Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0411164
Nº Convencional: JTRP00034127
Relator: SOUSA PEIXOTO
Descritores: APOIO JUDICIÁRIO
PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: RP200404260411164
Data do Acordão: 04/26/2004
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: REVOGADA A DECISÃO.
Área Temática: .
Sumário: I - A nomeação de patrono e o pagamento de honorários a patrono já escolhido são modalidades distintas de apoio judiciário.
II - O pedido de concessão do benefício de apoio judiciário na segunda daquelas modalidades não interrompe a prescrição.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam na secção social do Tribunal da Relação do Porto:

1. A.......... propôs no tribunal do trabalho de Barcelos a presente acção declarativa emergente de contrato individual de trabalho contra B.......... e C.........., pedindo que os réus fossem condenados a pagar-lhe a importância global de 19.345,00 euros, acrescida de juros de mora desde a citação, sendo 11.850,00 euros de retribuições referentes ao período de duração do contrato (de 25/1 a 19/9/2000), 2.995,00 euros de proporcionais de férias, subsídio de férias e de natal e 4.500,00 euros de indemnização pela rescisão do contrato com justa causa.

O autor alegou ter sido admitido verbalmente ao serviço dos réus em 25.1.2000, para sob as suas ordens, direcção e fiscalização exercer as funções de armador de ferro e cofragem da construção civil, na ilha da Madeira, mediante a retribuição líquida de 5,00 euros/hora e ter rescindido o contrato em 19/9/2000, com justa causa, pelo facto de, até então, os réus não lhe terem pago qualquer retribuição.

Os réus foram citados editalmente e não contestaram.
Depois de citado para assumir a defesa dos réus, nos termos do art. 15.º do CPC, o M.ºP.º contestou excepcionando a prescrição dos créditos peticionados pelo autor, alegando que entre a data da rescisão do contrato (19.9.2000) e a data em que a acção foi proposta (2.1.2003) havia decorrido mais de um ano (art. 38.º da LCT).

Respondendo à contestação, o autor alegou que em 22.2.2001 requereu a nomeação de patrono, que em 27.3.2001 foi notificado do deferimento daquele pedido, que a nomeação do patrono foi feita pela Delegação da Ordem dos Advogados de Viana do Castelo em 5.12.2003, devendo, por isso, considerar-se, nos termos do art. 34.º, n.º 3. da Lei n.º 30-E/2000, de 20/12, que a acção foi proposta em 22.2.2001, com a consequente improcedência da excepção arguida pelos réus. Acresce ainda, alega o autor, que procurou notificar judicialmente os réus para efeitos de interrupção da prescrição em 5.7.2001 e que havia instaurado já uma acção contra os réus que correu termos no tribunal do trabalho da Barcelos, com o n.º 206/201, que, por decisão do STJ de 21.11.2002, foi arquivada por falta de representação do autor, por não ter sido feita ainda a nomeação de patrono) e que, deste modo, a instância estaria interrompida nos termos dos artigos 323.º, n.º 1 e 327.º, n.º 3, ambos do C.C..

Realizado o julgamento, a acção foi julgada parcialmente procedente, tendo os réus sido condenados a pagar ao autor a importância global de 16.829,72 euros, acrescida de juros de mora, às taxas legais sucessivamente em vigor (7% até 30.4.2003 e 4% desde 1.5.2003) contados desde a citação, sendo 10.150, 00 euros de retribuições, 4.050,00 euros de indemnização de antiguidade pela rescisão do contrato com justa causa e 2.629,72 euros de proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal.

