Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0746081
Nº Convencional: JTRP00041177
Relator: JORGE JACOB
Descritores: CONDUÇÃO SOB O EFEITO DE ÁLCOOL
ALCOOLÉMIA
Nº do Documento: RP200803260746081
Data do Acordão: 03/26/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE.
Indicações Eventuais: LIVRO 305 - FLS 193.
Área Temática: .
Sumário: I - O regime legal de fiscalização da condução sob influência do álcool actualmente em vigor é o que consta dos arts. 153º e 158º do Código da Estrada, complementado pelo Decreto Regulamentar nº 24/98, de 30 de Outubro, e pela Portaria nº 1006/98, de 30 de Novembro.
II - Esse regime não contempla qualquer margem de erro que deva ser considerada em relação aos valores de leitura apresentados pelos aparelhos de fiscalização.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam em audiência no Tribunal da Relação do Porto:

I - RELATÓRIO:

Nos autos de processo sumário nº ../07.5GBMDR, do Tribunal Judicial de Miranda do Douro, após julgamento sem documentação da prova produzida em audiência, foi proferida sentença em que se decidiu nos seguintes termos:
(…)
Em conformidade com o exposto, decide-se julgar a acusação procedente por provada, nos termos demonstrados e, em consequência:
1 - Condenar o arguido B………. pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelos artigos 69º e 292º nº 1 do CPenal, na pena de 90 (noventa) dias de multa à taxa diária de € 6 (seis euros), o que perfaz o total de € 540 (quinhentos e quarenta euros) ou, subsidiariamente, 60 (sessenta) dias de prisão;
2 - Condenar o arguido, ainda, na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 7 (sete) meses;
3 - Determinar que o arguido deverá entregar a carta de condução na secretaria do Tribunal ou em qualquer posto policial que a remeterá àquela, no prazo de dez dias a contar do trânsito em julgado da sentença, sob pena de incorrer em crime de desobediência e de ser ordenada a apreensão da mesma;
(…)

Inconformado, o M.P. interpôs recurso, retirando da respectiva motivação as seguintes conclusões:
1. O Instituto Português de Qualidade, enquanto gestor e coordenador do Sistema Português de Qualidade, é a entidade, que, a nível nacional, garante a observância dos princípios e das regras que disciplinam a normalização, a certificação e a metrologia, incluindo os aparelhos para exame de pesquisa de álcool nos condutores de veículos.
2. Actualmente, os instrumentos normativos que regulam a detecção e quantificação das taxas de álcool que os condutores apresentam são o Decreto Regulamentar nº 24/98, de 30/10, e a Portaria nº 1006/98, de 30/11, sendo que a Portaria nº 748/94, de 13/8, que visava regulamentar o Decreto Regulamentar nº 12/90, de 14/5, caducou por falta de objecto, face à expressa revogação do Decreto Regulamentar nº 12/90 pelo Decreto Regulamentar nº 24/98.
3. Pelo que, inexistindo qualquer fundamento fáctico ou jurídico para a aplicação da margem de erro à taxa de alcoolemia detectada, lógico se torna que a mesma nunca deveria ter sido aplicada ou sequer ponderada, pelo que estaremos perante uma situação de erro notório na apreciação da prova pelo tribunal a quo, nos termos do art. 410º, nº 2, al. c), do Código de Processo Penal.
4. Os elementos constantes dos autos permitem revogar a decisão sobre a matéria de facto provada neste âmbito, sem necessidade de se determinar o reenvio do processo para novo julgamento, nos termos do art. 426º, nº 1, do Código de Processo Penal, bastando apenas que seja dado como provado o facto nº 3 da douta sentença proferida com exclusão da alusão à margem de erro.
5. Procedendo o presente recurso, logicamente que terão de ser alteradas as medidas da pena principal e acessória, atento o valor da taxa de alcoolemia com que o arguido foi encontrado a conduzir e que deve ser considerada a final - 2,88 g/l.
6. Tendo em conta todos os factores já enunciados na douta sentença proferida para a aplicação da pena principal de multa, com cuja aplicação concordamos pelos motivos ali expressos, e da pena acessória de proibição de conduzir, entende-se que ao arguido deverá ser aplicada uma pena de multa não inferior a 100 (cem) dias, à taxa diária de 6,00 € e ser fixada a medida da duração da pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor por período não inferior a 8 (oito) meses.
Normas violadas:
Arts. 40º, 69º, nº 1, al. a), 70º, 71º e 292º, nº 1, todos do Código Penal, 410º, nº 2, al. c) do Código de Processo Penal, 153º, nº 1, e 158º, nº 1, als. a) e b), ambos do Código da Estrada e o Decreto Regulamentar nº 24/98, de 30 de Outubro.
Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis, deve o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente, revogar-se parcialmente a douta sentença recorrida, substituindo-se por outra que
a) dê como provado, sob o facto nº 3, que “O arguido declarou desejar ser submetido a contra-prova, tendo a mesma sido realizada, apresentando o arguido uma taxa de alcoolémia no sangue de 2,88 g/l”, com revogação do demais dado como provado em 1ª instância relativamente a esse facto;
b) em consequência da alteração do facto supra citado, condene o arguido B………. pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo art. 292º, nº 1, do Código Penal, em pena de multa não inferior a 100 dias, à taxa diária de 6,00 € e na pena acessória de proibição de conduzir por um período não inferior a 8 meses.

