Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP00037497 | ||
| Relator: | PINTO DE ALMEIDA | ||
| Descritores: | HIPOTECA LEGAL RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS | ||
| Nº do Documento: | RP200412160436593 | ||
| Data do Acordão: | 12/16/2004 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
| Decisão: | CONFIRMADA A SENTENÇA. | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | A hipoteca legal está abrangida pela extinção prevista no artº 152 do CPEREF. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I. Por sentença, transitada em julgado, foi declarada a falência de B.......... . Abriu-se o concurso de credores, tendo sido reclamados créditos que não sofreram qualquer contestação. Entre os créditos reclamados consta o do Instituto de Gestão Financeira da segurança Social (IGFSS), no montante de 6.109.527$00, relativo a falta de pagamento de contribuições à Segurança Social referentes aos meses de Maio de 1999 a Janeiro de 2000 e respectivos juros de mora. No saneador foram considerados verificados os créditos reclamados, por não terem sido impugnados; os créditos foram aí graduados, tendo o aludido crédito do IGFSS sido considerado como crédito comum. Discordando desta decisão, dela interpôs recurso o reclamante IGFSS, de apelação, tendo apresentado as seguintes Conclusões: A) Quanto aos juros reclamados – parte final do art. 152º do CPEREF 1. Na douta sentença do Tribunal "a quo" não foi considerada a graduação do crédito reclamado, excepcionado pela 2ª parte do citado art. 152°, na nova redacção dada pelo DL 315/98 de 20/10, no montante de 565.206$00. 2. Assim, o crédito reclamado no montante de 565.206$00, deve ser excepcionado pela ultima parte do art. 152º do CPEREF e, relativamente aos bens apreendidos para a massa falida. O crédito do ora apelante, goza de privilégio mobiliário geral, devendo ser graduados logo após os créditos referidos na alínea a) do nº 1 do art. 747º do Código Civil. Este privilégio prevalece sobre qualquer penhor ainda que de constituição anterior (nºs 1 e 2 do art. 10º do DL 103/80 de 9/5 e nºs1 e 2 do art. 10º do DL 512/76 de 3/7). 3. O mesmo crédito goza ainda de privilégio imobiliário, graduando-se logo após os créditos referidos no art. 748º do Código Civil (art. 11º do DL 103/80 e art. 2º do DL 512/76). B) Quanto às hipotecas legais: 4. É algo incompreensível a graduação feita pelo Tribunal "a quo", uma vez que o citado art.152° nada dispõe relativamente às hipotecas legais constituídas por quem quer que seja, detendo-se apenas a regulamentar a extinção dos privilégios creditórios, do Estado e das instituições da Segurança Social, excepcionando a protecção aos créditos constituídos no decurso do processo de falência ou de recuperação. 5. O art. 152° nada dispõe relativamente às hipotecas legais constituídas por quem quer que seja, detendo-se apenas a regulamentar a extinção dos privilégios creditórios, acima descritos, do Estado e das instituições da Segurança Social, excepcionando a protecção aos créditos constituídos no decurso do processo de falência ou de recuperação. 6. Tal omissão não é de todo inócua nem tão pouco se resume a mero esquecimento. 7. Com o regime do art. 152° pretendeu o legislador tornar o Estado, as autarquias locais e as instituições de segurança Social, em entidades responsáveis e interessadas na viabilização das empresas em dificuldades económicas, minorando as situações de injustiça material de que eram alvo os credores comuns, nos processos falimentares, ao verem-se constantemente preteridos por aquelas entidades que, graças aos privilégios creditórios de que beneficiavam, eram quase sempre os únicos reclamantes a serem pagos a final. 8. Não prevendo este artigo igual consequência para os créditos das mesmas instituições garantidos por hipotecas legais. 9. Não se lhes aplicando a ratio subjacente ao referido preceito legal. 10. Estender o seu regime às hipotecas legais seria desvirtuar sem qualquer fundamento, o regime geral para estas estabelecido nos arts. 686°, 687°, 705° e 708° do Código Civil. 