Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0723831
Nº Convencional: JTRP00041332
Relator: MARIA EIRÓ
Descritores: PLANO DE POUPANÇA REFORMA
PENHORA
Nº do Documento: RP200805060723831
Data do Acordão: 05/06/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO.
Indicações Eventuais: LIVRO 273 - FLS 57.
Área Temática: .
Sumário: O reembolso do valor investido/capitalizado de um plano de poupança reforma é exigível a qualquer tempo (apesar da perda dos benefícios fiscais), podendo, por isso, recorrer-se ao respectivo resgate, através de penhora, para se obter a satisfação de um crédito.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Agravo nº 3831.07.2
Relatora: Maria Eiró
Adjuntos: Proença Costa e Carlos Moreira.


Acordam no Tribunal da Relação do Porto

Nestes autos de execução ordinária que o exequente B………., SA moveu aos executados C………., Lda, D………., E………. e F………., devidamente identificados no processo foi requerida a penhora dos créditos dos executados e, ordenada esta, veio a G………., SA informar que existe um credito titulado pela apólice nº CH-……..70 inerente a Plano Poupança Reforma cujo vencimento ocorrerá em “5.7.2036, sendo titular o executado E………. e, a apólice nºCH-……93, também inerente a Plano Poupança Reforma, cujo vencimento ocorrerá em 25.7.2038, sendo titular a executada F………. conforme resulta de fls.305.
Mais informou a “G………., SA” que a disponibilização dos montantes afectos aos executados, está condicionada à verificação do condicionalismo previsto no art. 4 do DL 158/2002, de 2 de Julho.
Após conhecimento desta informação o exequente requereu que fosse dado cumprimento ao art. 860º, nº2 do CPC como se infere de fls. 308 dos autos.
O Mmo Juiz “a quo” indeferiu este requerimento alegando que a obrigação não está vencida, pelo que a depositária G………., SA não pode depositar as referidas verbas.
Deste despacho interpôs o exequente o presente recurso de agravo concluindo nas sua alegações:
1. O despacho recorrido indeferiu a penhora e depósito de quantias de apólices tituladas pelos executados;
2. As apólices (PPR) tituladas pelos executados, são de capitalização, ou seja, os montantes depositados são efectivamente reais, e são rentabilizados com o decurso do tempo,
3. A impossibilidade do depósito de quantias depositadas em apólices de capitalização, constituem um expediente, não só de fuga do património do devedor, assim como a obtenção de benefícios pelo devedor, através de montantes que deveriam liquidar as suas dívidas;
4. O banco exequente apenas pretende obter pagamento do seu crédito através dos bens ou direitos existentes no património dos devedores;
5. A decisão em crise viola o disposto nos arts. 821º nº 1 do CPC. Assim como as regras gerais da penhora dos bens do devedor.
Não foram apresentadas contra alegações.
O Mmo. Juiz manteve a sua decisão.
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Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões das alegações a questão a decidir consiste unicamente em saber se os créditos constantes dos PPRs podem ser resgatados, não obstante a datas do vencimento constante das respectivas apólices.
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A questão que se coloca no presente recurso resume-se em saber quando são exigíveis os créditos titulados pelas apólices em questão reportados aos PPRs. Ou melhor quando ocorre o seu efectivo vencimento.
O presente agravo reporta-se a uma acção executiva na qual se atingiu o ponto fulcral do processo – a penhora. A penhora constitui uma investida no património do devedor com vista a obter a cobrança coerciva da dívida.
A penhora tem como objectivo “… determinar os bens que hão-de ser expropriados e estabelecer a sujeição deles à acção executiva”, A. dos Reis, Processo de Execução, Vol. II, p. 90.
E, isto porque a “execução pressupõe que o devedor não cumpriu voluntariamente a obrigação; porque o devedor se constituiu em mora, o credor promove a acção executiva. Promove-a para quê? Para obter por meios coercivos, aquilo que ao devedor cumpria prestar. O fim geral da acção executiva exprime-se assim: obter para o exequente o mesmo beneficio, a mesma prestação, que lhe traria o cumprimento voluntário da obrigação por parte do devedor O órgão jurisdicional do Estado, dada a conduta ilícita do devedor substitui-se a este e procura fazer aquilo que o devedor deveria ter feito”, A. dos Reis, obra citada p.91.
Dito isto o tribunal vai fazer o lugar do devedor/ executado e impor a realização coactiva da dívida.
Mas afinal em que se traduzem os créditos emergentes dos PPRs, (Plano Poupança Reforma) para gerar esta polémica em torno do seu efectivo vencimento?
Os PPRs são produtos de poupanças.
Os Planos de Poupança são constituídos por certificados nominativos de um fundo de poupança que têm, no caso concreto, a forma de um fundo autónomo de uma modalidade de seguro do ramo vida, em que o título é representado pela respectiva apólice – arts. 1º, nºs 4 e 6 do DL 158/2002 de 2 de Julho.
Estes planos de poupança reforma dão lugar a fundos de poupança reforma especialmente vocacionados para a longa duração e, que se caracterizam pela solidez do seu investimento e, foram instituídos pelo DL 205/98 de 27 de Junho.
Segundo o preâmbulo deste diploma o principal objectivo foi fomentar a poupança a longo prazo, tendo em conta a sua relevância na economia portuguesa, na linha de uma orientação estratégica das políticas não só macro económicas, mas também, da Segurança Social.