Nesta instância, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer pronunciando-se pela parcial procedência do recurso.
Foram colhidos os vistos legais e realizou-se a audiência.

Segundo a jurisprudência corrente dos tribunais superiores, o âmbito do recurso afere-se e delimita-se pelas conclusões formuladas na respectiva motivação.
No caso vertente e na medida em que não houve documentação da prova, o recurso circunscreve-se à matéria de direito, sem prejuízo do que deva ser oficiosamente conhecido.
As questões a decidir, tal como resultam das conclusões do recurso, são as seguintes:
- Averiguar se ocorre erro notório na apreciação da prova, decorrente da consideração, em sede de matéria de facto, de margem de erro na TAS detectada pelo aparelho de pesquisa de álcool no ar expirado;
- verificar se, aferidas as penas principal e acessória pela TAS detectada, deverão aquelas ser agravadas.
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II - FUNDAMENTAÇÃO:

Na sentença recorrida tiveram-se como provados os seguintes factos:
1. No dia 28/06/2007, por volta das 21h35m, após ter estado a ingerir bebidas alcoólicas em quantidade não apurada, o arguido conduzia, numa via pública, mais precisamente no ………., em Miranda do Douro, o veículo ligeiro de passageiros, matrícula SJ-..-.., pertencente ao arguido;
2. Interceptado por uma Brigada da GNR, foi o arguido submetido ao exame de pesquisa de álcool no ar expirado, tendo o arguido apresentado uma taxa de alcoolémia no sangue de 2,84 g/l;
3. O arguido declarou desejar ser submetido a contra-prova, tendo a mesma sido realizada, apresentando o arguido uma taxa de alcoolémia no sangue de 2,88 g/l, correspondente, no mínimo, a uma taxa real de 2,45 g/l;
4. O arguido sabia que não lhe era permitido conduzir depois de ingerir bebidas alcoólicas, o que voluntariamente fez, bem sabendo que a sua conduta era proibida e criminalmente punível e, apesar disso, quis agir da forma como o fez;
5. O arguido vive com a esposa e dois filhos, auferindo um salário de € 500, sendo que a esposa aufere um salário de cerca de € 510 como empregada de limpesa da C……….;
6. Os filhos do arguido têm 32 e 27 anos de idade, sendo que a primeira aufere o rendimento mensal de cerca de € 400 como empregada no liceu e o segundo aufere um rendimento mensal de cerca de € 425 como funcionário público;
7. O arguido paga, a título de prestação bancária para aquisição de habitação própria, a quantia mensal de € 350;
8. O arguido não tem antecedentes criminais.

Relativamente ao não provado, consignou-se na sentença recorrida o seguinte:
De relevante para a decisão da causa não se provaram quaisquer outros factos, designadamente que:
1. A taxa de alcoolémia no sangue acusada tenha sido provocada por medicamentos a que o arguido se encontra sujeito.

