Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0531140
Nº Convencional: JTRP00037843
Relator: AMARAL FERREIRA
Descritores: CLÁUSULA PENAL
REDUÇÃO
PEDIDO
Nº do Documento: RP200503170531140
Data do Acordão: 03/17/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: REVOGADA A SENTENÇA.
Área Temática: .
Sumário: I - Uso da faculdade de redução equitativa da cláusula penal, concedida pelo citado artº 812, não é oficioso, mas dependente de pedido do devedor da indemnização.
II - E, embora não seja necessária a formulação de um pedido formal de redução da indemnização fixada, bastando que o devedor assuma nos articulados da acção uma posição reveladora, “ainda que só de modo implícito”, do seu inconformismo ou discordância com a satisfação dos valores que lhe são pedidos, invocando o seu excesso, entende-se que é necessário que o demandado, omitindo embora o pedido expresso de redução, alegue os factos donde se possa concluir pelo carácter manifestamente excessivo da cláusula, nomeadamente à luz do caso concreto, balizadores do julgamento por equidade que a lei reclama para a redução, ou seja, os factos que permitam ao julgador elementos para determinação dos limites do abuso.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I – RELATÓRIO.

1. No Tribunal Judicial da Comarca de .........., B.........., comerciante em nome individual, residente no .......... (..........), .........., .........., instaurou contra C.........., residente em .........., e D.........., residente em .........., localidades da freguesia de .........., .........., acção declarativa, com forma de processo sumário, pedindo a condenação dos RR. a pagarem-lhe a quantia de 4.987,98 Euros (Esc. 1.000.000$00), acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação.
Alega para tanto, em síntese, que:
- No exercício da sua actividade comercial, possui um estabelecimento denominado Restaurante ......... e que, em 17/09/2001, celebrou um contrato escrito com os RR., mediante o qual se obrigou a confeccionar e a servir um almoço para casamento dos RR., com locação da Quinta .........., em .........., tendo acordado o dia 10/08/2002 para a realização do serviço;
- Em Outubro de 2001, sem qualquer justificação ou explicação, recebeu uma comunicação da R. de que já não estavam interessados no contrato;
- Com tal comunicação teve prejuízos e tem direito à indemnização de 50% do valor do contrato, exigível em caso de resolução do mesmo.

2. Contestaram os RR. aduzindo, também em resumo, que: assinaram um documento porque a A. lhes explicou que tal seria para ficar registado, e que seria servido caso decidissem contratar aquele restaurante para o seu casamento, mas que não lhes foi explicado que se tratava de um contrato de prestação de serviços definitivo, tendo-lhes sido dito que teriam um mês para pensarem e decidirem; que o contrato se insere nas previsões do DL nº 446/85, de 25/10, alterado pelo DL nº 249/99, de 7/7, tendo sido incluídas cláusulas contratuais gerais num contrato singular que têm de ser completamente esclarecedoras das condições do contrato, o que não sucedeu; no que diz respeito à anulação do contrato, apenas nele se refere que terá que ser por escrito através de carta registada com aviso de recepção, não fazendo qualquer referência, como devia, ao prazo que qualquer aderente teria para o fazer; quanto às penalizações referem que as cláusulas são confusas e não esclarecedoras, não lhes tendo sido explicado o seu conteúdo, pelo que são ilegais; o contrato deve ser considerado nulo porque atentatório da boa fé.
Concluíram pela improcedência da acção.

3. Respondeu a A. alegando que esclareceu verbalmente os RR. sobre os montantes da indemnização exigível em caso de anulação e que o documento foi escrito numa linguagem simples, clara e objectiva.

4. Após tentativa de conciliação, que resultou infrutífera, foi proferido despacho saneador em que se afirmou a validade e regularidade da instância, se declarou a matéria assente e se elaborou base instrutória, que se fixaram sem reclamações.

5. Procedeu-se a julgamento com observância do formalismo legal, não tendo sido objecto de censura as respostas dadas à matéria de facto controvertida constante da base instrutória.

