Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0633075
Nº Convencional: JTRP00039415
Relator: DEOLINDA VARÃO
Descritores: SOCIEDADE
ACÇÃO
Nº do Documento: RP200607130633075
Data do Acordão: 07/13/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: ALTERADA A SENTENÇA.
Indicações Eventuais: LIVRO 679 - FLS 88.
Área Temática: .
Sumário: I - A acção social ut singuli destina-se a efectivar a responsabilidade dos administradores, gerentes ou directores para com a sociedade;
II - A indemnização arbitrada ingressa no património da sociedade;
II - Consequentemente, é o sócio autor que tem de alegar os factos integradores daquela responsabilidade;
IV - O réu (administrador, gerente ou director) pode defender-se invocando as mesmas excepções que poderia invocar contra a sociedade.
V - Tendo em conta aquelas especificidades da acção ut singuli, a intervenção da sociedade tem de fazer-se a título principal e como associada do sócio autor, ao abrigo do disposto nos artºs 320º, nº 1, al. a) e 321º do CPC.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I.
B…….., C………. e D………., invocando a qualidade de sócios da sociedade E………, Ldª, instauraram acção com forma de processo ordinário contra F………. e G……… .

Pediram que os réus sejam solidariamente condenados a pagar à sociedade E………., Ldª indemnização de valor não inferior a € 5.135.919,43, acrescida dos valores que vierem a ser definidos ao longo do processo, nos termos sobreditos e, eventualmente, em execução de sentença.
Pediram ainda o chamamento à acção da sociedade E………., Ldª.
Como fundamento, alegaram factos tendentes a demonstrar a responsabilidade civil dos réus enquanto gerentes da sociedade acima referida.
Os réus contestaram, invocando a ilegitimidade dos autores, a falta de um pressuposto processual, a prescrição e o abuso de direito e a prescrição e impugnando os factos alegados pelos autores.
Deduziram ainda pedido reconvencional, pedindo que os autores sejam condenados a pagar-lhes a indemnização de € 513.591,94.
Como fundamento do pedido reconvencional, alegaram que sofreram prejuízos com a actuação dos autores.
Foi admitida a intervenção da chamada E………., Ldª, a qual foi citada e veio declarar que fazia seu o articulado deduzido pelos réus (sic).
Na réplica, os autores responderam às excepções e à reconvenção.
Foi proferido despacho saneador que julgou inadmissível a reconvenção e julgou verificada a excepção dilatória inominada consistente no não cumprimento da exigência estabelecida na parte final do nº 1 do artº 77º do CSC, absolvendo os réus da instância.
Os réus interpuseram recurso do despacho saneador, na parte em que julgou inadmissível a reconvenção, o qual veio a ser revogado por Acórdão desta Relação, que ordenou a sua substituição por outro que julgasse a reconvenção admissível.
Remetidos os autos à 1ª instância e na sequência de convite do Mº Juiz, os réus apresentaram novo articulado de contestação-reconvenção.
Os autores apresentaram nova réplica, que foi considerada extemporânea, tendo sido ordenado o seu desentranhamento.
No despacho de fls. 1047, decidiu-se que a réplica inicial era processualmente inócua e consideraram-se confessados os factos articulados pelos réus-reconvintes nos termos do artº 484º, nº 2 do CPC.
Inconformados, os autores interpuseram recurso daquele despacho, formulando as seguintes

