Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0552012
Nº Convencional: JTRP00038091
Relator: PINTO FERREIRA
Descritores: ARRESTO
Nº do Documento: RP200505230552012
Data do Acordão: 05/23/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO.
Área Temática: .
Sumário: I - Pese embora o arresto incidir, em princípio, sobre bens do requerido/devedor, poderá também incidir sobre bens deste que estejam, por qualquer título, em poder de terceiro, este terceiro entendido como pessoa contra quem o arresto não foi dirigido.
II - Tais bens do devedor, mesmo estando em poder de terceiro, continuam, até prova em contrário, a serem seus.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I – Relatório

B.........., Lda, sociedade com sede em .........., .........., intentou providência cautelar de arresto preventivo contra C.........., Lda, sociedade com sede e estabelecimento comercial na Rua .........., .........., com fundamento no facto de ser credora desta do montante de 25.013,45 €, de carne fornecida e não paga, indicando o bem a arrestar.
Ouviram-se as testemunhas indicada e ordenou-se o arresto do bem indicado, qual seja do estabelecimento da sede da requerida, sendo que este foi efectuado, bem como o recheio, como consta de fls. 56 e 57.
Entretanto, a requerente indica outros bens a arrestar (fls. 47 a 49), designadamente, bens que compõem a parte do estabelecimento e retiradas anteriormente e duas viaturas ligeiras de mercadorias.
A requerente vem informar o tribunal (fls. 61) que os bens da requerida foram levados do estabelecimento por “D.........., Lda”, requerendo, por sua vez, o arresto de bens que havia indicado anteriormente a fls. 47 a 49, com remoção, ao que foi parcialmente deferido, incidindo apenas no móveis e não sobre os veículos ligeiros de mercadorias, por estes já não pertencerem à sociedade requerida.
Ordenada a deprecada para arresto destes móveis, devolve-se a mesma com a informação (fls. 151 e 152) que as máquinas a arrestar foram umas vendidas e outras dadas para pagamento de dívidas.
Perante tal insucesso, requer a requerente (fls. 167 a 169) que a firma D.........., Lda e os compradores dos móveis sejam notificados para devolverem á requerida tais bens, para se proceder ao arresto dos mesmos.
Profere-se, então despacho que considera que decorria do auto de arresto de fls. 151 e 152 que os bens ordenados arrestar por despacho de fls. 95 não se encontram no local indicada e que, aliás, a própria requerente aceita que os mesmos foram já vendidos a terceiro (fls. 160 e ss.), donde concluir que a diligência pretendida e ordenada não pode ser efectuada (por ausência de bens) e que restava à requerente agir processualmente contra a interveniente no negócio de alienação dos bens a arrestar, litigância que, como é evidente, não poderá ser efectuada nestes autos, por falta de suporte legal para a mesma, pelo que o indeferimento de tal pretensão (fls. 160 e ss. e 167 e ss.)
Inconformado com este despacho, recorre a requerente.
Recebido o recurso, apresentam-se alegações e sustenta-se o despacho agravado.
Colhidos os vistos legais, nada obsta ao conhecimento do recurso.
*

II – Fundamentos do recurso

O âmbito dos recursos é limitado ao teor das conclusões – artigos 684º n.º 3 e 690º n.º 1 do CPC – artigos 684º n.º 3 e 690º n.º 1 do CPC –
Daí a justificação para a sua transcrição que, no caso, foram:

1 – O arresto dos bens que a requerente nomeou a fls. 47 e 48 dos autos foram doutamente ordenados.
2 - Tal despacho não foi impugnado por quem quer que seja e terá de ser cumprido.
3 - A interveniente "D.........., Lda", conhecendo-o, pelo menos, desde 04 de Julho de 2004, também, não o impugnou;
4 - Os bens a arrestar não são ausentes, existem e sabe-se onde estão;
5 - Se tal conhecimento não for suficiente à sua localização, conhece--se as pessoas que os possuem e onde estão;
6 - O Tribunal "a quo" tem meios ao seu alcance para os localizar;
7 - A "oposição" ao arresto deduzida pela interveniente "D.........., Lda" não tem qualquer valor, nem constitui o meio processual próprio;
8 - Para além disso, nenhuma prova fez sobre as razões que expandiu em tal "oposição";
9 - Ao contrário, a requerente demonstrou, e nunca foi por ninguém contrariado, que os bens nomeados são propriedade da requerida e que o "acordo" que se diz ter sido celebrado entre a requerida e a interveniente "D.........., Lda" nunca o foi;
10 - Se algo significa o anómalo documento, será uma declaração do E.........., em seu próprio nome e não em nome de alguém;
11 - Mesmo assim, desse documento nada resulta quanto à vontade declarada;
12 - "Passo o Título de Dívida" e " Autorizo a firma D.........., Lda a retirar os pertences do Talho", nenhum vínculo cria à requerida, nem direitos dá àquela firma sobre os bens da requerida;
13 - O juiz tem o poder-dever de dirigir o processo e promover todas as diligências necessárias ao normal prosseguimento da causa;
14 - Tem o poder-dever de ordenar todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio;
15 - Assiste ao juiz observar o princípio de cooperação, bem como a todos os sujeitos processuais;
16 - Se os bens estão em poder de terceiros, como se verifica, tem o juiz o poder de os fazer apresentar ou apreender;
17 - Para tal efeito poder-se-á usar a força público, proceder a buscas e demais diligências necessárias à detecção dos bens e à sua apreensão efectiva;
18 - A todos cabe o dever de obediência, sob pena de responderem criminalmente e sofrerem pena;
19 - As diligências requeridas pela requerente são pertinentes e deverão ser ordenadas;
20 - Deverá o M.mo Juiz "a quo" ordenar, doutamente, que se procedam a todas as diligências necessárias à efectivação do arresto dos bens propriedade da requerida e identificados nos autos pela requerente;
21 - Se o arresto ofender os direitos de posse ou de propriedade de terceiros, têm estes meios de defesa ao seu alcance;
22 - Sob prova em contrário, os bens em causa são propriedade da requerida.
23 - Mesmo que a requerente tivesse concordado que houve venda, o que com o devido respeito, não se concede, o M.mo Juiz "a quo" não tinha de concordar com isso e nisso firmar o seu douto despacho.

Com o seu despacho, violou o M.mo Juiz "a quo" entre outras, as normas dos art.s 264°; 265°; 266°, n.ºs 1 e 2; 406°, n° 2; 407°, n° 2; 531º; 535°; 537°; 659°, n° 2 e 663°, n° 2, todos do C. P. Civil.
*

III – Os Factos e o Direito

O inconformismo da agravante assenta no despacho que indeferiu a apreensão de bens da arrestada por se ter entendido que os bens já não se encontravam na esfera jurídica desta, por terem sido vendidos uns e por terem sido dado outros para pagamento de dívidas, tudo na sequência da deprecada enviada para o efeito e da informação nela constante( fls. 151).
A execução fora instaurada contra C.........., Lda e foi enviada deprecada, por informação e a pedido da requerente e com fundamento de que os bens que compunham o estabelecimento da executada, que indica e aponta a fls. 47 e 48º dos autos, teriam sido retirados e levados por D.........., Lda, com sede em .......... .
Nos autos, fls. 129 a 131, consta uma informação desta firma na qual explica que recebeu, por acordo de 20 de Janeiro de 2004, alguns bens da requerida, a título de dação em pagamento, dado ser credora da requerida, tendo-os levantado. Informa ainda onde se podem encontrar alguns desses bens.
Contesta a requerente.
Porém, de tudo o que dos autos consta, podemos concluir que os bens a arrestar existem, embora não no local indicado pelo requerente, nem em poder da executada mas em poder de terceiros, sendo que a requerente aceita mesmo que alguns terão já sido vendidos a terceiros.
Mas sabe-se também que tais bens foram levados pela D.........., Lda, para pagamento de dívidas, por dação em pagamento, vendendo-os a pessoas devidamente identificadas.
Ora, perante estas circunstâncias deverá o tribunal manter e ordenar o arresto dos bens, como pretende a agravante, ou proceder conforme fez o tribunal que concluiu que a diligência pretendida e ordenada não pode ser efectuada, por ausência de bens, restando apenas à requerente agir processualmente contra a interveniente no negócio de alienação dos bens a arrestar.