6. Foi proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, e, procedendo à redução da cláusula penal, condenou os RR. no pagamento à A. de uma indemnização de 1.000 Euros, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.

7. Inconformada, apelou a A. tendo, nas pertinentes alegações, formulado as seguintes conclusões:
a) Para que o tribunal possa ajuizar sobre o excesso da cláusula penal é necessário que os devedores tenham solicitado a sua redução;
b) A razão de ser da redução da cláusula penal consiste em evitar abusos do credor, surpreendendo-se aqui a mesma lógica e os mesmos pressupostos que determinam a anulabilidade dos negócios usurários – cfr. artº 282º do CC;
c) O ónus de alegar e provar os factos que eventualmente integrem desproporcionalidade entre o valor da cláusula estabelecida e o valor dos danos a ressarcir ou um excesso da cláusula em relação aos danos efectivamente causados recai sobre os devedores, aqui recorridos;
d) Os recorridos não solicitaram a redução da cláusula penal, pelo que não podia o Sr. Juiz “a quo” levá-la a efeito oficiosamente, ao abrigo do artº 812º do CC;
e) Mesmo que assim não fosse, para a intervenção do tribunal é necessária a presença de uma cláusula penal manifestamente excessiva, não bastando um simples excesso, sendo sobre os devedores que pretendem a redução que recai o ónus da alegação e prova do excesso manifesto;
f) Ora, os recorridos foram citados, contestaram, mas não alegaram, nem resultaram provados quaisquer elementos factuais reveladores de qualquer desproporção entre o dano da recorrente e a pena estipulada pela Mmª Juíza;
g) Sendo certo que, para que se possa aferir do excesso manifesto da cláusula penal, é antes de mais indispensável conhecer o dano efectivo da lesada aqui recorrente;
h) No caso dos autos, desconhecem-se os valores concretos dos danos da recorrente, (mas sabe-se que a recorrente teve de anular alguns contratos por ter contratado com os RR., e que o mês de Agosto é o mês de maior procura), o que impossibilita a tarefa concretizadora de apreciação da cláusula penal;
i) A redução da cláusula penal operada pode conduzir à fixação de uma indemnização de montante inferior ao dos prejuízos efectivos da recorrente, contrariamente ao que resulta dos mais elementares princípios da responsabilidade civil;
j) O Tribunal “a quo” socorreu-se indevidamente de factos estranhos aos autos que não foram alegados, nem resultaram provados para lançar o juízo de excessividade sobre a cláusula penal em questão;
l) Mesmo que assim não fosse, tal factualidade, introduzida nos autos pela Mmª Juíza “a quo”, não seria por si só suficiente para concluir pela excessividade da cláusula penal, face à total ausência de factos que permitam aferir do prejuízo efectivo da recorrente;
m) Não se verifica, pois, nenhum dos pressupostos de que o artº 812º do CC faz depender a redução equitativa da cláusula penal;
n) E, em face da natureza e da razão de ser da cláusula penal, a credora aqui recorrente fica dispensada de demonstrar a efectiva verificação dos danos em consequência do incumprimento do contrato e respectivos montantes, já que a mencionada prefixação visa prescindir de averiguações sobre essa matéria;
o) Assim, como da matéria provada não resulta ser aplicável o DL nº 446/85, nem tão pouco ficou provado que a cláusula penal em análise passasse despercebida ou pudesse constituir uma surpresa;
p) A douta sentença proferida violou os artºs 4º, 405º, 810º e 812º do Código Civil, e artº 659º, nº 3, do CPC;
q) Deve ser revogada a sentença na parte em que decide reduzir a cláusula penal contratualmente fixada pelas partes, devendo os RR. ser condenados a pagar à autora a totalidade da indemnização acordada, e do montante pedido na petição inicial, bem como os juros desde a citação até efectivo e integral pagamento.

8. Não foram oferecidas contra-alegações.

9. Remetidos os autos a este Tribunal foi o recurso aceite na espécie e com o efeito que havia sido admitido, tendo corrido os vistos legais.

II – FUNDAMENTAÇÃO.

