Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0250516
Nº Convencional: JTRP00034597
Relator: CUNHA BARBOSA
Descritores: INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE
CAUSA DE PEDIR
EXAME SANGUÍNEO
FORÇA PROBATÓRIA
Nº do Documento: RP200207010250516
Data do Acordão: 07/01/2002
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: 2 J CIV VIANA CASTELO
Processo no Tribunal Recorrido: 330/99
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO.
Área Temática: DIR CIV - DIR FAM.
Legislação Nacional: CCIV66 ART1871 N1 E ART1801 ART389.
Sumário: I - A jurisprudência fixada no assento do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Junho de 1983, não é aplicável quando ocorra prova directa do vínculo biológico da paternidade.
II - A ausência de prova de exclusividade de relações sexuais entre a mãe do menor e o investigado, no período de concepção, não obsta à procedência da acção de investigação de paternidade sempre que haja prova directa do vínculo biológico de paternidade.
III - Os exames hematológicos constituem meio de prova privilegiado, na investigação de paternidade, apesar de a sua força probatória ser fixada pelo tribunal.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam neste Tribunal da Relação do Porto:

1. Relatório:
No Tribunal Judicial de Viana do Castelo (2º Juízo Cível), sob o nº .../99, o Ministério Público instaurou acção, com processo ordinário, de investigação oficiosa de paternidade contra David..., pedindo que fosse declarado que o menor Álvaro... era também filho deste.
Fundamenta o seu pedido em que:
- No dia 30 de Julho de 1997, na freguesia da..., no concelho de Viana do Castelo, nasceu Álvaro...;
- Cujo nascimento foi registado em 13 de Agosto de 1997 na Conservatória do Registo Civil de Viana do Castelo, constando somente no assento do nascimento a indicação da maternidade atribuída a Berta...;
- Álvaro... é também filho do réu David... e por este perfilhável;
- O réu David... e a mãe do Álvaro... conheceram-se em inícios de 1996, tendo começado a sair juntos, passeando de carro, a partir de Outubro desse mesmo ano;
- No seguimento desse relacionamento amigável, a mãe do Álvaro... teve com o réu, David..., por várias vezes (pelo menos três) relações sexuais de cópula completa;
- Como consequência dessas relações sexuais havidas com o réu David..., Berta... engravidou, gravidez de que veio a nascer o Álvaro...;
- Durante o relacionamento amigável referido, nomeadamente nos primeiros cento e vinte dias dos trezentos que precederam o nascimento do menor Álvaro..., ou seja entre os dias 3 de Outubro de 1996 e 31 de Janeiro de 1997, a Berta... unicamente com o réu David... teve relações de sexo;
- Realizados os exames hematológicos no IML do Porto, concluiu-se que o Réu David... tem 99,9999998% de probabilidade de ser o pai do menor Álvaro..., o que equivale a «paternidade praticamente provada».
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Na sua contestação, o réu defende-se por impugnação, negando os factos que na petição lhe são imputados, designadamente que com a mãe do menor Álvaro... tenha mantido relações sexuais.
Conclui pela improcedência da acção.
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Foi proferido despacho saneador e seleccionada a matéria de facto assente e, bem assim, a controvertida com pertinência a qualquer das soluções plausíveis da acção, sem que houvesse qualquer reclamação.
Procedeu-se a julgamento e foi proferida a seguinte decisão
“... julga-se a acção procedente e, em consequência, declara-se que o menor Álvaro..., cujo assento de nascimento consta de fls. 9, é filho do réu David..., ao qual respeita o assento de nascimento de fls. 11....”.
