Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0740656
Nº Convencional: JTRP00040357
Relator: PAULA LEAL DE CARVALHO
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
TENTATIVA DE CONCILIAÇÃO
Nº do Documento: RP200705210740656
Data do Acordão: 05/21/2007
Votação: UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: PROVIDO.
Indicações Eventuais: LIVRO 43 - FLS 196.
Área Temática: .
Sumário: Ainda que o sinistrado, no requerimento de exame por junta médica, haja pretendido circunscrever a questão controvertida ao grau de IPP (incapacidade permanente parcial), aceitando a IPATH (incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual), essa discordância do resultado do exame do médico singular implica que a sua situação clínica seja objecto de nova perícia (agora colegial), quer quanto à existência da IPATH, quer quanto ao grau de IPP.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório:
Na presente acção emergente de acidente de trabalho, instaurada aos 13.10.04, em que é A., o sinistrado B………., que constituiu mandatário judicial, e Ré, Companhia de Seguros X………., SA, procedeu-se, na fase conciliatória do processo, a exame médico singular ao mencionado sinistrado, bem como a tentativa de conciliação.
Em tal exame, levado a cabo por Sr. perito médico do Instituto de Medicina Legal, considerou-se, conforme laudo de fls. 68 a 72, e no que ora interessa, que as sequelas que o sinistrado apresenta são causa de Incapacidade Permanente Absoluta para a sua actividade profissional habitual (IPATH), tendo-o, ainda, considerado afectado do coeficiente de desvalorização de 36,64% de IPP, com efeitos a partir de 11.04.06.

Na tentativa de conciliação que se lhe seguiu, a que se reporta o auto de fls. 77/78, as partes acordaram quanto à existência do acidente, sua caracterização como acidente de trabalho, retribuição auferida pelo sinistrado, transferência da responsabilidade pela reparação dos danos emergentes do acidente para a ré seguradora, nexo de causal entre o acidente e as lesões e data da alta definitiva.
Nela, a Ré Seguradora declarou ainda aceitar «o grau de incapacidade fixado no exame singular», havendo, porém, o sinistrado dela discordado, referindo não concordar com «o grau de incapacidade que lhe foi fixado nesse exame 36,64% IPH».

Subsequentemente, o sinistrado, referindo concordar «com o resultado do exame médico-legal no que respeita ao reconhecimento da sua incapacidade permanente absoluta para a actividade profissional habitual, mas dele discordando quanto à IPP fixada de 36,64% (…)», veio requerer a realização de exame por junta médica, juntando para o efeito relatório médico (fls. 81 a 83) e nele se louvando para fundamentar a sua discordância.

Não havendo sido formulados quesitos, procedeu-se à junta médica, tendo os Srs. peritos médicos do Tribunal e da Seguradora, com discordância do perito do sinistrado, emitido laudo no sentido de que este não se encontra afectado de IPATH

Após, foi proferida sentença, nos termos da qual a Mmª Juiz, com base no laudo emitido (por maioria) pela junta médica, que considerou «não merecer qualquer reparo e encontrar-se devidamente fundamentado na Tabela Nacional de Incapacidades» considerou estar o sinistrado afectado da IPP de 36,64%, fixando-lhe a correspondente pensão.

Por requerimento de fls. 111 a 115, o A. arguiu, perante a 1ª instância, as seguintes nulidades processuais (em síntese): o laudo emitido pela junta médica no sentido de o A. não se encontra afectado de IPATH, não se encontra fundamentado; a sentença não foi precedida de inquérito profissional e de estudo do posto de trabalho; a junta médica, ao pronunciar-se sobre a inexistência de IPATH, excedeu o objecto da perícia, pois que tal questão já se encontrava assente na tentativa de conciliação, sendo que a ré Seguradora a aceitou e o sinistrado, no requerimento de exame por junta médica, também a aceitou.