Conclusões
1ª - Vem o presente recurso interposto do, aliás, mui douto despacho de fls. 1047, que considerando "a réplica inicial (fls. 465 e segs.) nesta fase dos autos, processualmente inócua (...)", declarou "confessados os factos articulados pelos reconvintes (art. 484º, nº 1 do Código de Processo Civil)". Salvo o devido respeito, que é muito, tal decisão é ilegal.
2ª - Ao douto despacho que convidou os réus/Reconvindos a aperfeiçoarem a sua contestação com reconvenção estes responderam apresentando "contestação devidamente aperfeiçoada no que respeita à matéria da reconvenção." Logo no intróito da peça processual os reconvintes "informam que a contestação agora apresentada é a reprodução fiel do que já consta dos autos, com excepção do alegado sob a epígrafe "Reconvenção" (art. 375. o e ss) conforme ordenado no douto despacho de fls" (cfr. fis. 948).
3ª - O escrito apresentado pelos réus/reconvintes a fis. 948 e seguintes é em tudo igual à contestação que haviam apresentado em 17.06.03, com excepção da matéria da reconvenção (e quanto a esta as alterações também não são de grande monta).
4ª - Confrontando a contestação com reconvenção de fis. 948, com a contestação com reconvenção de 17.06.03, verificamos que os artigos 375° a 385° da primeira se encontram reproduzidos nos artigos 375° a 380° e 403° a 408° da segunda.
5ª - Os autores/reconvindos, no artigo 14° da réplica inicialmente apresentada (de 29.09.03), impugnaram os artigos 375° a 384° da contestação com reconvenção apresentada em 17.06.03.
6ª - Pelo exposto, deveria o tribunal "a quo" ter considerado impugnados especificamente os factos vertidos nos artigos 375° a 380° e 403° a 408° da douta contestação com reconvenção de fls. 948 e segs.
7ª - No artº 381° da contestação com reconvenção, de fis. 948 e segs., os reconvintes dão como reproduzida a matéria constante dos artigos 46° a 247° da contestação.
8ª - Como os próprios reconvintes alegam tal matéria não sofreu alteração por relação com a contestação apresentada em 19.06.03.
9ª - Conforme consta dos artigos 2° a 10° da réplica apresentada em 29.09.03, os autores/reconvindos impugnaram os seguintes factos daquela contestação de 19.06.03: 47°; 50° a 57° (parte); 58° a 61°; 63° a 68°; 71.° a 104° (parte), 105º (parte), 106° (parte), 107° (parte), 108° (parte), 109°, 111° (parte), 114°, 115° a 120° e 121° (parte), 122°, 123°, 124° (impugnando o documento 17 junto com a contestação pois se trata de documento feito à posterior, sem qualquer credibilidade), 125° a 131° (parte), 132° (parte), 133° a 162° (em parte), 165° a 169°; 171°; 173° a 175°, 179°, 181° a 184°, 185° (parte), 186° a 191°, 193° a 199º, 200° (parte), 201°, 203° a 214°; 216° a 246°; aplicáveis por força da remissão constante do respectivo artigo 381° da contestação com reconvenção de fis. 948 e segs.
10ª - Por outro lado, a matéria constante dos artigos 382°, 384°, 388°, 389°, 390°, 391°, 399° e 400° da reconvenção de fls. 948 e segs. só aparentemente contém matéria nova, por relação com a contestação com reconvenção apresentada em 19.06.05, sendo que a mesma se deverá considerar especificadamente impugnada, pelos seguintes fundamentos: (1) A matéria constante do artigo 382° da contestação de fls. 948 corresponde à matéria constante dos artigos 237° e 238° da contestação de 19.06.03, que, por sua vez, foi impugnada especificamente no artigo 10° da réplica de 26.09.03, ou está em oposição com o vertido pelos autores na p.i. e na réplica (no seu conjunto). Com efeito, no artigo 382° da contestação de fls. 948 os reconvintes alegam que "desde o ano de 2002 que os AA mais não fazem do que propor acções e requerer providências cautelares, cuja falta de fundamento bem conhecem", sendo que o que consta dos artigos 237°, 238° e 239° da contestação de 19.06.03, foi impugnado pelos reconvindos no artigo 10° da réplica de 26.09.03.
11ª - Por sua vez, a alegação de que os AA conhecem a falta de fundamento das acções que propuseram está em oposição com a petição inicial da presente acção e com a réplica apresentada em 26.09.05, no seu conjunto (cfr. artºs 7°, 8°, 9°, 10°, 11°, 12°, 13° e 18°), pois ao longo destas peças processuais os autores/reconvindos defendem a bondade e veracidade das alegações por si efectuadas em todos os processos judiciais que o autor, sozinho ou conjuntamente com as restantes autoras, instaurou contra os aqui reconvintes ou contra a sociedade E………., Ldª.
12ª - Por sua vez, a matéria constante de parte do artigo 384° da contestação de fls. 948 corresponde a parte da matéria constante do artigo 245° da contestação de 19.06.03, que, por sua vez, foi impugnada especificamente no artigo 10° da réplica de 26.09.03. Com efeito, no artº 384° da contestação de fls. 948 os reconvintes alegam que "os AA conseguiram colocar a sociedade numa situação gravíssima, privada de abastecimento de matéria", sendo que nos artºs 245° da contestação de 19.06.03, os reconvintes já haviam alegado o seguinte:
13ª - Mais se deve considerar impugnada a matéria constante dos artigos 385°, pois a mesma é colocada na sequência da que se vertida no artigo 384°. Ou seja, sendo controvertida que a falta de abastecimento de matéria-prima possa ser imputada aos autores, fica igualmente controvertido serem eles os causadores da colocação da empresa em risco.
14ª - A matéria constante do artigo 388° da contestação de fls. 948 - por seu turno corresponde a parte da matéria constante dos artigos 240° e 241° da contestação de 19.06.03, que, por sua vez, foi impugnada especificamente no artigo 10° da réplica de 26.09.03.
15ª - A matéria constante do artigo 389° a 391° da contestação de fls. 948 corresponde a parte da matéria constante dos artigos 237° a 240° da contestação de 19.06.03, que, por sua vez, foi impugnada especificamente no artigo 10° da réplica de 26.09.03.
16ª - A primeira parte matéria constante do artigo 399° da contestação de fls. 948 corresponde a parte da matéria constante dos artigos 243° da contestação de 19.06.03, que, por sua vez, foi impugnada especificamente no artigo 10° da réplica de 26.09.
17ª - A segunda parte da matéria constante do artigo 399° da contestação de fls. 948 corresponde à matéria constante dos artigos 207° a 213°, e 216º 229° da contestação de 19.06.03, que, por sua vez, foi impugnada especificamente nos artºs 7°, 8°, 9° e 10° da réplica de 26.09.03.
18ª - A matéria constante do artigo 400° da contestação está em oposição com a alegação vertida pelos autores nos artºs 33° a 81° da p.i e ainda nos artigos 7°, 8° e, especialmente, 9°, 10°, 11°, 13° e 14° da réplica de 26.09.03.
19ª - Por tudo o que vai exposto, o Tribunal "a quo" deveria ter considerado impugnados os artigos 375° a 380° e 403° a 408°, bem como a matéria constante dos artigos 381° (e dos artigos da contestação para que este artigo remete), 382°, 384°, 385°, 388°, 389°, 390°, 391°, 399° e 400°, todos da contestação com reconvenção de fis. 948 e seguintes.
20ª - A decisão do Tribunal "a quo", de fls. 1047, que considerou que "a Réplica inicial (de fls. 465 e segs.) é, nesta fase, dos autos processualmente inócua", e que" (...) o que demais consta da Réplica inicial não pode ser considerado como relevante quanto à impugnação do articulado-complemento, quanto aos factos que neste são invocados para fundamentar a reconvenção, é ilegal por violar o disposto artigos 486° a 490°, 502°, 508° e 505° do CPC.
21ª - Salvo o devido respeito não se percebe com em que fundamento se estriba a asserção de que a Réplica inicial (de fls. 465 e segs.) é, nesta fase, dos autos processualmente inócua", e que "(...) o que demais consta da Réplica inicial não pode ser considerado como relevante quanto à impugnação do articulado-complemento, quanto aos factos que neste são invocados para fundamentar a reconvenção".
22ª - Na realidade, no seu novo articulado de reconvenção os Réus pouco alegam de novo em relação à peça inicialmente apresentada. Pelo que tudo o que repetem em relação à peça inicial e que havia sido impugnado pelos autores na réplica inicialmente apresentada deve considerar-se impugnado.
23ª - Por outro lado, "há que conjugar o conteúdo da réplica inicialmente apresentada pelos AA com o conteúdo da p. i., pelo que se devem considerar-se impugnados os factos alegados pelo réu que forem incompatíveis com aqueles que constarem de qualquer desses articulados do autor (artigo 484º, nº 1)" - cfr. Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 2ª Edição, 1997, pág. 295.
23ª - Em bom rigor o Tribunal "a quo" não pode olvidar que existe uma réplica no processo e que a mesma foi apresentada em tempo.
24ª - Não pode o Tribunal "a quo" analisar o processo e fingir que a mesma não existe, ou considerá-la como irrelevante em relação ao articulado complemento.
25ª - Somente os factos essenciais que são verdadeiramente novos em relação à reconvenção inicialmente apresentada é que podem considerar-se assentes, por falta de impugnação.
26ª – Já os factos que contam do articulado-complemento que são repetição (ainda que parcial e com outra redacção) dos que constam da reconvenção inicialmente e que foram impugnados têm-se por controvertidos.
27ª - Repare-se, aliás, que o artigo 505° do CPC dispõe que "a falta de algum dos articulados de que trata a presente secção ou a falta de impugnação, em qualquer deles, dos novos factos alegados pela parte contrária no articulado anterior tem o efeito previsto no artigo 490.°". O que de forma expressa confirma o que atrás se alegou. Só quanto aos factos novos se pode considerar que há aceitação por falta de impugnação especificada.
28ª - É este, pois, o regime que mais se coaduna com os princípios gerais do processo civil e com as específicas regras constantes dos artigos 486° a 490°, 502°, 508° e 505° do CPC, que foram, assim, violadas pela mui douta decisão ora em crise.

