Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0532737
Nº Convencional: JTRP00038244
Relator: OLIVEIRA VASCONCELOS
Descritores: SIMULAÇÃO
PROVA TESTEMUNHAL
Nº do Documento: RP200505190532737
Data do Acordão: 05/19/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA.
Área Temática: .
Sumário: Existindo elementos probatórios de natureza documental que objectivamente apontam para a existência de um negócio simulado, deve ser admitida a prova testemunhal a título complementar, mesmo que a simulação seja invocada por um simulador.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

Em 99.10.25, no Tribunal Judicial da Comarca de Santa Maria da Feira – ...º Juízo Cível – B.........., por si e na qualidade de representante de sua filha C.........., D..........., E..........., F........... e G............. instauraram a presente acção declarativa sob a forma de processo ordinário contra a Massa falida da Sociedade H........., Lda., representada pelo seu administrador I............ .

alegando
em resumo, que
- a escritura de compra e venda celebrada em 03 de Abril de 1987 e respeitante ao armazém aí melhor identificado em que a primeira, o penúltimo, a última e o pai dos demais autores foram intervenientes como vendedores e a "H..........., Lda." interveio como compradora foi simulada com a intenção consertada de todos eles de não pagarem aos credores dos primeiros

pedindo
a) que seja declarada a nulidade e de nenhum efeito por simulação daquele contrato de compra e venda;
b) ordenar-se o consequente cancelamento do respectivo registo a favor da sociedade falida "H........., Lda." e ainda de qualquer outro que, posteriormente àquela data, tenha sido efectuado com base na mesma escritura relativamente ao referido prédio urbano.

Contestando
a ré, também em resumo, excepcionou a falta de personalidade judiciária do administrador da massa falida, assim como da falta de capacidade judiciária dos três primeiros autores, impugnando no demais a versão apresentada por aqueles outros.

Os autores replicaram pugnando pela improcedência daquelas excepções.

Foi proferido despacho saneador, onde, além do mais, se julgaram improcedentes as excepções invocadas.

Inconformada, a ré deduziu agravo, a subir a final, na parte em que se reconheceu a capacidade judiciária dos autores, apresentando as respectivas alegações e conclusões.

Foi fixada a matéria assente e elaborada a base instrutória.

Além do mais, vieram os autores, a folhas 83, requerer a prova pericial sobre assinaturas constantes de um documento.
Por despacho proferido em 00.06.09, a folhas 98, foi admitida a referida prova.
Inconformada, a ré deduziu agravo, apresentando as respectivas alegações e conclusões.
Os autores contra alegaram, pugnando pela manutenção da decisão.
Por despacho 00.09.29, proferido a folhas 117 a 119, foi reparado o agravo e indeferida a prova pericial.
A requerimento dos autores e ao abrigo do disposto no n.º3 do artigo 744º do Código de Processo Civil, foi o agravo mandado subir com o primeiro recurso que a seguir houver de subir imediatamente.

Foi realizada audiência de discussão e julgamento.

Em 01.05.04, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente.

Inconformados, os autores deduziram apelação, apresentando as respectivas alegações e conclusões.

Por acórdão de 01.12.10, proferido nesta Relação, conhecendo-se o agravo sobre a capacidade judiciária dos autores, foi revogada a decisão e ordenado que o processo prosseguisse com a formulação de quesitos sobre a matéria, anulando-se o processado posteriormente ao despacho saneador.

Foi elaborada nova base instrutória e efectuada nova audiência de julgamento.

Em 05.02.07, foi proferida nova sentença, em que julgaram os autores partes legítimas e a acção totalmente procedente.

Inconformada, a ré deduziu a presente apelação, apresentando as suas alegações e conclusões.

Os autores contra alegaram, pugnando pela manutenção da sentença recorrida.

Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

As questões

Tendo em conta que
- o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões neles insertas - arts. 684º, nº3 e 690º do Código de Processo Civil;
- nos recursos se apreciam questões e não razões;
- os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido
são os seguintes os temas das questões propostas para resolução:
do agravo da decisão de folhas 98
A)- admissão da prova pericial
da apelação
B)- admissão da prova testemunhal;
C)- requisitos da simulação;
D)- abuso de direito.

