Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP00039386 | ||
Relator: | DEOLINDA VARÃO | ||
Descritores: | CITAÇÃO ESTRANGEIRO | ||
Nº do Documento: | RP200607050632993 | ||
Data do Acordão: | 07/05/2006 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
Decisão: | CONFIRMADA A SENTENÇA. | ||
Indicações Eventuais: | LIVRO 679 - FLS. 56. | ||
Área Temática: | . | ||
Sumário: | Ressalvada a tradução dos actos para língua italiana, a citação de pessoa colectiva sediada em Itália que seja ré em acção a correr termos em território português, far-se-á por via directa entre o tribunal português e o citando, segundo as formalidades previstas na lei portuguesa. | ||
Reclamações: | |||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação do Porto I. B…………, LDA instaurou acção com forma de processo ordinário contra C…….. SPA. Pediu que a ré fosse condenada a pagar-lhe: A) A quantia de € 300.000,00, a título de indemnização de clientela, nos termos alegados nos artºs 70º a 79º da p.i.; b) A quantia de € 300.000,00, a título de indemnização contratual, nos termos alegados nos artºs 80º a 95º da p.i.; c) A quantia de € 57.178,80, a título de indemnização correspondente aos salários que a autora terá que pagar aos seus funcionários, nos termos alegados nos artºs 52º e 53º da p.i.; d) A indemnização a liquidar em execução de sentença, pelos danos sofridos em virtude da comercialização em concorrência e em violação da exclusividade contratual, nos termos alegados nos artºs 105º e 106º da p.i.; e) Os juros vincendos desde a citação. Foi enviada carta registada com aviso de recepção para citação da ré, o qual foi devolvido assinado. A ré não contestou, pelo que foi proferido despacho a declarar confessados os factos articulados pela autora, nos termos do artº 484º, nº 1 do CPC e a ordenar o cumprimento do disposto no nº 2 do mesmo normativo. A autora apresentou alegações. De seguida, foi proferida sentença que julgou a acção procedente e, em consequência: A) Declarou resolvido o contrato de concessão comercial celebrado entre a autora e a ré, identificado nos autos, por incumprimento definitivo do mesmo devido a facto imputável à ré. B) Condenou a ré a pagar à autora a quantia de € 300.000,00, a título de indemnização de clientela, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da sentença até integral pagamento. C) Condenou a ré a pagar à autora a quantia de € 57.178,80, a título de indemnização correspondente aos salários que a autora terá que pagar aos seus funcionários, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento. D) Condenou a ré a pagar à autora uma indemnização, a liquidar em execução de sentença, pelos danos sofridos em virtude da comercialização em concorrência e em violação da exclusividade contratual, no período de tempo em que o contrato de concessão comercial vigorou, i.e., até à data da resolução do mesmo. Inconformada, a ré interpôs recurso, formulando as seguintes Conclusões 1ª – A sociedade aqui recorrente é uma sociedade italiana e com sede em Itália. 2ª – A citação da aqui recorrente foi enviada para a morada constante da carta registada com aviso de recepção que se mostra assinado a fls… dos autos. 3ª – A morada aí indicada não é a morada da sede social da recorrente. 4ª – A assinatura que consta do aviso de recepção que foi devolvido assinado e que consta dos autos, não corresponde a nenhum Administrador ou Funcionário da recorrente. 5ª – Por outro lado, a citação remetida não foi acompanhada de cópia traduzida em italiano da petição inicial, dos documentos que a acompanhavam, e da nota de citação. 6ª – É que, como vimos, a recorrente devia ter sido citada nos termos do disposto no artº 247º, nº 1 do CPC e de acordo com o previsto no Regulamento (CE) nº 1348/2000 de 29.05 relativo à citação e notificação de actos judiciais e extrajudiciais em matéria civil e comercial entre Estados-Membros. 7ª – Não tendo o Tribunal “a quo” procedido da forma acima prescrita, como de facto não o fez. 8ª – Resta concluir que é nula a citação da recorrente, por não terem sido observadas as formalidades prescritas na lei (artº 198º, nº 1 do CPC). 