Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0556451
Nº Convencional: JTRP00038638
Relator: FONSECA RAMOS
Descritores: RESTITUIÇÃO PROVISÓRIA DE POSSE
REGISTO
PRESUNÇÃO
POSSE
CADUCIDADE
Nº do Documento: RP200512190556451
Data do Acordão: 12/19/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Área Temática: .
Sumário: I - A função do registo predial é apenas a de definir a situação jurídica dos prédios, exonerando os titulares inscritos de demonstrarem o facto em que assenta a presunção que dimana do registo, ou seja, que o direito registado existe na sua esfera jurídica.
II - Se os actos turbativos da posse dos requerentes cautelares – restituição provisória da posse – encetados pelos requeridos, não forem autónomos, antes constituindo “resposta” a actos dos requerentes sobre as cosias em disputa, tendo-se iniciado tais actos dos requeridos, em Setembro de 2002 e perdurado durante Outubro desse ano, actos que foram, desde logo, do conhecimento dos requerentes, ocorre caducidade do procedimento cautelar, se este apenas foi requerido em 13.12.2004.
III - Tratando-se de actos turbativos continuados, mas homogéneos nos meios usados e intencionalizados a agregar a posse das coisas esbulhadas, o prazo anual para a propositura da acção de manutenção – art. 1282º do Código Civil – e também para requerer a providência cautelar de restituição provisória da posse, conta-se a partir da data do conhecimento do primeiro acto.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto

A Herança Ilíquida e Indivisa Aberta por Óbito de B.........., representada por C.......... e por D.........., intentou, pelo Tribunal Judicial de Peso da Régua – .º Juízo – contra:

“E.........., S.A.” (anteriormente designada “F.........., S.A.”);

G..........; e

H...........

Procedimento Cautelar de Restituição Provisória de Posse.

Pedindo que:
a) Se ordene a provisória restituição aos representantes da requerente da posse do armazém, do caminho de passagem do tanque e dos 4 patamares de vinha enunciados no requerimento inicial;
b) Se ordene a notificação dos requeridos para entregarem aos representantes e/ou neste Tribunal e no prazo de dois dias úteis após essa notificação, as chaves do portão e dos aloquetes que vedam o caminho de passagem;
c) Se ordene que os requeridos retirem de cima do tanque a tampa de ferro fundido por eles ali colocada, bem como retirar os aloquetes;
d) Se estes não cumprirem a ordem referida em b) e c), serem os representantes da requerente autorizados a proceder à remoção da fechadura do referido portão, dos pilares com cadeados e aloquetes colocados nas entradas do caminho de passagem e, bem assim, da tampa de ferro fundido colocada sobre o tanque, com auxílio da força pública;
e) Se ordene em qualquer caso aos requeridos que se abstenham da prática de quaisquer actos ou condutas que ponham em causa e obstem ao exercício do direito de propriedade sobre o armazém, tanque e quatro patamares de vinha e do caminho de passagem.

Em conformidade com o disposto no artigo 394°, do Código de Processo Civil, foram inquiridas as testemunhas arroladas pela requerente, tendo-se procedido à gravação dos respectivos depoimentos, sem a prévia audiência dos requeridos.
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A fls. 154 e segs. foi proferida decisão, tendo sido decretada a restituição aos representantes da requerente, da posse que detinham sobre o referido armazém, do caminho de passagem do tanque e dos três patamares e meio de vinha, enunciados no requerimento inicial.
Mais se determinou que os requeridos retirassem de cima do tanque a tampa de ferro fundido por eles ali colocada, bem como retirassem os aloquetes que ali colocaram, no caminho de passagem e armazém.
Determinou-se, ainda, que os requeridos se abstivessem de praticar quaisquer actos ou condutas que pusessem em causa e obstassem ao exercício do direito de propriedade sobre o armazém, tanque e três patamares e meio de vinha, e do direito de servidão de passagem pelo caminho descrito.
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Na sequência do cumprimento do disposto no artigo 385°, n°6, do Código de Processo Civil, a requerida “E.........., S.A.” (anterior “F.........., S.A.”), inconformada com a decisão de fls. 154 e segs., veio deduzir oposição - fls. 217 e segs. dos autos.

Na oposição deduzida, defende-se, quer por impugnação, quer por excepção, invocando, expressamente, a perda de posse e caducidade e o caso julgado.
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O Tribunal tendo começado por apreciar a excepção da caducidade, julgou-a procedente e, consequentemente, determinou a revogação e levantamento da providência cautelar de restituição provisória da posse.
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Inconformada a requerente interpôs recurso de agravo, a que foi recusado o efeito suspensivo que requereu e, alegando, formulou as seguintes conclusões:

I. Impugna a Recorrente o efeito atribuído ao agravo pelo M.mo Juiz «a quo», na certeza de que o mesmo deverá beneficiar de subida imediata e efeito suspensivo da decisão recorrida;

II. A interposição do agravo conformou-se com as regras do procedimento adjectivo aplicável.

Destarte, por força do requerimento expresso da Recorrente a tal propósito e tendo em linha de horizonte as circunstâncias processuais e incidências emergentes da decisão recorrida, deveria deve ser atribuído ao recurso interposto efeito suspensivo, nos termos dos n.°s 2, alínea d) e 3 do artigo 740.° do Código de Processo Civil vigente atenta a superveniência para a Recorrente, a proceder a atribuição de efeito meramente devolutivo, de prejuízo irreparável, na medida da consideração dos factores já avocados e que se prendem com o facto de a atribuição de efeito devolutivo ao recurso interposto implicar uma gravosa ofensa aos direitos patrimoniais que assistem aos Recorrentes, consubstanciada na frustração das suas expectativas reivindicatórias já determinadas em prévia sede da decidida restituição provisória de posse, mormente, a ínsita impossibilidade de os ora Recorrentes entrarem na posse provisória do seu património, conjugado com o decurso dos anos em que o esbulho violento por parte dos Requeridos se mantém e manterá até decisão em sede do recurso ora interposto e, ainda, até ao final da acção principal, tudo configurando o conceito de prejuízo irreparável que a lei processual exige para a atribuição do efeito suspensivo requerido e que, nesta óptica, deverá ser decretado.