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O R., não se conformando com a sentença proferida, dela interpôs recurso e, tendo alegado, formulou as seguintes conclusões:
1ª- Perderam interesse os agravos oportunamente interpostos, por inutilidade, não tendo o réu dado causa a tal inutilidade, não devendo ser condenado nas custas respectivas;
2ª- Em atenção à prova produzida, toda constante dos autos - e designadamente aos docs. de fls. 42 a 44, 72 a 77, 106 a 110, 190 e 202 a 204, resp. ao quesito 6º, al. A) da matéria assente e depoimentos das testemunhas José..., José Filipe..., Luciano..., António... e Francisco... -, impõe-se responder aos quesitos 2º, 3º, 4º, 5º, 7º, 8º, 10º, 12º e 13º como segue:
a) Aos quesitos 2º e 3º, quando muito e sem conceder:
- O réu e a mãe do menor mantiveram relações sexuais de cópula, por duas ou três vezes, entre 29 de Outubro e 4 de Novembro de 1996.
b) Aos quesitos 4º e 5º: não provado.
c) Aos quesitos 7º e 8º:
- O réu esteve ausente em Lisboa cerca de 10 a 15 dias seguidos, imediatamente antes de partir para Macau; e
- Pelo menos entre 31.10.1996 e 12.11.1996, ambos inclusive, o réu esteve ausente em Macau.
d) Aos quesitos 10º, 12º e 13º: Provado.
3ª- Deve, pois, a resposta aos quesitos indicados ser alterada nos termos expostos, ao abrigo do disposto no artº 712º, 1 a) CPC.
4ª- Não se tendo feito prova da manutenção de relações sexuais entre o réu e a mãe do menor, no período legal da concepção, a acção não podia proceder, devendo a douta sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que determine a improcedência da acção.
De todo o modo, e sem prescindir,
5ª- O autor não fez prova da exclusividade da manutenção de relações sexuais entre a mãe do menor e o réu no período legal de concepção.
6ª- A prova de tal exclusividade, constitutiva que é do direito do autor, é ónus deste;
7ª- Não ocorre qualquer caso de presunção de paternidade;
8ª- O resultado do exame hematológico não pode ser tomado como verdade absoluta, impondo-se seja considerado como um qualquer meio de prova;
9ª- Decidindo pelo reconhecimento do réu como pai do menor, violou a douta sentença recorrida o disposto nos arts. 342º, 1, 1801º e 1871º CC e Assento nº 4/83, de 21.06.83, pelo que é ilegal e, como tal, deve ser revogada e substituída por outra que não declare o menor como filho do réu.
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O A. contra-alegou, pugnando pela manutenção do decidido.
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Colhidos que se mostram os vistos legais e nada obstando ao seu conhecimento, cumpre conhecer do recurso.
Assim:
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2. Conhecendo da apelação:
2.1 – Dos factos assentes:
Com relevância para a decisão foram considerados assentes, pela decisão do tribunal de 1ª instância, os seguintes factos:
a)– Em 30.07.97, na freguesia da..., Viana do Castelo, nasceu Álvaro..., cujo nascimento foi registado em 13.08.97, na Conservatória do Registo Civil de Viana do Castelo, constando somente do assento de nascimento a indicação da maternidade atribuída a Berta...; [A)]
b)– Entre a mãe do menor e o réu não existem relações de parentesco ou afinidade na linha recta nem de parentesco no segundo grau da linha colateral; [B)]
c)– Nos exames hematológicos realizados no I.M.L. do Porto conclui-se que o réu tem 99,9999998% de probabilidade de ser o pai do menor, o que equivale a “paternidade praticamente provada”; [C)]
d)– A propositura da presente acção foi julgada viável, conforme despacho proferido em 01.06.99 no processo de averiguação oficiosa de paternidade que correu termos no 2º Juízo Cível deste Tribunal; [D)]
e)– O réu e a mãe do menor conheceram-se em 1996; [1º]
f)– O réu e a mãe do menor saíram juntos, algumas vezes, em finais de Outubro de 1996; [2º]
g)– Nas circunstâncias referidas na resposta ao quesito segundo, o réu e a mãe do menor mantiveram entre si relações sexuais de cópula completa; [3º]
h)– Em consequência dessas relações sexuais a mãe do menor engravidou; [4º]
i)– E dessa gravidez veio a nascer o menor Álvaro Filipe; [5º]
j)– Durante Outubro de 1996, o réu esteve vários dias em Lisboa; [7º]
l)– Em princípios de Novembro de 1996, o réu deslocou-se a Macau; [8º]
m)– A mãe do menor não esteve em Lisboa nem em Macau em Outubro ou em Novembro de 1996; [9º]
n)– Em 18.07.97, o menor estava na 37ª/38ª semanas de gestação; [11º].