9ª – Devendo anular-se todo o processado posterior à citação da recorrente e ordenando-se que a aqui recorrente seja citada para a causa com as formalidades a que alude o Regulamento (CE) nº 1348/2000 de 19.05. A autora contra alegou, pugnando pela improcedência do recurso. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. * II. Com interesse para o conhecimento do recurso, dos elementos constantes dos autos resultam provados os seguintes factos: Na petição inicial, a autora indicou como sede da ré: “……., ….., …… …… s/O, Bréscia, Itália”. (fls. 2) Foi enviada carta registada com aviso de recepção para aquela morada para citação da ré. (fls. 43) Aquele aviso foi devolvido assinado, sem identificação da pessoa que o assinou. (fls. 44) A ré é uma sociedade comercial italiana com sede em Itália. (fls. 131) A ré tem a sua sede em ……. ……. (BS) Via Gardale, …. CAP 25036. (fls. 131) III. O recurso é balizado pelas conclusões das alegações, estando vedado ao tribunal apreciar e conhecer de matérias que naquelas não se encontrem incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso (artºs 684º, nº 3 e 690º, nºs 1 e 3 do CPC), acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido. No presente recurso, as questões a decidir são as seguintes: 1 - Se há falta de citação da ré. 2 – Se a citação da ré é nula. 1 – Nulidade de falta de citação da ré Na definição de Manuel de Andrade [“Noções Elementares de Processo Civil”, 1976, pág. 175], nulidades processuais são quaisquer desvios ao formalismo processual seguido, em relação ao formalismo processual prescrito na lei, e a que esta faça corresponder – embora não de modo expresso – uma invalidade mais ou menos extensa de actos processuais. Aqueles desvios de carácter formal podem assumir um de três tipos, tendo em atenção o formalismo preceituado nos artºs 193º e seguintes do CPC – Diploma a que pertencem todas as normas adiante citadas sem menção de origem: a) prática de um acto proibido; b) omissão de um acto prescrito na lei; c) realização de um acto imposto ou permitido por lei, mas sem o formalismo requerido [Antunes Varela, “Manual de Processo Civil”, 2ª ed., pág. 387]. Das nulidades processuais, umas são principais, típicas ou nominadas, sendo-lhes aplicável a disciplina fixada nos artºs 193º a 200º e 202º a 204º; outras são secundárias, atípicas ou inominadas e têm a sua regulamentação genérica no artº 201º, nº 1, estando a sua arguição sujeita ao regime previsto no artº 205º. Nos termos do artº 194º, al. a), é nulo tudo o que se processe depois da petição inicial salvando-se apenas esta, quando o réu não tenha sido citado. Os casos de falta de citação são os previstos nas diversas alíneas do artº 195º: a) omissão completa do acto; b) erro na identidade do chamado; c) emprego indevido da citação edital; d) citação efectuada depois do falecimento do citando ou da extinção deste, tratando-se de pessoa colectiva ou sociedade; e) falta de conhecimento do acto pelo destinatário da citação pessoal, por facto que não lhe seja imputável. No caso, alegou a ré que a carta registada com a.r. que foi enviada para a sua citação não foi enviada para a morada da sua sede e que o respectivo aviso que foi devolvido e junto aos autos não se mostra assinado por nenhum seu representante legal ou funcionário. Os factos alegados pela ré poderão enquadrar-se no disposto na al. e) do citado artº 195º, constituindo o fundamento de falta de citação ali previsto: falta de conhecimento da citação pelo seu destinatário, por facto que não lhe seja imputável. A falta de citação é uma nulidade principal que pode ser conhecida oficiosamente ou por arguição dos réus em qualquer fase do processo, enquanto não se puder considerar sanada (artºs 202º, 204º, nº 2 e 206º, nº 1). Segundo a doutrina tradicional, condensada na máxima “dos despachos recorre-se; contra as nulidades, reclama-se”, as nulidades têm de ser arguidas perante o tribunal onde foram cometidas. Embora se defenda, doutrinal e jurisprudencialmente, que sempre que a violação das normas processuais esteja coberta por decisão judicial que ordenou, sancionou