III. No que concerne à declaração de caducidade do requerimento de restituição provisória de posse e consequente levantamento da providência já decretada, o douto Tribunal esquece o facto de que a Recorrente utiliza o meio processual cautelar de restituição provisória da posse para a defesa da sua propriedade, propriedade esta titulada, mormente, pela invocação de que aquela é a dona e legítima proprietária do prédio misto, sito na freguesia de .........., concelho do Peso da Régua, o qual se encontra inscrito na matriz rústica sob o n.°592, o qual proveio do art. 79°-C e descrito na Conservatória do Registo Predial do Peso da Régua sob o n.°00068/231285, o qual confronta a Norte com I.........., a Sul e Poente com J.......... e a Nascente com J.......... e L..........;

IV. Neste contexto, avulta o disposto no art. 7º do C.R. Predial em vigor à data das inscrições e só ilidível por prova em contrário;

V. Tal prova em contrário não ocorre, sequer no presente agravo elaborado pelos Requeridos, já que estes jamais colocam em causa o facto de os Requerentes serem os proprietários do imóvel que integra o património e do direito objecto de restituição;

VI. A presunção registral actua relevantemente em relação ao facto inscrito e aos sujeitos e objecto da relação jurídica dela emergente, pelo que, o objecto do registo inclui a realidade material do prédio sobre que recai a inscrição, configurada através da descrição predial em observância aos requisitos identificativos e na medida do que dispõe o art. 68° do CRPredial;

VII. Ainda e avocando os factos provados no dispositivo da decisão que decretou a restituição, ainda que nos encontrássemos perante uma mera posse, jamais os Requeridos poderiam utilizar o conceito de “perda da posse” por invocação do disposto no artigo 1267° do Código Civil já que estes esquecem o disposto na parte final do nº2 daquela norma, e onde se clarifica que, se a posse for adquirida com violência, a capacidade possessória da alínea d) do n°1 do artigo 1267° do Código Civil só se conta a partir da cessação dessa mesma violência;

VIII. Quer o direito de pedir a restituição provisória da posse, quer o direito de pedir a sua restituição definitiva — mormente, através da competente acção de reivindicação – e embora caducando no prazo de um (1) ano, não verá este prazo iniciar-se enquanto não cessar a actividade violenta protagonizada pelos Requeridos – cfr. art. 1267°, n.°s 1, alínea d) e 2, do Código Civil – sucedendo tal quer no caso da violência exercida sobre os Requerentes, quer no caso da ainda vigente violência mantida sobre o património propriedade dos requerentes;

IX. A invocação do disposto no artigo 1282° do Código Civil só releva quando concatenado com as disposições excepcionais do artigo 1267°, n.°s 1, alínea d) e 2 do mesmo diploma, por força da prevalência dos factos dados enquanto provados na decisão que ordenou a restituição provisória da posse e a certeza de que estes agem sem «animus possidendi» susceptível de afastar a violência do esbulho perpetrado sobre o património e direito dos Requerentes;

X. E ainda que atentemos na possibilidade de actuação do disposto no artigo 1282° do Código Civil em função do decurso do tempo desde o esbulho violento exercido pelos Requeridos sobre o património dos Requerentes verificar-se-á que, ainda nesta óptica cautelar, não caducou o direito invocado pelos Requerentes já que na decisão que determinou a restituição provisória de posse, quer os factos evidenciados no ponto 25.° da sentença, quer nos factos contidos no ponto 26.° do mesmo dispositivo não se encontra determinada a data concreta em que os requeridos procederam quer à definitiva mudança das fechaduras sucessivamente substituídas pelos requerentes, quer ao esbulho dos quatro (4) patamares da vinha pertença dos requerentes, quer, finalmente, à data da colocação dos pilares que impedem o acesso dos requerentes aos patamares de vinha de sua propriedade;

XI. Importa determinar a data da ocorrência de tais actos violentos para o início do decurso do prazo de caducidade;

XII. A actuação dos Requeridos assumiu uma catadupa errante e desconexa, a qual se iniciou com a mudança da fechadura de um armazém, seguida, mais tarde, pela inutilização do acesso dos Requerentes ao poço e sua água e, posteriormente, ao esbulho de quatro (4) patamares de vinha através da colocação de elementos físicos constrangedores do acesso a tais patamares;

XIII. E os actos de esbulho violento não se contêm na mera actuação primária dos Requeridos, antes se perpetuam e se tomam recorrentes sempre que aos requerentes, anual e consecutivamente, é vedado o acesso para o tratamento e vindima dos (4) patamares de vinha que lhes pertencem, com a correspectiva vedação sistemática do acesso ao armazém nas épocas em que o mesmo é necessário e a sistemática e contínua denegação da utilização da água do poço pertença dos requerentes sempre que a mesma é necessária para o tratamento e cultivo da vinha;

XIV. A perpetuação e continuidade dos actos de esbulho violento não se contêm na raiz primária dos mesmos, antes se reconduzem sistematicamente ao facto de, ano após ano e contrariamente às suas expectativas e aspirações, os Requerentes se verem despojados do produto emergente do solo de sua propriedade;

XV. A decisão recorrida violou o disposto nos artigos 1267° e 1282.° do Código Civil e, ainda, o disposto no artigo 7.° do Código do Registo Predial.

XVI. Razões de facto e de direito pelas quais se pugna por que, em douto Acórdão a proferir pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto a decisão recorrida seja objecto de revogação e, consequentemente, de substituição por outra que, dando provimento à argumentação da Recorrente/Requerentes, determine a manutenção da providência de restituição provisória de posse decretada, com as legais consequências, sem detrimento da pronúncia sobre o efeito a atribuir ao recurso interposto, assim se realizando Justiça.

