Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0716626
Nº Convencional: JTRP00041033
Relator: DONAS BOTTO
Descritores: CONDUÇÃO SOB O EFEITO DE ÁLCOOL
ALCOOLÉMIA
Nº do Documento: RP200802060716626
Data do Acordão: 02/06/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: LIVRO 513 - FLS 86.
Área Temática: .
Sumário: Na verificação da taxa de álcool no sangue através de analisador quantitativo não tem que entrar-se em linha de conta com qualquer margem de erro.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam em audiência no Tribunal da Relação do Porto

No 1º juízo do Tribunal Judicial de Paredes, foi o arguido B………., devidamente identificado nos autos, foi julgado e condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 292º, n.º 1, e 69.°, nº 1, alínea a), do Código Penal, na pena de 60 (sessenta) dias de multa, à taxa diária de € 7,50 (sete euros e cinquenta cêntimos), e na pena acessória de inibição da faculdade de conduzir veículos motorizados pelo período de 3 (três) meses.

Inconformado, veio o arguido recorrer desta decisão, cujas conclusões se passam a transcrever:
Da análise dos factos dados como provados e não provados resulta que o Tribunal “a quo” fez errada apreciação da prova produzida.
Isto pode ser comprovado com uma escuta simples e cuidada da cassete que serviu para documentar a audiência de julgamento.
As provas produzidas em audiência de julgamento consistiram nas declarações prestadas pelo arguido e no depoimento da testemunha C……….; soldado da GNR, e encontram-se registadas numa cassete áudio cuja transcrição se requereu.
A transcrição demonstra, directa e indubitavelmente, que aqueles depoimentos afiguram-se insuficientes para confirmar e dar como provados os pontos de facto 2 e 3. uma vez que com os mesmos, ficou irremediavelmente afectada a credibilidade de toda a demais prova carreada para os presentes autos.
O soldado da G.N.R. foi peremptório ao afirmar que existem instruções expressas decorrentes de uma Circular de Julho de 2006 difundida pela D.G.V. que, se aplicadas ao caso dos presentes autos, determinariam que o arguido fosse portador de uma T.A.S. de 1,19g/1.
Com base em tal depoimento, foi posta em causa a exactidão da TAS de 1,28 g/1 apurada e constante do talão do aparelho de metragem.
Apesar da comprovada falta de fiabilidade do aparelho de pesquisa de álcool pelo ar expirado, que consistiu num Drager Alcotest 7110 MKIII, o Tribunal a quo não admitiu a necessidade de estabelecer uma margem de erro no sentido de salvaguardar a ausência de rigor dessa mesma pesquisa.
O Mmo juiz “a quo” valorou o resultado do teste de alcoolémia feito ao arguido de fls.11 e deu como provado uma TAS. de 1,28 g/l, quando foi suscitada e ficou demonstrada, em plena audiência de julgamento, a falta de fiabilidade do aparelho utilizado para obtenção do dito resultado, conforme depoimento do soldado da GNR.
Existe erro na apreciação da prova, concretamente, no respeitante ao resultado do teste de alcoolémia dado como provado, tendo sido o mesmo, directamente, posto em causa pelas demais provas produzidas em julgamento.
É facto notório e do conhecimento público que a pesquisa de álcool no sangue através da expiração é um método que enferma de precisão e de falta de fiabilidade, acarretando a incerteza do resultado obtido e deixando a porta aberta à dúvida quanto à TAS efectivamente verificada.
A própria entidade que aprovou o alcoolímetro DRAGER ALCOTEST 7110 MK III, por despacho do Director-Geral de Viação de 06/08/1998, utilizado no caso dos autos (pag. 2.), veio, posteriormente, por meio de Circular de Julho de 2006, sustentar a necessidade de introduzir margens de erro nos resultados dos alcoolímetros.
As normas legais e regulamentares aplicáveis ao controlo metrológico dos alcoolímetros admitem a possibilidade de erro, estando os limites máximos desse erro, para mais ou para menos do valor efectivamente registado, estabelecidos em Recomendações da Organização Internacional de Metrologia Legal e na Portaria nº 748/94, de 13 de Agosto, por remissão para a norma NFX 20-701, conforme decorre do teor da dita Circular da DGV, também divulgada pelos tribunais, através do Conselho Superior da Magistratura, em Agosto de 2006.
