Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0453758
Nº Convencional: JTRP00037047
Relator: SOUSA LAMEIRA
Descritores: TELEFONE
PRESCRIÇÃO PRESUNTIVA
PRESCRIÇÃO EXTINTIVA
PRAZO
Nº do Documento: RP200406280453758
Data do Acordão: 06/28/2004
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: REVOGADA A SENTENÇA.
Área Temática: .
Sumário: I - O regime previsto no artigo 10 n.1 da Lei n.23/96 de 26 de Julho (Lei de Protecção dos Utentes dos Serviços Públicos Essenciais) aplica-se ao SMT - vulgo telemóveis.
II - O prazo de seis meses previsto naquele normativo e no artigo 9 n.4 do Decreto-Lei n.381-A/97, de 30 de Dezembro (Lei das telecomunicações) apenas se refere à apresentação das facturas.
III - Se seis meses após a prestação do serviço não for enviada a factura ao devedor, ocorre a prescrição.
IV - Se a factura foi enviada nesse prazo o direito foi atempadamente exercido e, a partir daí, é que se verificará a prescrição (extintiva) de 5 anos, prevista no artigo 310 alínea g) do Código Civil.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I – RELATÓRIO

1- No Tribunal Judicial da Comarca do ............., a Autora B..............., SA sociedade comercial com sede no .............., ............., ..........., intentou a presente acção declarativa, sob a forma ordinária, contra C.............. residente na Rua ..............., ........... alegando resumidamente, ter prestado á Ré serviços de telecomunicações móveis descritos em facturas que junta, cujo valor ascende a 5.830,77€.
Conclui pedindo a condenação da R. a pagar-lhe aquela quantia acrescida de juros de mora.

2 - Devidamente citada a Ré contestou alegando ter já procedido ao pagamento do peticionado pela A. e invocando a excepção peremptória de prescrição dos serviços prestados, por terem já decorridos mais de 6 meses desde a data de prestação do serviço que a A. alega ter-lhe prestado.

3- Na resposta a A. conclui pela improcedência da excepção suscitada, mantendo as posições já assumidas na petição inicial.

4 - O processo prosseguiu termos tendo sido proferido saneador-sentença, no qual se concluiu que o direito que a Autora pretende exercer através da presente acção se mostra já prescrito, determinando-se assim a procedência da excepção peremptória suscitada pela R.
Desta forma decidiu o Mmº Juiz a quo julgar a acção improcedente e absolver a Ré do pedido.

5 - Apelou a Autora, nos termos de fls. 53 a 62, formulando as seguintes conclusões:

1ª - Pela sua essencialidade ou complementaridade, o Estado sempre estabeleceu regime jurídicos diferentes para os SFT e os STM;
2ª - A prestação do SFT é considerada como um serviço essencial e a do STM como um serviço complementar;
3ª - Como os STM são um serviço complementar, não se lhes aplica a Lei 23/96, de 26/07, pelo que o Tribunal “a quo” praticou um erro na determinação da norma aplicável;
4ª - Devia o ter o Tribunal “a quo” ter antes aplicado o art.º 310, da al. g), do C. Civil.
5ª - Caso assim não se entenda, a prescrição prevista no art.º 10, n.º 1, da Lei 23/96, de 26/07, tem natureza presuntiva e não extintiva, pelo que devia ter sido interpretada pelo Tribunal "a quo" como uma prescrição presuntiva.
6ª - O prazo de seis meses ali aludido, refere-se unicamente ao direito a enviar a factura e não ao direito de exigir judicialmente o crédito pelo serviço prestado pelos operadores dos SMT;
7ª - Após o envio da factura dentro daquele prazo de seis meses, o direito de exigir o pagamento pelos serviços prestados operadores dos SMT, prescreve no prazo de cinco anos, nos termos do al. g) do art.º 310, do C. Civil, norma que devia ter sido aplicada ao caso sub judice;
8ª - Assim, e contrariamente ao decidido pelo "Tribunal a quo" o crédito da apelante não prescreveu.
Conclui pedindo a procedência do recurso com a consequente revogação do despacho recorrido.

5 – Não houve contra-alegações.

II - FACTUALIDADE PROVADA

Encontram-se provados os seguintes factos:
A – Alega a Autora, conforme facturas juntas a fls. 8 a 11, ter prestado á Ré serviços de telecomunicações móveis entre 1.10.1999 a 31.1.2000, com vencimento das respectivas facturas entre 15.12.1999 a 14.3.2000.
B – A ré alega ter liquidado tais facturas. Mais alega:
B1 – De todo o modo as obrigações já estariam prescritas uma vez que a última prestação do serviço teria ocorrido em 28.2.2000.
B2 – O início do prazo de prescrição verificou-se em 1.03.2000;
B3 – Pelo que a prescrição, pelo decurso do prazo de seis meses, teria já ocorrido.
C – A presente acção deu entrada em 8.9.2003.

