Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP00040519 | ||
| Relator: | PINTO DE ALMEIDA | ||
| Descritores: | CIRE QUALIFICAÇÃO DA INSOLVÊNCIA | ||
| Nº do Documento: | RP200706180731779 | ||
| Data do Acordão: | 06/18/2007 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | AGRAVO. | ||
| Decisão: | NEGADO PROVIMENTO. | ||
| Indicações Eventuais: | LIVRO 724 - FLS 24. | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I – Fora dos casos previstos no nº2 do art. 186º do CIRE, deve ser provada a culpa e o nexo de causalidade contemplado no nº1 para que a decretada insolvência possa ser qualificada como culposa. II – O nº2 daquele art. não presume apenas a existência de culpa, mas também a existência de causalidade entre a actuação dos administradores do devedor e a criação ou agravamento do estado de insolvência. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I. A Sra. Administradora da Insolvência veio, nos termos do disposto no nº 2 do art. 188° do C.I.R.E., apresentar parecer, fundamentado, propondo a qualificação da insolvência de B………., Lda como fortuita, sem prejuízo do incumprimento da alínea a) do nº 3 do art. 186° do mesmo diploma legal. O Ministério Público pronunciou-se pela qualificação da insolvência como culposa, devendo ser afectados por tal qualificação os sócios da sociedade C………. e D………., uma vez que não requereram a declaração de insolvência da sociedade em questão dentro dos 60 dias subsequentes à data do conhecimento da sua insolvência, nos termos da al. a) do nº 3 do art. 186° do C.I.R.E.. Efectuadas as legais citações e notificações, apenas C………. e D………. vieram responder, pugnando, em suma, pela qualificação da insolvência como fortuita. Procedeu-se á inquirição de uma testemunha e foi, ainda, ouvida a Sra. Administradora de Insolvência. Seguidamente foi proferida decisão que qualificou a insolvência como fortuita. Discordando desta decisão, dela interpôs recurso o MºPº, tendo apresentado as seguintes Conclusões: 1. O art. 186º do CIRE prevê no nº 1 uma noção geral do que deve ser considerado insolvência culposa, mas no nº 2 e 3 estabelece presunções de diferente natureza, que complementam e concretizam os termos em que a insolvência deve ser considerada culposa. 2. Essas presunções recaem precisamente sobre a criação ou agravamento da situação de insolvência: verificando-se os factos integradores das diversas alíneas do nºs. 2 e 3, presume-se que tais factos criaram e/ou agravaram a situação de insolvência. 3. Assim, face aos factos provados a insolvência tinha de ser qualificada como culposa pela verificação da presunção p. na al. a) do nº 3 do art. 186°. 4. Ficou provado que a insolvente omitiu o dever de se apresentar à falência p. no art. 18º do CIRE. 5. Não ficou provado qualquer facto susceptível de ilidir a presunção de culpa grave e de que tais factos criaram e/ou agravaram a situação de insolvência. 6. Entendeu a sentença recorrida que além da prova do facto p. na al. a) do nº 3, seria necessário provar que tal facto criou e/ou agravou a situação de insolvência. 7. Ora, o legislador ao estabelecer as presunções p. no nº 3 pretendeu precisamente dispensar a prova do nexo causal entre os factos aí elencados e a criação e/ou agravamento da situação de insolvência. 8. Pretendeu onerar o devedor e não os seus credores com o ónus de provar que, apesar de terem ocorrido, aqueles factos não criaram nem agravaram a situação de insolvência. 9. Entendeu, e bem, que apenas o devedor está em posição de poder demonstrar que, apesar de não se ter apresentado à insolvência no prazo legal e de não ter depositado as contas na conservatória, tal não criou nem agravou a situação de insolvência. 10. A não ser assim, ficaria sem sanção a violação do dever de apresentação à insolvência p. no art. 18º e cuja introdução nesta nova lei foi tão realçada pelo legislador. 11. Assim, verificando-se nos autos a presunção p. na al. a) do nº 3 do art. 186º e, não tendo sido esta ilidida, a insolvência tinha de ser qualificada como culposa. 12. Tal decisão violou os arts. 18º, nºs. 1 e 2 e 186º nºs. 1, 2 e 3 todos do CIRE. Nestes termos, deve ser julgado procedente o presente recurso, revogando-se a decisão recorrida, e substituindo-a por outra que determine que a insolvência é culposa. Não foram apresentadas contra-alegações. Após os vistos legais, cumpre decidir. II. Questões a resolver: Trata-se apenas de decidir se a insolvência declarada deve ser qualificada como culposa ou fortuita. III. Na decisão recorrida foram considerados provados os seguintes factos: - a presente insolvência foi requerida, por diversas trabalhadoras da requerida, em Setembro de 2005; - a insolvente é uma sociedade por quotas, sendo C………. e D………. os seus sócios-gerentes; - a situação de insolvência da requerida ficou a dever-se à crise sentida no sector do calçado, devida ao aumento da concorrência e consequente "esmagamento" de preços, perda de clientes e quebra acentuada no volume de negócios; - em consequência, a insolvente decidiu encerrar a empresa e cessar toda e qualquer actividade, encontrando-se a mesma sem laborar desde Novembro de 2004; - apesar do encerramento, a insolvente continuou a cumprir as obrigações fiscais; - não existem quaisquer dívidas em mora à Administração Fiscal, ao Centro Regional de Segurança Social, nem a quaisquer outras entidades públicas. IV. Na decisão recorrida concluiu-se que: (...) para além da culpa presumida do nº 3 do art. 186.