Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0631421
Nº Convencional: JTRP00039044
Relator: JOSÉ FERRAZ
Descritores: DIREITO DE RETENÇÃO
EXECUÇÃO
Nº do Documento: RP200604060631421
Data do Acordão: 04/06/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: ALTERADA A SENTENÇA.
Indicações Eventuais: LIVRO 665 - FLS 38.
Área Temática: .
Sumário: I - O direito de retenção é um direito real de garantia que decorre directamente da lei; constitui um direito conferido ao credor que se encontra na posse de certa coisa pertencente ao devedor, não só de recusar a sua entrega enquanto o devedor não cumprir, como também de executar a coisa e de se pagar à custa do seu valor com preferência aos demais credores, quando o crédito do retentor resulte de despesas feitas por causa da coisa retida.
II - Esse direito de natureza real confere ao titular o direito de, em execução, ser pago pelo produto da venda com preferência aos demais credores do executado, incluindo o titular de crédito garantido por hipoteca, e ainda que a hipoteca tenha sido anteriormente constituída.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I. Na Execução Ordinária (proc. …./95, da .ª Vara Cível, .ª Secção) instaurada por B………., S.A., contra C………., S.A., (e outro), para o pagamento da quantia de 227.452.688$69, e acréscimos de juros e imposto de selo, foram penhorados, entre muitas outras, as fracções autónomas designadas pelas letras “AD”, “BM” e “BS” do prédio urbano sito na Rua ………. nºs .. a .., freguesia de ………., concelho da Maia, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 00894/110291, pertencentes à identificada executada.
Tais penhoras foram registadas em 23/05/96.

II. Mediante reclamação de créditos, de 19/10/1999, vieram D………. e esposa E………. reclamar um crédito de 28.384.000$00, correspondente a 26.000.000$00 de capital e 2.380.000$00 de sanção pecuniária compulsória, para cuja cobrança haviam instaurado a execução nº …./94-A, do .º Juízo (agora, Vara) Cível, .ª secção, que foi sustada ao abrigo do artigo 871º/1 do CPC (conforme fls. 240), dada a anterioridade da penhora na execução …./95, de estes autos são apenso.
Várias outras reclamações de créditos foram apresentadas.

III. Alegando garantia sobre as identificadas fracções autónomas vieram também:
A) \F………. e G………. (fls. 2 e sgts.) reclamar um crédito 15.312.499$00, para o que haviam instaurado execução de sentença (proc. …./94-A, do .º Juízo – agora, Vara – Cível do Porto, .ª Secção), em que foram penhoradas as supra mencionadas fracções autónomas (além de outras) e que foi sustada, nos termos do artigo 871º/1 do CPC, dada a anterioridade da penhora no processo de execução de que estes autos de reclamação de créditos são apenso;
- Posteriormente, a fls. 674, vieram estes Reclamantes declarar ter já sido satisfeito o crédito por eles reclamado, pelo que foi proferido despacho, a fls. 680, a julgar extinta a reclamação de créditos por eles deduzida.

B) O Ministério Público (fls. 242 e sgts) reclamar, ao abrigo do disposto no artigo 871º do Código de Processo Civil, um crédito global de 906.568$00/€ 4.521,94, de custas, para que havia instaurado execução sumária (proc. nº ….-B/94 da .ª Vara, .ª secção), em que foram penhoradas as fracções “AD”, “BM” e “BS” mencionadas, em 06/04/1998 e registadas em 16/07/99, execução que foi sustada (conforme fls. 245 e verso), dada a anterioridade da penhora realizada no processo 1291/95, de que estes autos de reclamação são apenso – crédito referido em 1.6 da sentença recorrida;

C) O Centro Regional de Segurança Social (a fls. 352 e sgts) reclamar o crédito global de 759.555$00/€ 3.788,64, correspondente a 483.376$00 de capital e 276.179$00 de juros vencidos, resultante de débito de contribuições devidas pela executada à segurança social - crédito referido em 1.11 da sentença recorrida;

D) O Ministério Público (a fls. 558 e sgts. e 615 e sgts.) reclamar o crédito de custas de 7.866,98 €, ao abrigo do artigo 871º do CPC, para o que foi instaurada a execução ….-A/94, da .ª Vara Cível do Porto, .ª Secção, em que foi penhorada a fracção “AD”, em 11 de Maio de 2001 e registada a 28 de Junho de 2001, tendo sido sustada a execução pela anterioridade da penhora no processo de execução de que estes autos são apenso – crédito referido em 1.14 da sentença recorrida.

