Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0515552
Nº Convencional: JTRP00040457
Relator: MACHADO DA SILVA
Descritores: RECURSO DE REVISTA
ALEGAÇÕES
NOTIFICAÇÃO
Nº do Documento: RP200706250515552
Data do Acordão: 06/25/2007
Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECLAMAÇÃO.
Decisão: PROVIDO.
Indicações Eventuais: LIVRO 94 - FLS 39.
Área Temática: .
Sumário: I - Nos processos em que as partes tenham constituído mandatário, todos os articulados e requerimentos autónomos que sejam apresentados após a notificação ao autor da contestação do réu, serão notificados pelo mandatário judicial do apresentante ao mandatário judicial da contraparte, no respectivo domicilio profissional, nos termos do art. 260-A (art. 229-A, n.º 1 do CPC).
II - As alegações de recurso não estão abrangidas pelo regime previsto no art. 229-A, n.º 1 do CPC, pelo que a sua notificação à parte contrária deve ser feita pela Secretaria do Tribunal - art. 254º,1 CPC.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

1. B………. interpôs recurso de revista do acórdão proferido nestes autos.
Por não se mostrar ter o mandatário da recorrente notificado o mandatário da parte contrária das alegações apresentadas, foi ordenado, por despacho da relatora, o cumprimento do preceituado nos arts. 229-A e 260-A do CPC (de que serão todos os artigos citandos, se não indicada outra origem).
+++
Sobre a matéria desse despacho veio o recorrente requerer que sobre o mesmo recaia acórdão, invocando que com as alegações deu cumprimento ao nº 2 do art. 152º, entregando os duplicados.
Em seu entender as alegações e contra-alegações de recurso, não devem ser considerados requerimentos autónomos, como resulta do art. 229-A, que se refere expressamente a articulados e requerimentos autónomos e do citado art. 152º, nº 2.
Tratando-se de recurso de revista (art. 698º, nº 2), a apresentação de alegações tem lugar na secretaria do respectivo tribunal (art. 143º, nº 2), sendo a esta que incumbe a notificação em causa.
Invoca em abono da sua tese jurisprudência do Suprem Tribunal de Justiça de 10.02.2004 e das Relações de Lisboa e Porto.
+++
2. Cumpre decidir, operando-se, por vencimento, a mudança de relator.
O problema fulcral a decidir consiste em saber se o regime de notificações previsto no art. 229-A, nº1, do CPC se aplica às alegações ou contra-alegações dos recursos.
Para tanto, há que apreciar se as alegações ou contra-alegações de recurso se devem considerar "articulados" ou "requerimentos autónomos", para efeitos do disposto no citado art. 229-A, do CPC, de tal modo que o recorrente estivesse obrigado a notificar a parte contrária da junção das suas alegações, no presente recurso.
A resposta terá de ser negativa, como vem sendo decidido pela melhor jurisprudência do STJ – cfr. o acórdão, de 27.04.2005, in www.dgsi.pt, (onde são referidos, no mesmo sentido, os seguintes arestos: Ac. S.T.J. de 28-10-03, na rev. 3018/03, da 6ª Secção; Ac. S.T.J. de 10-2-04, Col. Ac. S.T.J., XII, 1º, 53; Ac. S.T.J. de 19-2-04, Col. Ac. S.T.J., XII, 1º, 71).
Com efeito, o art. 229-A, nº1, do CPC dispõe:
"Nos processos em que as partes tenham constituído mandatário, todos os articulados e requerimentos autónomos que sejam apresentados após a notificação ao autor da contestação do réu, serão notificados pelo mandatário judicial do apresentante ao mandatário judicial da contraparte, no respectivo domicílio profissional, nos termos do art. 260-A".
Acompanhemos a fundamentação do primeiro acórdão do STJ supra citado:
"Assim sendo, resulta da letra da lei que a obrigação de notificação à parte contrária se reporta apenas aos "articulados" e aos "requerimentos autónomos".
Ora, as alegações de recurso e as respectivas contra-alegações não são articulados, pois estes são as peças processuais em que as partes expõem os fundamentos da acção e da defesa e formulam os pedidos correspondentes – art. 151, nº1, do C.P.C.
De resto, a própria lei refere-se a articulados, alegações e contra-alegações, como realidades distintas entre si – arts 150, nºs 1 e 2 e 152, nºs 1,2 e 6, do C.P.C.
Tal distinção vem já dos Códigos antecedentes, nunca tendo o legislador confundido articulados com alegações de recurso.
Por outro lado, as alegações de recurso também não podem confundir-se com requerimentos autónomos a que se reporta a mesmo art. 229-A, nº1.
Embora a lei não defina expressamente o que sejam requerimentos autónomos, o certo é que não os confunde com as alegações e contra-alegações de recurso e antes distingue as duas realidades – arts 150 e 152 do C.P.C.).
Como sustenta Miguel Teixeira de Sousa (As recentes alterações na legislação Processual Civil, ROA, Janeiro 2001, pág. 95), nos requerimentos autónomos incluem-se, por exemplo, ‘os requerimentos probatórios, as reclamações por nulidades processuais ou por nulidades da decisão, os requerimentos de aclaração de decisão e ainda os requerimentos de interposição de recursos.
As alegações de recurso, em contrapartida, não são abrangidas pelo regime previsto no art. 229-A, nº1, parecendo que o legislador quis manter para elas o regime de notificação pela Secretaria que continua a valer para a petição inicial e contestação’.
Poderá, assim, sintetizar-se que os requerimentos autónomos pretendem abarcar os actos das partes, que não se traduzam em articulados ou em alegações de recursos e contra-alegações.
Consequentemente, não estando as alegações de recurso abrangidas pelo regime de notificação previsto no mencionado art. 229-A, nº1, do C.P.C., a sua notificação à parte contrária deve ser feita pela Secretaria do Tribunal – art. 254, nº1 do C.P.C.”.
+++
A transcrição que se deixou efectuada visa apenas dar a conhecer que esta Relação se revê no que nela se contém, suficiente, assim, para concluir que, no caso em apreço, não deve o Exmo. Advogado comprovar nos autos a observância dos arts. 229-A e 260-A.
+++
3. Atento o exposto, e decidindo:
Acorda-se, em conferência, em alterar o despacho reclamado, assim considerando que incumbe a esta Relação a notificação à parte contrária das alegações apresentadas pelo recorrente.
Sem custas.
+++