11. Pelo que, estando registadas as hipotecas legais a favor do ora apelante para garantia do seu crédito, tal crédito há-de ser graduado de acordo com as regras gerais. 12. Devendo assim, considerar-se o crédito garantido como privilegiado pelo produto da liquidação dos imóveis sobre que recaem as hipotecas que, no caso concreto, se traduzem nas verbas discriminadas a fls. 543 e seguintes da sentença de graduação de créditos, objecto do presente recurso. 13. Devendo assim, ser rectificada a sentença de verificação e graduação de créditos, graduando-se o crédito do ora apelante como privilegiado nos termos legais, 14. Com o devido respeito pelo principio da prioridade do registo. 15. Mas sempre antes do créditos comuns. 16. Pois a não ser desta forma estará a Segurança Social, seguramente, sacrificada potenciando-se um notório favorecimento em relação aos restantes credores. 17. Neste sentido, cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03/03/98 Proc. 71/98, in BMJ, 475, 548, Acórdão do STJ Revista nº 558/03-6ª, de 25/03/03, Acórdão do STJ de 8/2/2001, Proc. nº 3968/00, Acórdão do STJ Revista nº 1141/02, de 18/06/2002 in CJSTJ, X, 2°, pág. 114, Acórdão do STJ Revista nº 198/03, 2ª Secção de 27 de Maio de 2003, Ac Supremo Tribunal Justiça, processo nº 03B2779, de 29/01/2004, in www.dgsi.pt. Face ao atrás exposto, deverá ser dado provimento ao presente recurso, rectificando-se a sentença recorrida em conformidade, graduando-se o crédito da segurança social acompanhado da garantia da hipoteca legal que o protege, e ainda excepcionando-se e graduando-se o montante de 565.206$00, respeitante aos juros reclamados ao abrigo da ultima parte do artigo 152°. Não foram apresentadas contra-alegações. Após os vistos legais, cumpre decidir. II. Questões a resolver: - se parte do crédito do IGFSS está abrangido pela ressalva da parte final do art. 152º do CPEREF; - se a hipoteca legal registada por esse Reclamante se deve considerar ou não extinta em face do disposto nessa norma legal. III. Na apreciação do recurso importa ter em consideração estes factos: - a acção de recuperação, de que estes autos são apenso, foi instaurada em Março de 2000; - a falência foi aí declarada em 02.02.2001; - na sua reclamação – fls. 77 e segs. – o IGFSS incluiu contribuições referentes aos meses de Maio de 1999 a Janeiro de 2000, no montante de 4.710.046$00 e juros de mora vencidos até Fevereiro de 2001, no montante de 873.275$00; - entre Março de 2000 e Fevereiro de 2001, esses juros totalizam 565.206$00. IV. Cumpre apreciar as questões acima enunciadas, devendo, desde já, referir-se que, em relação a qualquer delas, se subscreve inteiramente a fundamentação da douta sentença, para ela se remetendo nos termos do art. 713º nº 5 do CPC. Será de acrescentar o seguinte: 1. No que respeita aos juros, como parece evidente, não assiste qualquer razão ao Recorrente (que, aliás, não infirma minimamente a fundamentação da sentença). Decorre da sua própria reclamação (cfr. factualidade descrita) que as contribuições em dívida respeitam a período anterior à instauração do processo de recuperação. Os juros reclamados derivam do não pagamento de tais contribuições. Assim, apesar de parte desses juros se ter vencido no decurso da acção, é manifesto que os juros respeitam a crédito constituído anteriormente, devendo considerar-se, na falta de disposição em contrário, uma obrigação acessória deste (cfr. art. 561º do CC) [Cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, 10ª ed., 875]. Consequentemente, não estão abrangidos pela ressalva final do art. 152º do CPEREF (… excepto os que se constituírem no decurso do processo de recuperação de empresa ou de falência). 