2.2 – Dos fundamentos do recurso:
De acordo com as conclusões formuladas pelo R./apelante nas alegações, as quais delimitam o âmbito do recurso – cfr. arts. 684º, nº 3 e 690º do CPC, temos que, essencialmente, são duas as questões a resolver, tal como seja, uma relacionada com a decisão proferida sobre a matéria de facto –alteração das respostas dadas aos pontos 2º, 3º, 4º, 5º, 7º, 8º, 10º, 12º e 13º da base instrutória -, outra relacionada com a decisão da matéria de direito – impossibilidade de declaração do R./apelante como pai do menor por ausência de prova de exclusividade de relações sexuais, entre ele e a mãe do menor, e, bem assim, por o resultado de exame hematológico dever ser considerado como um qualquer meio de prova.
*
Vejamos.
a)– Da pretendida alteração às respostas dadas aos pontos 2º, 3º, 4º, 5º, 7º, 8º, 10º, 12º e 13º da base instrutória:
No que à modificabilidade da decisão da matéria de facto importa e tendo-se em atenção a situação concreta dos autos, dispõe-se no artº 712º do CPC que “...1. A decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação:
a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artº 690º-A, a decisão com base neles proferida;
b) Se os elementos do fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas; c) ...
2. No caso a que se refere a segunda parte da alínea a) do número anterior, a Relação reaprecia as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações do recorrente e recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento a decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados....”.
De tal normativo resulta que, como refere F. Amâncio Ferreira [Manual dos Recursos em Processo Civil, 2ª ed., 2001, pág. 127;], «...o direito português segue o modelo de revisão ou reponderação...», ainda que não em toda a sua pureza, porquanto comporta excepções, as quais se mostram referidas pelo mesmo autor na obra citada.
Ora, os recursos de reponderação, no ensinamento do Prof. Miguel Teixeira de Sousa [Estudo sobre o novo processo civil, pág. 374;], «...satisfazem-se com o controlo da decisão impugnada e em averiguar se, dentro dos condicionalismos da instância recorrida, essa decisão foi adequada, pelo que esses recursos controlam apenas –pode dizer-se– a “justiça relativa” dessa decisão».
Por isso, havendo gravação da audiência de julgamento, como no presente caso ocorreu, temos que, nos termos do disposto no artº 712º, nº 1, al. a) e nº 2 do CPC, a Relação pode alterar a decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto, desde que, em função dos elementos constantes dos autos (incluindo, obviamente, a gravação), seja razoável concluir que aquela enferma de erro.
Não pode, porém, olvidar-se, ao reponderar a decisão da matéria de facto, que, apesar da gravação da audiência de julgamento, esta continua a ser informada pelos princípios da oralidade, ainda que de forma mitigada face à gravação, da concentração e da imediação, o que impede que o tribunal de recurso apreenda e possa dispor de todo o circunstancialismo que envolveu a produção e captação da prova, designadamente a testemunhal, quase sempre decisivo para a formação da convicção do julgador.
Posto isto, passemos à análise e apreciação dos fundamentos invocados pelo R./apelante com vista à pretendida alteração.
No que aos quesitos 2º e 3º se refere, pretende o apelante/R., com apelo ao depoimento da mãe do menor –Berta..., que os mesmos, conjugadamente, deviam ter tido a seguinte resposta:
“...«o réu e a mãe do menor mantiveram relações sexuais de cópula, por duas ou três vezes, entre 29 de Outubro e 4 de Novembro de 1996»....”.
Ora, sob os referidos quesitos foi mencionada a seguinte matéria de facto:“...
2º E começaram a sair juntos a partir de Outubro desse ano ?
3º Na sequência desse relacionamento, o réu e a mãe do menor mantiveram por várias vezes relações sexuais de cópula completa ?...”.
Tais quesitos mereceram por parte do tribunal de 1ª instância, essencialmente com fundamento no depoimento da mãe do menor, as seguintes respostas: “... Ao quesito 2º: - provado que o réu e mãe do menor saíram juntos, algumas vezes, em finais de Outubro de 1996.
Ao quesito 3º: - provado que, nas circunstâncias referidas na resposta ao quesito segundo, o réu e a mãe do menor mantiveram entre si relações sexuais de cópula completa....”