Entretanto, inconformado com a sentença, o A., a fls. 117 a 120, interpôs recurso de apelação, em cujo requerimento de interposição argui também nulidades, neste pretendendo a anulação de todos os actos subsequentes ao requerimento de exame por junta médica e nele formulando as seguintes conclusões:
«1. A douta decisão anulanda pronunciou-se sobre matéria de facto em que havia acordo das partes (a incapacidade permanente absoluta para a actividade profissional habitual), não se pronunciou sobre o excesso de pronúncia da Junta Médica, exorbitando o objecto da perícia, e sobre a falta de fundamentação do relatório da Junta Médica e não foi precedida da realização de inquérito profissional e de estudo do posto de trabalho do sinistrado.
2. ao assim proceder a douta decisão recorrida violou o disposto nos arts. 586º, nº 1 do CPC, 117º, nº 1, al. b) e nº 2, 138º, nº 2 e 139º, nº 6 do CPT e Instruções nº 8 e 13 da TNI aprovada pela Lei 341/93 de 30 de Setembro.
3. O que integra a nulidade prevista no art. 668º, nº 1, al. d) do CPC.».
Juntou também as respectivas alegações de recurso (a fls. 122 a 126), as quais termina no sentido da revogação da decisão recorrida, declarando-se o recorrente incapaz permanente e absolutamente para a sua actividade profissional habitual e considerando-se a Recorrida Seguradora responsável pelo pagamento das prestações correspondentes a essa incapacidade e do subsídio de elevada incapacidade previsto no artº 23º da Lei 100/97, de 13.09 e formulando as seguintes conclusões:
«1ª. Atento o teor do auto de não conciliação e do requerimento de Junta Médica deduzido pelo recorrente, formou-se acordo entre as partes quanto à incapacidade permanente e absoluta do recorrente para a sua actividade profissional, tendo apenas subsistido o desacordo quanto ao grau de incapacidade (art. 138°, nº 2 do CPT).
2ª. A Junta Médica, ao pronunciar-se sobre a questão da incapacidade permanente e absoluta para o trabalho habitual, exorbitou o objecto de perícia que lhe foi fixado (arts. 117°, nº. 1, al. b) e nº. 2 e 139°, nº. 6 e 7 do CPT e arts. 577° e 586°, nº. 1 do CPC).
3ª. A Senhora Juiz "a quo" não podia deixar de ter como assente a referida incapacidade permanente e absoluta para a actividade profissional habitual (arts. 131°, nº. 1, al. c) e 138º, nº. 2 do CPT) e, sempre, não estava vinculada ao resultado da Junta Médica (art. 389° do Código Civil).
4ª. Por sua vez, mesmo que se admita que a Senhora Juiz "a quo" não tinha de ter por assente por acordo a referida incapacidade, sempre teria de ordenar a realização de inquérito profissional e de estudo ao posto de trabalho do recorrente para poder determinar com rigor e fundamento se o recorrente está ou não afectado por tal incapacidade (Instrução nº 13 da Tabela Nacional de Incapacidades aprovada pela lei 341/93 de 30/9).
5ª. Sendo o recorrente, como terá de ser, considerado incapaz permanente e absolutamente para o trabalho habitual, assiste-lhe o direito ao subsídio de elevada incapacidade previsto no art. 23° da lei 100/97 de 13/9, correspondente a 12 vezes a remuneração mínima garantida à data do acidente, subsídio esse que no presente caso não é redutível em função do grau de incapacidade.
6ª. Apesar de não reclamado na tentativa de conciliação o pagamento desse subsídio, a Senhora Juiz "a quo" deveria ter condenado a cª. de Seguros responsável no seu pagamento (art. 74° do CPT).
7ª. A douta decisão recorrida violou assim o disposto nos arts. 74º, 117°, nº. 1, al. b), 131°, nº. 1, al. c), 138°, nº. 2 e 139º, nºs. 6 e 7 do Código de Processo do Trabalho, nos arts. 577° e 586° do Código do Processo Civil, no art. 389° do Código Civil, no art. 23° da lei 100/97 de 13/9 e na Instrução 13 da Tabela Nacional de Incapacidades aprovada pela lei 341/93 de 30/9, devendo ser revogada.».

A Recorrida contra-alegou no sentido da improcedência do recurso, tendo formulado as seguintes conclusões:
«1. Não houve, na fase conciliatória, qualquer acordo quanto ao resultado do exame médico realizado nessa fase, como resulta do auto de não conciliação a fls. …
2. Não é à Junta Médica que compete fixar a natureza e o grau de desvalorização do sinistrado.
3. tal competência é exclusiva do Juiz (artº 140º nº 2 do Código de Processo de Trabalho), que, entre outros elementos, terá em conta o parecer (mero parecer) da Junta Médica.
4. Realizada a junta médica, emitiu esta o parecer, de que o autor/recorrente se encontra clinicamente curado, com uma incapacidade permanente parcial de 36,64% sem incapacidade para a sua profissão habitual de comerciante, parecer que não mereceu ao Sr. Juiz qualquer reparo, por se encontrar devidamente fundamentado na Tabela Nacional de Incapacidades.
5. Ponderados todos os elementos existentes no processo (e, entre eles, o parecer da Junta Médica e também a profissão do sinistrado, que é a de comerciante), decidiu o Sr. Juiz fixar ao sinistrado a incapacidade permanente parcial de 36,64%.
6. A decisão recorrida não violou qualquer disposição legal e, antes, foi proferida de acordo com a lei aplicável, nomeadamente com o disposto no art. 140º nº 2 do CPT.».

A fls. 141 a 144 foi proferido despacho, pela 1ª instância, indeferindo as nulidades arguidas a fls. 111 a 115. e admitindo o recurso.

O Exmº. Sr. Procurador Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido: da impossibilidade de conhecimento das nulidades processuais, por via do transito em julgado do despacho do tribunal a quo que as indeferiu; da inexistência da nulidade de sentença invocada e do não provimento da apelação.

Notificado tal parecer às partes, apenas o A. a ele respondeu, dele discordando.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. Matéria de facto provada:

A.) Tem-se como provada a matéria de facto constante do precedente relatório;

B) Atento o acordo das partes na tentativa de conciliação que teve lugar na fase conciliatória do processo e a demais prova documental junta aos autos, tem-se ainda como provado que[1]:

1. O A., no dia 10.10.03, quando trabalhava sob as ordens e direcção de C………., Ldª, foi vítima de um acidente de viação.

2. O A. auferia a retribuição mensal de €473,86 x 14 meses.

3. O A., em consequência do referido acidente, sofreu as lesões descritas no auto de exame médico singular que consta de fls. 67 a 72, apresentando as sequelas descritas no auto de exame por junta médica de fls. 99 e 100, das quais se encontra clinicamente curado desde 11.04.06, data em que lhe foi dada alta definitiva.

4. A entidade patronal havia transferido para a Ré Seguradora a responsabilidade emergente pela reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho mediante contrato de seguro titulado pela apólice nº ……. .

