Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP00036612 | ||
| Relator: | GONÇALO SILVANO | ||
| Descritores: | ARRENDAMENTO RECIBO DOCUMENTO PROVAS | ||
| Nº do Documento: | RP200305290332571 | ||
| Data do Acordão: | 05/29/2003 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Tribunal Recorrido: | T J PAREDES | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
| Decisão: | REVOGADA A SENTENÇA. | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | Mesmo no domínio do Regime de Arrendamento urbano, o recibo de renda pode ser substituído por qualquer outro documento assinado pelo senhorio e de que conste a confissão expressa do contrato de arrendamento. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto: I- Relatório ARMANDO ............, intentou a presente acção de declarativa sob a forma de processo ordinária contra ARMANDINO ........., pedindo que o Réu seja condenada a abrir mão do prédio urbano descrito nos artigos 1º e 2º da petição inicial, deixando-o livre de pessoas e bens e a entregá-lo ao Autor e bem assim ao pagamento, a titulo de indemnização, da quantia mensal de Esc. 120.000$00, desde 16/12/1995 até efectiva entrega. Alegou, em síntese, que o R. ocupa o prédio urbano sito no lugar de ......., ......, em ........., não obstante lhe o ter vendido por escritura publica celebrada em 15/12/1995, o que vem fazendo, desde então, contra a sua vontade e não obstante ter sido, por diversas vezes, interpelado para efectuar a sua entrega. Em face de tal ocupação, o A. deixou de obter um rendimento anual de Esc. 1.440.000$00, valor de mercado de tal prédio, no mercado de arrendamento. Em contestação o R., alegou, em síntese, que tendo efectuado a venda de tal imóvel a favor do A., em virtude das necessidades económicas que atravessava e por preço abaixo do seu valor, foi acordado entre eles que ali continuaria a residir, mediante o pagamento de uma renda mensal de Esc. 10.000$00, valor a pagar até ao dia 8 de cada mês, no locado e ao A., mediante recibo. Todavia o A. nunca procedeu ao recebimento de tal quantia, não obstante ter sido interpelado, tendo o R. procedido ao seu pagamento mediante deposito no Banco ........ O Autor apresentou replica, impugnando a matéria factual da contestação, defendendo que não foi celebrado qualquer contrato de arrendamento com o réu, pedindo por isso a condenação deste como litigante de má-fé. A acção veio a ser julgada improcedente por não provada, sendo também o autor condenado como litigante de má-fé. Inconformado com o decidido o autor recorreu, tendo concluído as suas alegações, pela forma seguinte: A) O contrato de arrendamento urbano regulado no artigo 7.0 do R.A.U. obriga à sua celebração por escrito. A inobservância da forma escrita só pode ser suprida pela exibição do recibo de renda - conforme prescreve o actual nº 2 do artigo e diploma citado e nº3 na altura da ocorrência dos factos (1995/ 1996) Assim não sendo está ferido de nulidade, B) Tal nulidade apenas pode ser suprida pela exibição do recibo ou recibos de renda(s) - 7.0 n.01.2. do R.A.U., 219.0, 286.0 do Código Civil, chegando a igual resultado pelo artigo 294.0 e 286.0 do C.Civil, recibos que não foram exibidos; C) O Autor nunca reconheceu ao réu a qualidade de arrendatário, nunca recebeu qualquer importância do Réu a título de renda nem a título de qualquer contraprestação D) A Ex .ma Juiz "a quo" não observou o disposto nos artigos 286.0 do Código Civil e 496.0 do C.P.Civil que impõe ao Tribunal que conheça oficiosamente das excepções peremptórias cuja invocação a lei não torne dependente da vontade do interessado e esse é o caso da nulidade do negócio que o Tribunal "a quo" declarou provado - artigos 7º-1 e 2 do R.A.U., 219º, 294º-285º e 286º do Código Civil. E) A Ex.ma Juiz “a quo” deu como provado um contrato de arrendamento válido e eficaz, através de meios de prova, legalmente inadmissíveis no caso sub judice, violando ao admiti-los, o artigo 7ºnº1 e 2. do R.A.U., os artigos 219º, 342ºnº2, 364º1 e 2, 393º, 394º- 1, 351º, 294º, 280º, 286º todos do Código Civil F) A apresentação de depósitos de "rendas" feitos no Banco ........... não são recibos de renda nem podem substituir o recibo ou recibos de rendas 7º nº1 e 2 do R.A.U., 219º, 364º-nº2 e 787º todos do Código Civil. G) A "comunicação" dos depósitos bancários, quer por não preencher os pressupostos da consignação em deposito nem, do depósitos de rendas regulamentado do R.A.U., quer pelo facto