IV. Reclamação de D………. e esposa foi admitida, por despacho de 13/04/2000 (fls. 463).
Esse crédito reclamado (como os demais reclamados referidos em III) não foi impugnado.

V. Por sentença de 09/12/2002, foi H………., S.A., habilitada como cessionária dos direitos de crédito que o B………., S.A., detinha sobre os executados.

Em 21 de Março de 2005, a exequente cessionária vem à execução desistir da penhora das fracções “AB”, “BM” e “BS”.

Por despacho de 30/3/2005, proferido no processo de execução (a fls. 866), foi ordenado o levantamento da penhora sobre as fracções “BM” e “BS” (anotando ter sido, já anteriormente, levantada a penhora sobre a fracção “AB”).
Esse despacho não foi notificado aos credores reclamantes D………. e esposa, supra identificados.

Consta da sentença (ponto 1.2.1) de reconhecimento e graduação de créditos, neste processo – a fls. 779 e verso – que a exequente desistiu das penhoras de diversas fracções, entre as quais, as fracções “BM” e “BS” identificadas e que foi ordenado o seu levantamento.

VI. Por sentença de verificação e graduação de créditos, de 20/10/2005, por não impugnados, foram os créditos reconhecidos e graduados, sendo, no que respeita ao crédito do recorrente – D………. e esposa - graduado relativamente à fracção autónoma “AD” e para ser pago pelo produto desta, nos seguintes termos:
Quanto à mencionada fracção “AD” do prédio identificado em I:
1º) O crédito reclamado pelo Centro Regional de Segurança Social, supra descrito em 1.11;
2º) O crédito exequendo;
3º) O crédito reclamado por D………. e E………., supra descrito em 1.5;
4º) O crédito reclamado pelo Ministério Público, supra descrito em 1.6;
5º) O crédito reclamado pelo Ministério Público, supra descrito em 1.14.

VII. Notificados da sentença, vieram os credores D………. e esposa requerer a “correcção” da sentença nos seguintes termos:
-mencionar-se na sentença que as fracções “BM” e “BS” se encontram penhoradas;
-mencionar-se que os reclamantes gozam do direito de retenção e
-que, por via do direito de retenção, o crédito dos requerentes deve ser graduado em 1º lugar, com referência às fracções autónomas “AD”, “BM” e “BS”.

Requerimento que foi indeferido, por se entender que o que os requerentes pretendem é a reforma da sentença, na parte em que a consideram incorrecta, o que, cabendo recurso da decisão, o requerimento de reforma deve ser feito na própria alegação.

VIII. O credor D………., inconformado com a sentença, da mesma interpõe recurso, concluindo as suas alegações nos seguintes termos:
“1. A sentença recorrida deve ser alterada nos termos a seguir expostos:
1.1. no ponto 1.5 deve aditar-se que sobre as aludidas fracções os
recorrentes gozam do direito de retenção bem como que o crédito aí mencionado é de Esc. 26.000.000$00 acrescido da sanção pecuniária compulsória desde o trânsito em julgado do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça – 15/12/1997 – até efectivo pagamento;
1.2. no ponto 1.16 deve aditar-se na alínea a) que também se encontram penhoradas as fracções “BM” e “BS” e na alínea b) o crédito referido em 1.5.;
1.3. no ponto 1.2.1. deve eliminar-se a referência ao levantamento da penhora sobre as fracções “BM” e “BS” já que a mesma jamais foi levantada nem os recorrentes disso foram ou podiam ter sido notificados (vide comprovativa da pendência da penhora);
1.4. finalmente na parte decisória relativa aos recorrentes devem aditar-se as fracções “BM” e “BS” e graduar-se o crédito dos recorrentes em 1º Lugar atendendo ao direito de retenção.