Os réus contra-alegaram, pugnando pela improcedência do recurso.
De seguida, foi proferida sentença que julgou a reconvenção improcedente e, em consequência, absolveu os autores do pedido reconvencional.
Inconformados, os réus interpuseram recurso, formulando as seguintes

Conclusões
1ª - Os factos lesivos e os danos em que se fundamenta a reconvenção encontram-se em factos confessados pelos recorridos, alegados pelos recorrentes nos artºs 382º a 403º da reconvenção.
2ª – Os recorridos propuseram acções cuja falta de fundamento conheciam e acusaram falsamente os recorrentes de desvio de dinheiro e de bens da empresa.
3ª – Esses factos são ilícitos e implicam responsabilidade para os recorridos pelos danos causados aos recorrentes.
4ª – Os recorrentes incorreram em despesas com as acções judiciais que os recorridos infundadamente propuseram, as quais devem ser liquidadas em execução de sentença.
5ª – A ofensa ao bom nome e reputação, as angústias, inquietações, receios, incómodos, indignação e perturbação que os recorridos infligiram aos recorrentes, com as acções infundadas que propuseram e com as acusações falsas que proferiram, integram graves danos não patrimoniais.
7ª – Um décimo da indemnização infundadamente pretendida pelos recorridos é um bom critério de equidade para o cálculo da indemnização por danos não patrimoniais.
8ª – A sociedade E………., Ldª também é reconvinte.
9ª – A sentença recorrida violou os artºs 484º, 564º, nº 2, 569º e 496º do CC e os artºs 661º, nº 2 e 321º do CPC.

Não foram apresentadas contra-alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II.
A matéria de facto dada como provada pelo tribunal recorrido não foi impugnada, pelo que se tem como assente.
É a seguinte:

Por decisão judicial proferida no âmbito de procedimento cautelar proposto por B………. foi declarada a suspensão da gerência exercida por G………. e F………. e a nomeação provisória, como gestor judicial, de H………., cfr. inscrições sob os nºs 21 e 22 da matrícula nº11 da Conservatória do Registo Comercial de Paredes (doc. de fls. 485-491).
G………. cessou funções de gerente da sociedade E………., Lda com efeitos a partir de 10.9.02 por renúncia inscrita no registo sob o nº 12 em 03.09.02 (doc. de fls. 485-491).
F………. cessou funções de gerente da sociedade E………., Lda com efeitos a partir de 10.09.02 por renúncia inscrita no registo sob o nº 1 em 03.09.02 (doc. de fls. 485-491).
Em 12.07.02, o gestor judicial apresentou requerimento no aludido procedimento cautelar dando conhecimento de que a empresa não se encontra a laborar na unidade de produção de I………. por não ter matéria-prima e por não ter responsável na produção que assegurasse o seu tratamento, estando em risco a manutenção da actividade da empresa e a assunção dos compromissos com os trabalhadores (doc. fls. 436-437).
Nesse requerimento pede a nomeação como gerentes de J………. e L………. até 12.07.02 considerando-se exonerado das suas funções no caso de não haver, a partir daquela data, qualquer decisão sobre a gerência.
Em 03.07.02, o gestor judicial declarou, por comunicação escrita, suspender a actividade da empresa desde o dia 04.07.02 até ao dia 11.07.02, inclusive, assegurando o pagamento dos salários durante o período de suspensão até à nomeação de nova gerência por parte dos sócios (doc. de fls. 438).
B………. propôs procedimento cautelar pedindo a suspensão da deliberação social que designou G1………. [E não G………., como se escreveu na sentença recorrida, por lapso, atento o que consta do registo (certidão de fls. 485-491)] para a gerência social, acção que foi inscrita no registo em 20.09.02 sob o nº 23 (doc. de fls. 485-491).
B………., C………. e D………. propuseram procedimento cautelar pedindo a suspensão da deliberação social que decretou a amortização das quotas dos autores, acção que foi inscrita no registo em 21.03.03 sob o nº 26 (doc. de fls. 485-491).
A respectiva acção definitiva foi inscrita no registo em 03.06.03 sob o nº 27 (doc. de fls. 485-491).
Devido às acções judiciais propostas, aos dispêndios de dinheiro inerentes e à situação financeira difícil da empresa, os reconvintes sentem-se perturbados e revoltados, o que lhes afecta a sua capacidade para o trabalho (artºs 402º e 403º da reconvenção).
Os reconvintes vivem inquietos sob o espectro das investidas que a imaginação dos autores lhes proporcione (artº 401º da reconvenção).
*
III.
O recurso é balizado pelas conclusões das alegações, estando vedado ao tribunal apreciar e conhecer de matérias que naquelas não se encontrem incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso (artºs 684º, nº 3 e 690º, nºs 1 e 3 do CPC), acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido.