Tais respostas mostram-se, não só adequadas como em perfeita consonância com o mencionado depoimento da mãe do menor, pois deste apenas se pode extrair com segurança o que das respostas consta, que já não a indicação de qualquer data precisa para o momento de manutenção daquelas relações sexuais, pois se a depoente referida vai admitindo como possíveis, ao longo do seu depoimento, algumas datas, fá-lo sempre sob sugestão das instâncias e precisando que não pode afirmar ao certo qualquer data, repetindo constantemente os finais de Outubro de 1996, pelo que falece qualquer razão ao apelante quanto a tais pontos da matéria de facto.
No que aos quesitos 4º e 5º se refere, não podemos deixar de concluir de igual forma, isto é, que falece qualquer razão ao apelante/R., porquanto, como já se deixou dito supra, só perante uma situação de erro na apreciação da prova, na medida em que esta não consentisse ou comportasse a decisão ou resposta que veio de ser dada pelo tribunal de 1ª instância, se imporia a este tribunal de recurso a sua alteração.
Sucede que sob os quesitos referidos questionava-se se “...
4º Em consequência dessas relações sexuais a mãe do menor engravidou ?
5º E dessa gravidez veio a nascer o menor Álvaro...?...”,
questões estas que mereceram a resposta (decisão) de “Provado”, em função, essencial e designadamente, dos resultados do exame hematológico, como flui da fundamentação daquela decisão.
Do referido exame resulta clara e abertamente o seguinte: “...Colheram-se os sangues da mãe, do filho e do pretenso pai. Nestas amostras foram estudados alguns dos seguintes sistemas genéticos:
Antigénicos eritrocitários – ABO (com subgrupos A), Rh (com os factores C, D, E, c, e) MnSs, Dell, Duffy, Kidd.
Enzimas eritrocitárias – Fosfase Ácida (AcP1), Esterase D (EsD), Fosfoglucomutase (PGM1).
Proteínas séricas – Fracção 3 do Complemento (C3), Proteína específica do Grupo (Gc), á 1 – antitripsina (Pi).
Polimorfismos do DNA (Polymerase Chain Reaction – PCR):
- HLADQA1 (dot blot reverse)
- D1S80 (Kit da Perkin Elmer. Detecção por SDS-PAGE)
- Ampli Type PM (Kit da Perkin Elmer. Dot blot reverse)
- STR: VWA, TH01, F13A1, FES, D12S391, TPOX, CSF1po, F13B, D3S1358, D19S253, FGA, D18S51 (ALF).
Relativamente aos sistemas mencionados, fez-se o respectivo cálculo estatístico, de acordo com as frequências genéticas da população em estudo.
Os resultados obtidos foram os seguintes: ...
CONCLUSÕES
1ª- Estudou-se um caso de paternidade atribuída a:
- David...pretenso pai de:
- Álvaro... filho de: Berta...
2ª- David... não foi excluído da paternidade que lhe é atribuída.
3ª- Quando comparado com um indivíduo tirado ao acaso da mesma população, apresenta uma probabilidade de paternidade relativamente ao menor de: 99,9999998%
4ª- A interpretação verbal (ver tabela anexa) desta percentagem equivale a: Paternidade Praticamente Provada....”.
Em face de tais resultados, tendo-se em atenção que, como se afirma no Ac. do STJ de 16.4.98 [B.M.J. 476, pág. 437;], «...O valor dos exames hematológicos como prova científica relevante tem sido reconhecido pela nossa jurisprudência, de que se apontam os seguintes exemplos recentes de acordãos deste Tribunal: de 18 de Junho de 1996 (processo nº 131/96, da 2ª secção), de 2 de Julho de 1996 (processo nº 359/96, da 1ª secção) de 14 de Novembro de 1996 (processo nº 421/96, da 2ª secção), de 9 de Janeiro de 1997 (processo nº 727/96, da 2ª secção), de 3 de Junho de 1997 (processo nº 195/97, da 1ª secção) e de 30 de Outubro de 1997 (processo nº 550/97, da 1ª secção)....», é manifesto concluir-se que a decisão em crise possa ser eivada de desadequação e, muito menos, errada, não podendo, por isso, ser alterada por esta Relação.