Os recorridos contra-alegaram pugnando pela confirmação do julgado.
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Colhidos os vistos legais cumpre decidir, tendo em conta a seguinte matéria de facto:

1° — A requerente C.......... foi casada no regime de comunhão geral de bens com B.........., dissolvido por morte deste último em 25 de Março de 2002;

2° — Na pendência do casamento, C.......... e B.........., adquiriram vários prédios rústicos, nomeadamente:

a) Prédio rústico denominado “..........”, com a área de 42.06 1m2. composto de cultura arvense de sequeiro, pinhal e mato, que confronta de Norte com J.........., de Sul com M.........., de Nascente com I.......... e L.......... e de poente com J.........., inscrito na freguesia de .......... sob o artigo 89°- C. descrito na Conservatória do Registo Predial do Peso da Régua sob o n°00073/250386, inscrito a favor de B.......... e C.......... pela inscrição G1/ap.05/250386, hipotecado a favor da Banco X.........., pelo montante máximo de esc. 42.248.540$00, pela inscrição C 1/ap. 11/200690:

b) Prédio rústico designado por “..........” composto de mato e oliveiras, com a área de 4L562m2, confronta de Norte com N.........., de Sul caminho de consortes, de Nascente com I.......... e de Poente com O.........., inscrito na matriz predial rústica da freguesia de .......... sob o artigo 101-C, descrito na Conservatória do Registo Predial do Peso da Régua sob o n°00067/231283, inscrito a favor de B.......... e C.......... pela inscrição G1/ap.12/010383, hipotecado a favor da Banco X.........., pelo montante máximo de esc. 42.248.540$00, pela inscrição C1/ap.02/231285;

c) Prédio rústico designado por “..........” composto de cultura arvense de sequeiro e terreno estéril, com a área de 31 2m2. confronta de Norte, de Sul e Poente com B.......... e de Nascente com caminho público, inscrito na matriz predial rústica da freguesia de .......... sob o artigo 87°-C. descrito na Conservatória do Registo Predial do Peso da Régua. sob o n.° 00492/220395, inscrito a favor de B.......... e C.......... pela inscrição G1/ap.01/220395;

d) Prédio rústico designado por “..........” composto de mato, com a área de 9.875m2, confronta de Norte com herdeiros de P.........., de Sul com Q.........., de Nascente e Poente com S.........., inscrito na matriz predial rústica da freguesia de .........., Peso da Régua, sob o artigo 80°-C, descrito na Conservatória do Registo Predial do Peso da Régua sob o n° 00491/220395;

e) Prédio rústico designado por “...........” composto de mato, com a área de 39.875m2. confronta de Norte com herdeiros de P.........., de Sul com Q.........., de Nascente e Poente com B........., inscrito na matriz predial rústica da freguesia de .........., Peso da Régua. sob o artigo 80°-C, descrito na Conservatória”do Registo Predial do Peso da Régua sob o n° 00491/220395. cujo direito propriedade formalmente se encontra inscrito a favor de T.........., pela inscrição G2-ap.05/231195;

3° — Os prédios supra advieram à posse de B.......... e C.......... por aquisição originária (usucapião) e por sucessão por morte deferida em partilha judicial, os quais por si e aqueles que os antecederam vinham utilizando com vista à realização dos seus fins, melhorando-os, transformando-os e pagando os respectivos impostos o que faziam de forma pública e pacífica, à vista de toda a gente, de forma reiterada e ininterrupta há mais de 15 anos;

4º — D.......... é filho de B.......... e C..........;

5º — Por escritura pública de habilitação, datada de 19 de Abril de 2002. celebrada junto do Cartório Notarial de Peso da Régua, foram instituídos como únicos e universais herdeiros de B.........., cuja herança permanece indivisa;

6° — Por acordo denominado de “Promessa Bilateral de Compra e Venda”, celebrado em 12 de Abril de 2002 os requerentes, por si e em representação da herança aberta por óbito de B.........., estes declararam prometer vender ao requerido G.........., os prédios identificados no ponto 2, e com a declaração de aceitação, este último entrou na posse dos aludidos prédios, em 14 de Maio de 2002, sendo que através da “Declaração/aditamento o requerido G.......... no aludido acordo de “promessa bilateral de compra e venda”, cedeu a sua posição contratual à requerida “F.........., S.A.”;

7º — Aquando da celebração da escritura, em 25 de Julho de 2002. junto do Cartório Notarial de Aveiro, denominada de Compra e Venda”, dos prédios descritos no ponto 2. foram outorgantes os requerentes e o administrador da requerida “F.........., S.A.”. Paralelamente, a escritura denominada de “Compra e Venda”, os requerentes declararam vender à requerida os direitos e licenças de plantação de cento e três mil e noventa e três metros quadrados de vinha plantados nos referidos prédios, sitos na Região Demarcada do Douro, com benefício da letra “A” atribuído pela Casa do Douro, tendo a requerida, através do seu administrador, declarado que para além de comprar os prédios — identificados na escritura celebrada em 25 de Julho de 2002 — comprava os respectivos direitos e licenças de plantação supra referidos. Mais declarou, a requerida, que além dos valores que já haviam sido pagos e dos quais dava quitação na escritura pública ficava devedora dos requerentes das seguintes quantias:

a) € 92.277,6 l/esc. 18.500.000$00, com vencimento em 20/04/2003;
b) € 92.277,6 l/esc. 18.500.000$00, com vencimento em 30/04/2004:

8° — A requerida “F.........., S.A.” gira sob o nome “E.........., S.A.”, cuja alteração foi feita através da ap.5/030526, junto da Conservatória do Registo Comercial do Porto — 2ª Secção;

9° — Os requerentes são donos e legítimos proprietários de um prédio misto, sito na freguesia da .........., concelho do Peso da Régua, inscrito na matriz predial rústica sob o n°592, o qual proveio do artigo 79°-C e descrito na Conservatória do Registo Predial do peso da Régua sob o n°00068/231285, o qual confronta a Norte com I.........., a Sul e Poente com J.......... e L.......... e a Nascente com o prédio rústico identificado no ponto 2°, alínea d), objecto do acordo de “Promessa bilateral de Compra e Venda” e depois de “Compra e Venda”, referidos, respectivamente, nos pontos 6° e 7°;