° do CIRE, para que a insolvência seja considerada culposa, é necessário demonstrar - além do preenchimento de qualquer das hipóteses previstas em tal número - que a conduta do administrador tenha criado ou agravado a situação de insolvência. Deste modo, para além das situações previstas no nº 2 do art. 186.° do CIRE, quem invoca ou provoca a qualificação culposa da insolvência de pessoa colectiva, com vista a afectar os seus administradores por tal qualificação, tem o ónus de demonstrar que: - a situação de insolvência foi criada ou agravada pelos seus administradores (de facto ou de direito), em virtude de actuação dolosa ou com culpa grave destes; - a situação de insolvência foi criada ou agravada pelos seus administradores (de facto ou de direito), e que os mesmos não cumpriram uma das obrigações previstas no nº 3 do art. 186.° do CIRE. Analisado o regime legal, subscreve-se sem hesitação esta fundamentação. Dispõe o art. 186º do CIRE[1]: 1. A insolvência é culposa quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência da actuação, dolosa ou com culpa grave, do devedor ou dos seus administradores, de direito ou de facto (...). 2. Considera-se sempre culposa a insolvência do devedor que não seja uma pessoa singular quando os seus administradores, de direito ou de facto, tenham (...). 3. Presume-se a existência de culpa grave quando os administradores, de direito ou de facto, do devedor que não seja uma pessoa singular, tenham incumprido: a) O dever de requerer a declaração de insolvência; b) A obrigação de elaborar as contas, no prazo legal, de submetê-las à devida fiscalização ou de as depositar na conservatória do registo comercial (...) Da norma do nº 1 resulta claramente que para a insolvência ser qualificada como culposa é necessário que interceda em termos de causalidade – criando-a ou agravando-a – a actuação do devedor; actuação que tem de ser dolosa ou com culpa grave. No nº 2 do mesmo artigo, estabelece-se uma presunção iure et de iure (considera-se sempre) da verificação daqueles requisitos; as situações aí previstas determinam, inexoravelmente, a atribuição de carácter culposo à insolvência[2]. Mas, enquanto no nº 2 se considera sempre culposa a insolvência, no nº 3 apenas se estabelece uma presunção de culpa grave, presunção que é ilidível[3]. Neste caso, portanto, tem de demonstrar-se ainda que a actuação com culpa grave presumida criou ou agravou a situação de insolvência. A este propósito, afirma-se[4] que a qualificação da insolvência como culposa exige uma relação de causalidade entre a conduta do devedor e o estado declarado de insolvência, uma vez que o devedor pode ter actuado dolosamente mas em nada ter contribuído para a “criação” ou “agravamento” da insolvência. Fora dos casos previstos no nº 2, deve ser provada a culpa e o nexo de causalidade (…). O nº 2 do artigo não presume apenas a existência de culpa, mas também a existência de causalidade entre a actuação dos administradores do devedor e a criação ou agravamento do estado de insolvência. No caso, como se salientou na decisão recorrida, não se apurou que a situação de insolvência tenha sido criada ou agravada pela omissão, mesmo que culposa, dos gerentes da insolvente. Pelo contrário, ficou provado que a insolvência se ficou a dever a factores exteriores à sociedade insolvente, nomeadamente à crise sentida no sector do calçado, devida ao aumento da concorrência e consequente esmagamento de preços, perda de clientes e quebra acentuada no volume de negócios. Daí que não pudesse qualificar-se a insolvência como culposa. Improcedem, por conseguinte, as conclusões do recurso. V. Em face do exposto, decide-se negar provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida. Sem custas – art. 2º nº 1 a) do CCJ. Porto, 18 de Junho de 2007 Fernando Manuel Pinto de Almeida Trajano A. Seabra Teles de Menezes e Melo Mário Manuel Baptista Fernandes _________________________________ [1] Seguimos de perto a fundamentação do acórdão de 15.3.2007, que proferimos no proc. nº 992/07, em que se decidiu questão jurídica idêntica. [2] Cfr. Carvalho Fernandes e João Labareda, CIRE Anotado, Vol. II, 14; Carvalho Fernandes, A Qualificação da Insolvência (…), em Thémis, 2005, Ed. Especial sobre o Novo Direito da Insolvência, 94. [3] Autores e Obras Citadas, 15 e 94, respectivamente. Cfr. também Teles de Menezes Leitão, CIRE Anotado, 2ª ed., 175 e Catarina Serra, O Novo Regime Português da Insolvência, 2ª ed., 68. [4] Raposo Subtil, Matos Esteves, Maria José Esteves e Luís Martins, CIRE Anotado, 2ª ed., 265 e 266. |