de o apelado não ter provado que o apelante tivesse recebido tal comunicação não pode servir para fundamentar a existência, validade e eficácia do arrendamento urbano para habitação - artigos 7º 1 e 2, 24º a 26º do R.A.U., 219º, 364º-1 e 2, 393º, 394º e 351º do Código Civil. H) A prova testemunhal não é admissível para prova do contrato de arrendamento urbano, alegado pelo réu, 7º nº1 e 2 do R.A.U., 219º, 364º-1.2., 392º e 393ºnº1 todos do C.Civil, pelo que nunca o invocado arrendamento pode ter-se por existente e, muito menos, válido e eficaz. I) O apelado não provou, como lhe competia. a excepção peremptória (contrato de arrendamento urbano para habitação) por si alegada, 342ºnº2 do Código Civil, 493º nº3 e 496º do C.P.Civil, devendo ser declarada improcedente. J) A sentença recorrida está ferida de nulidade porquanto não especifica os fundamentos de facto e de direito que conduziram à decisão, uma vez que conclui pela existência de um contrato de arrendamento válido e eficaz sem, no entanto dizer como, mais, á revelia de todas disposições legais já enumeradas, além de aceitar meios de prova inadmissíveis no caso sub judice (prova testemunhal) ou, sem qualquer valor probatório para o alegado arrendamento (prova documental), nº1 alínea E) do artigo 668º do C.P.C., 7º1 e 2 do R.A.U., 219º e 342º nº2. do Código Civil. K) A sentença recorrida está ferida de nulidade porquanto a Ex.ma Juiz "a quo" não se pronunciou sobre questões que devia apreciar porquanto não se pronunciou sobre os pressupostos de facto e de direito que pudessem conduzir à existência e validade do alegado contrato de arrendamento, 668ºnº1.alínea d) do C.P.C. L) A sentença não se pronuncia sobre a invalidade do contrato alegado pelos apelados, quando, como já se disse, o depoimento da testemunha Maria ......... afirmou que o acordo que diz ter presenciado foi, apenas, verbal - artigo 660º nº2 do C.P.C.. M) A Ex .ma Juiz "a quo" em face dos elementos probatórios carreados para os autos pelo autor e pelo réu, deveria ter decidido pela procedência do pedido, 7ºnº1 e 2 do R.A.U., 219º 364º1 e 2, 393º, 394º, 351º, 286º todos do Código Civil, pelo que a defesa por excepção invocada pelo réu, apelado, é um autêntico "nado morto" jurídico . N) Pelos elementos constantes dos autos, não pode o autor ser condenado como litigante de má fé porquanto não se cumpre quaisquer dos pressupostos legais de que depende a sua aplicação, artigo 456º do C.P.C., porquanto o apelante não alterou a verdade dos factos, não deduziu pretensão sem fundamento, nem procurou conseguir um objectivo ilegal, não pondo em causa também, o princípio da verdade processual e da probidade. Houve contra-alegações, onde se defende a sentença recorrida. Corridos os vistos, cumpre decidir: II- Fundamentos a)- A matéria de facto provada. 1- prédio urbano composto de uma casa de rés-do-chão, anexo e sótão, para habitação, garagem e arrumos, com quintal junto, sito no lugar de ......., freguesia de ........, concelho de .........., confrontando de Nascente com Ernesto ..........., Poente com Emídio ..........., Norte com rua de acesso e Sul com Luís ........... acha-se definitivamente registado a favor do Autor, na Conservatória do Registo Predial de ........ sob o nº 520, em G-2, desde 01/02/1996, por o haver adquirido, por escritura publica de 15/12/1995, lavrada a folhas 66 verso a 69 do livro de Notas 75 H, do .. Cartório Notarial do ........., livre de ónus e encargos, a Armandino ............. e mulher Maria ........ pelo preço de Esc. 15.000.000$00, que estes receberam, encontrando-se o dito prédio inscrito na matriz predial urbana do concelho de ........., freguesia de ......., a favor do Autor, com o artigo nº 578, conforme documentos de fls. 8 a 11 e 13 a 27 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido – A); 2. O Réu vem ocupando o prédio referido na alínea anterior desde a data da escritura de compra e venda que outorgou, como vendedor, juntamente com sua esposa – B); 3. Consta da escritura de compra e venda referida em A), a pagina três, linhas nove e dez “(...) o prédio agora adquirido se destina à sua residência própria e permanente” – C); 4- Dá-se aqui por reproduzido o teor dos triplicados de depósitos de fls. 40 e seguintes dos autos, relativos ao ano de 1996, no valor de Esc. 120.000$00 e aos meses de Janeiro a Setembro de 1997, no valor, cada um, de Esc. 10.000$00, efectuados pelo Réu no Banco .........., à ordem do Autor – D); 