5. No exame por junta médica, tal como no exame médico singular, as sequelas apresentadas pelo A. foram enquadradas nos Capítulos I.11..2.1.b.), III 2.1. e X 2.2. Grau II da Tabela Nacional de Incapacidades (TNI), havendo-lhe sido atribuídos os coeficientes de desvalorização parcelares de, respectivamente, 0,20, 0,10 (mas, por virtude do principio da capacidade restante, o de 0,08) e de 0,12 (mas, por virtude do principio da capacidade restante, o de 0,0864),

6. Tendo ainda os Srs. peritos médicos do Tribunal e da Seguradora que nela intervieram emitido, conforme auto de exame de fls. 99/100, o seguinte laudo: «Após observação do sinistrado e consulta do processo, os peritos por maioria entendem ser de atribuir uma IPP de 36,64%, sem incapacidade para a sua profissão habitual (comerciante)» e havendo o perito do sinistrado, conforme referido no mencionado auto, discordado de tal parecer por entender que «existe incapacidade permanente absoluta para a sua profissão, de acordo com as razões expostas a pág. 72, 81, 82 e 83.».

7. Não foram realizados inquérito profissional e estudo do posto de trabalho.

8. O A. nasceu aos 31.03.1945.
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III. Do Direito:

1. Nos termos do disposto nos artºs 684º, nº 3, e 690º, nºs 1 e 3, do CPC, aplicáveis ex vi do disposto nos artºs 1º, nº 2, al. a), e 87º do CPT, as conclusões do recurso, com excepção das matérias de conhecimento oficioso, delimitam o seu objecto. E, daí, que, face às conclusões formuladas pelo Recorrente, sejam as seguintes as questões a apreciar:

A) Das conclusões formuladas no requerimento de arguição de nulidades da sentença apresentado com o de interposição de recurso:

a.1) A decisão recorrida pronunciou-se sobre matéria de facto (IPATH) em que havia acordo das partes;

a.2) A decisão recorrida não se pronunciou sobre o excesso de pronúncia cometido pela junta médica (que, exorbitando o objecto da perícia, se pronunciou sobre a IPATH) e sobre a falta de fundamentação do relatório da junta médica;

a.3) Omissão da realização de inquérito profissional e de estudo do posto de trabalho do sinistrado.

B) Das conclusões formuladas nas alegações do recurso:

b.1) Do excesso de pronúncia, pela junta médica, ao conhecer da questão da IPATH;

b.2) Se o tribunal a quo deveria ter dado como assente a existência de IPATH e se o A. se encontra afectado por esta incapacidade.

b.3) Subsídio de elevada incapacidade.

2. Quanto às questões referidas em A) - Nulidades da sentença:
As nulidades podem ser processuais e da sentença.
As nulidades processuais traduzem-se em desvios ao formalismo processual prescrito na lei, quer por se praticar acto proibido, quer por se omitir um acto prescrito na lei, quer por se realizar um acto imposto ou permitido por lei, mas sem o formalismo requerido; As nulidades da sentença derivam de actos ou missões violadores da lei processual praticado pelo juiz na sentença, a elas se reportando o artº 668º do CPC, cujo nº 1 as elenca.
Aquelas, constituindo anomalia do processo, devem ser conhecidas no Tribunal onde ocorreram e, discordando-se do despacho que as conhecer, poderá ele ser impugnado através de recurso de agravo. As nulidades da sentença, tendo sido praticadas pelo Juiz, devem ser invocadas e fundamentadas no requerimento de interposição do recurso, a elas se reportando o artº 668º do CPC.
De ambas se distingue o erro de julgamento que consiste numa errada apreciação da prova e, por consequência, da decisão sobre a matéria de facto (erro da decisão de facto) ou numa errada subsunção dos factos à norma jurídica ou numa errada interpretação dela.

2.1. Quanto à nulidade mencionada em 1.A.a.1.):
Alega o recorrente, em síntese, que a existência da IPATH já se encontrava assente por acordo das partes pelo que a sentença recorrida, ao considerar que o sinistrado dela não se encontrava afectado, cometeu o vício de excesso de pronúncia a que se reporta o artº 668º, nº 1, al. d), do CPC.
Dispõe tal preceito que é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
A questão subjacente ao apontado vício processual enquadra-se, no entanto, na questão mencionada no ponto 1.B.b.2.) – se o tribunal a quo poderia e deveria ter dado como assente que o sinistrado não era portador de IPATH -, constituindo, como resulta das alegações e conclusões do recurso, o seu fundamento. A questão consistirá essencial ou fundamentalmente em se saber se, na eventualidade de existência de acordo das partes na fase conciliatória do processo quanto ao facto de o A. ser portador de tal incapacidade, a Mmª Juiz, assim e em conformidade, deveria ter julgado. Essa questão será, pois, apreciada no âmbito do ponto 1.B.b.2., assim improcedendo a arguida nulidade processual.

2.2. Quanto à nulidade mencionada em 1.A. a.2.):
Diz a Recorrente que a decisão recorrida não se pronunciou sobre o excesso de pronúncia cometido pela junta médica (que, exorbitando o objecto da perícia, se pronunciou sobre a IPATH) e sobre a falta de fundamentação do relatório da junta médica, o que constituíra nulidade da sentença.
Como decorre do citado artº 668º, nº 1, al d), acima transcrito, as apontadas nulidades enquadrar-se-iam, na perspectiva do Recorrente, no vício de omissão de pronúncia, previsto na 1ª parte do preceito.

Relativamente ao primeiro dos apontados vícios:
O invocado excesso de pronúncia por parte da junta médica que fundamenta o vício, ora em apreço, de omissão de pronúncia da sentença assenta no alegado, e acima referido, acordo das partes quanto à existência da IPATH.
A decisão recorrida louvou-se no laudo emitido pela junta médica para considerar e julgar que o A. não é portador de IPATH.
Ainda que esta decisão, expressamente, não aborde a questão do invocado excesso de pronúncia por parte da junta médica, o certo é que, fundamentando-se no respectivo laudo para entender que o sinistrado não se encontra afectado de IPATH, a conheceu, ainda que de forma tácita, assim aceitando não existir tal excesso. Não se verifica, assim, o apontado vício da sentença (de omissão de pronúncia).
Por outro lado, a questão subjacente ao apontado vício, tal como referido no ponto anterior, prende-se com a questão referida no ponto 1.B.b.2.) e que, adiante, se abordará.