A convicção do tribunal recorrido relativamente à matéria de facto foi fundamentada nos seguintes termos:
A decisão de facto assentou nas declarações da testemunha D………., Soldado da GNR que interceptou o arguido e confirmou data, hora, local e taxa de álcool apurada.
Relativamente ao consumo de bebidas alcoólicas por parte do arguido e antes de ser interceptado pela brigada da GNR, bem como o dolo deste, atendeu-se às regras de experiência comum, pois uma pessoa só pode possuir uma TAS tão elevada (e próxima do estado considerado pelos médicos como coma alcoólico) mediante um consumo elevado de bebidas alcoólicas, tendo o arguido declarado ter consciência de que não pode conduzir depois de consumir bebidas alcoólicas, declarando apenas que “não estava bêbedo”.
Por outro lado, não se atendeu ao depoimento do arguido relativamente aos medicamentos que toma e influência dos mesmos na TAS apurada, desde logo porque o arguido nem sequer foi capaz de identificar os medicamentos em causa nem apresentou qualquer tipo de prova. Acresce que, como é de conhecimento comum e foi já concluído pelo Instituto Nacional de Medicina Legal em vários processos desta natureza, o único efeito que alguns medicamentos podem causar é a potenciação da sensação provocada pelo álcool, ou seja, causar no individuo uma sensação de embriaguez superior à que a quantidade de álcool consumida poderia causar. Mas tais medicamentos não alteram a taxa de álcool no sangue.
O depoimento da testemunha E………. não foi considerado relativamente à quantidade de álcool que o arguido terá ingerido ao início da tarde na medida em que, como o mesmo afirmou, entre as 16h. e as 18h30m não esteve com o arguido, pelo que nesse período não pode afirmar se aquele ingeriu ou não bebidas alcoólicas.
No que se refere à taxa de alcoolémia, a decisão baseou-se no seguinte: No recibo do exame efectuado, junto aos autos, é expressa a taxa de álcool no sangue de 2,88 g/l (referente ao valor da contraprova), apurada com recurso ao alcoolímetro quantitativo marca SERES ETHYLOMETRE, modelo 679T.
Ora, vem-se levantando a questão de saber se deve ou não ser feito o desconto referente à margem de erro dos aparelhos em causa. Na opinião do tribunal o desconto em causa deve ser efectuado pelos motivos que a seguir se referem.
Actualmente, os instrumentos de medição como o aqui em causa estão submetidos a um conjunto de operações com vista à sua regular utilização.
Sendo que, a Portaria nº 748/94, de 13/08, actualmente em vigor, dispõe, no nº 4 do seu Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros que “Os alcoolímetros obedecerão às qualidades e características metrológicas e satisfarão os ensaios estabelecidos na norma NF X 20-701”.
No nº 6 do mesmo Regulamento estabelece-se ainda que “Nos alcoolímetros, os erros máximos admissíveis, em cada indicação, são definidos pelos seguintes valores:
a) Aprovação de modelo - os erros máximos admissíveis na aprovação de modelo são os definidos na norma NF X 20-701;
b) Primeira verificação - os erros máximos admissíveis da primeira verificação são os definidos para aprovação de modelo;
c) Verificação periódica - os erros máximos admissíveis da verificação periódica são uma vez e meia os da aprovação de modelo”.
Os erros máximos aí indicados são os resultantes da norma NF X 20-701, conforme as recomendações da Organização Internacional de Metrologia Legal, à qual Portugal aderiu, por força do Decreto do Governo nº 34/84, de 11/07.
Conforme foi referido pelos peritos Céu Ferreira e António Cruz no 2º Encontro Nacional da Sociedade Portuguesa de Metrologia, realizado em 17/11/2006 em Lisboa e subordinada ao tema “Controlo Metrológico de Alcoolímetros no Instituto Português da Qualidade, “Em 1998 concluíram-se os trabalhos em curso na Organização Internacional de Metrologia Legal (OIML) e foi publicada a Recomendação nº 126 que contem um quadro regulamentar mais conforme com os modelos da regulação metrológica internacionais e, nesse sentido, mais completo e mais actual que o da norma francesa atrás referida. Esta Recomendação, entre outras disposições, já veio diferenciar os EMA aplicáveis à VP, tal como é regra geral na legislação nacional, para todos os instrumentos de medição. Todo este quadro regulamentar, de acordo com os princípios gerais do controlo metrológico, proporciona às partes envolvidas na utilização dos aparelhos uma garantia do Estado de que funcionam adequadamente para os fins respectivos e as respectivas indicações são suficientemente rigorosas para a determinação dos valores legalmente estabelecidos. A sua comprovação, para todos os efeitos legais, faz-se pela aposição dos símbolos do controlo metrológico, nomeadamente pelo da Aprovação de Modelo e o da verificação anual válida, em cada aparelho submetido ao controlo metrológico, garantindo a sua inviolabilidade” (citada no Acórdão do TRGuimarães de 26/02/2007, disp. in www.dgsi.pt).
Refira-se ainda que, embora tenha sido suscitada, nos tribunais superiores, a questão da vigência da Portaria supra identificada, face à posterior aprovação do Decreto Regulamentar nº 24/98, de 30/10 e da Portaria nº 1006/98, de 30/11, concordamos com o teor do Acórdão proferido pelo TRÉvora de 22/05/2007, proc. Nº 441/07-1, disp. in www.dgsi.pt, no sentido de que “de ambas as peças processuais transparece que se considerou a Portaria como vigente, o que, nos termos interpretativos que se têm por mais adequados, é a nosso ver a perspectiva mais correcta.
Resumidamente, os argumentos que a sustentam reconduzem-se a que:
- a suscitada revogação não foi incluída no elenco do art.15º do Decreto Regulamentar, não o podendo o legislador ter olvidado,
- a matéria sobre a qual incidiu a Portaria – o Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros – não foi posteriormente objecto de outro instrumento legislativo (a Portaria nº.1006/98 versou sobre requisitos a que devem obedecer os analisadores quantitativos e o modo como se deve proceder à recolha, acondicionamento e expedição das amostras biológicas destinadas às análises toxicológicas),