III – DA SUBSUNÇÃO - APRECIAÇÃO

Verificados que estão os pressupostos de actuação deste tribunal, corridos os vistos, cumpre decidir.
O objecto do recurso é definido pelas conclusões da alegação do recorrente, artigo 684 nº 3 do Código de Processo Civil.

A) As questões a decidir são as seguintes:
1 - Se a regulamentação estabelecida na Lei 23/96 de 26.6 e D.L. 381-A/97 de 30.12, que cria no ordenamento jurídico mecanismos destinados a proteger o utente de serviços públicos essenciais, entre os quais o serviço de telefone, será aplicável á prestação de serviço de telefone móvel.
2 - Se o prazo prescricional previsto pelos citados arts. 10º nº1 da Lei n.º 23/96 de 26.6 e 9º nº4 D.L. 381-A/97 de 30.12, tem natureza extintiva ou presuntiva;
3 - Se tal prazo de 6 meses aí previsto se deve contar desde a data de prestação do serviço até á data da apresentação da competente factura.
Vejamos.
No que à primeira questão concerne entendemos que a resposta não pode deixar de ser afirmativa, pelo que neste ponto acompanhamos o decidido em 1ª instância.
Na verdade, apesar das pertinentes alegações da Recorrente (que, todavia, não lograram convencer nesta parte) afigura-se-nos que a regulamentação estabelecida na Lei 23/96 de 26.6 e D.L. 381-A/97 de 30.12, é aplicável à prestação de serviço de telefone quer este seja fixo quer seja móvel.
As referências feitas pela Recorrente nas suas alegações a alguns preceitos legais (Lei 88/89, de 11 de Setembro, DL .346/90, de 3 de Novembro, Portaria 240/91, de 23 de Março) não se mostram de relevo especial uma vez que à data o SMT (vulgo telemóveis) era ainda um serviço incipiente não acessível à grande maioria da população.
Apenas com os avanços tecnológicos foi possível alargar à generalidade dos cidadãos o serviço de telemóveis tornando-o num efectivo serviço público. Não desconhecemos que, tradicionalmente, os serviços públicos essenciais ou básicos abrangiam – entre outros – a água, a electricidade, o gás e também os telefones fixos.
Mas do mesmo modo que quando surgiu a electricidade ou o gás estes não foram de imediato considerados bens básicos apenas se tendo alargado a todos os cidadãos com o desenvolvimento da tecnologia também relativamente aos telemóveis, que no seu inicio apenas eram acessíveis a uma minoria economicamente mais forte, esse avanço tecnológico permitiu oferecer e apresentar o SMT como um verdadeiro serviço público básico essencial.
Aliás, a lei não distingue entre serviço de telefone fixo e serviço de telemóveis, não devendo o interprete realizar tal distinção.
Eventualmente os avanços tecnológicos que o futuro nos possa vir a proporcionar, com o advento de novas formas de comunicação, poderão tornar quer o SFT quer o SMT serviços não essenciais (e nesse sentido parece apontar a recente Lei 5/2004, de 10 de fevereiro, Lei das Telecomunicações que veio excluir a aplicação da lei 23/96, aos serviços de telefone).
Em suma, este serviço – prestado por várias operadoras – abrange vários milhões de assinantes e cobre a totalidade do país, sendo os seus custos por vezes inferiores aos do telefone fixo – que convém lembrar já é também proporcionado por outras empresas que não a PT – deve ser considerado um verdadeiro serviço público básico essencial.
Impõe-se a improcedência da primeira questão deduzida pela Recorrente.