Relativamente ao segundo dos apontados vícios:
Entende a Recorrente que a decisão recorrida não se pronunciou sobre a falta de fundamentação do relatório da junta médica.
Dispõe o nº 8 das Instruções Gerais da TNI que o resultado dos exames é expresso em ficha elaborada nos termos do modelo anexo, devendo os peritos fundamentar todas as suas conclusões.
A falta de fundamentação do relatório pericial, a existir, poderá (se influísse no exame e decisão da causa – cfr. artº 201º, nº 1, do CPC) constituir nulidade processual, mas não nulidade de sentença, sendo que, nesta, não tem o juiz que se pronunciar sobre nulidades de actos processuais anteriores.
Questão diferente é se o juiz, com base nos meios de prova de que dispõe, julgou correctamente, designadamente, no que ao caso concerne, se, por via da falta de fundamentação do relatório pericial, tinha, ou não, elementos ou meios de prova suficientes que suportassem a decisão de facto proferida (concretamente, no sentido da inexistência de IPATH), situação enquadrável no âmbito, não de nulidade de sentença, mas sim do erro de julgamento e que será, também ela, adiante apreciada ( a propósito da questão referida em 1.B.b.2), apreciação essa que, nos termos do disposto no artº 712º, nº 4, do CPC, sempre será permitida.
De todo o modo, acrescente-se que a decisão recorrida referiu que o parecer da junta médica «não merece qualquer reparo, encontrando-se devidamente fundamentado na Tabela Nacional de Incapacidades», com o que se pronunciou sobre a questão objecto do vício ora apontado pelo Recorrente.
Por outro lado, o Recorrente, no seu requerimento de fls. 111 a 115 veio, perante a 1ª instância, arguir, entre outras, nulidade decorrente da falta de fundamentação do relatório emitido pela junta médica na parte em que considerou que o sinistrado não se encontrava afectado de IPATH. Tal nulidade veio a ser indeferida pela Srª Juíza, no seu despacho de fls. 142 a 144, do qual o A. não agravou e que, assim, transitou em julgado.
Deste modo, mas sem prejuízo do que acima se disse a propósito dos poderes oficiosos desta Relação nos termos e âmbito do artº 712º, nº 4, do CPC, julga-se improcedente a invocada nulidade.

2.3. Quanto à nulidade mencionada em 1.A. a.3):
Invoca ainda o Recorrente nulidade de sentença decorrente da omissão de realização de inquérito profissional e de estudo do posto de trabalho.
Dispõe o nº 13 das Instruções Gerais da TNI que:
A fim de permitir o maior rigor na avaliação das incapacidades resultantes de acidente de trabalho e doença profissional, a garantia dos direitos das vítimas e a apreciação jurisdicional, o processo constituído para esse efeito deve conter obrigatoriamente os seguintes elementos:
a) Inquérito profissional, nomeadamente para efeito de história profissional;
b) Estudo do posto de trabalho, com caracterização dos riscos profissionais (…);
c) (…);
d) (…);
Às invocadas nulidades, ora em apreço, são aplicáveis as considerações acima tecidas a propósito da nulidade de sentença decorrente da falta de fundamentação do laudo pericial.
Com efeito:
Tais omissões, porque se consubstanciariam na omissão de acto prescrito na lei, poderiam (se influíssem no exame e decisão da causa – cfr. artº 201º, nº 1, do CPC) constituir nulidade processual, mas não já nulidade de sentença, sendo que, nesta, não tem o juiz que se pronunciar sobre nulidades de actos processuais anteriores.
Questão diferente é se o juiz, com base nos meios de prova de que dispõe, julgou correctamente, designadamente, no que ao caso concerne, se, por via da omissão de tais elementos, dispunha, ou não, de meios de prova suficientes que suportassem a decisão de facto proferida (concretamente, no sentido da inexistência de IPATH), situação enquadrável no âmbito do erro de julgamento e que será, também ela, adiante apreciada (a propósito da questão referida em 1.B.b.2.).
Por outro lado, o Recorrente, no seu requerimento de fls. 111 a 115 veio, perante a 1ª instância, arguir, também, a nulidade decorrente da falta de inquérito profissional e estudo do posto de trabalho, a qual veio a ser indeferida pela Srª Juíza, no seu despacho de fls. 142 a 144, do qual o A. não agravou e que, assim, transitou em julgado.
Deste modo, mas sem prejuízo do que acima se disse a propósito dos poderes oficiosos desta Relação nos termos e âmbito do artº 712º, nº 4, do CPC, julga-se improcedente a invocada nulidade.

3. Quanto às questões referidas em 1.B:

3.1. Do excesso de pronúncia, pela junta médica, ao conhecer da questão da IPATH (ponto 1.B.b.1):
Alega a Recorrente, em síntese, que: a junta médica não se poderia pronunciar sobre a questão da IPATH uma vez que, havendo ela sido atribuída no exame médico singular, a Seguradora, na tentativa de conciliação, a aceitou; tendo a fase contenciosa sido desencadeada por sua (do sinistrado) iniciativa (que havia discordado do resultado do exame médico singular), no requerimento para exame por junta médica, de modo claro, explicitou que concordava com tal perícia singular na parte relativa ao reconhecimento da sua IPATH, apenas discordando do coeficiente de desvalorização de IPP atribuído, que considerava ser superior. Assim, conclui, o objecto da perícia encontrava-se limitado a esta questão, sendo que a junta médica o extravasou.
O excesso de pronúncia pela junta médica, a verificar-se, constituiria nulidade processual que, aliás, foi arguida pelo ora Recorrente no seu requerimento de fls. 111 a 115 e que foi objecto do despacho, proferido pela 1ª instância, de fls. 142 a 144, o qual a indeferiu, despacho esse de que não foi interposto recurso e que, assim, transitou em julgado.
No entanto, e louvando-se a decisão recorrida no mencionado laudo da junta médica, a questão essencial – se o tribunal a quo poderia ter dado como assente que o sinistrado não era portador de IPATH -, acaba por se reconduzir, mais uma vez, à de (eventual) erro de julgamento e que, referida no ponto 1.B.b.2., será de seguida abordada.