Os réus interpuseram recurso da sentença, formulando as seguintes conclusões:
1. O pedido de apoio judiciário na modalidade de pagamento de honorários a patrono escolhido não interrompe o prazo de prescrição.
2. Nem tão pouco a acção intentada por patrono escolhido se considera proposta na data em que aquele pedido foi formulado.
3. Por isso, tendo o contrato de trabalho cessado em 19 de Setembro de 2000, o prazo de prescrição previsto no art. 38.º da LCT completou-se em 19 de Setembro de 2001.
4. Ou seja, em data anterior àquela em que foi intentada a presente acção (2 de Janeiro de 2003).
5. Pelo que em tal data já os créditos laborais por ele peticionados se encontravam extintos, por prescritos.
6. A rescisão do contrato pelo trabalhador com justa causa deve ser feita por escrito.
7. Não está provado, no caso em apreço, que o autor tenha comunicado por escrito a rescisão do contrato.
8. Por isso, tal rescisão não pode ser havida com justa causa.
9. Pelo que o autor não tem direito à indemnização que peticionou.
10. Ao decidir em sentido contrário, o M.mo Juiz violou o disposto nos artigos 34.º, n.º 4 da Lei n.º 30-E/2000, de 20 de Dezembro, 323.º, n.º 2 do C. Civil, 34.º, n.ºs 2 e 3 e 36.º do DL n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro.

O autor contra-alegou sustentando a improcedência do recurso e, sem prescindir, invocou o abuso do direito.

Nesta Relação, o Ex.mo Procurador Geral Adjunto emitiu douto parecer, pronunciando-se pela improcedência do recurso.

Cumpre apreciar e decidir.

2. Os factos
Na 1.ª instância foram dados como provados os seguintes factos:
a) Em 25 de Janeiro de 2000, os réus celebraram verbalmente um contrato de trabalho com o autor para, no seu interesse, sob as suas ordens, direcção e fiscalização, exercer as funções de armador de ferro e cofragem da construção civil, na Madeira.
b) Foi acordado entre o autor e os réus a retribuição líquida de € 5 por hora.
c) Os réus forneciam ao autor alimentação e alojamento, bem como as deslocações ao continente.
d) O autor trabalhava todos os dias, incluindo sábados e feriados, descansando aos domingos.
e) O autor trabalhava em média 10 horas por dia.
f) Os réus não pagaram ao autor os salários de Janeiro a Setembro de 2000.
g) Em 19 de Setembro de 2000 o autor rescindiu o contrato de trabalho com os réus com fundamento na falta de pagamento de salários.
h) Os réus, apesar de insistentemente instados para o efeito, nada pagaram ao autor até hoje.
i) O autor trabalhou para os réus um total de 2.030 horas, de 25 de Janeiro a 19 de Setembro de 2000.
*
A decisão proferida sobre a matéria de facto não foi impugnada, mas não é suficiente para conhecer do mérito da causa, no que diz respeito à excepção da prescrição arguida pelos réus. Importa, por isso, aditar-lhe mais os seguintes factos que foram alegados na resposta à contestação e se mostram provados pelo carimbo/data aposto na petição inicial e pelos documentos juntos a fls.5, 6, 77 a 81, 82 a 87 e 98 a 117.
j) Em 22.2.2001, o autor requereu na Segurança Social a concessão do benefício do apoio judiciário nas modalidades de a) pagamento de honorários a patrono por si escolhido (Dr. D.........., com escritório na Rua....., ..., Viana do Castelo), b) dispensa do pagamento da taxa de justiça e c) dispensa dos demais encargos do processo (vide doc. de fls. 85 v.º).
l) Em 27 de Março de 2001, o autor foi notificado por carta registada com aviso de recepção que aquele seu pedido tinha sido deferido (vide doc. de fls. 5).
m) Por carta registada de 5 de Dezembro de 2002, a Delegação da Ordem dos Advogados em Viana do Castelo no âmbito daquele pedido de apoio judiciário nomeou patrono do autor o Dr. D........... (vide doc. de fls. 6).
n) A presente acção deu entrada em juízo no dia 2 de Janeiro de 2003 (vide carimbo de fls. 2).
o) Em 5 de Julho de 2002, o autor requereu, sem sucesso, a notificação judicial avulsa dos réus (vide doc. de fls. 77 a 81).
p) Em 18.4.2001, o autor propôs no tribunal do trabalho de Barcelos uma acção idêntica a esta contra os aqui também réus, que aí correu termos com o n.º .../01 e que veio a ser arquivada por falta de representação do autor (vide certidão judicial de fls. 98 a 117).