Porto, 25 de Junho de 2007
José Carlos Dinis Machado da Silva
Maria Fernanda Pereira Soares
Albertina das Dores Nunes Aveiro Pereira (Vencida como declaração que em anexo)


Voto vencida pelas seguintes razões.

De acordo com o art. 229-A, n.º 1,[1] “Nos processos em que as partes tenham constituído mandatário judicial, todos os articulados e requerimentos autónomos que sejam apresentados após a notificação da contestação do réu, serão notificados pelo mandatário judicial do apresentante ao mandatário judicial da contraparte, no respectivo domicílio profissional, nos termos do art. 260-A.”
Dispõe, por seu turno, o n.º 1, do art. 260-A, que “As notificações entre mandatários judiciais das partes, nos termos do n.º 1, do art. 229-A são realizadas por todos os meios legalmente admissíveis para a prática de actos processuais, aplicando-se o disposto nos artigos 150 e 152 ”. E no n.º 2, que o “O mandatário judicial notificante juntará aos autos documento comprovativo da data da notificação à contraparte”.

Estes normativos foram introduzidos no processo civil pelo DL 183/2000, de 10 de Agosto, em cujo relatório preambular pode ler-se o seguinte: “A morosidade processual é um dos factores que mais afecta a administração da justiça, originando atrasos na resolução dos litígios, perda de eficácia das decisões e falta de confiança no funcionamento dos tribunais, e que se impõe a adopção de medidas simplificadoras que permitam a resolução dos litígios em tempo útil e evitem o bloqueio do sistema judicial…”
Pretende-se, ainda, “desonerar os tribunais da prática de actos de expediente que possam ser praticados pelas partes, como acontece, por um lado, com a recepção e envio de articulados e requerimentos autónomos por estas apresentados após a notificação ao autor da contestação do réu, os quais passarão a ser notificados pelo mandatário judicial da contraparte, no respectivo domicílio profissional”.

Resulta, assim, do exposto, ser clara intenção do legislador combater a morosidade processual, adoptando medidas simplificadoras que evitem o bloqueio do sistema de justiça, medidas essas, onde se contam, o novo regime de notificações a efectuar entre mandatários, a ter lugar após a notificação da contestação ao autor.
Trata-se de uma medida nova e ao que se sabe, sem tradição no nosso sistema de justiça. Por razões de celeridade e eficácia e como modo de desonerar as secretarias judiciais, consagrou-se um sistema em que os actos que digam respeito às partes, a efectuar após a notificação da contestação ao autor, deverão ser realizados pelos respectivos mandatários entre si. Obviamente que os actos de natureza oficiosa ou aqueles que o juiz assim determinar continuam a ser praticados pela secretaria judicial.