1. Foram considerados assentes ou provados os seguintes factos:
a) A A. possui um estabelecimento comercial denominado Restaurante .......... .
b) Entre a A. e os RR. foi celebrado um contrato escrito mediante o qual a A. se obrigou a confeccionar e servir um almoço para casamento dos RR., com locação da Quinta .........., em .........., e lugares de estacionamento, tendo como contrapartida o preço.
c) Tal contrato foi celebrado no dia 17/09/2001, sendo o mesmo reduzido a escrito e assinado por ambos os RR., conforme documento junto a fls. 5, que aqui se dá como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
d) Ficou estabelecido no contrato celebrado entre A. e RR. o montante de indemnização exigível em caso de resolução do contrato, correspondendo tal montante a 50% do valor global fixado no contrato (cfr. fls. 5).
e) A A., previamente contactada pelos RR., explicou-lhes todas as condições do contrato, os preços, tipo e modo de pagamento.
f) Os RR. solicitaram ainda à A. que contratasse músicos.
g) Os RR. escolheram a ementa, as bebidas, as sobremesas, o tipo de arranjos e disposição das mesas.
h) Acordaram com a A. a data do serviço, que ficou estabelecida para o dia 10/08/2002.
i) Ficou estabelecido também o preço de Esc. 10.000$00 por pessoa, tendo ficado acordado que o almoço seria servido a 200 pessoas no mínimo.
j) Neste preço encontra-se incluído o trabalho, bem como os componentes da ementa, como entradas, bebidas, conforme se encontra descriminado no contrato que aqui se dá por reproduzido.
l) Naquele preço acordado está também incluído o aluguer, instalações da Quinta .......... em .........., contrato de serventes, e as despesas de arranjos e músicos.
m) O negócio em causa não ficou dependente da verificação de qualquer condição.
n) Em Outubro de 2001, a A. recebeu a comunicação por parte da R. que já não estavam interessados no contrato.
o) O mês de Agosto é o mês de maior procura de serviços da A. e das suas instalações para realização de almoços e jantares de casamentos.
p) A A. teve de recusar outro contrato para aquele dia em virtude de ter contratado com os RR. e de ter reservado o espaço da Quinta.
q) Os RR., quando se dirigiram ao restaurante, já tinham o casamento marcado para o dia 10 de Agosto de 2002, pelas 11 horas, na Igreja ......... .
r) Após a assinatura do contrato, o R., antes de se deslocar para o estrangeiro, voltou novamente às instalações da A. para confirmar o contratado.
s) Foi entregue aos RR., no dia da assinatura do contrato, uma cópia do mesmo.

2. Tendo em consideração que o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das alegações, não podendo o tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se trate de questões de conhecimento oficioso (artºs 684º, nº 3, e 690º, nos 1 e 3, do CPCivil), e que os recursos não visam criar decisões novas sobre matéria nova, apreciemos de mérito, sendo a única questão a resolver a de saber se, ainda que arguida a nulidade da cláusula penal estipulada no contrato, tal legitima a sua redução equitativa.

Na decisão apelada procedeu-se à redução da cláusula penal estabelecida no contrato celebrado entre A. e RR. – documento junto a fls. 5 –, que estabelece, como “PENALIZAÇÕES: Contrato anulado pelo contratante com mais de trinta dias da data do serviço, perde o sinal mais 50% do valor global do contrato”.
O valor global do contrato, como dele consta e resulta dos factos provados, era de Esc. 2.000.000$00 (Esc. 10.000$00 por pessoa, tendo ficado acordado que o almoço seria servido a 200 pessoas, no mínimo).