O R./apelante insurge-se, é certo, contra a valoração que foi dada ao exame hematológico, no seu entendimento, em detrimento de outros elementos de prova, tais como documental (existente no processo) e testemunhal, invocando que aquele “mais não é que um juízo de probabilidade”.
Sem dúvida que o exame hematológico, em face do sistema legal vigente (cfr. arts. 1801º, 388º, 389º, 392º e 396º do CCivil e 655º do CPCivil), não pode deixar de ser entendido como um meio de prova, cuja força probatória, tal como ocorre para a prova testemunhal, deve ser fixada ou apreciada livremente pelo tribunal, sendo que «...A prova assenta na certeza subjectiva da realidade do facto, ou seja, no (alto) grau de probabilidade de verificação do facto, suficiente para as necessidades práticas da vida; ...»[A. Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, “in” Manual de Processo Civil, 2ª ed., pág. 436;].
Todavia, não pode olvidar-se que, como se refere no Ac. do STJ de 16.4.98 supra mencionado, citando estudo do Prof. Guilherme de Oliveira [A Lei e o Laboratório, “in” Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, vol. II do número especial Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor A. Ferrer Correia, 1989, págs. 805-826;], no qual este “...advertindo, embora, que «não deve exagerar-se, nem diminuir-se, o interesse probatório do cálculo seroestatístico» (pág. 815), sublinha que «a grande eficácia dos novos meios técnicos contrasta muito com os velhos métodos da prova testemunhal que, aliás, no domínio das acções de investigação de paternidade se torna especialmente apaixonada e mentirosa» (págs. 819 e 820). ...”.
Diga-se, por fim, quanto a esta matéria, que os documentos referidos pelo apelante/R., conjugados com os depoimentos pelo mesmo mencionados, não impõem por si só uma decisão diversa da que foi proferida no tribunal de 1ª instância e, designadamente, que seja insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas (cfr. artº 712º, nº 1, al. b) do CPC).
Assim, por tudo quanto vem de ser exposto, óbvio se torna concluir pela impossibilidade de ser alterada por esta Relação tal decisão relativamente aos pontos da matéria de facto em causa.
No que aos quesitos 7º e 8º se refere, entende-se que, de igual forma, falece razão à pretensão do R./apelante.
Na realidade, sob aqueles quesitos, mostram-se formuladas as seguintes questões fácticas: “... 7º Entre os dias 13.10.96 e 28.10.96 e entre os dias 14.11.96 e 22.11.96, o réu esteve em Lisboa ?
8º Entre os dias 29.10.96 e 13.11.96, o Réu esteve em Macau ?...”
Tais quesitos mereceram a seguinte resposta: “...Ao quesito 7º:Provado que durante Outubro de 1996, o réu esteve vários dias em Lisboa.
Ao quesito 8º: Provado que, em princípios de Novembro de 1996, o réu deslocou-se a Macau....”
Pretende o R./apelante que àqueles quesitos deveria ser dada, respectivamente, a seguinte resposta: “... - O réu esteve ausente em Lisboa cerca de 10 a 15 dias seguidos, imediatamente antes de partir para Macau;
- Pelo menos entre 31.10.1996 e 12.11.96, ambos inclusive, o réu esteve ausente em Macau. ...”.
Ora, como resulta da fundamentação (cfr. fls. 208v dos autos) da decisão da matéria de facto contida em tais pontos da base instrutória, foram considerados relevantes para a mesma os depoimentos de José..., pessoa que tem mantido relações pessoais e profissionais com o R./apelante, e de Luciano..., irmão do R./apelante, e ainda o documento de fls. 42 a 44.
Tais depoimentos revelam-se algo vagos, contrariamente ao pretendido pelo R./apelante, quanto à precisão dos limites de tempo em que ocorreram as ausências averiguadas sob aqueles pontos de facto da base instrutória (7º e 8º), para além de, face à proximidade que os referidos depoentes apresentam com o R./apelante, não poderem ser considerados totalmente isentos de mácula, sendo que da fotocópia do passaporte deste (junta de fls. 42 a 44) tão só resulta um carimbo datado de 5.11.96 e outro de 7.11.96, que serão, respectivamente, de entrada e saída em Hong Kong, que, portanto, nada ajudam a precisar as datas limites das mencionadas ausências e, menos ainda, como pretende o R./apelante.