Termos em que, atento o douto suprimento de V. Excias, deve ser dado provimento ao recurso”.

Não houve contra-alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

IX. Para efeitos de decisão consideram-se os seguintes factos provados, além das reclamações mencionadas em III. B, C e D, no que aí se refere:
1) D………. e esposa, E………. instauraram execução de sentença contra C………., S.A., para o pagamento da quantia de 26.000.000$00, quantia que esta foi condenada a pagar àqueles, e 180.000$00 de sanção pecuniária compulsória.
2) Nessa execução foram penhoradas as fracções autónomas “AD”, “BM” e “BS”, atrás identificadas, penhora realizada em 19 de Outubro de 1997 e registada em 11 de Maio de 1999.
3) Os identificados D………. e esposa reclamaram um crédito de 28.384.000$00, sendo 2.384.000$00/€ 11.891,34, referentes a sanção pecuniária compulsória.
4) Na Reclamação do crédito, os referidos reclamantes alegaram beneficiar do direito de retenção das fracções mencionadas para garantia do crédito de 26.000.000$00, direito reconhecido por sentença transitada em julgado, referida em 1).
5) As reclamações não foram impugnadas.
5) A sentença foi notificada ao recorrente por registo de 21/10/2005.

X. São as conclusões de recurso que delimitam o seu objecto (artsº 684º/3 e 690º/1 e 3, do CPC), pelo que não há que conhecer de outras questões aí não suscitadas, salvo se o forem do conhecimento oficioso.
Face a essas conclusões, e embora a sua deficiência (pois em questão não estão meras rectificações, antes a pretensão de modificação da sentença) cabe averiguar das questões suscitadas:
- se no ponto 1.5 da sentença se deve mencionar o direito de retenção alegado pelos recorrentes e a composição do crédito reclamado,
- se no ponto 1.16 da sentença se deve mencionar que as fracções “BM” e “BS” se encontram penhoradas e, na al. b), do crédito referido em 1.5,
- se e, 1.2.1 se deve eliminar a referência ao levantamento da penhora sobre as aludidas fracções autónomas e
- se o crédito dos recorrentes se deve graduar em 1º lugar.
A única questão verdadeiramente relevante é a da graduação do crédito.

XI. Quanto à alteração da sentença no ponto 1.5.
Nos mencionados pontos 1.5, 1.2.1 e 1.16 da sentença, nada se decide. Aí, apenas se referem alguns actos do processo.
Consta nesse ponto (1.5) da sentença que “A fls. 220 e seguintes deste apenso, D………. e C………., casados, residentes na Maia, vieram, ao abrigo do disposto no artigo 871º do Código de Processo Civil, reclamar o crédito global de 28.384.000$00, resultante de uma penhora, efectuada no âmbito do processo nº ….-A/94 da .ª Vara, .ª Secção deste tribunal, sobre as fracções AD, BM e BS do prédio mencionado em 1.1 B), em data posterior à aqui levada a cabo”.
E de facto é esse o crédito reclamado pelo recorrente e nenhuma norma legal impõe que, no relatório da sentença, se discrimine a composição desse crédito global reclamado. A discriminação releva, em sede de facto, para efeitos de graduação, porque nem todo o crédito reclamado beneficia ou pode não beneficiar das garantias alegadas.
E o mesmo se afirma quanto â menção do direito de retenção. Se dele beneficia o recorrente, não significa que dele se faça menção (ainda que conveniente fosse, até porque a alegação da garantia real, desde não impugnada importa, conduz ao seu reconhecimento – artigo 868º/4 do CPC). Se o direito existe e é alegado, deve ser tomado em consideração ou, ao menos, apreciar-se essa questão sob pena de omissão de pronúncia. E que o direito foi alegado, é um facto – e consta atrás em IX – inafastável e nenhuma referência se lhe faz na sentença, quer na fundamentação quer na decisão.
E quanto ao trânsito da decisão que lhe reconheceu o crédito, não tem que constar em tal passagem da sentença, até porque nem o recorrente teve preocupação de o comprovar, nem sequer juntou cópia da sentença (confirmada em via de recurso). Sucede que a discriminação do crédito do recorrente, porque pode influir na graduação, é feita em IX. Mas, nos termos em que a questão é posta, não procede.