Vem pacificamente aceite que a cláusula em apreço - “PENALIZAÇÕES” -, constitui uma verdadeira cláusula penal, enquanto convenção pela qual as partes fixaram previamente o montante da indemnização exigível e devida pelo incumprimento das obrigações contratuais determinantes da resolução, em parte com a função de indemnização predeterminada ligada à violação da execução do contrato e em parte com função compulsória – artº 810º do CCivil (diploma a que pertencerão os demais preceitos legais a citar, sem outra indicação de origem).
Visa a determinação antecipada do montante indemnizatório dos prejuízos para o credor advenientes do incumprimento do contrato, ou seja, a forfait, certo que então se ignora não apenas o quantitativo dos prejuízos mas também se eles ocorrerão ou não.
Por isso, na prática, a cláusula penal desempenha uma dupla função: função ressarcidora e função coercitiva.
Esta convenção é permitida no âmbito da liberdade contratual afirmada no artº 405º, segundo a qual, dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos e de incluir neles as cláusulas que lhes aprouver.
E sabe-se que o negócio jurídico é precisamente apontado como instrumento principal da realização do princípio da autonomia privada, princípio esse que se liga ao valor da autodeterminação da pessoa, à sua liberdade, à ideia de auto-responsabilidade, conexionado com o princípio da protecção da confiança das expectativas da confiança do destinatário.

Dispõe o artº 812º:
1. A pena convencionada pode ser reduzida pelo tribunal, de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente; é nula qualquer disposição em contrário.
2. É admitida a redução nas mesmas circunstâncias, se a obrigação tiver sido parcialmente cumprida.
Dado que a redução aqui prevista limita os princípios gerais da autonomia privada e da liberdade contratual, tem de ser ponderada e cuidadosamente exercida, sempre dentro dos limites legais, só podendo o juiz intervir quando for solicitado para tal e reconheça que a cláusula é “manifestamente excessiva”, sob pena de inutilizar a sua própria função e razão da sua existência.
Como escreve Calvão da Silva (Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, 1987, pág. 273), “a intervenção judicial do controlo do montante da pena não pode ser sistemática, antes deve ser excepcional e em condições e limites apertados de modo a não arruinar o legítimo e salutar valor coercitivo da cláusula penal e nunca perdendo de vista o seu carácter à forfait”.
Mais à frente, pág. 274, acrescenta o mesmo autor “A decisiva condição legal da intervenção do tribunal é, por conseguinte, a presença, ao tempo da sentença, de uma cláusula manifestamente excessiva - não basta uma cláusula excessiva, cuja pena seja superior ao dano -, de uma cláusula cujo montante desmesurado e desproporcional ao dano seja de excesso manifesto e evidente, numa palavra, de excesso extraordinário, enorme, que salte aos olhos, Tem de ser, portanto, uma desproporção evidente, patente, substancial e extraordinária, entre o dano causado e a pena estipulada, mas já não a ausência de dano em si”.
“Do que fica dito, é claro que o juiz tem o poder de reduzir, mas não de invalidar ou suprimir a cláusula penal manifestamente excessiva, e que só tem o poder de reduzir a cláusula manifestamente excessiva e já não a cláusula excessiva. Uma cláusula penal de montante superior (mesmo excessiva ao dano efectivo) não é proibida por lei, não tendo o juiz poder para a reduzir. Do mesmo modo, a ausência de dano, por si só, não legitima a intervenção judicial” – obra citada, pág. 276.
Na apreciação do carácter manifestamente excessivo da cláusula penal, o juiz não pode deixar de atender à sua natureza e condições de formação do contrato, à situação económica e social das partes, aos seus interesses patrimoniais e não patrimoniais, ao prejuízo previsível no momento da outorga do contrato e ao efectivo prejuízo do credor, às causas explicativas do não cumprimento da obrigação, em particular à boa ou má fé do devedor, ao próprio carácter a forfait da cláusula e à salvaguarda do seu valor cominatório.
O tribunal deve usar da faculdade de redução da cláusula penal que lhe é conferida pelo citado artº 812º, nº 1, quando houver elementos que, segundo um critério de equidade e de justiça, apontem para um manifesto excesso da cláusula penal – neste sentido o Ac. do STJ de 7/11/89, BMJ nº 391, pág. 565.