10° — Quer o prédio referido em 9°, quer os prédios referidos em 2° constituem há alguns anos, vinhedos para produção de vinho generoso e de mesa;

11° — B.......... e C.......... procederam. há cerca de 15 anos, à surriba do prédio rústico referido em 9° e do prédio rústico identificado no ponto 2°. alínea d), tendo nessa altura aberto um caminho de passagem, em terra batida, por onde começaram a aceder e circular, por si e através de seus trabalhadores assalariados, a ambos os prédios rústicos, carregando, entre outros, aos ombros e em máquinas agrícolas e tractores, adubos, insecticidas, pesticidas, uvas e cepas, o que acontece desde então, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, sem interrupção e na convicção de exercerem um direito próprio;

12° — Tal passagem foi aberta por B.......... e C.......... na extrema nascente do prédio referido em 9°, servindo esta passagem para delimitar as extremas dos prédios referidos nos aludidos pontos 2°, alínea d) e 9°, dando acesso do caminho público ao prédio identificado em 9º e a outros prédios rústicos dos requerentes, tendo sido utilizada por estes e por outros que têm prédios rústicos confinantes a estes;

13° — Dentro dos limites do prédio identificado em 9°, caminhando de sul para norte pelo caminho de passagem referido em 12°. do lado esquerdo e na extrema nascente foi construído por B.......... e C.........., há cerca de 15 anos, um tanque, com pelo menos 4m por 3m, para depósito de água captada de uma mina existente nesse mesmo prédio e que ali (tanque) chega através de um sistema de canalização, tendo uma capacidade de pelo menos 5.000litros de água, e servindo para diversos fins agrícolas, como regar, sulfatar e pulverizar os pés da vinha, o que acontece à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, sem interrupção e na convicção de exercerem um direito próprio;

14° — Dentro dos limites do prédio identificado em 9° e no ponto de inserção entre um caminho público a sul deste e o caminho de passagem referido em 12° e do lado esquerdo desta, para quem caminha de Sul para Norte, procederam os requerentes ao desaterro de uma área de não concretamente apurada, usando para o efeito retroescavadoras, abriram fundações e compraram ferro, areão, godo, areia, cimentos, blocos, tijolos e placas, criando as condições para a construção de um armazém, que veio a ser erigido sob a sua responsabilidade e direcção e que se destinava à arrumação de máquinas agrícolas, utensílios, e produtos ligados à agricultura;

15° — Em meados de Abril de 2002 o armazém ficou em condições de ser usado, tendo os requerentes procedido ao pagamento, junto do empreiteiro, do preço da construção o qual ascendeu a pelo menos € 20.000.000,00/esc. 4.000.000$00:

16° — Aquando da conclusão do armazém referido em 15° foi colocado um portão, com fechadura, ficando os requerentes com as respectivas chaves, que guardaram para si e aí começaram a guardar designadamente o tractor, o polvilhador, motorizada, pulverizador, sacos de adubo e enxofre, abrindo e fechando o armazém várias vezes ao dia, permanecendo nele o tempo que quisessem, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, de forma contínua e na convicção de exercerem um direito;

17° — Quando os requerentes puseram à venda, nos inícios do ano de 2002, os prédios rústicos identificados no ponto 2°. já se haviam iniciado os trabalhos para a construção do armazém, designadamente já haviam procedido ao desaterro da área destinada à construção, tendo os requerentes dito aos requeridos G.......... e H.......... que o armazém pertencia ao prédio identificado em 9º, servindo o armazém e o caminho de passagem, como factor delimitativo dos prédios rústicos que os mesmos declararam pretender vender, em concreto, na delimitação dos prédios rústicos identificados nos pontos 2°, alínea d) e 9°;

18° — Foram encetadas negociações e, em consequência das mesmas, foi celebrado o acordo denominado “contrato-promessa de compra e venda”, não tendo acordado, quer verbalmente quer por escrito, que o armazém e o tanque faziam parte do mesmo.

19° — A requerida sociedade diz que quer o armazém, quer o tanque lhe pertencem, porque construídos dentro de um dos prédios rústicos que lhes foi declarado vendido, mais precisamente, o prédio descrito no ponto 2, alínea d), bem como dois patamares de vinha situados imediatamente acima do armazém, que se situam a nascente do prédio identificado em 9° e pelo menos um patamar e meio de vinha situados acima do tanque e que se situam a nascente do mesmo prédio misto, patamares estes constituídos por pés de vinha em número não concretamente apurado.

20° — C.......... e o então B.........., há cerca de 15 anos que podam, sulfatam, lavram e vindimam os referidos — pelo menos três e meio — patamares de vinha, o que fazem à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, sem interrupções e na convicção de exercerem um direito próprio;

21° — Em Setembro de 2002, durante a manhã, pelo menos dois homens, a mando dos requeridos, assomaram-se junto do armazém a fim de proceder à mudança da fechadura, sendo. impedidos pelos requerentes D.......... e C.........., os quais se encontravam a vindimar no prédio descrito em 9° tendo explicado que o armazém era deles e não dos requeridos, porquanto não foi objecto de acordo de compra e venda, tendo, em consequência, os homens abandonado o local, e o D.......... procedido à mudança da fechadura do armazém, uma vez que havia emprestado as chaves deste à requerida H.......... para esta aí guardar o tractor e as alfaias agrícolas durante as vindimas;

22° — Após a mudança da fechadura, quando o requerente D.......... se deslocou novamente ao armazém constatou que alguém tentou forçar a entrada, através do estroncar da fechadura, sendo visíveis marcas de pontapés no portão do armazém;

23° — O requerente D.......... procedeu à colocação de uma segunda fechadura no portão do armazém, de forma a evitar a entrada dos requeridos no armazém;