Vejamos

O artigo 406º n.º 1 do CPC determina que o arresto tem de incidir sobre bens do devedor.
No seu n.º 2 fixa-se que o arresto consiste numa apreensão de bens, aplicando-se-lhe as disposições relativas à penhora, em tudo quanto não contrariar o preceituado nesta subsecção.
O tribunal havia ordenado o arresto e não há impugnação de tal despacho.
Este procedimento cautelar aplica-se quando o credor se apresenta com uma probabilidade séria da existência do seu direito e quando ocorra, cumulativamente, um justificado receio da perda, total ou parcial, da sua garantia patrimonial.
Deste modo, tem o instituto do arresto em vista e como finalidade principal obstar a que o credor veja frustrado o pagamento do seu crédito com a falta do património do devedor, sendo uma forma ágil e expedita de acautelar um direito de crédito, constituindo um meio de conservação da garantia patrimonial dos credores – art. 619º do CC -.
É sabido que o arresto constitui uma penhora antecipada e que exerce uma função instrumental relativamente ao processo executivo e, atendendo a este nexo de dependência, aplicam-se-lhe naturalmente a generalidade do regime previsto para a penhora.
Daí que a remissão que é feita pelo n.º 2 do art. 406º do CPC para o regime da penhora, respeitando aos seus efeitos civis, sendo-lhe aplicáveis, entre outras, as normas dos artigos 821º a 832º (penhorabilidade dos bens), além de, por via directa, os artigos 351º a 359º dos embargos de terceiro - Lebre de Freitas, CPC Anotado, vol. 2º, pág. 121-.
Do arresto, consistente numa apreensão judicial de bens a entregar a depositário, resulta ainda, tal como na penhora, a faculdade concedida ao arrestante de obter pagamento com preferência a qualquer credor que não tenha garantia real anterior à data em que é efectuado – art. 822º n.º 2 do CC - , ou incidindo sobre bens sujeito a registo, à data em que é registada – art. 838º n.º 4 do CPC –
Como acentuamos e deixamos já dito, é aplicável ao arresto, entre outros, o art. 831º do CPC que determina que «Os bens do executado são apreendidos ainda que, por qualquer título, se encontrem em poder de terceiro, sem prejuízo, porém, dos direitos que a este seja lícito opôr ao exequente»
Lebre de Freitas, CPC Anotado, vol. 3º, pág. 385, explica que o conceito de terceiro que está em causa no n.º 1 do art. 831º do CPC é o terceiro relativamente à execução, isto é, de pessoa contra quem esta não foi dirigida e não o terceiro previsto no art. 821º n.º 2 que será terceiro relativamente à obrigação.
E considera que, não obstante esta regra, o terceiro não executado mas possuidor ou detentor dos bens, por poder ser titular de algum direito sobre o bem que possui ou detém, ser-lhe-á consentido que se oponha, maxime, por embargos de terceiro, verificados que sejam os requisitos legais.
Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, vol. IV, referindo-se ao art. 831º do CPC, explica que o facto de os bens a penhorar se encontrarem na posse de terceiro não obsta à realização da diligência e que o uso da expressão «ainda que por qualquer título» indica que aquela regra não tem excepções. E mais adiante acentua que se essa diligência for ofensiva de direitos que o terceiro possuidor possa opor ao exequente, tal circunstância não será impeditiva da penhora, sendo ao terceiro que caberá opôr ao acto as medidas judiciais que ao caso couberem, designadamente os embargos de terceiro.
No mesmo sentido se manifesta Lopes do Rego, Comentários ao CPC, vol. II, pág. 62, quando afirma que a mera detenção material dos bens a penhorar por terceiro não obsta à realização da penhora, cuja admissibilidade e âmbito só pode ser afectado pela invocação pelo terceiro de um direito que, sendo oponível ao exequente, segundo as regras do direito material, prevalece sobre o direito deste a efectivar a garantia geral do crédito de que é titular.
Do Relatório do DL n.º 329-A/95, resulta que se visou alguma clarificação sobre a penhorabilidade de bens do executado que estejam em poder de terceiro, esclarecendo que, não obstando naturalmente tal posse ou detenção, só por si, à realização da penhora, ela não é susceptível de não precludir os direitos que ao terceiro seja lícito opor ao exequente, mas colocando-os, quanto à determinação de prevalência e oponibilidade entre tais direitos em colisão, no campo do direito substantivo, salvaguardando-se, nestas situações, o sigilo deste procedimento cautelar.