Os factos

São os seguintes os factos que foram dados como provados, assinalando-se com letras os tidos como assentes e com números os provenientes das respostas aos quesitos:
- Por escritura pública outorgada em 03 de Abril de 1987, lavrada no 1.0 Cartório Notarial desta Comarca, a fls. 95 v., do livro n.º 1074-B, a autora B........... e o seu marido, J........., bem como o autor F........o e mulher G.........., declararam que "pela presente escritura, e pelo preço de seis milhões de escudos, já recebido, vendem, à sociedade (H........, Lda.) representada do segundo outorgante (L............), um armazém amplo, para a indústria, com terreno de logradouro, com área coberta de mil metros quadrados e descoberta de três mil cento e sessenta metros quadrados, a confinar do Norte com M............, Nascente com N..........., do Sul com caminho e do Poente com O..........., omisso na matriz, tendo já sido participada a sua inscrição em dois de Abril corrente, encontrando-se o solo descrito na competente conservatória sob o número 77.710, a fls. 161 v. do Livro B-199, com inscrição de transmissão feita a favor dos vendedores sob o n.º 51.207, a fls. 168 v. do livro C -oitenta e um", conforme doc. de fls. 6 a 9 - [al. A) dos Factos Assentes).
- A aquisição anteriormente referida encontra-se registada a favor de H..........., Lda., através da Ap. 01 - 25.09.87, conforme doc. de fls. 12 a 19 - [al. B) Factos Assentes].
- J............. faleceu em 30.12.96, conforme doc. de fls. 23 - [al. C) Factos Assentes].
- J............ faleceu no estado de casado com B............ - [al. D) Factos Assentes].
- C............, E........... e D.......... são filhos de J.......... e de B..........., conforme doc. de fls. 87, 89 e 90 - [al. E) Factos Assentes].
- Previamente a 03.04.87 os outorgantes combinaram celebrar a escritura de compra e venda referida na alínea A), sem a entrega de qualquer preço e sem a transmissão do prédio - [Resposta ao quesito 1º da Base Instrutória].
- Aquando da celebração da escritura de compra e venda referida em A), B.........., J........., F.......... e G......... não quiseram vender o prédio urbano aí identificado, nem a H......., Lda., representada por L......... o quis comprar - [Respostas aos quesitos 2º e 3º da Base Instrutória].
- As sociedades que ocupavam o referido armazém, designadamente a P........... Lda., pagavam as rendas ao Autor F........., apesar dos recibos serem emitidos pela H.......... Lda., sendo com aquele e com o falecido J.......... que tratavam todos os assuntos relacionados com esse contrato - [Resposta ao quesito 5º Base Instrutória].
- C........, E.......... e D.......... são os únicos filhos de J.........., o qual faleceu sem deixar testamento - [Respostas aos quesitos 7º e 8º da Base Instrutória].

Os factos, o direito e o recurso

Uma vez que o agravo foi interposto pelos apelados e atento ao disposto no n.º1 do artigo 710º do Código de Processo Civil, relega-se para o fim o seu eventual conhecimento.

B - Vejamos, então, como resolver a segunda questão.

Para sustentação da resposta ao quesito 1º, referente ao acordo simulatório, o tribunal “à quo” baseou-se em depoimentos de testemunhas.

A apelante entende que para prova de tal matéria não era admissível a prova testemunhal e mesmo que o fosse, em caso algum tal prova se poderia sobrepor à certeza da prova documental, dada a fragilidade e falibilidade desta prova.

Vejamos.

De acordo com o disposto no n.º1 do artigo 240º do Código Civil, são três os requisitos cuja verificação cumulativa é necessária para que haja uma simulação:
a) – a divergência intencional entre a vontade real e a vontade declarada;
b) – o intuito de enganar terceiros;
c) – o acordo simulatório.

A divergência entre a vontade real e a vontade declarada traduz-se na consciência, por parte do declarante, de que emite uma declaração que não corresponde à sua vontade real.

O acordo simulatório traduz-se em que a divergência entre a vontade e a declaração deve proceder de acordo entre o declarante e o declaratário (pactum simulationis).

O negócio simulado é nulo – n.º2 do referido artigo.

A nulidade do negócio simulado pode ser arguida pelos próprios simuladores entre si, ainda que a simulação seja fraudulenta – n.º1 do artigo 242º do mesmo diploma.

Neste caso, é inadmissível a prova por testemunhas do acordo simulatório e do negócio dissimulado, caso exista – n.º2 do artigo 394º do mesmo diploma.

Como escrevem Pires de Lima e Antunes Varela “in” Código de Processo Civil Anotado, em anotação ao referido artigo 394º, o objectivo desta proibição é afastar os perigos que a admissibilidade da prova testemunhal seria capaz de originar: quando uma das partes (ou ambas) quisesse infirmar ou frustrar os efeitos do negócio, poderia socorrer-se de testemunhas para demonstrar que o negócio foi simulado, destruindo, assim, mediante uma prova extremamente insegura, a eficácia do documento.