O DL 158/2002 de 2 de Julho que veio revogar a legislação anterior sobre a matéria, reconheceu no seu preambulo o sucesso deste produto, na medida em que permitiu orientar um volume significativo para a poupança a médio e longo prazos destinada a satisfazer necessidades financeiras inerentes à situação de reforma e, bem assim, para o desenvolvimento de mercado de capitais.
O regime destes produtos assenta no equilíbrio entre a atribuição de benefícios fiscais e as especiais restrições que se estabelecem ao reembolso dos montantes investidos.
É neste último ponto que, se situa a divergência entre o entendimento do exequente e da decisão recorrida.
Vejamos.
Se tivermos em conta o que consta do documento constante de fls. poderemos concluir que os créditos não estão vencidos?
Esta interpretação é válida só em princípio.
O art. 4º do DL 158/2002 de 2 de Julho preceitua que o titular das aplicações financeiras só pode exigir o reembolso:
“a) Reforma por velhice do participante;
b)Desemprego de longa duração do participante ou de qualquer dos membros do agregado familiar;
c)Incapacidade permanente para o trabalho do participante ou de qualquer dos membros do seu agregado familiar, qualquer que seja a sua causa;
d) Doença grave do participante ou de qualquer dos membros do seu agregado familiar;
e) A partir dos 60 anos de idade do participante;
f) Frequência ou ingresso do participante ou de qualquer dos membros do seu agregado familiar em curso do ensino profissional ou do ensino superior, quando geradores de despesas no ano respectivo”.
Significa isto que a liberação do dinheiro só poderá ocorrer nestas circunstâncias específicas.
Prevê no entanto a lei a possibilidade do capital aplicado poder ser exigido fora destas situações extraordinárias, ou seja a qualquer tempo – “fora das situações previstas nos nºs anteriores o reembolso do valor do PPR/E pode ser exigido a qualquer tempo, nos termos contratualmente estabelecidos e com as consequências previstas nos nºs 4 e 5 do art. 21º do Estatuto dos Benefícios Fiscais”, art 4º, nº 5 do DL citado.
Isto quer dizer que o resgate poderá ser feito antes da maturação do contrato, mas acarreta uma penalização para o seu titular – a perda dos benefícios fiscais atribuídos como contrapartida da sua constituição em prazo e condições determinados na lei.
Se o reembolso das aplicações financeiras de que os executados E………. e F………. são titulares, são exigíveis a qualquer tempo, torna-se evidente ser inevitável que o recorrente recorra àquele resgate, através da penhora, para obter a satisfação do seu crédito de acordo com o principio geral consignado nos arts.601º do CC e 821º do CPC de que o património do devedor responde pelas suas dívidas.
Assim as entidades gestoras de fundos de poupança, enquanto depositárias, dispõem de valores que estão obrigadas a resgatar a pedido do respectivo titular, nos termos da lei – cf. arts 1º a 4º do DL 158/2002 de 2 de Julho – ou do tribunal, depositando neste caso as quantias nos autos.
Se o titular não o faz o tribunal, nos termos sobreditos, vai substituir-se ao titular respectivo através da penhora do crédito e “exigir” o depósito nos autos, que conduzirá à liquidação do título.
Esta penhora materializa um pedido de reembolso antecipado, pedido que deveria ser exercido pelos executados como titulares das apólices nos termos do art. 4º, nº 5 do DL 158/2002, de 2 de Julho. E, não foi. Por isso este direito, também pertence ao tribunal, que na sua qualidade de jus imperi se substitui ao respectivo titular, com vista à satisfação imediata do interesse do credor/exequente.
Atendendo ao principio basilar da boa fé, ainda se poderia entender que se aguardasse o vencimento constante das apólices, se este estivesse eminente, caso em que não faria sentido o depósito imediato sem proveito relevante para o exequente, e com manifesto prejuízo para o seu titular dada a perda dos benefícios.
Não sucede no caso sub-júdice. Os vencimentos ocorrem em 2036 e 2038.
Neste caso o princípio da boa fé tendo, em conta o regime dos PPRs em que está regulamentado o reembolso a todo o tempo, e numa ponderação adequada dos interesses em jogo, impõe que se opte pelo depósito imediato para satisfação dos direitos do credor.
O titular dos créditos tem a faculdade de levantar as quantias quando muito bem lhe aprouver. Assim sendo, não pagando a quantia em debito ao exequente (talvez por falta de outro património) devem entrar em acção estes créditos.
Recapitulando o reembolso do valor investido/capitalizado inerente aos PPRs encontra-se condicionado ao elenco de situações taxativas, e só poderá realizar-se ocorrendo essas causas justificativas se, se pretender a “frutificação normal” das quantias depositadas, designadamente a título de benefícios fiscais.
São estes benefícios que traduzem o incentivo à poupança a longo prazo.
Todavia nada obsta que se exija o reembolso a todo o tempo, como decorre expressamente da lei, e não decorre unicamente do contrato.
É aliás esta a orientação unânime da jurisprudência como decorre dos acs. da Rel. Lx. De 23.6.2005 e 19.9.2007, Rel. Porto de 20.12.2005 e 20.10.2006, in www.dgsi.pt e ac. Rel. Guimarães de 22.3.2006, in CJ, vol. II, p. 268.
Assim e porque estamos no âmbito de um crédito, no provimento do agravo revoga-se o despacho recorrido devendo dar-se cumprimento ao art. 860º do CPC com a redacção vigente antes da entrada em vigor das alterações introduzidas pelo DL 38/2003, com a notificação da “G………., SA” para depositar os créditos constantes das referidas apólices inerentes aos PPRs.
Custas pelos recorridos.

Porto, 2008.05.06
Maria das Dores Eiró de Araújo
João Carlos Proença de Oliveira Costa
Carlos António Paula Moreira