24° — Os requeridos procederam à substituição das fechaduras o requerente D..........:

25° — Em Outubro de 2002 os requerentes procederam a nova traça de fechaduras e, de seguida os requeridos, por sua vez, estroncaram outra vez a fechadura do armazém;

26° — Em 04 Outubro de 2002 os requeridos procederam à notificação judicial avulsa dos requerentes e, de seguida, os requeridos G.......... e H.......... entraram na posse do armazém, caminho de passagem, tanque e patamares da vinha, através da mudança de fechaduras, colocação de pilares nas entradas norte e sul do caminho de passagem. e na colocação de urna tampa de ferro sobre o tanque de água. onde colocaram cadeados e aloquetes, impedindo, assim, a entrada de veículos e a utilização de águas por parte dos requerentes;

27° — Em 06 de Novembro de 2002, os requerentes instauraram providência cautelar de restituição provisória de posse, que correu termos sob o n°.../2002, pelo .º Juízo, deste Tribunal Judicial do Peso da Régua, e que veio a ser julgada improcedente. Foi objecto de recurso de Agravo para o Venerando Tribunal da Relação do Porto que confirmou a decisão proferida.

28° — Como a situação descrita nos n°s anteriores se mantém, os requerentes continuam impedidos de aceder ao armazém onde têm as alfaias agrícolas, adubos, insecticidas e pesticidas, estando impedidos de aceder ao prédio descrito em 9° pelo caminho de passagem e, bem assim, de usar a água do tanque para granjear e colher as uvas de pelos menos três patamares e meio;

29° — O impedimento referido em 28° faz com que para que os requerentes possam efectuar os trabalhos agrícolas nas suas vinhas, tenham de deslocar os meios da aldeia, dado que as alfaias agrícolas e os diversos artigos estão fechados no armazém, para além de terem de aceder ao prédio misto por outros caminhos o que onera os encargos requerentes têm com a produção de vinho, pois o tractor tem de fazer mais quilómetros para aceder a tal prédio, o que vem agravado na altura da vindima, da empa e das pulverizações necessárias às vinhas;

30° — Para regar, sulfatar, pulverizar os pés de vinha existentes no prédio identificado em 9° tem de ir buscar a água a outro sítio que não ao tanque, onerando os custos com tal operação, urna vez que tem de deslocar mais meios e trabalhadores para fazerem a operação de captação de águas;

31° — Pelo facto de estarem impedidos de colher os frutos de pelo menos três patamares e meio de vinha, vêm a sua produção de litros de vinho do Porto diminuída.

- No dia 13 de Dezembro de 2004 a requerente ‘Herança Ilíquida e Indivisa aberta por óbito de B..........”, representada por C.......... e por D.......... requereu providência cautelar de restituição provisória de posse, providência que foi decretada por decisão de 17 de Janeiro de 2005.

Fundamentação:

Sendo pelo teor das conclusões das alegações do recorrente que se delimita o objecto do recurso – excepto no que concerne às questões de conhecimento oficioso – importa decidir:

- se deve ser outro o efeito do recurso, pretendendo a recorrente que se altere o efeito devolutivo, que foi atribuído na instância recorrida, pelo efeito suspensivo, já que a manutenção de tal efeito lhe causa “prejuízo grave e de difícil reparação”, argumentação que o Tribunal recorrido não acolheu, mantendo o efeito devolutivo que os agravados entendem ser o correcto;

- que consequências jurídicas resultam da presunção do registo – art. 7º do Código do Registo Predial;

- se ocorreu caducidade da providência cautelar, verificada já à data em que foi requerida pelos ora recorrentes.

Vejamos a questão do efeito do recurso:

Nos termos do artigo 740°, n°3, do Código de Processo Civil “o juiz só pode atribuir efeito suspensivo ao agravo, nos termos da alínea d) do número anterior, quando o agravante o haja pedido no requerimento de interposição de recurso e, depois de ouvir o agravado, reconhecer que a execução imediata do despacho é susceptível de causar ao agravante prejuízo irreparável ou de difícil reparação’’.

Têm, assim, os recorrentes que alegar que o efeito devolutivo lhe causa “prejuízo irreparável ou de difícil reparação”.

Como ensina Lebre de Freitas/Ribeiro Mendes in “Código de Processo Civil Anotado, vol. 3º, pág. 164:

“O juiz só pode casuisticamente, segundo o seu prudente arbítrio, determinar a suspensão dos efeitos da decisão recorrida, se tal for requerido pelo agravante e desde que seja assegurado o contraditório, ouvindo-se o agravado. O critério para determinar essa suspensão reside no reconhecimento de que a execução imediata do despacho é susceptível de causar ao agravante “prejuízo irreparável ou de difícil reparação” (ver Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado cit., VI, págs. 139-140). É usual referir como exemplo o despacho que ordene a demolição de uma obra ou construção”.

No caso dos autos e olhando o requerimento de fls. 71 e verso, a recorrente limita-se a produzir afirmações conclusivas, meros juízos de valor, não indicando factos concretos que exprimam o requisito substancial de que depende a atribuição do efeito suspensivo ao agravo.

Com efeito aduzem:

“a) A atribuição de efeito devolutivo ao recurso interposto implicará uma gravosa ofensa aos direitos patrimoniais que assistem aos Recorrentes, consubstanciada na frustração das suas expectativas reivindicatórias já determinadas em prévia sede da decidida restituição provisória de posse.
Mormente,
b) Neste contexto, a imediata possibilidade dos ora recorrentes não entrarem já na posse provisória do seu património, conjugado com o decurso dos anos em que o esbulho violento, Requeridos se mantém e manterá até decisão em sede de recurso ora interposto e, ainda, até ao final da acção configura o conceito de prejuízo irreparável que a lei processual exige para efeito suspensivo requerido”.

