Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0843400
Nº Convencional: JTRP00041902
Relator: ABÍLIO RAMALHO
Descritores: PRISÃO SUBSIDIÁRIA
CUMPRIMENTO
Nº do Documento: RP200811260843400
Data do Acordão: 11/26/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: PROVIDO.
Indicações Eventuais: LIVRO 342 - FLS 184.
Área Temática: .
Sumário: É ilegal a decisão que determina o cumprimento da prisão subsidiária em regime de permanência na habitação.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso – separado – n.º 3400/08-4
[Processo Incidental/Separado n.º (nuipc) …/05.0PAVCD-A, do ..º J.º Criminal de Vila do Conde]
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Acordam – em conferência – na 2.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:
I – RELATÓRIO

1 – O MINISTÉRIO PÚBLICO, inconformado com o despacho judicial exarado na peça processual certificada a fls. 2/3, substitutivo de 47 dias de prisão subsidiária previamente determinada ao arguido/condenado B………. – por despacho transitado em julgado, em decorrência do parcial incumprimento de pena de multa que há muito (19/07/2006) lhe fora cominada – por igual tempo de permanência na habitação, com fiscalização por meios electrónicos, dele interpôs o recurso ora analisando, extraindo da respectiva motivação[1] o seguinte quadro conclusivo (por transcrição):
«1) O presente recurso visa o Douto Despacho de fls. 485 e seguintes, que determinou que o arguido B………. cumpra os 47 dias de prisão apurados por despacho de fls. 455, já transitado em julgado, em regime de permanência na habitação, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 44.º do Código Penal e na Lei n.º 122/99, de 20.08.
2) Por Douta Sentença transitada em julgado, foi o arguido B………. condenado, pela prática de um crime de furto, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de 5 €.
3) Notificado para efectuar o pagamento, veio o arguido requerer o pagamento em prestações, o que lhe foi deferido, não tendo pago qualquer prestação.
4) Notificado, requereu o condenado a substituição da multa por dias de trabalho a favor da comunidade (fls. 331), o que lhe foi deferido (fls. 356 e seguintes) sendo substituída a pena de 100 dias de multa por 263h de trabalho a favor da Junta de Freguesia de C………. (fls. 375). 5) Todavia, o condenado não prestou, na íntegra, as referidas horas de trabalho a favor da comunidade, não apresentando razão justificativa para tal incumprimento.
6) O condenado não interiorizou a censura que lhe foi dirigida, sob a forma de uma condenação penal.
7) Pelo exposto, e por despacho de fls. 455 e seguintes, foi convertida a pena de multa aplicada ao arguido B………., em 47 dias de prisão subsidiária.
8) Ouvido, nos termos e para os efeitos do artigo 44.º, n.º 1 do CP e artigo 2.º, n.º 1 da Lei n.º 122/99, de 20.08, o condenado disse que consente na execução da pena em regime de permanência na habitação e com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância.
9) Decidiu, então, a Mma. Juiz a quo determinar "que o arguido B………. cumpra os 47 dias de prisão apurados por despacho de fls. 455, já transitado em julgado, em regime de permanência na habitação, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 44.º do Código Penal e na Lei n.º 122/99, de 20.08."
10) Entendemos que o despacho referido em 9) é legalmente inadmissível, pois do disposto no artigo 44.º do Código Penal resulta que o regime de permanência na habitação é uma verdadeira pena de substituição e não um modo de cumprimento/execução da pena de prisão.
11) Isso mesmo ressalta da Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 98/X, que deu origem à Lei n.º 59/2007, de 04.09, onde se escreve "No Título III, que versa sobre as consequências jurídicas do crime, para tornar as sanções mais eficazes e promover a reintegração social dos condenados, prevêem-se novas penas substitutivas da pena de prisão e alarga-se o âmbito de aplicação das já existentes. Assim, a prisão passa a poder ser executada em regime de permanência na habitação quando não exceder um ano e, em casos excepcionais (gravidez, idade, doença, deficiência, menor a cargo ou familiar a cargo), dois anos." (negrito nosso).
12) Tal é também corroborado por se encontrar prevista no Capítulo II do Título III do Código Penal (sob a epígrafe "Penas"), e não no Código de Processo Penal onde, no Título II do Livro X, se encontra regulada a execução da pena de prisão.
13) Apenas pode ser cumprida em regime de permanência na habitação a pena de prisão aplicada, como refere a alínea a) do n.º 1 do artigo 44.º do CP, ou seja, a pena de prisão como pena principal e não a pena de prisão subsidiária/convertida.
14) Assim não se entendendo, estaria desvirtuada a pena de multa e as finalidades que presidem à sua aplicação, pois implicaria a concessão de um prazo suplementar, para o arguido efectuar o pagamento da pena de multa em que foi condenado já em 2006, assim se dissipando os efeitos de prevenção geral positiva na escolha e aplicação desta pena de multa (para já não falar nos efeitos de prevenção especial, uma vez que consideramos que o arguido não interiorizou a censura que lhe foi dirigida, sob a forma de uma condenação penal, há já cerca de ano e meio, pois ainda não efectuou o pagamento da pena de multa em que foi condenado).
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Pelo exposto, entendemos que deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, deve o Despacho de fls. 485 e seguintes ser revogado, por inadmissibilidade legal, com a consequente emissão de mandados de detenção, para cumprimento da pena de prisão subsidiária de 47 dias, por forma a fazer-se a habitual e sã JUSTIÇA!»
2 – O arguido/condenado nada disse.
3 – Nesta Relação foi emitido parecer por Ex.mo PGA no sentido do substancial acerto recursório, (cfr. peça de fls. 15 e v.º, nesta sede tida por transcrita nos respectivos dizeres).
4 – Observadas as pertinentes formalidades legais, nada obsta à respectiva apreciação.
II – FUNDAMENTAÇÃO