Acresce que dos autos não resultam outros elementos que, com um mínimo de segurança e alta probabilidade, permitam fixar, designadamente com a precisão pretendida pelo R./apelante, os limites das provadas ausências, pelo que não há que alterar a decisão que veio de ser proferida pelo tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto (7º e 8º) em causa.
No que se refere aos quesitos 10º e 13º, que mereceram a resposta “não provado” e o 12º que mereceu resposta restritiva, pretende o R./apelante que os mesmos deveriam ser considerados provados em função do doc. de fls. 73 a 77 e dos depoimentos médicos que interpretaram o mesmo.
Todavia, afigura-se-nos que, igualmente, não assiste razão ao R./apelante, porquanto os referidos depoentes não tiveram qualquer contacto com o caso concreto, nem intervieram na elaboração do documento que analisaram, nem referiram que tivessem desenvolvido qualquer actividade nos serviços em que o mesmo foi elaborado, antes se limitaram, como resulta dos seus depoimentos gravados, a emitir a sua opinião em função de dados constantes do supra referido documento, sendo que apenas tinham como certa a data de nascimento do menor Álvaro, e, como altamente provável, o resultado de uma ecografia nele registado e em que se refere que, em 18.7.97, o menor se encontrava na 37ª/38ª semana de gestação, o que, aliás, veio a ser dado como provado na resposta ao quesito 11º, e tudo o mais, podendo ser admitido como provável, não conduz, porém, ao (alto) grau de probabilidade justificador da já referida certeza subjectiva da realidade do facto, incluindo a data (fins de Outubro de 1996) da última menstruação tida pela mãe do menor, antes de dar este à luz, apesar de ser referido que o registo deste facto é normalmente efectuado com base em informação prestada pela parturiente.
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Em conclusão, temos que os elementos fornecidos pelos autos, incluindo os depoimentos gravados, não permitem afirmar a existência de erro na decisão da matéria de facto quanto aos pontos identificados pelo R./apelante, nas suas alegações, pelo que improcedem as conclusões sobre a mesma formuladas, e, consequentemente, se mantém na íntegra a decisão proferida pelo tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto.
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b)- Da impossibilidade de declaração do R./apelante como pai do menor por ausência de prova de exclusividade de relações sexuais, entre ele e a mãe do menor, e, bem assim, por o resultado de exame hematológico dever ser considerado como um qualquer meio de prova:
Na sentença sob censura, julgou-se a acção procedente e declarou-se o menor Álvaro... filho do R./apelante, com fundamento em que a procedência da acção de investigação se bastava com a prova de o investigante ter nascido do relacionamento sexual entre a mãe do menor e o investigado no período legal de concepção, isto é, da paternidade biológica, sendo-lhe estranha a exclusividade de relações sexuais entre aquela e este, afirmando-se, desta forma, por referência e na linha da jurisprudência dominante, que o Assento de 21 de Junho de 1983 deve ser objecto de interpretação restritiva.
O R./apelante pretende que ao A./apelado cumpria, enquanto constitutivo do direito invocado, provar que a mãe do menor apenas consigo tinha mantido relações sexuais, designadamente no período legal de concepção, pelo que a acção não podia ter sido julgada procedente, e, ainda, que o exame hematológico deve ser considerado como qualquer meio de prova.
Afigura-se-nos que não assistirá razão ao R./apelante.
Vejamos.
Antes de mais convirá notar que, como o R./apelante consente nas suas alegações, a sustentabilidade da sua tese – improcedência da acção - estava, em boa parte, dependente da alteração da decisão de matéria de facto por si propugnada, pelo que não tendo esta sido sufragada, como flui do supra exposto (item 2.2 – a) ), aquela tese se deverá ter por bastante fragilizada.