ou autorizou o acto ou omissão (mesmo que de modo implícito), se pode reagir contra tal violação através de recurso da decisão [Neste sentido, Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado”, 1981, pág. 424 e Manuel de Andrade, obra citada, pág. 182.] Nos termos do artº 196º, a nulidade de falta de citação considera-se sanada se o réu intervir no processo sem a arguir logo (artº 196º). No caso dos autos, a invocada falta de citação não foi sancionada pela sentença. Por isso, deveria a ré argui-la perante o Tribunal da 1ª instância aquando da sua primeira intervenção no processo e só depois, ter interposto recurso do despacho que, eventualmente, a indeferisse. Ora, na sua primeira intervenção do processo, a ré limitou-se a juntar procuração a favor de Advogado e a interpor recurso da sentença (cfr. fls. 82 e 83), arguindo a nulidade da falta da sua citação apenas nas alegações de recurso. Não tendo pois a ré arguido a nulidade em tempo perante o Tribunal ad quem tem a mesma de se considerar sanada, não podendo ser já conhecida, nem mesmo oficiosamente [Neste sentido, ver o Ac. do STJ de 13.04.00, BMJ 496º-305]. Sempre se dirá, no entanto, que não resulta dos autos a invocada falta de citação: Como fundamento da arguição da nulidade da falta de citação, alegou a ré que a carta registada com a.r. enviada para a sua citação não foi enviada para a sua sede e que o a.r. não está assinado por nenhum representante legal nem funcionário da ré. Para prova do alegado, juntou com as alegações de recurso a certidão do registo comercial da ré na qual consta a sua sede (fls. 131). Dispõe o artº 247º, nº 1 que, quando o réu resida no estrangeiro, observar-se-á [quanto à citação] o que estiver estipulado nos tratados e convenções internacionais. A ré é uma sociedade italiana com sede em Itália. Ao caso em apreço, aplica-se o Regulamento (CE) nº 1348/2000, do Conselho, de 29.05.00, que entrou em vigor em 31.05.01. Nos termos do artº 14º, nº 1 daquele Regulamento, qualquer Estado-Membro, tem a faculdade de proceder directamente por via postal à citação de actos judiciais destinada a pessoas residentes em outro Estado-Membro. Nos termos do nº 2 do mesmo normativo, também qualquer Estado-Membro pode precisar sob que condições aceitará as citações e notificações por via postal, o que deve fazer por meio de informações que comunicará à Comissão, que as publicará no Jornal Oficial das Comunidades Europeias (artº 23º, nº 1 e 2 do Regulamento). Em relação àquele artº 14º, a Itália comunicou, ao abrigo do disposto no artº 23º, nºs 1 e 2 que “a condição indispensável para poder aceitar os actos por via postal é que os mesmos sejam acompanhados da sua tradução na língua italiana” (Jornal oficial das Comunidades Europeias, C 151/4, de 22.02.01). Ou seja, ressalvada a tradução dos actos para língua italiana, a citação de pessoa colectiva sediada em Itália que seja ré em acção a correr termos em território português, far-se-á por via directa entre o tribunal português e o citando, segundo as formalidades previstas na lei portuguesa. Nos termos do artº 236º, nº 1, a citação por via postal de pessoa colectiva ou sociedade faz-se por meio de carta registada com a.r., de modelo oficialmente aprovado, dirigida para a respectiva sede e para o local onde funciona normalmente a administração, aplicando-se as determinações do regulamento local dos serviços postais. Resulta do disposto no artº 247º, nº 2 que a entrega da carta ao destinatário residente no estrangeiro obedecerá às regras que localmente estiverem em vigor [Abrantes Geraldes, “Temas Judiciários”, vol. I, pág. 66]. No caso dos autos, a carta para citação da ré foi enviada para o endereço que a autora indicou como sendo a sede da ré e o a.r. foi devolvido assinado, sem identificação da pessoa que o assinou. A sede da ré que consta na certidão do registo comercial que a ré juntou com as alegações de recurso tem uma discrepância em relação ao endereço indicado pela autora e para o qual foi enviada a carta, discrepância essa que diz respeito apenas ao número de polícia, verificando-se que a localidade, a rua e o código