Ora, volvendo ao caso em apreço, não está demonstrado ainda nos autos, apesar dos requerentes trocados, que os bens estejam em poder de terceiro por qualquer meio idóneo ou legítimo. As referências feitas a “dação em pagamento” e “vendidos” são meramente verbais, sem qualquer apoio documental, contrariadas e impugnadas mesmo pelo exequente, inexistindo, por não apresentado nem verificável, qualquer título válido e eficaz da eventual transmissão operada.
Mas estando em poder de terceiro, “ainda que por qualquer título” este será terceiro em relação à execução, por ser pessoa contra quem não foi dirigida a execução, podendo-lhe ser oposto o art. 831º do CPC, ou seja, serem os bens apreendidos “ainda que por qualquer título” se encontrem em seu poder.
Ao terceiro caberá, desde que seja titular de algum direito sobre os bens, opor-se, maxime, por embargos de terceiro.
Explica Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, IV volume, pág. 194 e 195, que o arresto pode incidir sobre bens de terceiro quando seja requerido na dependência funcional da acção de impugnação pauliana – artigos 407º n.º 2 do CPC e 619º n.º 1 do CC -.
Mas esta apreensão não se confunde com o arresto de bens do devedor que se encontrem na posse de terceiro, prevista no artigo 831º CPC quanto à penhora e aplicável ao arresto (n.º 2 do art. 406º), uma vez que os bens, nestas situações, continuam a pertencer e a integrar o acervo patrimonial do devedor.
Deste modo e com esta interpretação se dá guarida e apoio ao fim último do arresto e que esteve na base do pensamento do legislador, que consiste em fornecer ao titular de um crédito, mas com receio da perda da garantia patrimonial do devedor, um meio idóneo e poderoso para obrigar os devedores relapsos a cumprirem as suas obrigações.
Portanto, contrariamente ao entendimento manifestado pelo tribunal a quo, não será o requerente/arrestante que terá de usar os meios judiciais e processuais contra o interveniente no negócio de alienação do bens a arrestar, contra o terceiro que por qualquer título esteja na posse de bens do devedor, mas antes, este adquirente dos bens do arrestado/devedor é que poderá, querendo, usar os meios dos artigos 351º n.º 1 e 356º, embargos de terceiro suspensivo, ou o art. 359º, ambos do CPC, este como preventivo, verificados os requisitos correspondentes.
Portanto, pese embora o arresto incidir, em princípio, sobre bens do requerido/devedor, poderá também incidir sobre bens deste que estejam, por qualquer título, em poder de terceiro, este terceiro entendido como pessoa contra quem o arresto não foi dirigido.
É que estes bens do devedor, mesmo estando em poder de terceiro, continuam, até prova em contrário, a serem seus.
Haverá que conferir ao processo executivo uma eficácia para a realização prática de quem seja titular de um direito, mais ainda quando se trata de direitos já reconhecidos, por forma a que se consiga fornecer, a quem é seu detentor, meios judiciais que, com brevidade e eficácia, os realize, ainda que coercivamente. Foi este o sentido das alterações produzidas no processo executivo, conforme resulta do Preâmbulo do DL 329-A/95.
Permitir que a simples posse ou detenção de bens do devedor por terceiro, a qualquer título, fosse inibidora do arresto, seria potenciar a formação de conluios e acções destinadas a evitar a efectivação da diligência.
Ao requerente foi reconhecido um direito de crédito e ordenado o arresto em bens do devedor
Daí que, a decisão impugnada de indeferimento da pretensão do requerente de apreensão de bens do executado, mesmo na posse de terceiro, não corresponda ao sentido e querer das normas aplicáveis, havendo que dar razão à agravante, donde a conveniência na sua revogação e substituição por outro em que se ordene o prosseguimento dos autos, com efectiva apreensão dos identificados bens da requerida, mesmo que, a qualquer título, na posse de terceiros.
*

IV – Decisão

Assim, pelos fundamentos acima expostos, acorda-se em se dar provimento ao recurso e revogar a decisão agravada, devendo ser substituída por outro, nos termos supra indicados.
Custas pela executada.
*

Porto, 23 de Maio de 2005
Rui de Sousa Pinto Ferreira
Joaquim Matias de Carvalho Marques Pereira
Manuel José Caimoto Jácome