Na realidade, assente que se encontra, em face da matéria de facto provada, que a mãe do menor e o R./apelante mantiveram relações sexuais de cópula completa, algumas vezes, em finais de Outubro de 1996, e, bem assim, que em consequência dessas relações sexuais a mãe do menor engravidou e dessa gravidez veio a nascer o menor Álvaro..., afigura-se-nos que a procedência se impõe como desfecho lógico para a acção, com a consequente improcedência do recurso, porquanto de tal factualidade resulta abertamente demonstrada a procriação e/ou paternidade biológica (do R./apelante) que, como a jurisprudência [Vid., por ex., Acs. STJ de 26.6.91, BMJ 408, pág. 504, e de 19.1.93, BMJ 423, pág. 535 (de que é relator o Ilustre Magistrado subscritor da sentença, ora, em recurso);] e a doutrina consentem, constitui a causa de pedir nas acções de investigação de paternidade.
Todavia, pode afirmar-se que subsiste por resolver a suscitada questão de ausência de prova da exclusividade de relações sexuais entre a mãe do menor e do investigado, a qual, entendida como facto jurídico constitutivo, sempre obstaria à declaração da paternidade biológica do R./apelante, no seguimento da jurisprudência contida no Assento do STJ de 21 de Junho de 1983 (nº 4/83)[BMJ 328, pág. 297 e ss.;], onde se fixou que
« Na falta de uma presunção legal de paternidade, cabe ao autor, em acção de investigação, fazer a prova de que a mãe, no período legal da concepção, só com o investigado manteve relações sexuais».
Sucede, porém, que, para além de os assentos terem passado a ter tão só o valor e objectivo de assegurar a uniformização de jurisprudência – cfr. art. 17º, nº 2 do Dec. Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, isto é, subsistem enquanto não afastados por jurisprudência em sentido diverso, o Assento referido deve ser, como vem sendo jurisprudência [Vid., por ex., Acs. STJ de 19.1.93, BMJ 423, pág. 535 e ss., e de 18.4.96, BMJ 456, pág. 334 e ss.;] e doutrina predominante senão uniforme, interpretado restritivamente, podendo proceder a acção de investigação de paternidade mesmo que, como no caso “sub judice”, se não prove a questionada exclusividade de relações sexuais, mas se tenha efectuado prova directa do vínculo biológico por meios laboratoriais.
Tal interpretação restritiva é não só consentida pela fundamentação expendida no mencionado Assento como até, pode dizer-se, por ele é imposta, na medida em que nele, a dado passo, se afirma que «...a paternidade real ou se determina por meios técnicos, ou só pode ter-se por demonstrada quando a mãe, durante o período legal da concepção, não teve relações sexuais senão com o investigado...».
Aliás, profundamente esclarecedor do afirmado é o ensinamento do Prof. Guilherme de Oliveira [RLJ, Ano 128, págs. 183 a 186;], expendido em anotação ao Ac. do STJ de 10.5.94, em que de forma expressa e concludente diz que “...Os autores do Assento estavam cientes de que a prova livre do vínculo biológico podia obter-se com meios científicos, designadamente através de exame hematológico. Mas supunham que os meios técnicos, embora existissem no estrangeiro, não estavam disponíveis entre nós....”
e, mais adiante, “...O texto, tal qual se lê, impõe ao autor, em todas as acções de investigação, que faça a prova da exclusividade das relações sexuais entre o investigado e a mãe do menor.
Porém, essa prova não é necessária sempre que se possa demonstrar o vínculo biológico por outros meios – através de meios científicos....”, concluindo, mais à frente, que “...Não tem sentido aplicar a norma para além da razão que a ditou. Por este motivo é que se fazem interpretações restritivas.
Nestas condições, a norma do Assento, que impõe ao autor o ónus da demonstração da exclusividade, sob pena de improcedência do pedido, deve restringir-se aos casos em que não é possível fazer a prova directa do vínculo biológico, por meios laboratoriais....”.