3. O direito
Como resulta das conclusões do recurso, são duas as questões suscitadas pelos recorrentes:
- prescrição dos créditos laborais peticionados pelo autor,
- direito do autor à indemnização por rescisão do contrato.

Relativamente à primeira questão, na sentença recorrida entendeu-se que os créditos não estavam prescritos com a seguinte fundamentação:
«Ora, o MP, em representação dos réus excepcionou a prescrição dos créditos reclamados, na medida em que, por força do disposto no artº 38º nº 1 da LCT, à data da propositura da acção já tinha decorrido mais de um ano sobre a cessação do contrato de trabalho. Ora, como resulta dos autos, o autor peticionou o benefício de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono antes da instauração da presente acção, o que, nos termos do disposto no artº 34º nº 3 da Lei nº 30-E/2000, de 20 de Dezembro, torna tempestiva a acção, improcedendo assim a excepção deduzida.”

Tal fundamentação peca por ser demasiado sucinta, mas depreende-se que o Mmo Juiz considerou implicitamente que a prescrição havia sido interrompida com o pedido de apoio judiciário formulado pelo autor junto da Segurança Social no dia 22.2.2001. E assim seria, de facto, se o autor, no âmbito daquele apoio, tivesse pedido a nomeação de patrono, como é referido pelo Mmo Juiz. Se tal tivesse acontecido, não há dúvidas de que a acção se consideraria proposta na data em que foi apresentado o pedido de nomeação de patrono. O teor do n.º 3 do art. 34.º da Lei n.º 30-E/2000 não deixa margem para dúvidas: “A acção considera-se proposta na data em que for apresentado o pedido de nomeação de patrono.” Se tal tivesse acontecido, a acção considerar-se-ia proposta em 22.2.2001 e a prescrição interrompida decorridos que fossem cinco dias sobre aquela data, por força do disposto no n.º 2 do art. 323.º do C. C. e, se assim fosse, teríamos de concluir que pela improcedência da excepção da prescrição.

Acontece, porém, que não foi isso o que se passou. Ao contrário do que é dito na sentença recorrida, o autor não requereu a nomeação de patrono, mas sim o pagamento de honorários ao patrono por si já escolhido, o Dr. D.........., como claramente consta do requerimento por ele apresentado no Centro Distrital de Solidariedade e Segurança Social de Braga (fls. 85v.º). Ora, conforme se disse no recente acórdão desta Relação, de 15.3.2003, proferido no processo n.º 74/04, da 1.ª Secção, de que foi relator o mesmo deste e que nos limitaremos a seguir de muito perto, a nomeação de patrono e o pagamento de honorários ao patrono escolhido pelo requerente são modalidades distintas do apoio judiciário, tal como resulta do disposto na al. c) do art. 15.º da Lei n. 30-E/2000, cujo teor é o seguinte:
«O apoio judiciário compreende as seguintes modalidades:
a) Dispensa, total ou parcial, de taxa de justiça e demais encargos com o processo;
b) Diferimento do pagamento da taxa de justiça e demais encargos com o processo;
c) Nomeação e pagamento de honorários de patrono ou, em alternativa, pagamento de honorários do patrono escolhido pelo requerente.»

E como resulta do disposto no n.º 1 do art. 32.º, nos casos em que é pedida e concedida a designação de patrono, compete à Ordem dos Advogados ou à Câmara dos Solicitadores a escolha e nomeação do mandatário forense, de acordo com os respectivos regulamentos internos. Por sua vez, o art. 50.º estabelece que é atendível a indicação pelo requerente do pedido de apoio judiciário de advogado, advogado estagiário ou solicitador, quando estes declarem aceitar a prestação dos serviços requeridos, nos limites das normas regulamentares da Ordem dos Advogados ou da Câmara dos Solicitadores.