Ou seja, com essa limitação, a lei pretende obviar aos perigos e inconvenientes da prova testemunhal do acordo simulatório e do negócio dissimulado, não deixando, no entanto, os simuladores sem defesa, dado poderem os mesmos ter-se munido de prova escrita da simulação.

Compreende-se, assim, que, não obstante a formulação irrestrita das referidas normas, diversos autores tenham propugnado, na sequência da actividade hermenêutica efectuada, a admissibi1idade da prova testemunhal em determinadas circunstâncias excepcionais, mormente quando: (a) exista um princípio de prova por escrito; (b) se demonstre ter sido moral ou materialmente impossível a obtenção de uma prova escrita; (c) ou em caso de perda não culposa do documento que fornecia a prova.

É esta, por exemplo, a posição de Vaz Serra, que, a respeito da primeira das excepções enunciadas - haver um começo ou princípio de prova por escrito - escreveu o seguinte:
“Quando há um começo de prova por escrito, que torne verosímil o facto alegado, a prova testemunhal não é já o único meio de prova do facto, justificando-se a excepção por então, o perigo da prova testemunhal ser eliminado em grande parte, visto a convicção do tribunal se achar já formada parcialmente com base num documento” – “in” RLJ , 107º/311.

Na verdade, se é certo que a prova testemunhal fica excluída quando, sendo única, é invocada pelos próprios simuladores para demonstrar a simulação ou o negócio dissimulado, não é menos certo que estes podem utilizar outros meios de prova para demonstrar a simulação ou o negócio dissimulado, como seja, a prova documental Pires de Lima e Antunes Varela “in” Ob. Cit. em anotação ao citado artigo 394º.

Quer isto dizer que, existindo elementos probatórios de natureza documental que objectivamente apontam para a existência da falada simulação, não se vê por que razão não haja de ser admitida, a título complementar, a prova testemunhal.

Como escreveu Mota Pinto em Parecer (com a colaboração do Dr. Pinto Monteiro) sobre a “Arguição da Simulação pelos Simuladores publicado na CJ 1985 Tomo 3 páginas 11 e seguintes, se interpretada à letra, a regra enunciada no artigo 394º, seria susceptível de causar graves iniquidades, devendo admitir-se, por isso, algumas excepções que não se oponham à sua razão de ser.

Em sequência, o referido Autor escreveu o seguinte:
“Por razões de justiça, entendemos que a existência dum princípio de prova por escrito, tal como é definido e aplicado nos sistemas jurídicos francês e italiano, poderá permitir o recurso à prova testemunhal.
Com menos hesitação afirmamos ainda que, existindo já prova documental, susceptível de formar a convicção de verificação do facto alegado, é de admitir a prova de testemunhas, a fim de:
1º) Interpretar o contexto dos documentos, conforme expressamente prescreve o n.º3 do artigo 393º do Código Civil (…);
2º) Completar a prova documental, desde que esta, a existir (...), constitua, por si só, um indício que torne verosímil a existência de simulação, a qual poderá ser plenamente comprovada não só com a audição de testemunhas juxta scripturam - pelos esclarecimentos e precisões que venha a fornecer à interpretação dos documentos - mas também como modo de integração - complementar, repetimos - da prova documental”.

Neste sentido, ver os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 99.09.23 e de 02.11.26, da RP de 02.12.03, da RL de 99.01.21 e de 00.07.05, todos publicados em ww.dgsi.pt e da RL de 01.12.18 “in” CJ 2001 V 119.

Voltemos ao caso concreto em apreço.

Os autores invocaram nos artigos 15º, 16º e 17º da sua petição inicial factos relativos ao acordo simulatório e que deram origem ao quesito 1º da base instrutória e apresentaram como prova desse acordo um documento datado de 87.04.04 (documento n.º5) denominado de “termo de compromisso” - cujas assinaturas foram impugnadas pela ré - no qual consta que os outorgantes no contrato de compra e venda acima referido reconhecem que o aí declarado não corresponde à vontade dos outorgantes , visando apenas o mesmo pôr o prédio objecto do contrato a coberto de quaisquer penhoras, não tendo qualquer dos outorgantes a vontade de transferir o prédio e sido pago qualquer preço.

Como fundamentação das respostas aos quesitos, o tribunal indicou os documentos juntos pelas partes nos respectivos articulados, bem como os depoimentos prestados em audiência de julgamento.

Verifica-se, pois, que o tribunal, para sustentar a resposta positiva sobre o acordo simulatório, utilizou um documento escrito.