As questões a decidir nos presentes recursos são as seguintes:
A) No agravo
- Se os factos alegados pelos réus na contestação de fls. 948 e seguintes para fundamentar o pedido reconvencional estão impugnados pelos autores na réplica de fls. 465 e seguintes.
B) Na apelação
1 – Se a interveniente E………., Ldª é parte legítima enquanto associada dos réus.
2 - Se, face aos factos alegados pelos réus na contestação de fls. 948 e seguintes para fundamentar o pedido reconvencional, está preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil por facto ilícito.

Nos termos do artº 710º, nº 1 do CPC, o agravo interposto pelos autores-apelados só será apreciado se a sentença não for confirmada, pelo que iremos conhecer em primeiro lugar do recurso de apelação.

A) Apelação
1 – Legitimidade da interveniente E………., Ldª enquanto associada dos réus
Os autores, na qualidade de sócios detentores de 5% do capital da sociedade E………., Ldª, instauraram a presente acção com vista a efectivar a responsabilidade social dos réus enquanto gerentes da mesma sociedade, reclamando o pagamento de uma indemnização a favor da sociedade, ao abrigo do disposto no artº 77º, nº 1 do CSC.
Logo na petição inicial, pediram os autores o chamamento da sociedade por intermédio dos seus representantes, nos termos do nº 4 do normativo citado.
A fls. 460, foi proferido o seguinte despacho:
“Admite-se o chamamento da sociedade E………., Ldª (artº 77º, nº 4 do Código das Sociedades Comerciais e artºs 325º e 326º do Código de Processo Civil).
Cite a chamada (artº 327º do Código de Processo Civil e artº 77º, nº 4 do Código das Sociedades Comerciais)”.
Em cumprimento daquele despacho, foi citada a referida sociedade para “…no prazo de 30 dias, contestar, querendo, a acção acima identificada…” (cfr. fls. 463).
Na sequência daquela citação, a sociedade veio dizer que fazia seu o articulado deduzido pelos réus (cfr. fls. 507).

Sobre os gerentes recaem deveres legais e contratuais tendo como fonte seja o contrato social, sejam deliberações da assembleia geral e de outros órgãos sociais – deveres que existem para com a sociedade, sócios e terceiros (credores, trabalhadores, fisco, etc.).
No exercício das suas funções os gerentes devem actuar com a diligência de um gestor criterioso e ordenado (artº 64º do CSC).
Respondem para com a sociedade pelos danos a esta causados por actos e omissões praticados com preterição dos deveres legais e estatutários, salvo se provarem que procederam sem culpa (artº 72º nº 1 do CSC).
Para efectivar essa responsabilidade, existem vários tipos de acções sociais [A. Pereira de Almeida, “Sociedades Comerciais”, 3ª ed., págs. 169 e segs]:
- acção social ut universi: proposta pela própria sociedade, sendo o procedimento natural para obter o ressarcimento dos danos causados à sociedade, verificados os pressupostos da responsabilidade civil dos administradores (artº 75º do CSC)
- acção social ut singuli: acção subsidiária em que os sócios (que representem 5% do capital social) pedem a condenação dos administradores na indemnização pelos prejuízos causados à sociedade e não directamente a eles próprios (artº 77º do CSC)
- acção subrogatória dos credores sociais: acção em que os credores se substituem à sociedade para exigirem dos administradores a indemnização que compete à sociedade (artº 78º nº 2 do CSC).

A lei concede aos sócios que reúnam as condições referidas no nº 1 do artº 77º legitimidade para instaurarem a acção ut singul, não só no interesse da sociedade, como no seu próprio interesse, na medida em que este ficaria indirectamente lesado por a sociedade não intentar a acção social ut universi.
A indemnização que por este meio seja obtida ingressará no património da sociedade, pois, como expressamente refere o artº 77º, nº 1, a acção tem em vista a “reparação, a favor da sociedade, do prejuízo que esta tenha sofrido” [Coutinho de Abreu e Elizabete Ramos, “Responsabilidade Civil de Administradores e de Sócios Controladores”, pág. 17].
O facto de a indemnização dever ser entregue à sociedade justifica-se apenas como modo de garantir por igual o interesse de todos os accionistas e de evitar uma multiplicação de acções ut singuli e a utilização destas como meio de antecipar a entrega de valores patrimoniais a que os accionistas só têm direito como quota de liquidação [Raul Ventura e Brito Correia, “Responsabilidade Civil dos Administradores de Sociedades Anónimas e dos Gerentes de Sociedades por Quotas”, BMJ 195º-50].
Na acção ut singuli, os sócios não actuam como representantes legais da sociedade: os sócios exercem em nome próprio um direito de outrem (da sociedade) para garantir o conteúdo do seu direito de participação social. Por isso, a lei exige a presença da sociedade na acção, através dos seus representantes legais, para que esta possa ser ouvida.
Como explicam Raul Ventura e Brito Correia [Estudo citado, pág. 56], para a acção social ut singuli poder ser considerada procedente é necessário que o autor alegue e prove que o administrador é responsável para com a sociedade, mas a acção deve basear-se em qualquer dos factos constitutivos dessa responsabilidade: acto ou omissão, acto próprio ou acto de outrem, doloso ou negligente, ilegal ou estatutário, etc.
O administrador pode opôr ao accionista as mesmas excepções que poderia invocar contra a sociedade, inclusivamente o cumprimento de uma deliberação da assembleia geral e os factos extintivos da responsabilidade (renúncia, transacção, aprovação da gestão).