Da conjugação daqueles dois normativos legais depreende-se que a possibilidade de indicar patrono está relacionada com o pedido de nomeação de patrono, uma vez que, como resulta do disposto no n.º 1 do art. 32.º, a Ordem dos Advogados e a Câmara de Solicitadores só têm competência para nomear patrono quando tal nomeação seja pedida pelo requerente: “Nos casos em que é pedida e concedida a designação de patrono, compete à Ordem dos Advogados ou à Câmara dos Solicitadores a escolha e nomeação do mandatário forense (...)”

A situação é diferente quando o requerente já escolheu mandatário e apenas pede que lhe sejam pagos os respectivos honorários. Neste caso, não há nomeação a fazer, seja pela Ordem dos Advogados, seja pela Câmara dos Solicitadores. O requerente já tem mandatário escolhido (o que é diferente de mandatário indicado). Limita-se a alegar que não tem possibilidades económicas para lhe pagar os respectivos honorários e requerer que seja o Estado a efectuar esse pagamento.

No mesmo sentido apontam os modelos de requerimento para pedir o apoio judiciário, aprovados pela Portaria n.º 140/2002, de 12/2, já que a nomeação e pagamento de honorários do patrono e o pagamento de honorários do patrono escolhido pelo requerente são aí apresentadas como modalidades diferenciadas de apoio (vide n.º 6.2 do modelo).

No caso em apreço, repete-se, o autor limitou-se a pedir o pagamento de honorários ao patrono por si já escolhido (para além da dispensa do pagamento da taxa de justiça e demais encargos com o processo) e, por isso, não lhe aproveita o disposto no n.º 3 do art. 34.º. Aliás, compreende-se que a acção se considere proposta na data em que o pedido foi apresentado, nos casos em que é pedida a nomeação de patrono, uma vez que sem advogado o requerente não poderá, pelo menos em muitos casos, intentar a acção (art. 32.º do CPC). Mas o mesmo não acontece quando o requerente já tem advogado escolhido, pois neste caso nada o impede de avançar com a propositura da acção.

Deste modo, temos de concluir que ao autor não aproveita o disposto no n.º 3 do art. 34.º da Lei n.º 30-E/2000, de 20/12, o que significa que, quando a presente acção foi proposta em 2.1.2003, já tinha decorrido mais de um ano desde a data da cessação do contrato, mais precisamente, desde o dia seguinte ao da data da cessação do contrato, ou seja, desde 20/9/2000, estando, por isso, então já prescritos todos os créditos por ele peticionados, o que implica a procedência do recurso nesta parte e torna prejudicial o conhecimento da segunda questão suscitada pelos recorrentes.

Nas suas contra-alegações, o autor suscita a questão do abuso do direito. Trata-se de uma questão de que se deve conhecer, por ser de conhecimento oficioso (art. 496.º do CPC), apesar de só agora ter sido suscitada. Todavia e salvo o devido respeito, a arguição da prescrição por parte dos réus não excede, muito menos manifestamente, os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social e económico do direito de defesa que assiste aos réus. Se os réus puderam invocar com êxito a prescrição, isso deve-se apenas à incúria do autor que tendo sido notificado da concessão do benefício do apoio judiciário requerido por carta de 27.3.2001, não avançou com a propositura da acção como se impunha, sabe-se lá porquê.

4. Decisão
Nos termos expostos, decide-se julgar procedente o recurso e, revogando a sentença recorrida, absolver os réus do pedido.
Custas pelo autor, em ambas as instâncias, sem prejuízo do beneficio do apoio judiciário que lhe foi concedido.

PORTO, 26 de Abril de 2004
Manuel Joaquim Sousa Peixoto
João Cipriano Silva
José Carlos Dinis Machado da Silva