Ora, sendo certo que foram indicadas e ouvidas testemunhas ao quesito sobre o acordo simulatório, o facto é que já existia um principio, um começo de prova escrita sobre a matéria, que era precisamente o documento junto pelos autores denominado de “termos de compromisso”.

Assim e de acordo com o que acima ficou exposto, nada impedia o tribunal de utilizar aquele documento escrito como fundamento da resposta ao quesito nem estes depoimentos para interpretar ou complementar esse documento.

Sendo de salientar até que, pelo que consta do despacho de fundamentação das respostas aos quesitos, o tribunal não faz alusão, ao transcrever as partes dos depoimentos que considerou para a referida fundamentação, a qualquer matéria relacionada com o acordo simulatório, pelo que, em rigor, não se pode dizer que fundamentou o quesito sobre o acordo simulatório em prova testemunhal.

Concluímos, pois, que no caso concreto em apreço, mesmo admitindo que o tribunal baseou a resposta ao quesito sobre o acordo simulatório também em prova testemunhal, tal era admissível.

C – Atentemos na terceira questão

Entende a apelante que em face da matéria dada como provada não se pode concluir pela intenção de enganar terceiros, um dos requisitos para a existência da simulação.

Cremos que também não tem razão.

Conforme referiu a respeito deste requisito o Prof. Manuel Andrade “in” Teoria Geral da Relação Jurídica, II volume , página 170, “não se deve confundi-lo com o intuito de prejudicar. Enganar quer dizer iludir. E pode ter-se em vista enganar terceiro não para prejudicá-lo, mas para se defender um legítimo interesse próprio ou até para beneficiar terceiro”.

Ora, embora não se tivesse provado que os intervenientes da escritura de compra e venda em causa pretendesse, prejudicar os credores dos vendedores – cfr. resposta negativa ao quesito 4º - o certo é que se provou que os vendedores não quiseram vender o armazém e logradouro objecto daquele contrato, nem a compradora o quis comprar e que a renda devida pelo arrendamento daquele armazém e logradouro era paga ao vendedor F..........., apesar de os recibos serem emitidos pela compradora “H.......... Lda.” e que um dos outros vendedores, J........., é que tratava de todos os assuntos relacionados com aquele contrato.

Face à conjugação destes factos, entendemos ser de presumir, de acordo com as regras da experiência, que os outorgantes no contrato tiveram a intenção de enganar terceiros, pois o facto de as partes não quererem os efeitos do contrato e os vendedores continuarem a usufruírem dos rendimentos do armazém e a tratar de assuntos com ele relacionados, indica claramente que a aparência do negócio foi criada para enganar terceiros.

É a conclusão lógica que de tem que tirar desses factos, sendo que não existem quaisquer outros elementos que nos permitam contrariar este juízo de probabilidade baseado nas máximas a experiência, tanto mais que nem sequer foram alegados pela ré.

Concluímos, pois, pela verificação do requisito da simulação em causa.

D – Vejamos agora a quarta questão.

Entende a apelante que os autores apelados actuaram com abuso de direito na modalidade de “venire contra factum proprium” porque teriam criado em si – e nos seus credores – a confiança em que o prédio pertencia à sociedade falida.

Mais uma vez não tem razão.

A noção de abuso de direito foi consagrada no art.334º do Código Civil segundo a concepção objectiva, conforme salienta Antunes Varela ao escrever: “para que haja lugar ao abuso de direito, é necessária a existência de uma contradição entre o modo ou o fim com que o titular exercer o seu direito e o interesse a que o poder nele consubstanciado se encontra adstrito” - Das Obrigações, vol.II, 5ª ed. p.516.

Esta contradição é patente nos actos de “venire contra factum propium”: são os casos em que uma pessoa pretende destruir uma relação jurídica ou um negócio, invocando, por exemplo, determinada causa de nulidade, anulação resolução ou denúncia de um contrato, depois de fazer crer à contra parte que não lançaria mão de tal direito ou depois de ter dado causa ao facto invocado como fundamento da extinção da relação do contrato - Antunes Varela, ob.cit., p.517.

Conforme sublinha Baptista Machado “in” Tutela de confiança e “venire contra factum proprium” - Obra Dispersa, vol.I, p.385, a ideia imanente a esta proibição é a do dolus praesens, isto é, que a conduta sobre que incide a valoração negativa é a conduta presente, sendo a conduta anterior apenas ponto de referência para, tendo em conta a situação então criada, se ajuizar da conduta actual.