Salvo o devido respeito, a recorrente não alega factos em que se possa vazar o alegado prejuízo irreparável ou de difícil reparação, pelo que, à mingua de alegação factual sobre tal requisito, não emergem razões para alterar o efeito do recurso que se mantém, o que vale por dizer que se desatende a questão prévia.

Sobre o mérito do recurso:

Do registo:

Na conclusão VI) das suas alegações a agravante sustenta que a presunção do registo art. 7º do C.R. Predial “actua relevantemente em relação ao facto inscrito e aos sujeitos e objecto da relação jurídica dela emergente, pelo que o objecto do registo inclui a realidade material do prédio sobre que recai a inscrição”.

Parece, salvo melhor interpretação, insinuar que do registo se pode concluir acerca, não só da titularidade do prédio, como também da sua realidade física, composição e confrontações.

Vejamos:

Se a aquisição do direito de propriedade estiver registada – art. 7º do C.R. Predial – beneficia o registrante da presunção de que o direito de propriedade existe na sua titularidade, nos exactos termos em que o registo o define.

Tal presunção, é ilidível pois que, como afirma, o Professor Oliveira Ascensão, in “Direitos Reais”, 5ª edição, pág.382,

- “É preciso não esquecer que a base de toda a nossa ordem imobiliária não está no registo, mas na usucapião. Esta em nada é prejudicada pelas vicissitudes registrais; vale por si.
Por isso, o que se fiou no registo passa à frente dos títulos substantivos existentes mas nada pode contra a usucapião”.

O art. 7º do C. Registo Predial consigna – “O registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define”.

Não é função das inscrições registrais estabelecer quaisquer presunções acerca das concretas dimensões do prédio alvo da inscrição, seus limites, confrontações, etc.

A função do registo é apenas a de definir a situação jurídica dos prédios, exonerando os titulares inscritos de demonstrarem o facto em que assenta a presunção que dimana do registo, ou seja, que o direito registado existe na sua esfera jurídica [No sentido apontado, cfr. entre vários: Ac. da Relação de Évora, de 4 de Outubro de 1977, in Colectânea de Jurisprudência, 1977, IV, pp. 905 e segs.; Ac da Relação do Porto, de 27 de Junho de 1989, na referida Col. Jur., 1989, Tomo III, p. 224; Ac. da Relação do Porto, de 2-4-1981, in Col. Jur., Ano IV, Tomo II, p. 103; Ac. do S.T.J., de 22-11-1978, in B.M.J., n.° 281, p. 342; Ac. da Relação do Porto, de 16-9-1991, in Col. Jur., Ano XVI, 1991, Tomo IV, p. 249; Ac. do S.T.J., de 27-1-1993, in CJSTJ, Ano I, 1993, Tomo I, p. 100; Ac. da Relação do Porto, de 19-5-1994, in Col. Jur., Ano XIX, 1994, Tomo III, p. 213; Ac. do S.T.J., de 11-5-1995, in Col. Jur., Ano III, 1995, Tomo II, p. 75; Ac. da Relação do Porto, de 16-1-1995, in Col. Jur., Ano XX, 1995, Tomo I, p. 197; Ac. do S.T.J., de 17-6-1997, in Col. Jur., Ano I, Tomo II - 1997, p. 126 e Ac. da Relação do Porto, de 10-7-1997, in Col. Jur., Ano XXII, Tomo IV 1997, p. 181 – citámos do “Código do Registo Predial”, de Isabel Pereira Mendes, 10ª edição, págs. 23-94].

Sendo assim não pode o titular do registo pretender que, pelo facto de certo prédio estar registado em seu nome, se têm por provadas as dimensões dele, as confrontações e seus limites.

O facto de existir o invocado registo não resolve, pois, a questão em disputa.

Da caducidade:

Como consta dos autos a providência cautelar foi requerida, em 13.12.2004, pela ora agravante, e foi decretada em 17.1.2005.

A causa de pedir invocada assentou na imputação aos requeridos da prática de esbulho violento, desapossador da posse da requerente sobre um armazém, um caminho de passagem entre dois prédios rústicos, um tanque e três patamares e meio de vinha.

Tendo sido decretada a restituição provisória da posse, nos termos requeridos pela ora agravante, os requeridos na oposição suscitaram, além do mais, a caducidade de perda da posse sobre aquelas coisas.

O Tribunal, apreciando a oposição, tendo considerado que se acha provado que os requeridos esbulharam com violência os bens da requerente, nos meses de Setembro e Outubro de 2002, considerou que, sob pena de caducidade, os requerentes cautelares apenas dispunham do prazo de um ano que, no máximo, findou em Outubro de 2003, pelo que, tendo intentado o procedimento cautelar em 13.12.2004, ocorreu caducidade.

Por sua vez, a recorrente entende que, em caso de esbulho, o prazo de um ano apenas se conta desde a data em que tiver cessado a violência.

Não importa estar a debater, agora, a questão decidida no procedimento propriamente dito, acerca da posse da requerente e do seu aparente direito de propriedade, ou posse, já que o fim do procedimento cautelar não é a definição, em termos definitivos, do direito do requerente, mas sim acautelar os inconvenientes do “periculum in mora”, emitindo decisão célere, baseada em prova de mera aparência do direito, que salvaguarde a ameaça feita ao direito para que se requer tutela.

As providências cautelares são meios processuais, que podendo ser preliminares ou coevos da acção ou execução, correspondem à necessidade, urgente, efectiva, de afastar o receio justificado de um dano jurídico em bens ou interesses dos requerentes, que implicam a concessão de uma tutela provisional, antecipatória, visando evitar que a demora na solução definitiva do litígio, frustre os interesses de quem requer.

Nos termos do art. 388º, nº1, b) do Código de Processo Civil é concedida ao requerido, que não tenha sido ouvido antes do decretamento da providência cautelar, o direito de:

“Deduzir oposição, quando pretenda alegar factos ou produzir meios de prova não tidos em conta pelo tribunal e que possam afastar os fundamentos da prova ou determinar a sua redução, aplicando-se, com as adaptações necessárias, o disposto nos artigos 386.° e 387º”.