XII. Quanto a questão das penhoras das fracções “BM” e “BS” e ao crédito que deve mencionar-se em 1.16.b), em que consta o seguinte: “1.16 – De tudo o que fica exposto resulta que: a) apenas se mantêm penhorados o prédio supra identificado em 1.1.A); e as fracções A, Q, AD, AN, AO, BT, CA, CB e CP, do prédio supra identificado em 1.1.B);
b) apenas subsistem para apreciação os créditos supra descritos em 1.6; 1.9; 1.11; 1.12; 1.14 e 1.15).
As penhoras que estão e só podem estar em causa neste processo são as ordenadas e executadas no processo de execução ordinária …./95 (da .ª Vara Cível do Porto), processo de que estes autos de reclamação de créditos são apenso.
Não estão em causa as penhoras requeridas pelo recorrente e ordenadas no processo de execução por este instaurado (processo nº ….-A/94 da .ª Vara Cível, .ª Secção, do Tribunal do Porto). Quanto a essas penhoras sobre as fracções AD, BM e BS mencionadas, não houve qualquer decisão neste processo de reclamação de créditos ou na execução 1291/95.
Ora, sucede, como consta da sentença e, atrás, se refere em V. - por despacho de 30/3/2005, proferido no processo de execução (a fls. 866), foi ordenado o levantamento da penhora sobre as fracções “BM” e “BS” (anotando-se, nesse despacho, ter sido, já anteriormente, levantada a penhora sobre a fracção “AB”).
A penhora que foi levantada, a requerimento da exequente, foi a ordenada na execução 1291/95.
Esse despacho não foi notificado ao credor recorrente.
Mas não foi arguida qualquer nulidade (por falta de notificação).
O despacho devia ter sido notificado aos credores reclamantes com créditos garantidos pelos bens cuja penhora é levantada. Não ocorrendo, omite-se acto prescrito por lei com influência na decisão (artigo 201º/1 do CPC).
E, pelo menos, com a notificação da sentença, ficou o recorrente a saber desse levantamento. Não mostram os autos ter arguido nulidade, no prazo legal (artigo 205º/1 do CPC) nem é neste recurso o momento e local adequado a essa arguição.
Também não é objecto do recurso qualquer o despacho que ordenou o levantamento da penhora. O seu âmbito está delimitado pelo conteúdo do acto recorrido e a sentença (acto recorrido) nada decide quanto ao levantamento das penhoras.
A sentença não ordenou nem decidiu o que quer que fosse quanto ao levantamento das penhoras sobre as fracções “BM” e “BS”. Apenas se faz a referência a esse levantamento para efeitos de graduação de créditos, que não tem lugar em relação a bens que não (ou já não) se encontram penhorados.
Nem a sentença poderia, quanto às questionadas penhoras, pronunciar-se pois, por um lado, não era questão suscitada no processo e, por outro, quanto a essa questão estava esgotado poder jurisdicional do juiz. Nada há a alterar quanto aos bens que se encontram penhorados.
Na verdade, no ponto 1.16. al. b), não se faz referência ao crédito do recorrente (referido em 1.5), seguramente, por mero lapso, sem qualquer consequência, na medida em que o crédito foi incluído na decisão de graduação e foi graduado, pela totalidade reclamada.
Como os créditos foram reconhecidos com referência ao que consta em 1.16.b) da sentença, deve aí mencionar-se o crédito referido em 1.5 (o crédito do recorrente) da mesma sentença.

