Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0410795
Nº Convencional: JTRP00037281
Relator: DOMINGOS MORAIS
Descritores: INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
APOIO JUDICIÁRIO
Nº do Documento: RP200410180410795
Data do Acordão: 10/18/2004
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE.
Área Temática: .
Sumário: I - A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima directa ou indirectamente a intenção de exercer o direito (artigo 323 n.1 do Código Civil). Porém, se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram cinco dias (artigo 323 n.2 do Código Civil).
II - Nos termos do artigo 34 n.3 do Decreto-Lei n.387-B/87, de 29 de Dezembro, a acção destinada ao exercício de um direito do requerente ao apoio judiciário considera-se proposta na data em que for apresentado o pedido de nomeação de patrono.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:


1 – B.........., nos autos identificado, intentou acção emergente de contrato individual de trabalho, no TT do Porto, contra
C..........;
Restaurante “X..........” e Y..........,
Alegando, em resumo, que trabalhou para a 1.ª Ré, como profissional do ramo da restauração, e que na sequência de várias vicissitudes contratuais, a Ré operou, ilicitamente, a cessação do contrato de trabalho.
Termina pedindo o que consta no petitório da acção.
Por despacho proferido a fls. 80-82 dos autos, a Mma Juíza da 1.ª instância indeferiu liminarmente a petição inicial quanto aos demandados Restaurante “X..........” e Y...........
Frustrada a conciliação na audiência de partes, a Ré contestou, excepcionando o pagamento de créditos e, subsidiariamente, a prescrição dos créditos peticionados pelo Autor e impugnando, em grande parte, a factualidade descrita na petição inicial.
Conclui pela improcedência da acção.
O autor respondeu, defendendo a improcedência das excepções deduzidas, embora aceitando ter recebido da Ré, por conta, a importância de esc. 250.000$00, mantendo, no mais, o alegado na petição inicial.
Terminada a audiência preliminar, a Mma Juíza da 1.ª instância proferiu saneador/sentença, julgando procedente a excepção da prescrição, por considerar que o atraso na citação da Ré é imputável ao Autor, e absolvendo a Ré de todos os pedidos formulados e absolvendo ambas as partes do pedido de condenação como litigantes de má fé.

Inconformado com o julgado, o Autor apelou, alegando a nulidade parcial do saneador/sentença, nos termos do artigo 668.º, n.º 1, alíneas b) e c) do CPC, e concluindo, em síntese, que a demora da citação da Ré não lhe é imputável; que requereu a concessão do apoio judiciário, incluindo a nomeação de patrono, em tempo oportuno e que não se verifica a excepção da prescrição, conforme se decidiu no saneador/sentença.
A Ré contra-alegou, defendendo a confirmação do julgado.
O M. Público emitiu o seu Parecer, pronunciando-se pelo provimento parcial do recurso, por não verificada a alegada prescrição de créditos.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

2 - Os factos
Na 1.ª instância foram dados como provados os seguintes factos:
2.1 - A ré é uma empresa do ramo da restauração e era proprietária/ exploradora do estabelecimento comercial sito à Av. ....., ..., Porto, denominado "X..........".
2.2 - Autor e ré assinaram o contrato de trabalho denominado "a termo certo" em 01 de Junho de 2000, pelo período do seis meses, segundo o qual, mediante a retribuição mensal de € 318,23 ( 63.800$00) , acrescida de subsídio de alimentação, aquele desempenhava para esta as funções inerentes à categoria profissional de empregado de mesa e balcão no seu estabelecimento comercial, conforme documento de fls. 136 a 138, que aqui se dá por reproduzido.
2.3 - Na cláusula 6.ª desse contrato consta que o mesmo "é motivado pelo acréscimo temporário da actividade da empresa, conforme o disposto na al. b) do n.º 1 do art.º 41.° do Regime Jurídico da Cessação do Contrato Individual de Trabalho e de Celebração e Caducidade do Contrato de Trabalho a Termo, aprovado pelo D.L. n.º 64-A/89 de 27 de Fevereiro.
2.4 - A ré, em 18 de Maio de 2001, enviou ao autor uma carta, nos termos da qual este foi informado de que "nos termos do n.º 1 do art. 46.° do D.L. n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, o contrato a termo certo de seis meses celebrado entre nós em 01 de Junho de 2000, caducará no próximo dia 31 de Maio de 2001, data a partir da qual deixará de nos prestar a sua actividade, cfr. documento de fls. 64, que aqui se dá por reproduzido.
2.5 - O autor assinou a declaração de fls. 135, datada de 19 /10/2001, que aqui se dá por reproduzida, na qual declara que “depois de ter recebido da firma C.........., com sede na Rua ....., ....., V .N. de Gaia, os montantes à frente descritos, nada mais tem a haver".
2.6. - O autor recebeu a totalidade da quantia ali acordada.