O artº 77º, nº 4 do CSC diz apenas que a sociedade deve ser “chamada à causa por intermédio dos seus representantes”. Não explica por que forma deve ser feito esse chamamento.
Do que acima expusemos resulta que:
- A acção ut singuli destina-se a efectivar a responsabilidade dos administradores, gerentes ou directores para com a sociedade;
- A indemnização arbitrada ingressa no património da sociedade;
- Consequentemente, é o sócio autor que tem de alegar os factos integradores daquela responsabilidade; e
- O réu (administrador, gerente ou director) pode defender-se invocando as mesmas excepções que poderia invocar contra a sociedade.
Tendo em conta aquelas especificidades da acção ut singuli, a intervenção da sociedade tem de fazer-se a título principal e como associada do sócio autor, ao abrigo do disposto nos artºs 320º, nº 1, al. a) e 321º do CPC.
A sociedade tem na causa um interesse principal, paralelo ao do sócio autor, pois que a acção se destina a efectivar a responsabilidade dos administradores, gerentes ou directores para com a sociedade e é no património desta que vai ingressar a indemnização pedida. Por isso, a sociedade tem de estar ao lado do autor para, fazendo seus os articulados destes ou apresentando articulados próprios (artº 321º do CPC), alegar os factos integradores da responsabilidade do réu e responder às excepções por este eventualmente deduzidas.
A intervenção da sociedade pode ser provocada pelo autor, nos termos do artº 325º, nº 1 do CPC, sendo neste caso a sociedade chamada por meio de citação (artº 327º, nºs 1 e 2 do mesmo Diploma), assistindo-lhe o direito de, em prazo igual ao da contestação, oferecer articulado próprio ou declarar que faz seus os articulados do autor (nº 3 do mesmo artº 327º).

No caso dos autos, os autores pediram o chamamento da sociedade E………., Ldª, ao abrigo do disposto no artº 77º, nº 4 do CSC e a intervenção da sociedade foi bem admitida como intervenção principal, ordenando-se a sua citação nos termos do artº 327º do CPC.
No entanto, aquele despacho do Mº Juiz não foi bem cumprido, tendo a sociedade sido citada como ré, para contestar a acção, e não nos termos do artº 327º, nº 3 do CPC, como tinha sido ordenado.
Tendo sido citada daquela forma, veio a sociedade dizer que fazia sua a contestação dos réus e passou a intervir nos presentes autos como ré-reconvinte, formulando um pedido de indemnização contra os autores.
Antes de mais, estamos perante uma nulidade da citação (artº 198º, nº 1 do CPC), que, não tendo sido arguida pelos interessados dentro do prazo indicado para a contestação, se mostra sanada (artºs 198º, nº 2, 1ª parte, 202º, 2ª parte e 203º, nº 1, todos do CPC). De qualquer forma, a questão da nulidade sempre estaria ultrapassada porque os réus foram absolvidos da instância do pedido principal por falta de um pressuposto processual.
O que releva no caso é que, como resulta de tudo o que acima se disse, a sociedade E………., Ldª tem interesse directo em demandar e não em contradizer, porque a procedência da acção lhe seria útil, na medida em que se traduziria no recebimento de uma indemnização que iria ingressar no património social (cfr. artº 26º, nº 1 do CPC).
A sociedade é assim sujeito da relação material controvertida nos presentes autos do lado activo; portanto, é parte legítima como interveniente associada aos autores (nºs 2 e 3 do citado artº 26º).
E, consequentemente, é parte ilegítima como ré-reconvinte.
A ilegitimidade de qualquer das partes é uma excepção dilatória de conhecimento oficioso, pelo que, como tal pode ser conhecida por este Tribunal no âmbito do recurso, e que impõe a absolvição da instância (artºs 493º, nºs 1 e 2, 494º, al. e) e 495º, todos do CPC).
No caso, a absolvição da instância da sociedade enquanto ré está prejudicada pela absolvição da instância dos réus do pedido principal, pelo que a procedência da excepção de ilegitimidade tem apenas como consequência a absolvição dos autores da instância reconvencional do pedido formulado por aquela sociedade.

2 – Pressupostos da responsabilidade civil por facto ilícito
Como os próprios réus admitem nas conclusões de recurso, o pedido reconvencional funda-se nos factos alegados nos artºs 382º e seguintes da contestação de fls. 948 e seguintes.
Conforme se depreende daquela factualidade, os réus pretendem ser ressarcidos dos danos decorrentes da instauração de acção judiciais pelos autores e das imputações que nos articulados dessas acções os autores lhes fazem.
Face à ilegitimidade da sociedade E………., enquanto ré-reconvinte, estão em causa apenas os danos sofridos pelos réus F………. e G1………. .