O arguido, no seu depoimento, alega, de forma clara e evidente, não saber em que consistia a contraprova e, naturalmente, o seu eventual maior rigor.
A dúvida resultante da falta de fiabilidade do resultado do alcoolímetro não pode funcionar em prejuízo do arguido, sob pena de se estabelecer uma presunção de culpa e uma inadmissível subversão do ónus probatório, minando a estrutura acusatória integrada pelo principio da investigação orientadora do nosso processo penal.
A incerteza é tanto mais relevante quanto o que está em causa são valores próximos do limite legal (1,20 g/l) que criminaliza (se igualou superior à referida taxa) ou não (se inferior) a conduta do arguido.
O principio in dúbio pró reo, no nosso direito processual penal tem consagração constitucional emergente do princípio da presunção da inocência previsto no artigo 32º, nº 2, da C.R.P, estabelecendo que, na decisão de factos incertos, a dúvida favorece o réu.
Trata-se de principio respeitante ao direito probatório e, neste específico, terá a mesma validade e legitimidade do principio da legalidade, implicando a presunção de inocência do arguido, cuja condenação só pode assentar na certeza dos factos probandos.
Este princípio é uma imposição dirigida ao juiz no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao réu, quando não há certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa.
A TAS de que o arguido era portador, nas circunstâncias de tempo e lugar constantes da acusação, consubstancia um facto decisivo para a solução da causa.
O Tribunal “a quo” procurou desvalorizar a existência de erro nas medições efectuadas pelos alcoolímetros, com vista a fundamentar a não aceitação de “dúvida razoável”.
O Mmo. Juiz “a quo” entende que com a admissão da existência de margens de erro toma-se mais credível o resultado de um instrumento de medição para efeitos de utilização como prova num processo penal, o que no nosso entender não é de todo de verosímil e, por isso, inaceitável.
A TAS de 1,19 g/l está contida dentro do erro máximo admissível e nada garante, ao contrário do alegado na sentença recorrida, que esta não era a concreta TAS de que o arguido era efectivamente portador.
A TAS de 1,28 g/1 acusada no alcoolímetro utilizado no teste quantitativo a que o arguido foi submetido, consubstancia um facto decisivo para a solução da causa. Tal TAS resultou de um particular processo de medição e é este que se discute nos presentes autos com a exclusão de quaisquer outros.
Nada garante ao Tribunal “a quo” e, sobretudo, ao arguido, que aquele concreto processo de medição não esteja afectado de um erro equivalente à margem de erro máximo que metrologicamente é admissível para o instrumento utilizado, levando à condenação iníqua de quem se presume inocente.
Por mais exuberantes que sejam a fundamentação e a construção do raciocínio em sentido contrário, não podemos fugir à conclusão de estarmos perante facto que não podemos subtrair à dúvida razoável.
O reforço da verificação da dúvida razoável nestes autos reside na superior exigência do processo penal, sendo certo que o erro quanto a um concreto resultado em termos de prova, em que o arguido se presume inocente, conduzirá o tribunal à duvida acerca da veracidade do facto e, como tal, deverá considerá-lo como não provado.
A aplicação da margem de erro apenas tem especial relevância nos casos (como o dos autos) em que o que está em causa são valores próximos da limite legal (1,20 g/1) que pode criminalizar ou não a conduta do arguido, circunstância em que é proeminente a ponderação da dúvida razoável.
Não tendo o Tribunal “a quo” a garantia de que o concreto processo de medição utilizado nos autos não esteja afectado de um erro equivalente à margem de erro máximo que metrologicamente é admissível para o instrumento em causa, colocando o resultado da medição abaixo do limite legalmente estabelecido para a criminalização da conduta do arguido, deverá ter, necessariamente, em conta o principio “in dubio pró reo”.
Finalmente, não caberá aos tribunais emitir juízos acerca das margens de erro, reputando-as, nuns casos, de correctas e, noutros casos, de arbitrárias, por se tratar de matéria técnico-científica de natureza pericial subtraída à sua livre apreciação, nos termos do artigo 163°, n° 1 e 2, do C.P.P.
As autoridades policiais e grande parte dos tribunais de primeira instância atendem às margens de erro constantes da Circular da DGV, acabando os infractores por responder ao nível contra-ordenacional.