Na decorrência do exposto, enumera aquele mestre, a pp.415 a 418 da citada obra, três pressupostos para o desencadeamento dos efeitos do instituto:
1º - uma situação objectiva de confiança: uma conduta de alguém que de facto possa ser entendida como uma tomada de posição vinculante em relação a dada situação futura.
2º - investimento na confiança: o conflito de interesses e a necessidade de tutela jurídica surgem quando uma contra parte, com base na situação de confiança criada, toma disposição ou organiza planos de vida de que surgirão danos, se a confiança legitima vier e ser frustrada.
3º - boa fé da contra parte que confiou: a confiança do terceiro ou da contra parte só merecerá protecção jurídica quando tenha agido de boa fé e com cuidados e precauções usuais no tráfico jurídico.

Posto isto, vejamos se no caso concreto em preço se verificam estes três pressupostos.

Para que o primeiro requisito se tivesse como verificado, necessário era que se demonstrasse que os apelados procederam em termos de criar na apelante a expectativa de que a nulidade do contrato por vicio de forma jamais seria arguida - cfr. Mota Pinto “in” Teoria Geral da relação Jurídica 3ª ed. pp. 437 e 438.

E, como se diz no acórdão do STJ de 99.03.11 “in” CJ STJ 1999 I 154, invocando os princípios gerais de interpretação das declarações ínsitos nos arts.236º, nº1 e 237º do CC, o quantum relevante de credibilidade para integrar uma previsão de confiança, por parte do factum proprium, é função do necessário para convencer uma pessoa normal, colocada na posição do confiante, tendo em conta o esforço realizado pior este na obtenção do factor a que se entrega.

No caso concreto em apreço, a nulidade que está em causa é a proveniente da simulação do contrato de compra e venda entre aos autores e a sociedade falida.

Será que o comportamento, o “factum proprium” dos apelados, tinha capacidade para convencer uma pessoa normal de que a nulidade jamais seria invocada?

É evidente que não.

Na verdade, não existem quaisquer factos relativos ao comportamento dos autores que permitam concluir que jamais arguiriam a nulidade derivada da simulação.

Antes e pelo contrário, sendo o contrato de compra e venda simulado e a sociedade falida aí compradora, é de concluir que uma entidade normal, colocada na sua posição, jamais se convenceria que o negócio era para valer, ou seja, que nunca seria invocada a simulação.

Vejamos agora o segundo requisito.

Parece-nos também evidente a sua inexistência.

Na verdade, não querendo a sociedade falida comprar o prédio em causa e, consequentemente, integra-lo a esse título no seu património, como sustentar que podia tomar qualquer disposição ou organizar qualquer plano com base naquela integração e naquele título?

Sendo que em relação à massa falida, sempre o titular de um bem que não pertencesse à sociedade falida, por objecto de um negócio simulado, poderia reivindicar esse bem, sem que tal pudesse constituir, só por si, um abuso de direito.

Finalmente, vejamos se se verifica o terceiro requisito.

Será que é de aceitar que a sociedade falida, na altura em que o contrato de compra e venda foi outorgado, desconhecia que um negócio simulado era nulo?

É evidente que não, tanto mais que nada foi alegado sobre a questão.

Não se verificam, assim, os requisitos acima enunciados para a existência de abuso de direito por parte dos autores.

Apenas mais uma nota.

Dispõe-se no n.º1 do artigo 243º do Código Civil que “a nulidade proveniente da simulação não pode ser arguida pelo simulador contra terceiro de boa fé” e no n.º 2 do mesmo artigo que “a boa fé consiste na ignorância da simulação ao tempo em que foram constituídos os respectivos direitos”.

Em termos gerais, são terceiros, para efeito de simulação, quaisquer pessoas que não sejam os simuladores, nem os seus herdeiros (ou legatários) – Manuel Andrade “in” ob. cit., II volume, página 198.

Sendo assim, é evidente que a sociedade falida, simuladora do negócio em causa, não pode ser considerada terceiro.

Nem o seu património apreendido para a massa falida e que a constitui, carente que era de qualquer autonomia em relação à sociedade.

A – Vejamos agora o que fazer ao agravo acima referido.

Face ao que ficou dito nas questões anteriores, a sentença recorida vai ser confirmada.

Ora, sendo o agrvao interposto pelos apelados, o mesmo só seria apreciado de a sentença não fosse confirmada – n.º1 do artigo 710º do Código de Processo Civil já citado.

Nestes termos, não se conhece o agravo.

A decisão

Nesta conformidade, acorda-se em
- julgar improcedente a presente apelação e assim, em confirmar a sentença recorrida;
- não conhecer o agravo.
Custas da apelação pela apelante.
Agravo sem custas.

Porto, 19 de Maio de 2005
Fernando Manuel de Oliveira Vasconcelos
José Viriato Rodrigues Bernardo
João Luís Marques Bernardo