3.2. Se o tribunal a quo deveria ter dado como assente a IPATH e se o A. se encontra afectado por esta incapacidade (ponto 1.b.b.2):

Como resulta do que já ficou dito, considera o Recorrente que o tribunal a quo errou ao ter dado como assente a inexistência da IPATH.
Para tanto, entende, em síntese, que:
a) Porque as partes haviam aceite, pelas razões sumariamente já referidas, que o A. se encontrava afectado de IPATH, devê-la-ia o tribunal a quo tê-la dado como assente;

b) Se assim se não entender, os autos não dispõem dos elementos suficientes para que, dessa forma, se decidisse, uma vez que nem o relatório da junta médica se mostra fundamentado, nem dos autos consta inquérito profissional e estudo do posto de trabalho (os quais, segundo refere na sua resposta ao douto parecer do Mº Pº, sempre seriam necessários à aferição da aplicação do factor de bonificação de 1,5 previsto no nº 5, al. a) das Instruções Gerais da TNI).

3.2.1. Quanto à 1ª das questões:
Dos autos resulta que:
- O Sr. perito médico singular considerou que o A. se encontrava afectado de uma IPP de 36.64% e que as sequelas de que. é portador são determinantes de IPATH;
- na tentativa de conciliação, o sinistrado declarou discordar do resultado do exame médico singular, tendo vindo, em tempo oportuno, requerer exame por junta médica ressalvando que concordava com a IPATH, apenas discordando da IPP, pelo que requerida o exame por junta médica para apreciação desta questão.
- A junta médica manteve a IPP de 36,64%, considerando, ainda, que o A. não é portador de IPATH, laudo este no qual o tribunal a quo se baseou para não lha atribuir.
Vejamos.

a) Importa, antes de mais. ter presente as disposições processuais laborais que relevam na matéria que ora nos ocupa.
O processo especial emergente de acidente de trabalho, comporta duas fases: a conciliatória (cfr. Artºs 99º e segs. do CPT[2]) e a contenciosa (cfr. Artsº 117º e segs).
Na primeira, prevê-se a prática de diversos actos, entre os quais, o exame médico, efectuado por um único perito médico (cfr. Artº 105º) e uma tentativa de conciliação, sob a presidência do Ministério Público, na qual este promove o acordo de harmonia com os direitos consignados na lei, tomando por base os elementos fornecidos pelo processo, designadamente o resultados do exame médico e as circunstâncias que possam inlfuir na capacidade geral de ganho do sinistrado (cfr. Artºs 108º e 109º); desse acto deverá ser lavrado o correspondente auto que, no caso de acordo, deverá conter os elementos constantes do artº 111º e, em caso de desacordo, os referidos no artº 112º.
Havendo acordo, o mesmo será presente ao juiz para homologação (artº 114º).
Em caso de desacordo sobre alguma ou alguma das questões sobre as quais as partes se devam pronunciar, haverá que distinguir as situações em que o desacordo se reporta, apenas, ao resultado do exame médico singular (estando as partes em consonânia quanto a todos os demais elementos) ou se tal desacordo se refere, também ou apenas, a qualquer outro aspecto relevante que não a incapacidade.
Para a primeira das mencionadas situações – discordância, apenas, quanto à incapacidade atribuída no exame médico singular -, dispõe o artº 117º, sob a epígrafe Início da fase contenciosa, que:
1 – A fase contenciosa tem por base:
a) (...);
b) Requerimento, a que se refere o nº 2 do artigo 138º, do interessado que se não conformar com o resultado do exame médico realizado na fase conciliatória do processo, para efeitos de fixação de incapacidade para o trabalho.
2 – O requerimento referido na alínea b) do número anterior deve ser fundamentado ou vir acompanhado de quesitos.
3 – (...).
Por sua vez, determina o artº 138º, nº2, que se na tentativa de conciliação apenas tiver havido discordância quanto à questão da incapacidade, o pedido de junta médica é deduzido em requerimento a apresentar no prazo a que se refere o nº 1 do artigo 119º; se não for apresentado, o juiz profere decisão sobre o mérito, fixando a natureza e graus de desvalorização e o valor da causa, observando-se o disposto no nº 3 do artigo 73º..
Formulado pedido de exame por junta médica, a este se procederá de harmonia com o artº 139º, nos termos do qual é facultativa a formulação de quesitos, devendo o juiz, no entanto, formulá-los se a dficulade ou a complexidade do exame o justificarem (nº6), assim como, se o considerar necessário, poderá determinar a realização d eexames e pareceres complementares ou requisitar pareceres técnicos (nº 7).
Por fim, dispõe o artº 140º, que o se a fixação da incapacidade tiver lugar no processo principal, o juiz profere decisão sobre o mérito, realizados os exames referidos no artigo anterior, fixando a natureza e grau de desvalorização e o valor da causa, observando-se o disposto no nº 3 do artigo 73º..