Estamos perante uma providência cautelar de restituição provisória de posse, já decretada a favor dos requerentes/agravantes.

Trata-se de um meio de tutela possessória que visa defender a posse de quem dela foi privado, por actuação de outrem, se a actuação evidenciar esbulho e violência.

O art. 1251º do Código Civil define posse como – “O poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de doutro direito real”.

A posse, face à concepção adoptada na definição que do conceito dá o art. 1251º do Código Civil, tem de se revestir de dois elementos: o “corpus”, ou seja a relação material com a coisa, e o “animus”, ou seja, o elemento psicológico, a intenção de actuar como se o agente fosse titular do direito real correspondente, seja ele o direito de propriedade ou outro [“A doutrina dominante (Pires de Lima e A. Varela, “Código Civil Anotado”, III, 2.ª ed., pág.5; Mota Pinto “Direitos Reais”, p. 189; Henrique Mesquita, “Direitos Reais”, 69 e ss.; Orlando de Carvalho, RIJ, 122."-65 e ss.; Penha Gonçalves, “Direitos Reais”, 2ª ed., págs. 243 e ss.) entende que o conceito de posse, acolhido nos arts. 1251º e ss., deve ser entendido de acordo com a concepção subjectivista, analisando-se, por isso, numa situação jurídica que tem como ingredientes necessários o “corpus" e o “animus possidendi” (contra, Menezes Cordeiro, “Direitos Reais”, 1º-563 e ss.; Oliveira Ascensão, “Direitos Reais”, 4ª ed., págs. 42 e ss.).
O “corpus” da posse traduz-se no “poder de facto” manifestado pela actividade exercida por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real (arts. 1251º e 1252º, nº2).
Actividade que não carece, aliás, de ser sempre efectiva, pois uma vez adquirida a posse, o “corpus” permanece como que espiritualizado, enquanto o possuidor tiver a possibilidade de o exercer (art. 1257º, n.º1)”].

“Quanto ao “animus possidendi”, a sua presença e relevância não poderão ser recusadas quando a actividade em que o “corpus” se traduz, pela causa que a justifica, seja reveladora, por parte de quem a exerce, da vontade de criar em seu benefício, uma aparência de titularidade correspondente ao direito de propriedade ou outro direito real.” – cfr. Abílio Neto, in “Código Civil Anotado”, 12ª edição 1999, pág.971.

O Código Civil perfilha, como é dominantemente entendido um conceito subjectivo de posse – art. 1251º do Código Civil.

A posse pode ser exercida em nome próprio ou em nome alheio – art. 1252º do Código Civil.

Em caso de dúvida, presume-se a posse em quem exercer o poder de facto – nº2 do citado artigo.

Sobre este normativo escreveu o Professor Mota Pinto, in Direitos Reais, 1970, 191:

“Como a prova do “animus” poderá ser muito difícil, para facilitar as coisas, ao possuidor a lei estabelece uma presunção. Diz que, em caso de dúvida, se presume a posse naquele que exerce o poder de facto. Daqui decorre que, sendo necessário o corpus e o animus, o exercício daquele faz presumir a existência deste”.

O art. 393º do Código de Processo Civil estatui:

“No caso de esbulho violento, pode o possuidor pedir que seja restituído provisoriamente à sua posse, alegando os factos que constituem a posse, o esbulho e a violência”.

O Código Civil prevê a existência de acções de defesa da posse – de prevenção, manutenção e restituição – arts. 1276º a 1278º

Dispõe o art. 1277º do Código Civil:

“O possuidor que for perturbado ou esbulhado pode manter-se ou restituir-se por sua própria força e autoridade, nos termos do antigo 336°, ou recorrer ao tribunal para que este lhe mantenha ou restitua a posse”.

O art. 1279º estatui:

“Sem prejuízo do disposto nos artigos anteriores, o possuidor que for esbulhado com violência tem o direito de ser restituído provisoriamente à sua posse, sem audiência do esbulhador”.

Nos termos do art. 1261º, nº2, do Código Civil a posse considera-se violenta “quando para obtê-la o possuidor usou de coacção física, ou de coacção moral nos termos do art. 255º”.

Como ensinam Pires de Lima e Antunes Varela in, “Código Civil Anotado”, vol. III, pág. 23, em nota ao art. 1261º, – “A violência que impede a qualificação da posse como pacífica tanto pode ser exercida sobre as pessoas (…), como sobre as coisas”.

“A violência traduz-se no uso de coacção física ou de coacção moral para obtenção da posse.
A violência tanto pode ser exercida sobre pessoas como sobre coisas” – Ac. do STJ, de 7.7.1999, in BMJ 439-338.

“A procedência do pedido, nas acções possessórias, não depende de se fazer prova cabal da existência do direito real a que corresponde a posse invocada, mas sim de se provar que existem actos e situações enquadráveis no conceito de posse” – Ac. da Relação de Lisboa, de 17.1.1991, in CJ, 1991, I, 124.

A posse, porque é um poder que se manifesta em relação a coisas, pode ser perdida pelo possuidor.

O art. 1267º do Código Civil elenca os casos em que o possuidor perde a posse.

Um dos casos de perda da posse é o previsto na al. d) segundo o qual o possuidor perde a posse - “Pela posse de outrem, mesmo contra a vontade do antigo possuidor, se a nova posse houver durado por mais de um ano”.

Nos termos do nº2:

“A nova posse de outrem conta-se desde o seu início, se foi tomada publicamente, ou desde que é conhecida do esbulhado, se foi tomada ocultamente; sendo adquirida, por violência, só se conta a partir da cessação desta”.

Com este normativo articula-se o art. 1278º citado diploma que estabelece:

“1. No caso de recorrer ao tribunal, o possuidor perturbado ou esbulhado será mantido ou restituído enquanto não for convencido na questão da titularidade do direito.
2. Se a posse não tiver mais que de um ano, o possuidor só pode ser mantido ou restituído contra quem não tiver melhor posse.
3. É melhor posse a que for titulada; na falta de título, a mais antiga; e, se tiverem igual antiguidade, a posse actual”.