No caso em apreço está-se perante um contrato através do qual a A. se obrigou a fornecer uma refeição, em determinados termos, aos convidados do casamento dos RR., cujo preço global foi de Esc. 2.000.000$00, no qual estava incluído o aluguer das instalações da Quinta .......... em .........., contrato de serventes, e as despesas de arranjos e músicos.
Tal contrato foi celebrado no dia 17/09/2001, e, tendo sido acordada a data do serviço para o dia 10/08/2002, a A. recebeu em Outubro de 2001 a comunicação da R. de que já não estavam interessados no contrato.
Ficou ainda provado que a A., previamente contactada pelos RR., lhes explicou todas as condições do contrato, os preços, tipo e modo de pagamento, que o mês de Agosto é o de maior procura de serviços da A. e das suas instalações para a realização de almoços e jantares de casamentos, que a A. teve de recusar outro contrato para aquele dia em virtude de ter contratado com os RR. e de ter reservado o espaço da Quinta, e que quando se dirigiram ao restaurante, os RR. já tinham casamento marcado para o dia 10 de Agosto de 2002, pelas 11 horas, na Igreja .......... .
Ao contrário do decidido pelo Tribunal a quo, tais elementos, à luz da equidade e da justiça, são insuficientes para se considerar “manifestamente excessiva” a cláusula penal de 50% do valor global do contrato.
Acresce que a sentença apelada, sem qualquer suporte nos factos provados, procedeu à redução da cláusula penal, considerando que a A. não alegou nem provou que no dia 10 de Agosto de 2002 não realizou qualquer serviço nas suas instalações por causa do contrato que celebrou com os RR., que não era credível nem razoável que a A. não invocasse tal prejuízo efectivo se o tivesse realmente sofrido, e que não era igualmente razoável que a A. tivesse sofrido qualquer desgaste, deterioração de bens e equipamentos com a resolução do contrato, uma vez que foi avisada com 10 meses de antecedência sobre a realização do serviço em causa.
Ora, como se referiu supra, a cláusula penal, visa precisamente a determinação antecipada do montante indemnizatório dos prejuízos para o credor advenientes do incumprimento do contrato, ou seja, a forfait, certo que então se ignora não apenas o quantitativo dos prejuízos mas também se eles ocorrerão ou não, pelo que não tinha a A. que alegar e provar o prejuízo efectivo com a não realização do contrato.
Para poder funcionar a redução equitativa da cláusula penal, era necessário alegar e demonstrar factos donde se pudesse tirar aquela conclusão, nomeadamente factos que fornecessem ao julgador elementos para a determinação dos limites do abuso, ou seja, daquilo que a liberdade contratual não suporta.
Só quando os factos alegados e demonstrados no processo revelem esse excesso e a pretensão do devedor de ver reduzida a indemnização clausulada, é que o tribunal poderá e deverá operar a redução.
E, como é defendido no Ac. deste Tribunal de 19/03/2004, em http: www.dgsi.pt/jtrp, processo nº 04020989, esses factos têm de ser alegados e provados pelo devedor, único interessado na redução e por serem factos modificativos do direito do credor, constituindo defesa por excepção peremptória – artºs 487º, nº 2, e 493º, nº 3, ambos do CPCivil.