O artº 1º do CPC proíbe a autodefesa. Em consequência, o artº 2º garante o acesso aos tribunais, num duplo sentido: atribui o direito de obter, em prazo razoável, uma decisão judicial que aprecie, com força de caso julgado, a pretensão regularmente deduzida em juízo; faz corresponder a todo o direito substantivo um direito de acção – salvo quando a lei diga o contrário.
Aquelas regras emanam do artº 2º da CRP, que garante o acesso ao direito e tutela judicial efectiva.
O direito de acção judicial surge, estruturalmente, como um direito potestativo, isto é: um direito de, mediante uma actuação do próprio titular, desencadear efeitos de Direito.
O reverso do direito de acção é a sujeição à acção, que recai sobre os diversos sujeitos de direito. A sujeição à acção é o preço a pagar pelo direito de acção, pelo que é impossível restringir uma sem coarctar o outro.
No entanto, uma acção judicial pode ser instaurada sem quaisquer fundamentos ou com alegações falsas, apenas para causar danos.
Há muito que deixou de se entender que o direito de acção funciona como uma causa de exclusão da ilicitude, o seja, que uma determinada actuação danosa não é responsabilizante se traduzir, meramente, o exercício do direito de acção.
Como refere Menezes Cordeiro, na obra que temos vindo a seguir até aqui [“Litigância de Má Fé, Abuso do Direito de Acção e Culpa “In Agendo”, pág. 13], uma ordem jurídica moderna estará, por certo, apetrechada para oferecer, aos interessados, vias de defesa e de compensação, nas hipóteses de indevido e danoso exercício do direito de acção judicial.
Na ordem jurídica portuguesa, oferecem-se fundamentalmente três remédios:
- a litigância de má fé;
- o abuso do direito de acção;
- a responsabilidade pela acção ou culpa in agendo.
A litigância de má fé surge como um instituto processual, de tipo público e que visa o imediato policiamento do processo. Não se trata de uma manifestação de responsabilidade civil, que pretenda suprimir danos, ilícita e culposamente causados a outrem, através de actuações processuais. Antes corresponde a um subsistema sancionatório próprio, de âmbito limitado e com objectivos muito práticos e restritos.
No essencial: não relevam todas e quaisquer violações de normas jurídicas, mas apenas as actuações tipificadas nas diversas alíneas do artº 456º, nº 2 do CPC; não é requerido dano: a conduta é punida em si, independentemente do resultado; exige-se dolo ou grave negligência, e não culpa lato sensu, em moldes civis; as consequências são apenas multa e, nalguns casos, indemnização calculada em moldes especiais (artºs 456º, nº 1 e 457º do CPC).
Além disso - contrariando as regras gerais da responsabilidade civil e do próprio Direito civil, em geral - funciona oficiosamente (citado artº 456º, nº 1) e quebra os nexos de organicidade, segundo o qual a pessoa colectiva é responsável pelos actos dos seus representantes (artºs 165º do CC e 6º, nº 5 do CSC), punindo o representante da pessoa colectiva – artº 458º do CPC.
A natureza dogmaticamente primitiva e muito delimitada e estrita da litigância de má fé explica que ela deva ser complementada pelos outros institutos acima mencionados [Menezes Cordeiro, obra citada, págs. 28 e 34].