1 – Demandando-se desta Relação a análise/verificação da (i)legalidade de tal impugnado acto decisório, importa reter o respectivo conteúdo:
«Por despacho de fls. 455 e sgs., foi convertida a pena de multa aplicada ao arguido B………. em 47 dias de prisão subsidiária, em virtude do constatado e reiterado incumprimento.
Atenta a política subjacente à execução de penas de prisão de curta duração, foi equacionada a hipótese de ao arguido se aplicar àquela pena, ainda que analogicamente, o regime previsto no art.º 44º do Código Penal, ou seja, o cumprimento da pena de prisão em regime de permanência na habitação e com fiscalização através de meios electrónicos (Lei 122/99, de 20 de Agosto).
Nessa sequência, foi junto a fls. 471 e sgs. relatório do IRS, o qual dá conta de que tecnicamente a habitação do arguido reúne as condições necessárias à aplicação desse regime, bem como anexa o necessário consentimento irrevogável daqueles que com o arguido coabitam (cfr. art.º 2º, n.º 2, da referida Lei).
Impôs-se, então, ouvir o arguido e obter, do mesmo o necessário consentimento à sujeição de tal regime, o que se fez e obteve nos termos supra enunciados.
Encontram-se, portanto, reunidos todos os pressupostos de que depende a aplicação, analógica, do regime de permanência na habitação ao arguido, previsto pelo art.º 44º do Código Penal e pela Lei 122/99, de 20 de Agosto.
Desta sorte, determino que o arguido B………. cumpra os 47 dias de prisão apurados por despacho de fls. 455, já transitado em julgado, em regime de permanência na habitação, nos termos e ao abrigo do disposto no art.º 44º do Código Penal e na Lei 122/99, de 20 de Agosto.
[…].»
2 – Com o devido respeito pelo entendimento a tal subjacente, não se poderá deixar de sufragar a discordante tese do M.º P.º, recorrente.
Como claramente decorre do texto do art.º 44.º, ns. 1 e 2, do Código Penal, na versão resultante da Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, o regime de permanência na habitação aí prevenido constitui uma nova[1] forma de cumprimento duma pena principal de prisão de medida não superior a um ano ou, excepcionalmente, a dois, verificados que sejam, naturalmente, os respectivos condicionalismos.
Por conseguinte, apenas é aplicável a título punitivo de ilícitos criminais cometidos depois do início da sua vigência, ou seja, a partir de 15/09/2007, inclusive, por força do estatuído nos arts. 13.º da citada Lei n.º 59/2007, de 04/09, e 2.º, n.º 1, do C. Penal, sem prejuízo, evidentemente, da respectiva consideração relativamente a crimes anteriores nas situações e limites enunciados no art.º 29.º, n.º 4, da Constituição, no n.º 4 do citado art.º 2.º do C. Penal, e no art.º 371.º-A do C. P. Penal, na versão decorrente da Lei n.º 48/2007, de 29/08, de que o conhecido no âmbito do processo (principal) se encontra obviamente excluído, pelo empírico gravame da concernente natureza detentiva, axiomaticamente desfavorável ao id.º cidadão B………. relativamente à pena não privativa da liberdade – de multa – que pela sentença de 19/07/2006 lhe foi cominada.
Como assim, tendo presente a absoluta proibição do recurso à analogia para a determinação de qualquer pena, consagrada no art.º 1.º, n.º 3, do Código Penal, vedada estava, inquestionavelmente, à Ex.ma signatária do ora sindicado despacho, a enunciada substituição do definido período de prisão subsidiária da pena de multa não cumprida pelo novo referido regime de correspondente obrigação de permanência na habitação.
III – DISPOSITIVO

Destarte – sem outras considerações por despiciendas –, delibera-se a concessão de provimento ao recurso, revogando, por consequência, o impugnado despacho e determinando a respectiva substituição por outro que ordene a emissão de mandados de detenção do id.º arguido/condenado B………. para efectivo cumprimento de 47 (quarenta e sete) dias de prisão subsidiária em pertinente estabelecimento prisional – a que o próprio apenas poderá obstar pelo pagamento da multa em falta, em conformidade com o disposto no art.º 49.º, n.º 2, do C. Penal.
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Sem tributação.
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(Consigna-se, nos termos do art. 94.º, n.º 2, do C. P. Penal, que o antecedente acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo primeiro signatário).
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Porto, 26 de Novembro de 2008.
Os Juízes-desembargadores:
Abílio Fialho Ramalho
Custódio Abel Ferreira de Sousa Silva

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[1] Ínsita na peça certificada a fls. 5/10.
[2] Em relação à disciplina legal anterior, bem entendido.