Aliás, a doutrina e jurisprudência francamente dominantes vêm entendendo que o uso da faculdade de redução equitativa da cláusula penal, concedida pelo citado artº 812º, não é oficioso, mas dependente de pedido do devedor da indemnização – cfr., neste sentido, Pinto Monteiro, Cláusula Penal e Indemnização, págs. 735-737, P. Lima-A. Varela, CCivil Anotado, Vol. II, 4ª ed., pág. 81, Calvão da Silva, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, 1987, pág. 275, e Acs. STJ de 17/02/98, CJ/STJ, Tomo I, pág. 72, e de 30/09/2003 e 20/11/2003, em Http:/www.dgsi.pt/jstj, processos nºs 03A1738 e 03A3514, e desta Relação de 26/01/2000, CJ, Tomo I, pág. 205.
Postulam-no razões como a circunstância de se estar perante uma norma de protecção do devedor, de cujos efeitos, após a avaliação que faça da situação a posteriori, poderá livremente dispor, bem como a regra processual dos limites do conhecimento pelo princípio do pedido (artºs 660º, nº 2, 661º, nº 1, e 664º do CPCivil).
E, embora não seja necessária a formulação de um pedido formal de redução da indemnização fixada, bastando que o devedor assuma nos articulados da acção uma posição reveladora, “ainda que só de modo implícito”, do seu inconformismo ou discordância com a satisfação dos valores que lhe são pedidos, invocando o seu excesso – neste sentido o citado Ac. do STJ de 30/09/2003, citando Pinto Monteiro, obra e locais citados, nota 1654 -, entende-se que é necessário que o demandado, omitindo embora o pedido expresso de redução, alegue os factos donde se possa concluir pelo carácter manifestamente excessivo da cláusula, nomeadamente à luz do caso concreto, balizadores do julgamento por equidade que a lei reclama para a redução, ou seja, os factos que permitam ao julgador elementos para determinação dos limites do abuso.
Quando tal suceda, isto é, quando os factos alegados e demonstrados no processo revelem o excesso e a pretensão do devedor de ver reduzida a indemnização clausulada, poderá, e deverá, o tribunal, operar a redução nessa medida, “oficiosamente”, tal como pacificamente se entende com o conhecimento da excepção do abuso do direito.
No caso dos autos tal redução não foi pedida, pois os RR. apenas invocaram a nulidade da cláusula penal, bem como da cláusula que não estabelece qualquer prazo para a anulação do contrato – nulidades que foram apreciadas na sentença e que decidiu pela sua inverificação -, e alegaram circunstâncias que se teriam verificado aquando da assinatura do contrato – nomeadamente que se dirigiram, em 17 de Setembro de 2001, ao restaurante da A. com intenção de se inteirarem das condições que os mesmos apresentavam e do que oferecessem para realização do seu almoço de casamento, que, tendo sido recebidos pelo marido da A., enquanto conversavam sobre as condições que o restaurante oferecia, bem como o que poderiam confeccionar e servir num eventual casamento, ele lhes disse que seria melhor assinarem um documento, explicando-lhes que seria para ficar registado o que seria servido, caso decidissem contratar aquele restaurante, que não lhes foi explicado que se tratava de um contrato definitivo, tendo-lhes sido dito que teriam um mês para pensarem e decidirem, que assinaram o contrato convencidos de que não se tratava de um contrato definitivo e que o marido da A. combinou com os RR. que estes lhe telefonariam a comunicar a sua decisão, o que a R. fez passadas duas semanas, telefonicamente, tal como tinha sido combinado, dizendo que não pretendiam os serviços da A., tendo-lhes o marido da A. dito nessa altura que já não poderiam desistir ou teriam de pagar um milhão de escudos -, circunstâncias essas que foram levadas à base instrutória – artºs 12º a 20º - e que mereceram respostas negativas.
Não alegaram, todavia, uma única palavra sobre a onerosidade da indemnização e da sanção clausuladas, sobre se as mesmas eram justas ou injustas, se eram desproporcionadas ao incumprimento, tendo em conta, por exemplo, o volume do negócio, em resumo, sobre o seu desacordo relativamente à quantia exigida, em razão da respectiva desproporção ou excesso.
Consequentemente, entende-se que, perante a absoluta omissão de alegação de factos integrantes do excesso da cláusula, de onde haveria de extrair-se a sua não aceitação pelos RR., não pode ter-se por verificada uma pretensão ou pedido implícito de redução, a atender por via de excepção.
Pelo que se expôs, válida a cláusula, como foi decidido, e não havendo lugar à redução por manifesta excessividade, a decisão impugnada não pode subsistir e a acção tem de proceder na totalidade.

III. DECISÃO.
Pelo exposto, acordam os juízes que constituem esta Secção Cível da Relação do Porto em:
- Julgar procedente a apelação e, consequentemente, condenar os RR. no pagamento à A. do montante de 4.987,98 Euros, acrescidos de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento;
- Condenar os apelados nas custas da apelação.
*
Porto, 17 de Março de 2005
António do Amaral Ferreira
António Domingos Ribeiro Coelho da Rocha
Estevão Vaz Saleiro de Abreu