A nossa lei civil salvaguarda o exercício abusivo de um direito licitamente reconhecido ao seu titular.
Dispõe o artº 334º do CC que “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.”
Consagrou-se naquele normativo uma concepção objectiva do abuso do direito. Não é necessária a consciência de se excederem, com o exercício do direito, os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico; basta que se excedam esses limites.
A pedra de toque da figura do abuso do direito reside no uso ou utilização dos poderes que o direito concede para a prossecução de um interesse que exorbita do fim próprio do direito ou do contexto em que ele deverá ser exercido [Pires de Lima/Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, vol. I, 3ª ed., págs. 296 e 297].
Como refere Almeida Costa [“Direito das Obrigações”, 6ª ed., pág. 64], as normas jurídicas, enquanto gerais e abstractas, atendem ao comum dos casos. Consequentemente, pode acontecer que um preceito legal, certo e justo perante situações normais, venha a revelar-se injusto na sua aplicação a uma hipótese concreta, por virtude das particularidades ou circunstâncias especiais que nela concorram.
Ora, o princípio do abuso do direito constitui um dos expedientes técnicos ditados pela consciência jurídica para obtemperar, em algumas dessas situações particularmente clamorosas, aos efeitos da rígida estrutura das normas legais. Ocorrerá abuso de direito quando um determinado direito, em si mesmo válido, seja exercido de modo que ofenda o sentimento de justiça dominante da comunidade social.
Se para determinar os limites impostos pela boa e pelos bons costumes, há que atender de modo especial às concepções ético-jurídicas dominantes na colectividade, já a consideração do fim económico e social do direito apela de preferência para os juízos de valor positivamente consagrados na própria lei.
Em qualquer dos casos, não se podem excluir os factores subjectivos nem afastar-se a intenção com que o titular tenha agido (apesar da concepção objectiva consagrada no artº 334º). A consideração daqueles factores pode interessar, quer para determinar se houve ofensa da boa fé ou dos bons costumes, quer para decidir se se exorbitou do fim social ou económico do direito [Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, vol. I, 2ª ed., págs. 423 e 424].
Menezes Cordeiro [“Da Boa-Fé no Direito Civil”, págs. 717 e 718] sustenta que o artº 334º é a codificação de decénios de doutrina germânica e o abuso do direito, na versão germânica, induz-se de uma série de regulações típicas de comportamentos abusivos, as quais, por serem típicas, não permitem uma classificação, uma vez que ora se sobrepõem parcialmente – um mesmo acto pode ser objecto de várias regulações – ora deixam por cobrir espaços abusivos possíveis.
O mesmo autor, na obra citada, trata várias daquelas regulações típicas, concluindo pela sua existência e possibilidades no nosso sistema jurídico. São elas: a) exceptio doli; b) venire contra factum proprium; c) inalegabilidade de nulidades formais; d) supressio e surrectio; e) tu quoque; g) desiquilíbrio no exercício jurídico.
O abuso de direito é claramente aplicável ao direito de acção judicial, ou mais latamente, ao exercício de quaisquer posições no processo, em algumas das manifestações acima referidas, com especial incidência no venire contra factum próprio e na supressio [Menezes Cordeiro, “Litigância…”, págs. 85 a 87; no mesmo sentido, Pedro de Albuquerque, “Responsabilidade Processual por Litigância de Má Fé, Abuso de Direito e Responsabilidade Civil em Virtude de Actos Praticados no Processo”].
Embora possam ter áreas coincidentes, a litigância de má fé e o abuso do direito de acção distinguem-se, quer em termos processuais, quer em termos materiais.
Em termos processuais porque a litigância de má fé é apreciada imediatamente, na própria acção, e pode sê-lo oficiosamente, enquanto o abuso de direito pode ser apreciado numa acção ad hoc.
Em termos materiais, o abuso não está sujeito à restrições da litigância de má fé. Designadamente: vale qualquer violação de boa fé dolosa ou negligente; exigem-se danos; qualquer pessoa é responsabilizável (mesmo as colectivas); todos os danos são considerados [Menezes Cordeiro, “Litigância…”, pág. 93].
A responsabilidade civil pode ocorrer no âmbito da litigância de má fé ou a responsabilização do agente pode ser o epílogo normal daquele que abuse do direito de acção.
Porém, independentemente da verificação de qualquer uma daquelas figuras, o exercício do direito de acção pode envolver responsabilidade civil nos termos gerais, no âmbito da denominada culpa in agendo.
Qualquer direito subjectivo pode ser exercido de forma ilícita, por implicar a violação directa, necessária, eventual ou negligente de outras normas.
Segundo Menezes Cordeiro [“Litigância…”, pág. 138], o exercício do direito de acção pode implicar: a) uma violação contratual; b) a violação de direitos subjectivos; c) a violação de normas de protecção.
O primeiro caso sucede quando a violação do direito de acção traduza a inobservância de um pactum de non petendi ou de uma convenção arbitral. A culpa in agendo resultará, então, do incumprimento de um contrato, pelo que regerá aqui a responsabilidade contratual (artºs 798º e seguintes do CC).
A violação de direitos subjectivos cai sob o artº 483º, nº 1 do CC. Pode ocorrer, por exemplo, a violação: do direito ao bom nome e reputação (uma acção caluniosa); do direito ao património e à iniciativa económica (um pedido de insolvência sem que se verifiquem os pressupostos legais, mas que conduza à total paragem da entidade requerida; do direito de propriedade (qualquer invocação que o contradiga, impedindo o seu pleno desfrute).
Também a violação de normas de protecção cai na alçada do citado artº 483º, nº 1.
Nas duas últimas hipóteses acima referidas, enquadráveis na responsabilidade aquiliana, não há presunção de culpa, cabendo ao interessado alegar e provar todos os factos constitutivos da responsabilidade (cfr. artº 487º, nº 1 do CC).
A responsabilidade pela acção efectiva-se, em regra, através de uma acção própria. Até por razões processuais, não é viável enxertar, numa acção em curso, uma nova matéria: ela poderá implicar sujeitos diferentes e distintos pedidos e causas de pedir [Menezes Cordeiro, “Litigância…”, pág. 139].
A nossa lei processual contém previsões específicas da responsabilidade pela conduta processual, remetendo, umas vezes, para a litigância de má fé, outras para tipos particulares de responsabilidade, e outras para a responsabilidade em geral.
De entre aquelas várias previsões, merece destaque a do artº 390º, nº 1 do CPC, por constituir uma concretização e reafirmação ao processo das regras gerais da responsabilidade civil contidas nos artºs 483º e 798º do CC, ou seja, por configurar verdadeiramente uma situação de culpa in agendo [Pedro de Albuquerque, obra citada, pág. 137].
Nos termos daquele normativo, quando o procedimento cautelar comum for considerado injustificado ou vier a caducar por facto imputável ao requerente, responde este pelos danos culposamente causados ao requerido, quando não tenha agido com a prudência normal.
Segundo Menezes Cordeiro [“Litigância…”, pág. 145] as hipóteses de concretização da culpa in agendo centram-se nos casos em que a actuação processual ilícita sancionada tenha efeitos que transcendam os autos em que o problema se ponha, destacando-se a culpa por danos patrimoniais prolongados (de que é exemplo a previsão do citado artº 390º, nº 1), por danos morais e por actuações processuais complexas.
Finalmente, a culpa in agendo pressupõe que a acção em que foram praticados os actos danosos se mostre decidida por decisão transitada em julgado.
E aqui há que destrinçar entre a improcedência por falta de requisitos para a própria acção, a improcedência por razões de processo ou fundo e a procedência com consequências ilícitas.
Nas duas primeiras situações, conclui-se que o direito prefigurado pelo direito de acção não existia, o que não significa que o autor não tivesse direito à discussão judicial. Na terceira, há a considerar o direito de acção e o próprio direito de fundo, que fez vencimento.
Em todos aqueles casos, há que conjugar os direitos do autor com o direito de fundo da outra parte, à luz das regras sobre colisão de direitos (artº 335º do CC), sendo quem no caso da procedência da acção, a margem é muito mais curta porque o direito de acção do autor se mostra mais justificado [Menezes Cordeiro, “Litigância…”, pág. 144].

No caso em apreço, deu-se como assente a seguinte factualidade:
Por decisão judicial, proferida no âmbito de procedimento cautelar proposto pelo ora autor B………. foi declarada a suspensão da gerência exercida pelos ora réus e a nomeação provisória, como gestor judicial, de H……… .
Aquela decisão foi inscrita no registo em 06.08.02.
Os ora réus cessaram funções de gerentes da sociedade E………., Lda, com efeitos a partir de 10.09.02, por renúncia inscrita no registo sob o nº 1 em 03.09.02.
Em 12.07.02, o gestor judicial apresentou requerimento no aludido procedimento cautelar dando conhecimento de que a empresa não se encontra a laborar na unidade de produção de I………. por não ter matéria-prima e por não ter responsável na produção que assegurasse o seu tratamento, estando em risco a manutenção da actividade da empresa e a assunção dos compromissos com os trabalhadores.
Nesse requerimento pede a nomeação como gerentes de J………. e L………. até 12.07.02 considerando-se exonerado das suas funções no caso de não haver, a partir daquela data, qualquer decisão sobre a gerência.
Em 03.07.02, o gestor judicial declarou, por comunicação escrita, suspender a actividade da empresa desde o dia 04.07.02 até ao dia 11.07.02, inclusive, assegurando o pagamento dos salários durante o período de suspensão até à nomeação de nova gerência por parte dos sócios.
O ora autor B………. propôs procedimento cautelar pedindo a suspensão da deliberação social que designou o ora réu G1………., que foi inscrita no registo em 20.09.02.
Os ora autores propuseram procedimento cautelar pedindo a suspensão da deliberação social que decretou a amortização das quotas dos autores, acção que foi inscrita no registo em 21.03.03.
A respectiva acção definitiva foi inscrita no registo em 03.06.03.
Para além dos três procedimentos cautelares e da acção acima mencionados, está também em causa a instauração da presente acção.