b) A questão é se o tribunal, com base em laudo emitido por junta médica, poderá fixar incapacidade mais desfavorável à que foi atribuída pelo exame singular e aceite pela parte não requerente da junta médica[3].
Não sendo a questão pacífica, esta Relação, no seu Acórdão de 14-02-05, in www.dgsi.pt (proc. nº 0414980), bem como o Supremo Tribunal de Justiça, nos seus Acórdãos de 14-12-05. in www.dgsi.pt (proc. nº 05S3642) e de 27.04.2006[4], in CJ, Acórdãos do STJ, 2006, TII, pág. 251 e segs., vieram a entender que, em tal situação, será de fixar a incapacidade de harmonia com o laudo pericial da junta médica e, transcrevendo anterior Acórdão desse mesmo mais alto Tribunal (de 14.12.05, proferido no processo nº 3642/05, da 4ª Secção), referiu o seguinte: «(...) a consequência processual que decorre da apresentação do requerimento de junta médica é a de remeter para a fase conenciosa a fixação da incapacidade. Pelo que a decisão de mérito a proferir quanto à natureza e grau de desvalorização haveria de ter em conta, tal como decorre do disposto no art. 140º do CPT, os novos elementos carreados para os autos nessa fase do processo e, em especial, a prova coligida através do exame feito pela junta médica.
O facto de o sinsitrado não ter obtido um resultado mais favorável no exame efectuado na fase contenciosa não implica que se represtine o resultado da perícia realizada na antecedente fase conciliatória. Na verdade, a tentaviva de conciliação terminou com um acordo quanto (...), mas não quanto ao grau de incapacidade.para o trabalho. Não tendo havido acordo sobre este último aspecto por o sinistrado não ter aceite o grau de desvalorização funcional fixado no exame médico, o que sucede é que o juiz ficou impedido de emitir, na fase concilatória, uma decisão judicial sobre essa matéria, a qual passou a estar dependente de exame a realizar por junta médica como requerido.
(...)
O sinistrado é que suporta o risco de ter preferido remeter a questão da incapacidade para a fase contenciosa, sabendo-se que o exame feito pela junta médica poderia dar um resultado diverso do que fora obtido na fase de conciliação e que um e outro são livremente apreciados pelo tribunal (art. 591º do CPC».
O citado Acórdão de 27.04.06. considera, ainda, que a aceitação, pela Seguradora, na tentativa de conciliação da natureza da incapacidade fixada não consubstancia qualquer declaração confessória (na medida em que apenas expressa a sua concordância com o exame pericial singular quanto à natureza e grau de desvalorização) e que «a discordância do sinistrado determina que a apreciação da questão, que passa a considerar-se controvertida, é relegada para a fase contenciosa independentemente da posição que as partes tenham assumido na tentativa de conciliação.».

Ora, não vemos que a doutrina do citado acórdão não deva ou possa ser transponível para o caso em apreço, não procedendo, salvo melhor opinião, a argumentação aduzida pelo Recorrente.
Com efeito, argumenta esta que a junta médica não poderia ter como objecto a questão da IPATH por, nos termos do artº 112º e 131º, nº 1, al. c) do CPT, ter quanto a ela existido acordo e, bem assim, que, se está na disponibilidade do discordante não reqeurer junta médica e, assim, provocar imediata decisão de mérito, por identidade de razão poderão circunscrever a matéria que considera controvertida.
A tal argumentação responde, pelas razões nele referidas, o citado acórdão, considerando que, uma vez requerido exame por junta médica, todas as questões relativas à incapacidade (seja quanto à sua natureza, seja quanto ao grau de desvalorização) passam a controvertidas..
Por outro lado, e pese embora o Recorrente, no requerimento de exame por junta médica, haja pretendido circunscrever a questão controvertida à do grau de IPP, mas não já à da IPATH, o certo é que, tendo, na tentativa de conciliação, discordado do resultado do exame médico singular (na qual, aliás, nem circunscreveu a discordância, apenas, em relação ao grau de IPP), determinou que a sua situação clinica, seja quanto á natureza ou grau da incapacidade, fosse objecto de nova perícia (agora colegial) e, consequentemente, de novos meios probatórios.
Por outro lado, e conjugando o referido com a imperatividade das normas legais atinentes a matéria infortunística e com a indisponibilidade dos direitos consequentes, não se nos afigura estar na disponibilidade das partes, designadamente de quem requer exame por junta médica, limitar o conhecimento das questões (médicas) que são, ou hão-de ser, submetidas a novo juízo pericial e, após, judicial (imperatividade essa que tanto vale em favor do sinistrado, como em seu desfavor). Aliás, nesse sentido aponta o artº 139º, nº 6, do CPT, nos termos do qual sempre incumbirá ao juiz formular quesitos, suscitando designadamente questões que tenha por pertinentes que as partes, intencionalmente ou não, não abordaram. Refira-se que em matéria de acidentes de trabalho tem plena aplicação o disposto no artº 74º [5] do CPT, que aliás o Recorrente parece reconhecer ao suscitar, agora e apenas no recurso, a questão do pagamento do subsídio de elevada incapacidade.
Acrescente-se que situações existem em que (sem que tenham sido previamente suscitadas), só no decurso da junta médica se vem a constatar que o sinistrado, afinal, não se encontra definitivamente curado (pese embora se houvesse, como tal e sem discordância, considerado na tentativa de conciliação), que outras sequelas existem que não foram tidas em conta no exame singular, que estas determinam IPATH ou afectam função inerente ou imprescindível ao desempenho do posto de trabalho justificativas da aplicação do factor de bonificação de 1,5 previsto no nº 5 das Instruções Gerais da TNI.
Ora, a acolher-se a tese da Recorrente, tal significaria que não poderiam elas ser tidas em conta, seja pela junta médica, seja pela decisão judicial. E,. face ao que se deixou dito e aos princípios e normas legais aplicáveis, não parece que seja esta a melhor e mais contentânea solução.