Aliás, note-se que, hoje, a jurisprudência fixada pelo mencionado Assento se encontra expressamente arredada pela al. e) do nº 1 do artº 1871º do CCivil, introduzida pela Lei nº 21/98 de 12 de Maio (que entrou em vigor no dia imediato ao da publicação), em que se estabelece que “... 1. A paternidade presume-se: ...
e) Quando se prove que o pretenso pai teve relações sexuais com a mãe durante o período legal da concepção....”, tendo o legislador, na “exposição de motivos” do projecto de lei introdutor da citada alínea [Projecto de Lei nº 474/VII (altera o artº 1871º do Código Civil);], afirmado claramente e em referência àquela jurisprudência que
«...Ao invés dessa solução damos como certa que a causa de pedir nas acções de investigação de paternidade é a procriação, como consequência das relações de procriação entre a mãe do investigante e o pretenso pai, mas consideramos que não deve ser atribuído ao autor o ónus da prova da exclusividade das relações sexuais nesse pedido. A prova dos factos negativos deve incumbir, exclusivamente, ao réu que a invoca. ...».
Resolvida tal questão, somos, agora, volvidos à questão do valor dos exames hematológicos, enquanto meios probatórios, que, segundo o R./apelante, desta forma passarão a ser tidos como verdade absoluta.
Afigura-se-nos, todavia, que tal afirmação pecará por excesso.
Como já afirmamos supra, os exames laboratoriais em causa, sendo admissíveis legalmente em face do disposto no artº 1801º do CCivil, constituem meios de prova cuja força probatória é fixada livremente pelo tribunal – art. 389º do CCivil -, tal qual o é a da prova testemunhal – artº 396º do CCivil; todavia, os tribunais não podem ser insensíveis a um meio de prova que, em face do avanço científico, constitui uma mais-valia no sentido de se obter um maior grau de probabilidade (certeza) na afirmação dos factos submetidos a julgamento [Cfr., neste sentido, Carlos Lopes do Rego, “in” Rev. MºPº, nº 45, pág. 124 e ss., e nº 58, págs. 165 e ss.;].
Por melhor se não poder dizer, voltamos a apelar ao ensinamento do Prof. Guilherme de Oliveira, expendido na supra citada anotação, que a tal propósito afirma de forma lapidar e eloquente “...Nos últimos anos, os laboratórios portugueses praticam exames que podem concluir por uma afirmação da paternidade. Não só os exames hematológicos a que se referiam os autores do Assento – exames que usaram técnicas desenvolvidas pelas transplantações – mas também exames que usam técnicas que incidem sobre o ADN, desenvolvidas pela genética molecular.
Pode continuar a dizer-se que a afirmação da paternidade ainda se funda numa probabilidade, e não numa certeza; mas trata-se de uma probabilidade muito mais alta do que aquela que os tribunais usam, quotidianamente, para fundamentar todas as suas convicções e sentenças....”.
Daí que, se é certo que os exames laboratoriais (hematológicos) “in casu” não possam ser tomados como verdade absoluta, não é menos certo que, em face do estado de avanço da ciência nesta matéria, não podem deixar de ser tidos como meio probatório privilegiado com vista a alcançar-se a prova do vínculo biológico nas acções de investigação de paternidade, sem esquecer o seu contributo para elevação do grau de probabilidade de a decisão corresponder ao facto real, o que, com apelo à prova testemunhal, sobretudo nesta matéria, tantas vezes é inatingível.
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Concluindo, em face de tudo quanto se deixa exposto, temos que:
- No caso “sub judice” não ocorrem razões que justifiquem a alteração da decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal de 1ª instância, designadamente que fundamentem a existência de qualquer erro na apreciação das provas existentes e produzidas;
- A jurisprudência fixada no Assento do STJ de 21 de Junho de 1983 não é aplicável quando ocorra, como no caso presente, prova directa do vínculo biológico de paternidade;
- A ausência de prova de exclusividade de relações sexuais entre a mãe do menor e o investigado, no período de concepção, não obsta à procedência da acção de investigação de paternidade sempre que haja prova directa do vínculo biológico de paternidade;
- Os exames hematológicos, face ao avanço da ciência em tal matéria, constituem um meio de prova privilegiado nas acções de investigação de paternidade, independentemente de a sua força probatória dever ser fixada livremente pelo tribunal.
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3. Decisão:
Nos termos supra expostos, acorda-se em:
a)– julgar improcedente a apelação, confirmando-se na íntegra a sentença proferida pelo tribunal de 1ª instância;
b)– condenar o R./apelante nas custas do recurso.
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Porto, 01 de Julho de 2002.
José da Cunha Barbosa
José Augusto Fernandes do Vale
Rui de Sousa Pinto Ferreira