XIII. Da eliminação da referência ao levantamento das penhoras sobre as fracção “BM” e “BS” – face ao decidido quanto á segunda questão (XII), cujas razões aqui se dão por reproduzidas, improcede a questão suscitada.

XIV. Quanto á graduação do crédito do recorrente, no que se refere às fracções “BM” e “BS” – face ao decidido em XII e XIII, porque as fracções (já) não estão penhoradas na execução de que decorrem as reclamações, a questão improcede.
Quanto á graduação do crédito reclamado para ser pago pelo produto da venda da mencionada fracção autónoma “AD” – assiste razão, em parte, ao recorrente.
1) Preceituava o nº 4 do artigo 868º do CPC, já na versão anterior à redacção do DL 38/2003, de 8/3, a aplicável, que “haver-se-ão como reconhecidos os créditos e as respectivas garantias reais que não forem impugnados, sem prejuízo das excepções ao efeito cominatório da revelia, vigentes em processo declarativo, ou do conhecimento das questões que deviam ter implicado rejeição liminar da reclamação” (negrito nosso).
Não impugnado o crédito reclamado e a respectiva garantia real, têm-se aquele e esta como reconhecidos.
Não verificada qualquer das excepções ao efeito cominatório previstas na norma, a falta de impugnação das reclamações de créditos tem efeito cominatório, pelo que ter-se-ão por reconhecidos os créditos reclamados bem como as respectivas garantias reais invocadas.
Na situação, não se verifica qualquer excepção que obste ao cominatório, reconhecimento do crédito e garantia como invocados.
O recorrente alegou ter direito de retenção para garantia do crédito de 26.000.000$00, que lhe foi reconhecido por sentença transitada em julgado. O que não foi impugnado, por exequente, executada ou qualquer dos demais credores reclamantes, com direito garantido sobre o mesmo bem imóvel. Direito esse que, como se verifica da petição executiva – a fls. 227 deste apenso – tem fundamento na al. f) do nº 1 do artigo 755º do CC.
Haver-se-á, pois, como reconhecido esse direito para garantia do crédito reclamado no valor de € 129.687,45.
No restante, o crédito reclamado beneficia apenas da prioridade da penhora.
2) Com referência ao citado imóvel, são reclamados créditos pelo Centro Regional de Segurança Social, relativos a contribuições devidas pela executada para a segurança social e respectivos juros de mora, que beneficiam de privilégio mobiliário geral e imobiliário geral (artigos 10º e 11º do Dec. Lei nº 103/80, de 9/5).
Os demais créditos reclamados (subsistentes) respeitam a custas, para o que foi instaurada execução em que foi penhorada o mesmo imóvel, com registo posterior ao da penhora na execução de que decorre a reclamação de créditos.
Na douta decisão recorrida foi reconhecida preferência, no pagamento pelo valor da coisa penhorada, aos créditos garantidos por direito de retenção em detrimento do crédito do Centro Regional de Segurança Social, beneficiário de privilégio imobiliário geral, nos termos do artigo 11º do DL 103/80, que prescreve “os créditos pelas contribuições, independentemente da data da sua constituição, e os respectivos juros de mora gozam de privilégio imobiliário sobre os bens imóveis existentes no património das entidades patronais à data da instauração do processo executivo, graduando-se logo após os créditos referidos no artigo 748.º do Código Civil”.
O direito de retenção é um direito real de garantia que decorre directamente da lei; constitui um direito conferido ao credor que se encontra na posse de certa coisa pertencente ao devedor, não só de recusar a sua entrega enquanto o devedor não cumprir, como também de executar a coisa e de se pagar à custa do seu valor com preferência aos demais credores, quando o crédito do retentor resulte de despesas feitas por causa da coisa retida (artigo 754º do CC). Esse direito de natureza real confere ao titular o direito de, em execução, ser pago pelo produto da venda com preferência aos demais credores do executado, incluindo o titular de crédito garantido por hipoteca, e ainda que a hipoteca tenha sido anteriormente constituída (artigo 759º/1 e 2 do CC).