- e a circunstância da Portaria aludir e expressamente ao Decreto Regulamentar nº.12/90 – entretanto revogado – (v.nº.1 do seu Anexo) não é elemento decisivo para sufragar a sua falta de objecto, dado reputar-se essa referência ao tipo de matéria sobre que incidia (a determinação da taxa de álcool por meio de analisador quantitativo de ar expirado ou por métodos biológicos), matéria esta que foi também objecto do Decreto Regulamentar nº.24/98”.
Sendo certo que na Portaria nº 748/94, de 13/08, já citada, estão previstos os erros máximos admitidos (doravante designados EMA), sendo os mesmos calculados da seguinte forma:
TAS < 0,92 g/l = EMA +/- 0,07 g/l
TAS =/> 0,92 < 2,30 g/l = EMA +/- 7,5%
TAS =/> 2,30 < 4,60 g/l = EMA +/- 15%
TAS =/> 4,60 < 6,90 g/l = EMA +/- 30%
Por outro lado, e como é referido no Acórdão do TRGuimarães supra identificado, o juiz pode e deve proceder ao cálculo da taxa de álcool no sangue em conformidade com as margens de erro supra mencionadas, por forma a fixar um intervalo dentro do qual, com toda a certeza, o valor da indicação se encontra. Acrescenta ainda o Douto Acórdão que relativamente a este tipo de exame, a regra existente é a da apreciação da prova segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente, por força do disposto no artigo 127º do CPPenal.
Ora, no caso em apreço, a taxa que o alcoolímetro acusou foi de 2,88 g/l. Atendendo à margem de erro admissível, que de acordo com o supra exposto, neste caso é de 7,5%, verifica-se que a taxa de álcool no sangue do arguido poderia variar entre 2,45 g/l e 3,31 g/l.
Face a todos estes elementos, o tribunal não pode deixar de ficar num estado de incerteza insanável quanto à taxa de álcool no sangue que o arguido efectivamente possuía, de entre os limites mínimo e máximo de EMA apurados.
Considerando que o princípio “in dubio pro reo” deve ser aplicado quando no espírito do julgador se instalou uma dúvida séria e honesta e com força suficiente para se tornar um obstáculo intelectual à aceitação da versão dos factos prejudiciais ao arguido, e que no caso concreto se suscitam sérias dúvidas quanto à efectiva taxa de álcool, considera-se ser aplicável a tal facto o aludido princípio e, assim, considerar que a taxa de álcool no sangue do arguido era de 2,45 g/l, por ser mais favorável ao arguido.
Quanto aos antecedentes criminais, atendeu-se ao certificado de registo criminal constante dos autos (cfr. fls. 12).
A situação sócio-económica do arguido foi dada como provada com base nas suas declarações.
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Apreciando e decidindo:
Na sentença em crise teve-se como provado, sob o nº 3, que “o arguido declarou desejar ser submetido a contra-prova, tendo a mesma sido realizada, apresentando o arguido uma taxa de alcoolemia no sangue de 2,88 g/l, correspondente, no mínimo, a uma taxa real de 2,45 g/l”. Esta afirmação, que constitui o cerne do recurso ora em análise, contém, como fui linearmente da motivação, uma constatação de facto, alcançada através da prova produzida em audiência, e uma conclusão decorrente da subsunção do facto a um critério jurídico que o Mmº Juiz detalhadamente explicou, mas que não deverá ser acolhido, como se verá.
Em síntese, a decisão recorrida dá como verificada a taxa de alcoolemia de 2,88 g/l detectada na contra-prova a que o arguido se quis submeter e aplica-lhe uma margem de erro correspondente a 7,5%, invocando a Portaria nº 748/94, de 13/08, obtendo uma taxa, a que chama “taxa real”, de 2,45 g/l.
A referida Portaria nº 748/94 foi publicada para responder às exigências de regulamentação do Decreto Regulamentar nº 12/90, de 14 de Maio, ulteriormente revogado pelo Decreto Regulamentar nº 24/98, razão pela qual se vem entendendo que caducou por falta de objecto, tanto mais que os diplomas subsequentemente publicados visando regular a detecção e quantificação das taxas de alcoolemia apresentadas pelos condutores não estabelecem qualquer margem de erro a considerar na aferição dos resultados obtidos através dos aparelhos aprovados para a pesquisa de álcool no ar expirado.
Ou seja, o regime legal de fiscalização da condução sob influência do álcool actualmente em vigor é o que consta dos arts. 153º e 158º do Código da Estrada, complementado ainda pelo Decreto Regulamentar nº 24/98, de 30/10 e pela Portaria nº 1006/98, de 30/11, dispondo o nº 1 do citado art. 153º, na redacção consagrada pelo DL nº 44/2005, de 23 de Fevereiro, que “o exame de pesquisa de álcool no ar expirado é realizado por autoridade ou agente de autoridade mediante a utilização de aparelho aprovado para o efeito”.
Por seu turno, na parte que ora releva, dispõe o art. 158º do mesmo diploma:
“1- são fixados em regulamento:
a) O tipo de material a utilizar na fiscalização e nos exames laboratoriasi para determinação dos estados de influenciado pelo álcool ou por substâncias psicotrópicas;
b) Os métodos a utilizar para a determinação do doseamento de álcool ou de substâncias psicotrópicas no sangue;
(…)”.
Os referidos Decreto Regulamentar nº 24/98 e Portaria nº 1006/98 não consagram a aplicação de qualquer margem de erro que deva ser considerada em relação aos valores de leitura apresentados pelos aparelhos de fiscalização, se bem que o primeiro daqueles diplomas disponha, no nº 1 do art. 12º, que “só podem ser utilizados nos testes quantitativos de álcool no ar expirado analisadores que obedeçam às características fixadas em Portaria conjunta dos Ministros da Administração Interna, da Justiça e da Saúde e que sejam aprovados por despacho do director -geral de Viação”, sendo essa aprovação precedida, nos termos do respectivo nº 2, de “aprovação de marca e modelo, a efectuar pelo Instituto Português de Qualidade nos termos do Controle Metrológico dos Alcolimetros”. Por seu turno, a Portaria nº 1006/98 limita-se a fixar os requisitos a que devem obedecer os analisadores quantitativos e o modo de recolha, acondicionamento e expedição das amostras.