postal são idênticos. Aquela pequena discrepância não nos permite assim concluir, apenas pelo teor da referida certidão, que a carta não tenha sido recebida na sede da ré. Além de que a citação se teria igualmente por efectuada se a carta tivesse sido enviada para o local onde a ré tem a sua administração principal. Aliás, a ré recebeu a carta enviada para notificação da sentença, que foi enviada exactamente para a mesma morada (cr. fls. 79). Os elementos constantes dos autos são assim manifestamente insuficientes para nos permitir concluir que a carta não foi enviada nem para a sede da ré nem para o local da sua administração principal. Cabia à ré carrear para os autos outros elementos de prova que nos permitissem tirar aquela conclusão. Quanto ao facto de a assinatura constante do a.r. não pertencer a nenhum representante legal ou funcionário da ré, só teria relevância se os regulamentos postais italianos não permitissem a entrega das cartas registadas a terceira pessoa. Ainda que assim fosse, cabia à ré provar que a referida assinatura não pertence nem a representante legal nem a funcionário seu. Como dissemos, as circunstâncias invocadas pela ré reconduzem-se à situação prevista na al. e) do artº 195º - o desconhecimento da citação por causa não imputável à ré – cuja verificação dependia da prova de factos controvertidos; prova essa que a ré, indubitavelmente, não fez. De qualquer forma, ainda que se tivessem provado tais factos e deles se pudesse concluir pela nulidade da falta de citação, esta encontra-se sanada, pelos motivos que já expusemos. 2 – Nulidade da citação A citação é nula quando não tenham sido, na sua realização, observadas as formalidades previstas na lei (artº 198º, nº 1). A nulidade da citação não é de conhecimento oficioso, a não ser nos casos de citação edital ou de não ter sido indicado prazo para a defesa previstos na 2ª parte do nº 2 do artº 198º (cfr. artº 202º). Nos demais casos, a nulidade só pode ser arguida pelo interessado, dentro do prazo indicado para a contestação (artº 198º, nº 2, 1ª parte). Compreende-se o estabelecimento daquele prazo porque a invocação da nulidade da citação pessoal por preterição de uma formalidade pressupõe o conhecimento do acto pelo citando, ou seja, pressupõe que não se verifica nenhuma das situações de falta de citação previstas no artº 195º. Por isso, se estranha que a ré alegue que não teve conhecimento da citação e alegue simultaneamente que a citação não foi acompanhada de cópia traduzida em italiano da petição inicial, dos documentos que a acompanhavam, e da nota de citação. De qualquer modo, a eventual nulidade da citação decorrente da preterição da invocada formalidade teria de ser arguida até ao prazo da contestação (já que, como dissemos, o seu conhecimento pressupõe o conhecimento da citação) e, pelas razões que acima se aduziram, teria de ser arguida perante o tribunal onde foi praticada. Não tendo sido arguida naquele prazo e perante aquele tribunal, considera-se sanada. Diremos apenas que neste aspecto assistiria razão à ré, porque, face à reserva feita pela Itália ao artº 14º do Regulamento (CE) 1348/00, nos termos do artº 23º, nºs 1 e 2 do mesmo Regulamento, a que acima já se fez referência, os elementos de transmissão obrigatória na citação tinham de ser traduzidos em italiano. Esses elementos de transmissão obrigatória são: o duplicado da petição inicial, os documentos que o acompanham, a indicação do tribunal, juízo, vara e secção por onde corre o processo, o prazo para a defesa, a necessidade de patrocínio judiciário e as cominações em caso de revelia – artºs 235º e 236º, nº 1. Encontrando-se sanadas as arguidas nulidades de falta de citação e de citação (sendo que a primeira nem sequer se verificaria), não há que anular quaisquer actos processuais, mantendo-se nos autos a sentença recorrida. * III. Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação e, em consequência: - Confirma-se a sentença recorrida. Custas pela apelante. *** Porto, 5 de Julho de 2006 Deolinda Maria Fazendas Borges Varão Ana Paula Fonseca Lobo António Domingos Ribeiro Coelho da Rocha |