Pelo disposto no artigo 11º do DL 103/80, o crédito reclamado pelo Centro Regional de Segurança Social beneficia de privilégio imobiliário geral e gradua-se logo após os créditos referidos no artigo 748º do CC.
O artigo 11º citado foi julgado inconstitucional (Ac. do Tribunal Constitucional, de 17/9/2002, no DR, IA, de 16/10/2002), na interpretação segundo a qual o privilégio imobiliário geral, nele conferido, prefere à hipoteca, nos termos do artigo 751º do CC. E razão idêntica justifica o afastamento da interpretação que fizesse prevalecer o privilégio ao direito de retenção, que até prefere à hipoteca.
Entende-se que o artigo 751º do CC contém um princípio geral insusceptível de aplicação ao privilégio imobiliário geral, por este não incidir sobre bens determinados. E esse entendimento mostra-se consagrado com a redacção que o DL 38/03, de 8/3, deu ao artigo 751º do CC, “os privilégios imobiliários especiais são oponíveis a terceiros que adquiram o prédio ou um direito real sobre ele e preferem à consignação de rendimentos, à hipoteca ou ao direito de retenção, ainda que estas garantias sejam anteriores”, o que não sucede com os privilégios imobiliários gerais que não preferem a tais garantias; traduzem-se em preferências de pagamento que não afectam a hipoteca ou o direito de retenção que incidem sobre bens certos e determinados. Entre a obscuridade de um privilégio – como acontecem com os privilégios imobiliários gerais (não publicitados) - e a clareza de outro, ambos sobre a mesma coisa, na interpretação do direito deverá optar-se pela certeza da transparência (Ac. STJ, de 13/1/05, em ITIJ/net, proc. 05A2355).
Conforme se decide na sentença recorrida, o privilégio em causa não prefere ao direito de retenção.
3) Porém, na sentença graduou-se o crédito reclamado pelo Centro Regional de Segurança Social à frente do crédito dos recorrente, a que se conferiu apenas a “garantia” da penhora, não se considerando o invocado direito de retenção, apesar de, como se disse, se ter entendido, a propósito de outros créditos reclamados, que a garantia conferida pelo direito de retenção preferia ao privilégio emergente do artigo 11º do DL 103/80.
Reconhecido o direito de retenção, o crédito do recorrente, pelo valor de 26.000.000$00/€ 129.687,45, deve ser graduado em primeiro lugar.
O remanescente, beneficiando apenas da prioridade que lhe advém da penhora, é graduado no lugar proposto na sentença.

XV. Pelo exposto, acorda-se neste tribunal da Relação do Porto em julgar parcialmente procedente a apelação e, em consequência, procede-se à graduação dos créditos “quanto à mencionada fracção “AD” do prédio identificado em I:
1º - O crédito reclamado por D………. e E………., pelo valor de € 129.687,45;
2º - O crédito reclamado pelo Centro Regional de Segurança Social;
3º - O crédito exequendo;
4º - O crédito reclamado por D………. e E………., pelo valor remanescente (€ 11.891,34);
5º - O crédito reclamado pelo Ministério Público, descrito em 1.6 da sentença;
6º -O crédito reclamado pelo Ministério Público, descrito em 1.14 da sentença.
No mais, com a anotação no ponto 1.16.b) da sentença, nos termos referidos na fundamentação, mantém-se a sentença.
Custas do recurso por apelante e reclamados/executados, em um terço e dois terços respectivamente, sendo as destes a saírem precípuas do produto dos bens penhorados.
Porto, 6 de Abril de 2006
José Manuel Carvalho Ferraz
Nuno Ângelo Rainho Ataíde das Neves
António do Amaral Ferreira