Em comentário a este normativo Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, vol.III, pág. 50/51, escrevem:

“Por força do nº2, o possuidor, para ser mantido ou restituído, precisa de provar não só a sua posse actual, mas a duração dela superior a um ano (atenda-se, no entanto, à presunção da segunda parte do nº2 do art. 1254°), salvo se o pedido se dirigir a quem não tiver melhor posse.
Esta (a exigência da chamada posse de ano e dia) era já a doutrina do artigo 488° do Código de 1867, por se entender que só um mínimo de duração quanto à relação de facto com a coisa garante a estabilidade da situação que merece a tutela possessória.
Em harmonia com ela, o artigo 1267°, nºl, alínea d), considera extinta a posse, se houver posse de outrem com a duração superior a um ano.
A posse anterior, neste caso, passa a ser irrelevante (extingue-se) e o actual possuidor deverá ser mantido ou restituído como único possuidor”. (sublinhado nosso).

Penha Gonçalves, in “Curso de Direitos Reais”, pág. 286 escreve:

“Nos termos do art. 1267.° nº1, al. d), o possuidor perde a posse “pela posse de outrem, mesmo contra a vontade antigo possuidor”, o que configura e postula a existência de esbulho, violento ou não.
Mas, cabe perguntar: verificado o facto do esbulho, em que momento ocorre a extinção da posse do esbulhado?
Discorrendo sobre o nº4 do art. 482.° do Código Civil de Seabra, Manuel Rodrigues entendia que “a perda da posse dá-se logo”, embora pudesse ser defendida dentro do prazo de um ano; mas Cunha Gonçalves era de opinião, ser preciso que o esbulho tivesse durado um ano para a posse do esbulhado ficar extinta.
Esta a solução que melhor se ajusta aos termos da lei actual (como previgente) e tem por si, o apoio da doutrina mais recente” [cita Pires de Lima e Antunes Varela, e Oliveira Ascensão].
O nº2 do art. 1267°, determina o momento a quo a partir do qual deve ser contado o prazo de um ano, distinguindo para o efeito, se o esbulho foi ou não cometido publicamente.
No primeiro caso, aquele momento coincide com a ocorrência desse facto; e no segundo, quando é efectivamente conhecido do esbulhado, sendo irrelevante a mera cognoscibilidade.
Em qualquer caso, se o esbulho foi violento, o prazo só se conta a partir da cessação da violência.
Enquanto não decorre o prazo anual, desenha-se naturalmente, em razão do esbulho, uma situação possessória marcada pela concorrência de posses conflituantes, liquidável de acordo com os critérios indicados no nº2 do art. 1278.°”.

E mais adiante na pág. 307:

“A turbação da posse pode eventualmente manifestar-se por uma sucessão de actos…Põe-se, então, a questão de saber desde quando deve ser contado o prazo anual de propositura da acção de manutenção.
Procurando resolvê-la, a doutrina propõe a seguinte solução: a) se os diversos actos turbativos puderem ser conceptualmente unificados por complementares uns dos outros, ou dirigidos à realização de um mesmo desígnio, o prazo deve ser contado a partir da data da prática do primeiro acto; b) se, pelo contrário, aqueles actos se apresentarem como autónomos, desligados uns dos outros, de tal modo que um a um se configurem como actos turbativos “a se stante”, então o prazo deverá correr, separadamente, por referência à data em que cada um deles foi praticado”.

Perfilhando tais ensinamentos, entendemos que os actos turbativos da posse encetados pelos requeridos, não são autónomos; como se provou, constituíram “resposta” a actos dos ora recorrentes; assim, sempre que as fechaduras eram mudadas pelos requerentes cautelares, os requeridos, pela força, retiravam-nas para colocar outras, procedimento que se repetiu, várias vezes, com início em Setembro de 2002 e que perdurou por Outubro desse ano; factos que foram, desde logo, do conhecimento dos requerentes, pois que, sempre “mereceram resposta”, numa acção directa sua na tentativa de manterem a posse.

Assim sendo, e tratando-se de actos turbativos continuados no tempo, mas homogéneos nos meios usados e intencionalizados a agregar a posse das coisas esbulhadas, o prazo anual para a propositura da acção de manutenção e também para a providência cautelar de restituição provisória conta-se a partir da data do 1º acto.

Tendo mediado mais de um ano, entre 1º acto de esbulho e a instauração do procedimento cautelar, temos de convir que a posse dos requeridos, ainda que obtida por esbulho, é insusceptível de ser atacada pelo meio processual usado pelos requerentes, por ter ocorrido caducidade.

O art. 1282º do Código Civil estatui:

“A acção de manutenção, bem como as de restituição da posse, caducam, se não foram intentadas dentro do ano subsequente ao facto da turbação ou do esbulho, ou ao conhecimento dele quando tenha sido praticado a ocultas”.

A propósito deste normativo, Abrantes Geraldes, in “Temas da Reforma do Processo Civil”, pág.45 escreve:

“Uma vez que o art. 1282.° do Código Civil prevê um prazo de caducidade para o accionamento dos meios definitivos de tutela da posse, o mesmo é extensivo ao procedimento cautelar, atenta a sua função instrumental relativamente à acção de restituição de posse.
Na verdade, se o decurso do prazo faz precludir o direito de acção atribuído ao possuidor, não pode deixar de se reflectir também no exercício do direito tendente a obter a tutela antecipada”.

Sufragando tal perspectiva, temos de concluir, como a decisão recorrida o fez, ou seja, que ocorreu caducidade do direito de accionar com base na providência cautelar do art. 393º do Código de Processo Civil.

Decisão:

Nestes termos, acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pelos recorrentes.

Porto, 19 de Dezembro de 2005
António José Pinto da Fonseca Ramos
José da Cunha Barbosa
José Augusto Fernandes do Vale