Como se depreende da factualidade acima descrita, está provado que os autores instauraram três procedimentos cautelares e duas acções e está provado apenas o resultado de dois daqueles processos: o procedimento cautelar de suspensão da gerência dos réus e a presente acção.
Quanto aos procedimentos cautelares e à acção cuja decisão final se desconhece e que os autores nem sequer alegam qual seja, está desde logo afastada a possibilidade de sindicar a actuação dos autores, por forma a enquadrá-la num dos institutos que acima mencionámos, que seriam o abuso de direito de acção ou a culpa in agendo (uma vez que a litigância de má fé teria de ser apreciada no próprio processo).
No que respeita às acções que já têm resultado final:
O procedimento cautelar foi julgado procedente, tendo os réus sido suspensos da gerência.
O que os réus alegam nos artºs 384º e seguintes da contestação é consequência (na sua própria alegação – cfr. artº 384º) do decretamento daquele procedimento cautelar.
Estamos, portanto, perante uma situação que não cabe na previsão do artº 390º, nº 1 do CPC, que apenas contempla o ressarcimento de danos causados em consequência de o procedimento cautelar vir a ser considerado injustificado, quer por via da procedência da oposição, quer por via da revogação da decisão em sede de recurso [Ac. do STJ de 26.09.02, Rev. Nº 1938/02, 2ª, Sumários, 10/2002].
Como acima dissemos, o artº 390º, nº 1 é, no entanto, apenas uma das concretizações da culpa in agendo, que não impede a aplicação dos princípios gerais acima expostos.
Mesmo no caso de procedência do procedimento cautelar, poderia igualmente haver responsabilidade dos autores por danos eventualmente causados aos réus, impondo-se, no entanto aqui, uma ponderação mais rigorosa dos direitos em jogo, já que a procedência do procedimento pressupõe a existência do direito que os autores ali configuraram, ainda que de uma forma provisória até à decisão final da acção principal.
No entanto, a responsabilidade pelo exercício do direito de acção não resulta da simples instauração da acção. É necessário que essa acção tenha sido instaurada de forma ilícita, dolosa ou negligente e com violação contratual, de direitos subjectivos ou de normas de protecção.
Os réus fundam o seu pedido de indemnização na responsabilidade civil por facto ilícito, prevista no artº 483º, nº 1 do CC, invocando a violação subjectivos, no caso, de direitos de personalidade, como o seu direito ao bom nome.
Para efectivar aquela responsabilidade dos autores, não basta que os réus invoquem a instauração do procedimento cautelar. Cabia-lhes alegar os pressupostos daquele tipo de responsabilidade: a) o facto; b) a ilicitude; c) a culpa; d) o dano; d) o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Ora, nos artºs 384º e seguintes da sua contestação, os réus limitam-se a dizer que o decretamento do procedimento cautelar colocou a sociedade E………., Ldª numa “situação gravíssima”, descrevendo, seguidamente, os danos que tal situação lhes acarretou.
A contestação não contém factos dos quais se possa concluir pela ilicitude da conduta dos autores ao instaurarem o procedimento cautelar: nomeadamente, não basta que os réus venham dizer que “viram o seu nome associado a falsas acusações de desvios de dinheiro e bens da empresa”: seria necessário que alegassem factos dos quais se pudesse inferir a falsidade daquelas acusações.
Todas as considerações que acima tecemos são válidas para a responsabilidade derivada da instauração da presente acção.
Embora a mesma tenha soçobrado por falta de um pressuposto processual (a falta de propositura da acção ut universi prevista no artº 75º do CSC), também poderia haver lugar a responsabilidade dos autores com fundamento na culpa in agendo, desde que se mostrassem alegados e provados os pressupostos daquele tipo de responsabilidade.
Ora, os réus invocam genericamente a instauração de acções como causa dos danos que descrevem, mas não concretizam essa actuação em factos que nos permitam concluir pela ilicitude e pela culpa dos autores.

A ilicitude e a culpa, como pressupostos da responsabilidade civil, são essenciais para a responsabilização dos autores pelos danos eventualmente causados aos réus no exercício do seu direito de acção.
Verifica-se assim que, apesar do convite que foi endereçado aos réus para aperfeiçoarem a contestação/reconvenção, esta continua a não conter factos suficientes para a sua procedência.

Face ao exposto, resta confirmar a sentença recorrida.

B) Agravo
Tendo a sentença sido confirmada, não há que apreciar o agravo interposto pelos autores (artº 710º, nº 1 do CPC).
*
IV.
Pelo exposto, acorda-se em:
A) Julgar a ré-reconvinte E………., Ldª parte ilegítima, e, em consequência:
- Absolvem-se os autores da instância do pedido reconvencional formulado por aquela ré.
B) Julgar improcedente a apelação e, em consequência:
- Confirma-se a sentença recorrida.
C) Não conhecer do agravo, ao abrigo do disposto no artº 710º, nº 1 do CPC.
Custas da apelação pelos apelantes.
***

Porto, 13 de Julho de 2007
Deolinda Maria Fazendas Borges Varão
Ana Paula Fonseca Lobo
António Domingos Ribeiro Coelho da Rocha