Os cidadãos têm de saber aquilo com o que podem contar, sob pena de sacrificar os principias da igualdade e da segurança jurídica enquanto valores fundamentais do Estado de Direito, nos termos dos artigos 2º e 13°, ambos da C.R.P.
Na douta decisão recorrida foram violados os artigos 32º, nº 2, da C.R.P., artigos 127º e 163°, nº 1, do C.P.P., Portaria nº 748/94, de 13/8, Dec. Regulamentar nº 24/98, de 30/10 e Portaria nº 1006/98, de 30/11.
Deverá dar-se provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se a sentença recorrida e substitui-la por outra que, de harmonia com as conclusões expostas, considere não provados os factos de que o arguido vinha acusado e, em consequência, o absolva da prática do crime de condução em estado de embriaguez.

Nesta Relação, o Ex.mo Sr. PGA aderiu à posição do MP na 1ª instância, dizendo que o recurso não merece provimento.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Foram dados como provados os seguintes factos:
- No dia 13/08/2006, pelas 04 horas e 43 minutos, na Rua ………., área da freguesia de ………., nesta Comarca de Paredes, o arguido circulava ao volante do veiculo automóvel ligeiro de passageiros com a matricida ..-..-NS;
- O arguido, que antes ingerira bebidas alcoólicas de qualidades e em quantidades não concretamente apuradas, submetido ao competente teste quantitativo de despiste de álcool no sangue, realizado por recurso a alcoolímetro da marca DRAGER, modelo ALCOTEST 7110 MKIII, aprovado para o efeito por despacho do director geral de viação, de 6 /08/1998, acusou uma taxa de álcool no sangue (TAS) de 1,28g/l;
- O arguido admitiu a possibilidade de se encontrar sob a influência da aludida TAS, mas mesmo assim decidiu conduzir o veículo a que se alude o nº 1 e nas condições aí descritas.
- O arguido, agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que o seu descrito comportamento era proibido e punido pela ordem jurídica;
- O arguido é solteiro, declarando trabalhar como carpinteiro, actividade profissional pela qual aufere, mensalmente, um salário não inferior a €700,00;
- O arguido vive com os respectivos progenitores declarando entregar-lhes mensalmente, para ajuda nas respectivas despesas domésticas, a quantia de € 150,00;
- Tem como habilitações literárias 6° ano de escolaridade.

A questão suscitada neste recurso prende-se essencialmente com a existência de erro notório na apreciação da prova, em virtude da falta de fiabilidade do aparelho utilizado para a pesquisa de álcool no sangue.

Sabemos que o vício do erro notório na apreciação da prova só pode verificar-se relativamente aos factos tidos como provados ou não provados e não às interpretações ou conclusões de direito com base nesses factos.
O recorrente parte do pressuposto, de que tais aparelhos não apresentam fiabilidade, para concluir que deverá ser deduzida ao resultado aqui em causa, uma certa margem de erro, partindo-se para o efeito de um despacho do Ex.mo Sr. Director da Direcção Geral de Viação.
No alcoolímetro em causa nestes autos – o Alcotest MK III, da Dräger –, a medição da concentração de álcool etílico no ar expirado é realizada através de dois sistemas analíticos independentes, um por espectroscopia de infravermelhos e outro por análise electroquímica, cujos resultados são depois ponderados antes da determinação da taxa de alcoolemia por parte do equipamento, o que naturalmente aumenta o rigor e fiabilidade do resultado da medição.
A Direcção-Geral de Viação, através de uma Circular que voltaremos a falar, veio lançar dúvidas sobre a exactidão das medições realizadas com recurso aos alcoolímetros, apontando para a margem de erro máximo que legalmente lhes está fixada para justificar a sua posição e para fixar, no valor dessa mesma margem de erro.
Subjacente à posição da Direcção-Geral de Viação está a consideração do princípio in dubio pro reo.
Porém, se se aceitasse a existência de uma dúvida razoável – a exigir uma decisão pro reo – sempre que uma medição fosse efectuada por um instrumento para cuja classe de exactidão estão metrologicamente previstas margens de erro máximo, então seria impossível trabalhar com «certezas» no processo penal.