Afigura-se-nos, assim, em conclusão e salvo o devido respeito por opinião contrária, que nem a junta médica estava impedida de se pronunciar sobre a IPATH, nem à Mmª Juiz se impunha que a considerasse como matéria de facto assente.
Deste modo, e nesta parte, deverão improceder as conclusões do recurso.

c) Questão diferente, e que importa apreciar, é se os elementos probatórios existentes nos autos impõem ou sustentam a decisão de que o A. não se encontra afectado de IPATH, tal como decidido pelo tribunal a quo, ou se impõem ou sustentam decisão contrária, tal como pretendido pelo Recorrente.
E, desde já, se dirá que os elementos probatórios disponíveis, porque insuficientes, não permitem ou sustentam a decisão, em nenhum dos mencionados sentidos.
Vejamos.

O exame por junta médica constitui uma modalidade de prova pericial, estando sujeita às regra da livre apreciação pelo juiz (cfr. art. 389º do Código Civil e arts. 591º e 655º do CPC).
No entanto, muito embora o juiz não esteja adstrito às conclusões da perícia médica, certo é que, por falta de habilitação técnica para o efeito, apenas dela deverá discordar em casos devidamente fundamentados, designadamente com base em opinião científica em contrário, em regras de raciocínio ou máximas da experiência que, no âmbito da sua prudente convicção, possa extrair ou por razões de natureza processual que possam inquinar tal prova.
Como decorre do referido no Acórdão desta Relação de 05.02.07[6] tais exames não serão de considerar pelo tribunal, como elemento válido de prova pericial, se as respostas aos quesitos ou o relatório sejam deficientes, obscuros ou contraditórios ou se as conclusões ou respostas aos quesitos não se mostrarem fundamentadas.
Aliás, nos termos do nº 8 das Instruções Gerais da TNI, o resultado dos exames é expresso em ficha elaborada nos termos do modelo anexo, devendo os peritos fundamentar todas as suas conclusões (o sublinhado é nosso), do qual decorre que as respostas aos quesitos ou a fundamentação aduzida no laudo pericial deverão permitir com segurança ao julgador (que não é técnico de medicina) analisar e ponderar o grau de incapacidade a atribuir.
Por outro lado, para a apreciação, avaliação e decisão da existência de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, indispensável é que se apure e conheça qual o trabalho ou profissão habitual do sinistrado, assumindo particular relevância quer o inquérito profissional, que a permitirá, com segurança, apurar e conhecer, quer o estudo do posto de trabalho, que permitirá, designadamente, uma maior e melhor concretização do objecto da actividade profissional, das tarefas cuja execução a mesma impõe, do esforço exigido, das disfunções que, para a ela, o sinistrado apresenta, estudo e inquérito esses cuja realização, aliás, o nº 13, als. a) e b), das Instruções Gerais da TNI não só aconselham, como impõem.
Dispõe também o artº 41º, nº 2, do DL 143/99, de 30.04, que sempre que haja lugar à aplicação do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 17º [situação relativa à IPATH] e no nº 1 do artigo 19º da lei, o juiz pode requisitar o parecer prévio de peritos especializados, designadamente do Ministério do Trabalho e da Solidariedade.

No caso em apreço, o A. é portador de um coeficiente de desvalorização de 36,64% de IPP, o qual, de acordo com o enquadramento, constante da TNI, efectuado pela junta médica (tal como, também, o havia sido pelo exame singular), corresponde às seguintes sequelas:
- Consolidação de fractura da diáfise do fémur, em posição viciosa (...) - Capítulo I. 11.2.1.b);
- Sindrome pós-traumático (manifestado por cefaleias, senação de peso na cabeça, instabilidade no equilíbrio, dificuldade de concentração e de associação de ideias, fatigabilidae intelectual, alterações msnésicas, modificação do humor e do carácter, perturbações do sono) - Capitulo III.2.1.
- Perturbações neuróticas não psicóticas – Incluem as neuroses (estados ansiosos, estados fóbicos, estados obsessivos e compulsivos, depressão neurótica, neurastenia, hipocondria e outras) e as perturbações da adaptação (reacção depressiva prolongada ou com perturbações de afectividade não do tipo depressivo) no Grau II – Perturbações moderadas, com manifesta diminuição do nível de eficiência pessoal ou profissional) - Capítulo X 2.2. Grau II.
O exame médico singular havia considerado que as sequelas apresentadas pelo A. determinavam IPATH, no que foi acompanhado pelo perito do sinistrado que interveio na junta médica. Porém, os peritos médicos do Tribunal e da Seguradora, discordando, referiram tão-só que «Após observação do sinistrado e consulta do processo, os peritos por maioria entendem ser de atribuir uma IPP de 36,64%, sem incapacidade para a sua profissão habitual (comerciante)».
Ou seja, do laudo da junta médica apenas podemos concluir que os Srs. peritos médicos (por maioria) consideram que o sinistrado não se encontra afectado de IPATH, desconhecendo-se, no entanto e em absoluto, as razões em que tal conclusão se terá fundamentado, designadamente de que modo e com que intensidade poderão as sequelas apresentadas afectar ou condicionar, ou não, a execução das tarefas próprias da actividade profissional habitual do sinistrado.
Aliás, nem dos autos resulta, com segurança, qual a profissão habitual do sinistrado e, muito menos, quais as tarefas e esforço que, para a sua execução, eram ou teriam que ser levadas a cabo, por forma a podermos concluir de que modo as sequelas e disfunções apresentadas nelas influiriam.
Com efeito, no auto de tentativa de conciliação que teve lugar na fase conciliatória do processo nada se refere quanto a tal matéria, nem, tão-pouco, se refere a profissão do sinistrado (o que, também, não é referido no exame médico singular), sendo que dos autos não consta também qualquer inquérito profissional e/ou estudo do posto de trabalho.
Na verdade, as únicas referências, nos autos, à actividade profissional do sinistrado constam do documento de fls. 11, junto pela ré Seguradora com a apólice do contrato de seguro, do qual resulta tratar-se do quadro de pessoal da sociedade empregadora referente ao mês de Agosto de 2003, em que o A. nele figura com a «categoria» de sócio-gerente, bem como da referência, feita pelos Srs. peritos médicos do tribunal e da seguradora no relatório da junta médica, a que a actividade do sinistrado é a de comerciante, o que nos parece manifestamente insuficiente.
Aliás, a actividade de comerciante e/ou a qualidade de sócio-gerente são absolutamente vagas e genéricas, não permitindo, sequer, a determinação do ramo de actividade económica em que essa actividade se insere e, muito menos, a actividade/tarefas que, em concreto, o sinistrado executaria ou teria que executar.
Dos autos não resulta, também, que o tribunal a quo tivesse, ao abrigo do citado artº 41º, nº 2, do DL 143/99, de 30.04, solicitado qualquer parecer prévio.