Nos termos do artigo 712.º do CPC e por terem interesse para a decisão da causa, consignam-se ainda os seguintes factos, com base nos documentos, não impugnados, juntos a fls. 66-71:
2.7 - O autor requereu a concessão do apoio judiciário, incluindo na modalidade de nomeação de patrono, no dia 2002.03.21.
2.8 - A concessão foi deferida nas modalidades de dispensa total da taxa de justiça e demais encargos com o processo e de nomeação e pagamento de honorários de patrono, em 2002.04.30.
2.9 – Ao patrono nomeado foi dado conhecimento da nomeação por ofício da Ordem dos Advogados, datado de 2002.07.05.

3 - O Direito
Como resulta do disposto nos artigos 684.º, n.º 3 e 690.º, n.ºs 1 e 3, do CPC, aplicáveis por força do artigo 1.º, n.º 2, alínea a) e artigo 87.º do CPT, é pelas conclusões das alegações que se delimita o objecto do recurso.

No caso em apreço, o recorrente suscita as seguintes questões:
- A nulidade parcial do saneador/sentença,
- A prescrição dos créditos do Autor,
- A insuficiência da matéria de facto assente,
- Os descontos para a Segurança Social.

Da nulidade parcial do saneador/sentença
O recorrente suscita a questão da nulidade do saneador/sentença, ao abrigo do disposto no artigo 668.º, n.º 1, alíneas b) e c) do CPC, a propósito da declaração de improcedência do pedido de condenação da Ré como litigante de má fé.
Este pedido, formulado pelo Autor na resposta à contestação, tem como fundamento a alteração ou omissão de factos relevantes para a boa decisão da causa, nomeadamente, ao nível das datas de admissão do Autor ao serviço da Ré (cfr. artigos 46.º e 47.º da Resposta).
Ora, por força da declaração de procedência da excepção da prescrição, ficou prejudicado o conhecimento da questão de fundo da acção e, por consequência, da irregularidade ou não do comportamento processual da Ré no que aos fundamentos da acção respeita.
Acontece, porém, que a previsão do artigo 456.º do CPC – responsabilidade no caso de má fé – é mais abrangente e nada impede o juiz de apreciar seja qual for das hipóteses aí previstas, independentemente da vontade das partes.
No caso sub judice, a Mma Juíza de 1.ª instância, tendo em conta os elementos fornecidos pelos autos na fase do saneador/sentença, entendeu e bem, diga-se, não estarem reunidos os pressupostos para a condenação das partes (a Ré formulara idêntico pedido) como litigantes de má fé.
Assim, consideramos não verificada a nulidade parcial invocada pelo recorrente.

Da prescrição de créditos
A Ré excepcionou a prescrição dos créditos pedidos pelo Autor, alegando ter decorrido mais de um ano – artigo 38.º do DL n.º 49408, de 24.11.69 (LCT) – entre a cessação do contrato de trabalho e a propositura judicial da presente acção (cfr. artigos 7.º, 8.º e 9.º da contestação).
A Mma Juíza da 1.ª instância, discorrendo sobre o regime jurídico da interrupção da prescrição, previsto no artigo 323.º do CC, concluiu que a falta de citação da Ré, dentro do prazo dos cinco dias previsto naquela norma, é imputável ao Autor, apesar do disposto no artigo 34.º, n.º 3 da Lei n.º 30-E/2000, de 20.12.