Ora se o legislador aprovou o Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, e definiu – considerando o estado dos conhecimentos técnico-científicos, que no essencial se mantêm válidos ainda hoje – a tal margem, positiva e negativa, de erro máximo admissível em tais instrumentos para que os mesmos pudessem ser certificados e calibrados, e assim cumprir a sua função probatória no âmbito do processo judicial ou contra-ordenacional; se tal margem de erro associada a tal exame de natureza pericial foi valorada pelo legislador, e considerada irrelevante na sua definição de um dado regime punitivo, parece que aos tribunais e demais autoridades encarregadas de aplicar tal regime, não cabe, adaptando o sistema legal, desvirtuá-lo, introduzindo-lhe correcções que não encontram, no texto da lei ou no âmbito dos conhecimentos científicos pertinentes, qualquer acolhimento.
Com efeito, se se entende que as margens de erro máximo admissível, definidas para os alcoolímetros, põem em causa a validade dos resultados obtidos através de tais instrumentos, então há uma dúvida razoável relativamente a todo o processo de medição, implicando que o método de pesquisa de álcool no sangue através do ar alveolar expirado teria de ser recusado para efeitos de determinação, em tribunal, da taxa de alcoolemia.
O sistema criado pelo legislador respeita os princípios que, de acordo com o actual estado do conhecimento metrológico e científico, são comummente aceites pela comunidade científica nesta matéria.
Por outro lado, o legislador consagrou expressamente a possibilidade de o arguido, a quem seja diagnosticada uma taxa de alcoolemia eventualmente geradora de responsabilidade contra-ordenacional ou criminal, requerer a realização de uma contraprova, designadamente através da realização de exames hematológicos que são aqueles que dão maiores garantias, do ponto de vista analítico, de aproximação ao «real» valor da taxa de álcool no sangue – Acs. do TRP de 12-12-07, 19-12-07 e 14-3-07, in www,dgsi.pt.
Sabemos que o recorrente submetido a exame, conformou-se com o resultado obtido, não tendo requerido a realização de contraprova destinada a infirmar tal resultado e, nessa medida, estabelecer, de forma inequívoca, a sua taxa de alcoolemia. Se o não faz, optando por aceitar – ou conformando-se com – o resultado do exame efectuado através do alcoolímetro, não pode depois, quando já não é possível realizar a contraprova, invocar qualquer dúvida na prova da sua taxa de álcool no sangue através desse mesmo resultado.
Por outro lado, o Instituto Português da Qualidade (IPQ), criado pelo Decreto-Lei n.º 183/86, de 12 de Julho, é o organismo nacional responsável pelas actividades de normalização, certificação e metrologia, bem como pela unidade de doutrina e acção do Sistema Nacional de Gestão da Qualidade, instituído pelo Decreto-Lei n.º 165/83, de 27 de Abril.
Por sua vez, as regras gerais do controlo metrológico foram estabelecidas pelo Dec.-Lei n.º 291/90, de 20/Set., que foi regulamentado pela Portaria n.º 962/90, de 09/Out.
Destes diplomas resulta, que é o IPQ, que, a nível nacional, garante a observância dos princípios e das regras que disciplinam a normalização, a certificação e a metrologia, incluindo os aparelhos para exame de pesquisa de álcool nos condutores de veículos.
Ora na vigência do art. 165.º, introduzido pelo Dec.-Lei n.º 2/98, tal matéria foi regulada pelo Decreto Regulamentar n.º 24/98, de 30/Out. e posteriormente pela Portaria n.º 1006/98, de 30/Novembro.
Em nenhum destes diplomas foi fixada qualquer margem de erro a atender nos resultados obtidos pelos analisadores quantitativos de avaliação do teor de álcool no sangue.
Nesta conformidade podemos concluir que não estando legalmente estabelecida qualquer margem de erro prevista para aferir os resultados obtidos pelos analisadores quantitativos de avaliação do teor de álcool no sangue, obtidos através de aparelhos aprovados, e no caso de dúvida sobre a autenticidade de tais valores, resta a realização de novo exame, por aparelho igualmente aprovado, ou a análise ao sangue.
Daí que não se possa falar em erro notório na apreciação da prova, nem em qualquer violação do princípio “in dubio pro reo”.