O art. 152, n.º 1 e 2, em nada tolhe, o entendimento expendido. O mesmo reporta-se à exigência de duplicados e cópias, a apresentar pelas partes.
Como é sabido, os duplicados dizem respeito aos articulados, as cópias referem-se aos requerimentos, alegações e documentos apresentados pelas partes. A razão de ser dos duplicados (e das cópias) é a de dar a conhecer à outra parte, o teor exacto do articulado oferecido, sem necessidade desta consultar o processo.[2]
Aquelas disposições legais, cuja redacção é anterior à dos citados artigos 229-A e 260-A, reportam-se, porém, a uma obrigação de carácter geral que impende sobre as partes e que por força da sobredita alteração legislativa, têm agora, no que toca à sua intervenção da secretaria judicial, um âmbito de aplicação mais restrito, pois, estão no presente, particularmente direccionadas para a fase dos articulados, até à notificação da contestação. A seguir a esta, todos os actos processuais das partes praticados pelos respectivos mandatários que devam ser notificados, deverão sê-lo entre si e pelos meios legalmente admissíveis. Assim, aplicar-se-á o art.150, no que toca à forma da prática dos actos, e o art. 152, no que se refere à exigência de entrega de duplicados e cópias (entre si, e para a reforma dos autos, na secretaria) e/ou a sua dispensa.

O art. 143, n.º 3, citado pelo reclamante reporta-se, essencialmente, ao(s) momento(s) em que os actos devem ser praticados, sendo que a circunstância de as alegações serem apresentadas na secretaria do tribunal, em nada tolhe o regime das notificações a considerar. É que, uma coisa é o tempo e o local da prática do acto, outra, é o modo de efectuar a notificação entre as partes, in casu entre mandatários, não decorrendo daquele preceito, a obrigatoriedade das secretarias procederem à notificação às partes das alegações ou contra-alegações de recurso.

Deste modo, se a letra da lei é o ponto de partida e simultaneamente o limite da interpretação, na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete não deve cingir-se à sua letra (art. 9 do Código Civil), devendo, antes, deitar mão a elementos lógicos (onde se contam o racional, histórico e sistemático) a fim de poder realizar a tarefa de interligação e valoração que necessariamente excede o domínio literal.[3][4]

Tendo sido o principal objectivo do legislador, quando introduziu a referida alteração ao processo civil, como se viu, libertar e desonerar os tribunais dos actos que pudessem ser praticados pelas partes a seguir à notificação ao autor da contestação, não faria qualquer sentido que o mesmo tivesse deixado de fora desse novo regime de simplificação e celeridade, as alegações e contra-alegações de recurso. Seria reduzir enormemente o sentido e o alcance dos normativos em causa, esvaziando-os, em grande parte, do seu sentido útil.[5]

Acresce, como já antes o afirmámos, que estamos a considerar actos das partes que devem ser necessariamente praticados por advogados, pois nos recursos é obrigatória a constituição de mandatário (art. 32, n.º 2, alínea c)), carecendo, também por isso de sentido, que as alegações e as contra-alegações, ficassem excluídos desse novo regime de notificações.

Assim, à semelhança do que se entendeu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05.05.2005[6], quando o art. 229-A fala em requerimentos autónomos, tal conceito deve ser interpretado em termos amplos, abrangendo as alegações e contra-alegações de recurso, cuja admissibilidade não depende de apreciação judicial e que nenhuma razão justifica serem excluídos do novo regime.
“Requerimentos autónomos em sentido amplo eis, por conseguinte, aquele mínimo de correspondência verbal … em que pode ancorar-se a interpretação teleológica do art. 229-A.”

Entendo, pelo que fica dito, que o Exmo. Advogado deveria comprovar nos autos, a observância dos artigos 229-A e 260-A.

_______________________________________________________
[1] Serão deste diploma, todas as referências normativas sem menção específica.
[2] Cfr. Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, Coimbra, Volume II, pág. 103.
[3] I Galvão Telles, Introdução ao Estudo do Direito, Vol.I, reimpressão, pág. 245.
[4] Oliveira Ascensão, O Direito, Introdução e Teoria Geral, 11.ª Edição, Almedina, 2001, pág. 329.
[5] Cfr. Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, Almedina, I Vol. pág. 209 e também Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 7.ª Edição, pág. 201.
[6] Em sentido idêntico, entre outros, os Acórdãos do STJ de 26.02.2004. e de 30.09.2004 , bem como o recente acórdão desta Relação do Porto de 11.06.2007.