (art. 134º do CPT).
E, estando em causa uma perícia requerida no processo principal, cujo objecto abrangia aquelas questões, a R., na contestação, apenas estava vinculada a requerer exame por junta médica, mas não quesitos – cfr. art. 138º, nºs 1 e 2, do CPT.
No caso em apreço, foi isso que sucedeu com o requerimento da Ré.
Assim não podemos concordar com a decisão recorrida ao indeferir a prova pericial, justamente sob o pretexto de o requerimento de exame por junta médica não ter sido acompanhado por quesitos formulados pela Ré.
Com tal decisão, o M.mo Juiz “a quo”, sem qualquer justificação, acabou por inviabilizar que, na decisão final, pudesse tomar, como se impunha, todas as provas que podiam ser produzidas, tendo por objecto factos relevantes para a decisão da causa.
Assim, impõe-se revogar a decisão recorrida que não admitiu o exame por junta médica, ficando, por isso, anulados os actos subsequentes, por dele dependentes.
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4. Atento o exposto, e decidindo:
Acorda-se em conceder provimento aos recursos, revogando-se a decisão recorrida e ordenando-se a sua substituição por outra que ordene a realização do exame por junta médica.
Sem custas.
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Porto, 12 de Novembro de 2007
José Carlos Dinis Machado da Silva
Maria Fernanda Pereira Soares
Manuel Joaquim Ferreira da Costa