Efectivamente, a legislação em vigor na altura da prática dos factos, o Dec. Regulamentar nº24/98, de 30Nov, publicado no DR Iª Série B, nº251 (Regulamenta os procedimentos para a fiscalização da condução sob influência do álcool ou de substâncias estupefacientes ou psicotrópicas), e a Portaria nº1005/98, de 30Nov., publicada no DR Iª Série B, nº277, não prevêem qualquer margem de erro para os resultados obtidos pelos analisadores quantitativos de avaliação do teor de álcool no sangue, obtidos através de aparelhos certificados, como é o caso dos autos.
Tais aparelhos estão sujeitos a aprovação da DGV e prévio controlo metrológico do Instituto Português de Qualidade, repetimos, que foi criado pelo Dec. Lei n.º183/86, de 12 de Julho, e é o organismo nacional responsável pelas actividades de normalização, certificação e metrologia, bem como pela unidade de doutrina e acção do Sistema Nacional de Gestão da Qualidade, instituído pelo Dec. Lei nº165/83, de 27 de Abril, o que é garantia de fiabilidade dos resultados e deve afastar a existência de qualquer dúvida genérica, que só se pode admitir seja suscitada em relação a casos concretos em que outros elementos de prova causem dúvidas ao julgador sobre tal fiabilidade.
Não desconhecendo a existência de Recomendações da Organização Internacional de Metrologia Legal e de um despacho do Sr. Director Geral de Viação, que a respectiva Direcção fez divulgar pelos tribunais, através do Conselho Superior da Magistratura, em Agosto de 2006, fazendo referência a possíveis margens de erro dos aparelhos em causa.
Porém, tais recomendações e despacho mais não são que orientações de procedimento para as autoridades policiais, não existindo norma legal a estabelecer qualquer margem de erro para aferir os resultados obtidos pelos analisadores quantitativos em causa, por forma a se poder afirmar que a conduta daquele que conduz na via pública e que submetido a exame, através do aparelho identificado no auto de notícia, acusa determinada taxa conduzia, afinal, com essa taxa menos determinada percentagem.
O ofício da Direcção Geral de Viação em causa informa e remete para dados do IPQ no sentido de que os aparelhos de mediação – entre os quais os alcoolímetros – sofrem do Desvio Padrão, o qual traduz a ideia de que poderá existir uma desconformidade entre o resultado que apresentam e a realidade que supostamente retratam. Sendo que a fiabilidade dos resultados é inversamente proporcional em relação ao valor medido.
Mediante o Decreto-Lei n.º 125/2004, de 31 de Maio, foi criado o Instituto Português de Acreditação, I. P., na sequência da concretização dos princípios e objectivos propostos pela União Europeia e a “EA – European Co-operation for Accreditation”.
O I.P.A.C. é, assim, o organismo nacional de acreditação que tem por fim reconhecer a competência técnica dos agentes de avaliação da conformidade actuantes no mercado, de acordo com referenciais normativos pré-estabelecidos.
O modo de obtenção de prova no que ao crime de condução de veículo sob o estado de embriaguez concerne, não pode ser outro, senão o da medição por aparelhos.
Se em tese abstracta é possível outro método, v.g. a observação de indícios externos indicadores do estado de embriaguez como sejam o equilíbrio, o cheiro ou o aspecto exterior do examinando, não se pode deixar de considerar que tal seria violador de vários princípios processuais e constitucionais.
O legislador conhecia o único possível modo de recolha de prova, as suas vicissitudes e também não podia ignorar que os aparelhos em questão podiam apresentar erros.
Contudo, o legislador entendeu por bem fixar os limites do crime e da contra-ordenação nos termos conhecidos, sendo que a prática de crime se consuma com a condução na via pública de veículo a motor com uma taxa igual ou superior a 1,20 g/1 de álcool no sangue.
Não podemos, pois, deixar de considerar que o legislador assumiu a possibilidade do erro de leitura e que se conformou com o mesmo, sendo que ao criar o limite quantitativo mínimo para a comissão do crime, tinha a consciência que seria sempre o aparelho de detecção de álcool no sangue a indicar a taxa.
A lei exige, sob pena de invalidade do teste, que os aparelhos sejam aferidos com regularidade (portaria 748/94 de 13 de Agosto); os mesmos aparelhos reúnam determinadas características (portaria 1006/98 de 30 de Novembro); que sejam oficialmente aprovados; que o teste seja efectuado em locais com determinada temperatura e humidade e a possibilidade do examinando requerer a contraprova.