Nos termos do artigo 38.º, n.º 1 da LCT, “os créditos resultantes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, quer pertencentes à entidade patronal, quer pertencentes ao trabalhador, extinguem-se por prescrição, decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho”.
Ora, tendo o vínculo contratual cessado, por iniciativa da Ré, no dia 2001.05.31, o prazo prescritivo completava-se às 24 horas do dia 2002.06.01, atento o critério de fixação do termo do prazo, previsto no artigo 279.º do CC, caso não ocorresse nenhuma causa suspensiva ou interruptiva da prescrição.
Os regimes jurídicos da suspensão e da interrupção da prescrição estão previstos nos artigos 318.º a 327.º do CC.
O artigo 323.º regula, concretamente, o regime jurídico da interrupção promovida pelo titular do direito a exercer, estabelecendo o n.º 1 que “a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente”.
E o n.º 2 acrescenta que “se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias”.
No caso em apreço, ocorrendo a prescrição às 24 horas do dia 2002.06.31 e tendo a acção sido apenas proposta no dia 2002.08.27, estaríamos perante um caso de prescrição de créditos laborais, por ter decorrido mais dum ano após a cessação do contrato de trabalho e não se ter verificado qualquer um dos actos interruptivas previstos no artigo 323.º do CC.

Acontece, porém, que o DL n.º 387-B/87, de 29.12, que regulou o regime jurídico do apoio judiciário até à entrada em vigor da Lei n.º 30-E/2000, de 20.12, introduziu no sistema jurídico nacional, através do artigo 34.º, n.º 3, uma nova causa interruptiva da prescrição, qual seja a do pedido de concessão de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono.
Esse normativo estatui, expressamente, que “a acção (destinada ao exercício dum direito do requerente do apoio judiciário) considera-se proposta na data em que foi apresentado o pedido de nomeação de patrono”.
Esta disposição legal mantém-se em vigor, agora através da Lei n.º 30-E/2000, de 20.12 (por coincidência ou não com a mesma numeração e texto), e contém a mesma virtualidade de interromper o prazo prescricional, como o previsto no artigo 38.º da LCT, apesar do pedido de concessão do apoio judiciário ser dirigido à Segurança Social e não aos Tribunais, como sucedia no anterior regime (cfr. DL n.º 387-B/87, de 29.12).
Como escreve o Sr. Procurador da República no seu Parecer, a fls. 256 dos autos, o que o legislador pretende “é, em última instância, proporcionar aos carecidos de meios económicos a garantia de efectivo acesso ao direito, em respeito pelo impetrado no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, assegurando-lhes a tempestividade dos procedimentos judiciais desde que tenham sido diligentes na formulação daquele pedido, apresentando-o dentro dos prazos normais para o exercício dos direitos que pretendem fazer valer”.
Ora, estando provado que o Autor requereu a concessão do apoio judiciário, incluindo na modalidade de nomeação de patrono, no dia 2002.03.21, isto é, durante o decurso do ano prescricional, concluímos pela improcedência da excepção da prescrição de créditos invocada pela Ré.

Da insuficiência da matéria de facto assente
Face à declaração de improcedência da excepção da prescrição, fica prejudicado o conhecimento desta questão, pelo simples facto de que se seguem as fases de instrução e de discussão e julgamento dos fundamentos da acção.

Dos descontos para a Segurança Social
Sobre esta questão, consideramos acertado o juízo formulado pela Mma Juíza da 1.ª instância na decisão recorrida e face à respectiva fundamentação jurídica, para ela remetemos, nos termos do artigo 713.º, n.º 5 do CPC.
Na verdade, os descontos sociais efectuados pela entidade patronal, por imperativo legal, não configuram um direito passível de ser integrado na esfera jurídica do trabalhador, “antes constituindo uma receita da Segurança Social, que a esta cabe cobrar segundo as modalidades legalmente previstas” (cfr. Parecer do Sr. Procurador da República).
Sobre esta matéria, aos Tribunais cabe apenas a competência executiva.

4 - A Decisão
Atento o exposto, decide-se conceder provimento parcial à apelação, por improcedente a excepção da prescrição e, em consequência, revogar o saneador/sentença, que deverá ser substituído por despacho a fixar a base instrutória ou a designar dia para julgamento.

As custas serão suportadas pela parte vencida a final.

Porto, 18 de Outubro de 2004
Domingos José de Morais
João Cipriano Silva
António José Fernandes Isidoro