A sentença recorrida, por seu turno, é parca no que concerne às razões que a levam a não atribuir a IPATH ao sinistrado, limitando-se a remeter, em sede de fundamentação aduzida, para o mencionado exame por junta médica.

Ora, pelo que ficou exposto, não se vê como se possa concluir pela verificação, ou não, da invocada IPATH.

Acresce que o sinistrado tem mais de 50 anos, pelo que, atentas as sequelas que apresenta e o disposto no nº 5, al. a), das Instruções Gerais da TNI (e caso porventura não apresente a invocada IPATH), sempre se poderá colocar a questão da (eventual) verificação de perda ou diminuição de função inerente ou imprescindível ao desempenho do posto de trabalho que ocupava com carácter permanente, e, em caso afirmativo, da consequente aplicação do factor de bonificação de 1,5, prevista em tal alínea. Ora, sobre tal questão também a junta médica e a sentença recorrida não se pronunciaram, sendo que, igualmente e pelas razões referidas, os autos não contêm os necessários elementos de prova.

Em face de tudo quanto ficou referido, impõe-se que o tribunal de 1ª instância ordene e leve a cabo as diligências que considere serem pertinentes, designadamente realização de inquérito profissional e estudo do posto de trabalho e/ou pedido de parecer prévio a que se reporta o citado artº 41º, nº 2, do DL 143/99 e repetição da junta médica para suprir as mencionadas irregularidades, com resposta total e fundamentada do laudo que emitam quanto à questão da IPATH ou pedido de esclarecimentos ao Srs. Peritos que integraram essa junta, também com essa finalidade, o que deverá ser determinado por esta Relação nos termos e ao abrigo do disposto no artº 712º, nº 4, do CPC.
*
3.3. Do subsídio de elevada incapacidade (cfr. ponto 1.B.b.3):
Quanto à última questão suscitada – do subsídio de elevada incapacidade – fica o seu conhecimento prejudicado pela decisão que, em face do acima referido, se impõe proferir.
*

IV. Decisão.
Em face do exposto, nos termos do art. 712º, n.º 4, do CPC, acorda-se em anular a sentença recorrida, devendo o tribunal de 1ª instância ordenar e levar a cabo as diligências que considere pertinentes, designadamente realização de inquérito profissional e estudo do posto de trabalho (bem como, se o considerar necessário, pedido de parecer prévio a que se reporta o citado artº 41º, nº 2, do DL 143/99), repetindo, também, a junta médica para suprir as mencionadas irregularidades, com resposta total e fundamentada do laudo que emitam quanto à questão da IPATH e, caso concluam pela sua inexistência, quanto à questão da aplicação do factor de bonificação a que se reporta a al. a) do nº 5 das Instruções Gerais da TNI, tudo nos termos supra referidos, e de seguida proferir decisão em conformidade.

Custas pela parte vencida a final.

Porto, 21 de Maio de 2007
Paula Alexandra Pinheiro Gaspar Leal Sotto Mayor de Carvalho
José Carlos Dinis Machado da Silva
Maria Fernanda Pereira Soares (Vencida quanto à questão da Junta Médica ter apreciado também a incapacidade do sinistrado relativamente à IPATH, conforme decisão que proferi, como relatora, no processo 4362/05 da 1ª secção)

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[1] Refira-se, por dever de ofício, que a sentença recorrida se limita a remeter para os «factos que as partes acordaram na tentativa de conciliação», sem que, contudo, os elenque.
[2] As disposições legais sem indicação da proveniência reportam-se ao CPT.
[3] Sobre esta questão veja-se, também, Prontuário do Direito do Trabalho, nº 72, Coimbra Editora, pág. 155 a 160.
[4] A propósito de situação em que o sinistrado, discordando na tentativa de conciliação da IPP de 24% atribuída pelo exame singular (e que foi aceite pelas aí RR), requereu junta médica, a qual lhe veio a atribuir uma IPP 15%.
[5] Nos termos do qual o Juiz deve condenar em quantidade superior ao pedido ou em objecto diverso dele quando isso resulte da aplicação à matéria provada, ou aos factos de que possa servir-se, nos termos do artigo 514º do Código de Processo Civil, de preceitos inderrogáveis de lei ou instrumento de regulamentação colectiva de trabalho.
[6] Proferido na Apelação 6104/06-4.