Dispõe o n.º2 do art.°153.° do Código da Estrada, que quando o resultado do exame para pesquisa no álcool no sangue for positivo, a autoridade ou o agente da autoridade deve notificar o examinando, por escrito, ou se tal não for possível, verbalmente, daquele resultado, das sanções legais dele decorrentes e de que pode, de imediato, requerer a realização da contraprova.
Acrescenta o art°.3.° do Decreto Regulamentar 24/98 de 30 de Outubro que a contraprova é realizada em analisador quantitativo no prazo máximo de quinze minutos após a realização do primeiro teste.
Caso o examinando prefira a realização da contraprova através da análise de sangue a recolha só poderá ser efectuada até duas horas após o acto da fiscalização (cfr. art.°153.° n.°3 do Código da Estrada e art.°6.° n.° 1 do Decreto Regulamentar 24/98 de 30 de Outubro).
Da análise deste regime é razoável pois supor que o legislador entendeu que bastava o exame qualitativo realizado por aparelho de detecção de álcool no sangue para fazer prova da taxa de álcool, porém, não querendo limitar os direitos do eventual arguido, de imediato criou a possibilidade do mesmo requerer a realização da contraprova através de análise ao sangue, mais segura, uma vez que não é efectuada por qualquer aparelho, mas em laboratório médico.
Por isso, o examinando deverá decidir se concorda com a análise quantitativa ou se, pelo contrário, pretende submeter-se a uma análise ao sangue.
A lei usou todas as cautelas possíveis a fim de garantir que o resultado do exame à taxa de álcool no sangue era fiável.
Por outro lado, a Portaria n.º 784/94, de 13 de Agosto, invocada pela D.G.V. nas instruções transmitidas às autoridades fiscalizadoras do transito, para a elaboração dos respectivos autos, ficou sem objecto, na medida em que a Portaria n.º 1006/98, de 30 de Novembro, actualmente em vigor, complementando o Decreto Regulamentar n.º 24/98, referindo-se às características dos “analisadores quantitativos”, não prevê margens de erro, como se verificava na citada Portaria n.º 748/94.
De qualquer modo, e mesmo entendendo que a Portaria n.º 748/94 deverá continuar a ser considerada, e seguidas as instruções transmitidas pela D.G.V., fazendo-se constar dos respectivos autos as tais margens de erro máximas de TAS, há um dado que nunca pode deixar de ser ponderado: Fala-se aqui, apenas, de “possibilidades”, e, não, de realidades, as quais (possibilidades) haverão de ser consideradas no momento da fiscalização do condutor, e vertidas no respectivo auto, ainda que pela forma indicada pela D.G.V. na sua “Circular”.
O único dado novo trazido por esta mesma Circular prende-se com o facto de, agora, deverem os autos conter, quer a TAS registada, quer aquela que resulta da dedução do erro máximo previsto.
Porém, e uma vez que a respectiva margem de erro pode variar, tanto para mais, como para menos, ficou a faltar a orientação no sentido de dever ser, também, indicada a taxa máxima de álcool possível!
A “instrução” transmitida pela D.G.V., para além de não passar disso mesmo, e de, consequentemente, não se impor às autoridades judiciárias, como se entende, pelas razões atrás já expendidas, também peca por defeito, quando impõe que dos respectivos autos sejam feitos constar, apenas, os valores de TAS registados pelos aparelhos, e os resultantes da dedução da margem máxima de erro prevista (Acs do TRL de 23-10-07, 3-10-07,9-10-07, 18-10-07, 20-6-07, in www.dgsi.pt).
Ora, se os mesmos aparelhos podem registar valores errados, esse erro tanto pode ocorrer para menos, como para mais daquele que é primeiramente indicado, e, sendo assim, porque não são, então, todos feitos constar do respectivo auto?
Não nos parece correcto afirmar-se, como se faz na respectiva Circular, que a eventual falta de exactidão apenas pode funcionar em benefício dos infractores.

Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso.

Custas pelo recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 4 UCs.

Porto, 6 de Fevereiro de 2008
Pedro Álvaro de Sousa Donas Botto Fernando
João Albino Raínho Ataíde das Neves
José Manuel Baião Papão