Aqui chegados, apresenta-se como evidente o desvio da matéria de facto provada relativamente à prova efectivamente produzida, constatação que não é prejudicada pela ausência de documentação da prova produzida em audiência visto aquele desvio não se fundar directamente nos meios de prova que o tribunal recorrido apreciou, mas na subsunção da prova a um critério jurídico à margem da lei vigente, encontrando-se aquela, como este, perfeitamente delimitados pelo teor da decisão. Sendo assim - e desde que restrito à eliminação deste juízo conclusivo - inexiste qualquer obstáculo à alteração do vertido sob o nº 3 dos “factos provados”, independentemente da verificação do previsto no art. 431º do CPP, porquanto não está verdadeiramente em causa uma decisão sobre matéria de facto nem, consequentemente, um erro notório na apreciação da prova, nos termos previstos no art. 410º, nº 2, al. c), do CPP.
Nesse sentido se decide, pois, eliminando-se o juízo conclusivo constante da parte final do referido nº 3, que ficará com a seguinte redacção:
“3. O arguido declarou desejar ser submetido a contra-prova, na qual se veio a apurar uma taxa de alcoolemia de 2,88 g/l;”.

Resta apreciar a segunda das questões suscitadas no recurso, que se prende com a pretendida agravação das sanções impostas ao arguido.
Ora, vista a matéria de facto provada e particularmente sopesadas a inexistência de antecedentes criminais e as condições pessoais do arguido, pese embora a agravação da TAS a considerar, as sanções impostas na decisão recorrida preservam, ainda assim, a necessária eficácia ao nível da tutela do bem jurídico violado e da reintegração social, não havendo, pois, que alterá-las.
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III - DISPOSITIVO:

Nos termos apontados, concede-se parcial provimento ao recurso e, consequentemente, altera-se a matéria de facto provada no que concerne ao respectivo ponto 3., nos termos supra referidos, mantendo-se, não obstante, a decisão recorrida, no que concerne às sanções impostas ao arguido.
Sem tributação.
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Porto, 26/03/2008
Jorge Manuel Miranda Natividade Jacob
Artur Manuel da Silva Oliveira
Maria Elisa da Silva Marques Matos Silva
Arlindo Manuel Teixeira Pinto