Resolvida a primeira questão importa abordar a segunda e a terceira, que estão conexionadas, a saber: o prazo prescricional previsto pelos citados arts. 10º nº1 da Lei n.º 23/96 de 26.6 e 9º nº4 D.L. 381-A/97 de 30.12, tem natureza extintiva ou presuntiva?
E se tal prazo de 6 meses aí previsto se deve contar desde a data de prestação do serviço até á data da apresentação da competente factura.
Desde já se impõe afirmar que a nossa posição não pode deixar de ser igual à já expressa em diversos acórdãos desta Relação de que fomos Adjunto [Ac. R. Porto de ......, proferido no Processo n.º 1555/2002 do qual foi Relator o Des. Caimoto Jácome e Ac. R. Porto de ........, Proferido no Processo n.º 2534/2004 e Ac. R. Porto de ....... proferido no Processo n.º 3260/04 dos quais foi Relator o Des. Macedo Domingues] ou seja a de que estamos perante uma prescrição presuntiva.
Mas vejamos a questão enunciando os preceitos legais a ponderar para a resolução desta questão.
Nos termos do artigo 10 n.º 1 da lei n.º 23/96 de 26.7 (Lei de Protecção dos Utentes dos Serviços Públicos Essenciais) que o direito de exigir o pagamento do preço do serviço prestado prescreve no prazo de seis meses após a sua prestação.
O artigo 9 n.º 4 do DL n.º 381-A/97 de 30.12 (Lei das telecomunicações) estatui que o direito de exigir o pagamento do preço do serviço prestado prescreve no prazo de seis meses após a sua prestação.
E o n.º 5 deste artigo prescreve que para efeitos do número anterior, tem-se exigido o pagamento com a apresentação de cada factura.
Por sua vez o artigo 310 al. g) do CC dispõe que prescrevem no prazo de cinco anos quaisquer prestações periodicamente renováveis.
As posições para a articulação destes preceitos com a factualidade em causa encontram-se bem definidas.
Resumem-se, no essencial, em saber desde quando se conta o inicio do prazo de seis meses e se estamos perante uma prescrição presuntiva ou face a uma prescrição extintiva. [As prescrições presuntivas fundam-se numa presunção de cumprimento (cfr. Vaz Serra, RLJ Ano 109, p. 246 e Pires de Lima e A. Varela, RLJ Ano 103, p. 254).
As prescrições extintivas têm como consequência a extinção do direito de exercício e fazem desaparecer todos os meios de tutela jurídica, subsistindo apenas a obrigação natural para o devedor]
Para uns ocorre a prescrição se os créditos decorrentes da fornecimento do serviço não forem cobrados no prazo de 6 meses após a sua prestação (a prescrição será extintiva).
Para outros só se verifica a prescrição se a factura for enviada ao cliente após o decurso do prazo de seis meses, uma vez que tendo aquela factura sido enviada no prazo de seis meses o direito foi devidamente exercido.
Como já deixamos expresso a nossa posição é a de que o prazo de seis meses apenas se refere à apresentação das facturas. Ou seja, se seis meses após a prestação do serviço não for enviada a factura ocorre a prescrição. Se a factura foi enviada nesse prazo o direito foi bem exercido e a partir daí é que se verificará a prescrição (extintiva) de 5 anos prevista no artigo 310 al. g) do CC. [Neste sentido, para além dos Acórdãos em que fomos Adjunto, referidos na nota 2, os vários Acórdãos aí referidos que nos dispensamos de voltar a enumerar, o trabalho do Prof. Meneses Cordeiro igualmente aí mencionado, o Ac. R.P. de 25.03.2004, do qual foi Relator o Des. João Bernardo.
Em sentido oposto o Ac. desta Relação de 6.05.2003, de que foi Relator o Des. Emídio Costa, ambos em texto integral em www.Dgsi.pt.
Não podemos deixar de referir que existe uma terceira corrente que defende que a apresentação da factura interrompe a prescrição e que após a apresentação da factura é de seis meses o prazo que deve mediar até à apresentação da acção em juízo. Neste sentido o Ac. do STJ de 6.11.2002]
Afigura-se-nos que este é o entendimento que melhor salvaguarda não só os interesses do consumidor como os do prestador dos serviços, sendo também o que melhor concilia os preceitos legais em questão.
Assim sendo entendemos que se impõe a procedência do recurso, uma vez que não se verifica a invocada excepção peremptória da prescrição.
Dado que a Ré alega ter procedido ao pagamento das facturas os autos devem prosseguir para fixação de toda a matéria relevante, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito.

B) CONCLUSÃO
1- O regime previsto no artigo 10 n.º 1 da lei n.º 23/96 de 26.7 (Lei de Protecção dos Utentes dos Serviços Públicos Essenciais) aplica-se ao SMT.
2- O prazo de seis meses previsto no artigo 10 n.º 1 da lei n.º 23/96 de 26.7 (Lei de Protecção dos Utentes dos Serviços Públicos Essenciais) e no artigo 9 n.º 4 do DL n.º 381-A/97 de 30.12 (Lei das telecomunicações) apenas se refere à apresentação das facturas. Ou seja, se seis meses após a prestação do serviço não for enviada a factura ocorre a prescrição. Se a factura foi enviada nesse prazo o direito foi bem exercido e a partir daí é que se verificará a prescrição (extintiva) de 5 anos prevista no artigo 310 al. g) do CC.

IV- DECISÃO
Por tudo o que se deixou exposto e nos termos dos preceitos citados, acorda-se em:
1- Julgar procedente a apelação, revogando-se o saneador-sentença recorrido, na parte em que julgou procedente a excepção peremptória da prescrição, ordenando-se o prosseguimento dos autos, nomeadamente com a organização da matéria de facto assente e da base instrutória.
2- Custas pela parte vencida a final.
Registe e Notifique.
Porto, 28 de Junho de 2004
José António Sousa Lameira
António Augusto Pinto dos Santos Carvalho
Baltazar Marques Peixoto