2. A segunda questão – de saber se as hipotecas legais devem considerar-se abrangidas pela extinção prevista no citado art. 152º - tem gerado grande controvérsia quer na doutrina quer na jurisprudência. Disso nos dá conta Catarina Serra na anotação ao Ac. do STJ de 18.6.2002, em Cadernos de Direito Privado nº 2 – Abril/Junho de 2003, 73 e segs., onde escalpeliza a argumentação a favor de cada uma das teses, com abundante referência doutrinal e jurisprudencial. Conclui essa Autora que em função tanto do efeito virtual ou pedagógico da norma – de promoção da recuperação da empresa – como do seu efeito directo – de concretização da par conditio creditorum – aquilo que distingue os privilégios creditórios da hipoteca legal é irrelevante. Antes ressalta a sua afinidade. Quanto ao primeiro porque se os credores públicos pudessem manter, para os seus créditos, o benefício da hipoteca legal continuariam indiferentes à necessidade de se empenharem no processo de recuperação. Quanto ao segundo porque abolir os privilégios creditórios e manter a preferência resultante da hipoteca é, sob o prima da igualdade entre os credores concursais, manter tudo na mesma. Sendo alguns dos titulares desses privilégios, normalmente, também titulares de hipoteca legal (as instituições de segurança social), apesar de perdido o privilégio continuariam, por essa via, na sua situação privilegiada habitual. Ao longo da anotação, a referida Autora refuta a argumentação em sentido contrário assente na letra do preceito, afirmando que a letra da lei não é elemento único nem absoluto da interpretação. O que se invoca no acórdão é o argumento a silentio, sob a forma da máxima ubi lex voluit dixit, ubi nolit tacuit. Ora, este argumento não é incontestável. Se assim fosse nunca haveria espaço para a interpretação extensiva (…). Tão-pouco se trata de pensar que o legislador desconhece a distinção entre as figuras ou que, conhecendo, não sabe exprimir-se com correcção. Trata-se, isso, sim, de conceber que a falta de referência expressa se deve a omissão (…). Ora, pensa-se que, também a este propósito, lhe deve ser reconhecida razão. Com efeito, foi entretanto publicado o DL 53/2004, de 18 de Março, que aprovou o Código de Insolvência e de Recuperação de Empresas (alterado pelo DL 200/2004, de 18 de Agosto). Neste diploma estabelece-se um novo regime no que toca à extinção de privilégios creditórios e garantias reais com a declaração de insolvência – art. 97º. No seu preâmbulo afirma-se significativamente o seguinte: 24 – Os créditos privilegiados são os que gozam de privilégios creditórios gerais sobre bens integrados na massa insolvente, quando tais privilégios não se extingam por efeito da declaração de insolvência. Importa assinalar a significativa alteração introduzida no regime das hipotecas legais e dos privilégios creditórios que sejam acessórios de créditos detidos pelo Estado, pelas instituições de segurança social e pelas autarquias locais. Quanto às primeiras, e suprindo a omissão do CPEREF a esse respeito, que gerou controvérsia na doutrina e na jurisprudência, prevê-se a extinção apenas das que sejam acessórias dos créditos dessas entidades e cujo registo haja sido requerido nos dois meses anteriores à data do início do processo de insolvência. Quanto aos privilégios creditórios gerais, em lugar da extinção de todos eles, como sucede no CPEREF declarada que seja a falência, prevê-se a extinção tão-somente daqueles que se hajam constituído nos 12 meses anteriores à data de início do processo de insolvência. Quer dizer, é o próprio legislador a reconhecer que no diploma anterior existia uma omissão que deveria ser suprida; omissão que a ratio legis da norma – extinguir o regime de preferências dos credores públicos para promover o processo de recuperação – já denunciava (cfr. preâmbulo do DL 132/93, de 123 de Abril – ponto 6). Menos dúvidas temos, assim, em subscrever o entendimento acolhido na sentença recorrida de que a hipoteca legal está abrangida pela extinção prevista no art. 152º do CPEREF. Improcedem, por conseguinte, as conclusões do recurso. V. Em face do exposto, julga-se a apelação improcedente, confirmando-se a sentença recorrida. Sem custas, por delas ainda estar isenta nestes autos a Recorrente. Porto, 16 de Dezembro de 2004 Fernando Manuel Pinto de Almeida João Carlos da Silva Vaz Trajano A. Seabra Teles de Menezes e Melo |