5- O Réu nunca conseguiria habitar um prédio com características semelhantes ao prédio referido em A) e no mesmo local por menos de Esc. 900.000$00 por ano – 1º); 6- Após o negocio aludido em A) o Autor cedeu ao Réu o prédio referido em A) mediante o pagamento de uma contrapartida mensal de Esc. 10.000$00 – 2º); 7- O valor referido em 2º) foi acordado entre o Autor e o Réu – 3º); 8- Nos termos do contrato de arrendamento, o Autor deveria deslocar-se ao arrendado para receber a renda, até ao dia 8 de cada mês, entregando ao Réu o respectivo recibo de quitação – 4º); 9- Como o Autor não ia receber as rendas, decorridos que estavam já dez meses desde o inicio do contrato, procedeu o Réu ao deposito das mesmas no Banco ........., à ordem do Autor – 5º); 10- O Réu remeteu ao Autor a carta cuja copia se acha a fls. 39, que seguiu sob registo – 6º). b)- Apreciação da matéria de facto, o direito e o recurso de apelação. É pelas conclusões que se determina o objecto do recurso (arts. 684º, nº 3 e 690º, nº1 do CPC), salvo quanto às questões de conhecimento oficioso ainda não decididas com trânsito em julgado. Vejamos pois do seu mérito. O autor intentou esta acção como de reivindicação, pedindo que o réu abrisse mão do prédio sua propriedade, alegando que o réu não tem qualquer título para poder ocupar o mesmo. Por sua vez o réu invocou que ocupa o prédio por virtude de um contrato de arrendamento verbal que celebrou com o autor nunca tendo este vindo receber a renda acordada de 10.000$00/mês, razão pela que passou a depositá-la. Na réplica o autor continuou a manter a versão da inexistência de contrato de arrendamento. Vem agora o autor recorrente invocar a nulidade do contrato de arrendamento dado como existente, por não estar o mesmo reduzido a escrito, e porque essa inobservância da forma escrita só pode ser suprida pela exibição do recibo de renda (e não por prova testemunhal), o que não existe nos autos. Trata-se, assim, de um novo enquadramento jurídico da acção perante o contrato de arrendamento que a sentença reconheceu. Coloca agora o recorrente dois tipos de questões: Uma respeitante à nulidade do contrato por não haver redução a escrito; Outra respeitante à forma como se deu como provada a existência do contrato de arrendamento, sem haver recibo de renda. Vejamos: De facto, com a publicação do DL nº 321-B/90 de 15 de Outubro-RAU todos os arrendamentos urbanos, (com as excepções previstas, nas alíneas a) a f) do nº 2 do artº 5º e nº 1 do artº 6º do RAU) passaram a ficar sujeitos à forma escrita (artº 7º ,nº 1). Por outro lado, ao revogar-se o artº 1º do DL nº 13/86 de 23 de Janeiro e o nº 3 do artº 1029º do CC, alterou-se, o principio do melhor tratamento do arrendatário (regime de invalidade mista) [-Cf. Pereira Coelho-Arrendamento-Direito substantivo e processual-Lições do 5º ano de ciências Jurídicas de 1988-1989-FDUC;] que enformava desde há muitos anos o direito do arrendamento predial, submetendo a nulidade por falta de forma dos novos arrendamentos a regime muito diverso, coincidente, em larga medida, com o da nulidade de direito comum (artº 286º do CC). [-Cf. Pereira Coelho-Breves notas ao Regime do Arrendamento Urbano-RLJ, ano 126º,pág.194 e ss;] A forma do contrato de arrendamento, segundo Pereira Coelho, é agora objecto de novo regime, destinado, tendencialmente, a reconduzir a nulidade do arrendamento por falta de forma à nulidade de direito comum (artº 286º do CC). Assim sendo, esta nulidade, em principio, é a do regime comum, do artº 286º do CC, pode, por isso, ser invocada a todo o tempo e ser declarada oficiosamente pelo tribunal. Daí que, não obstante o recorrente não ter invocado nos articulados esta nulidade, nem a mesma ter sido apreciada em sentença, nada impede que o seja agora, por força daquela disposição legal. Mas quanto a essa questão, e relativamente aos arrendamentos para habitação por prazo igual ou inferior a seis anos, referem Pereira Coelho na obra citada, também seguido por Aragão Seia –Arrendamento Urbano-4ª edição, pág.146 e Pais de Sousa –in Anotações ao Regime do Arrendamento Urbano-2ª edição, pág.69 e Pais de Sousa ,Cardona Ferreira e Lemos Jorge-in Arrendamento Urbano- Notas Práticas, pág.22 e ss que: “o nº 3 do artº 7º, admite, porém, que a inobservância da forma escrita seja suprida pela exibição de recibo de renda «no caso do nº1», ou seja, nos arrendamentos a que se aplica a regra geral do nº 1 e não a regra especial do nº 2... A exibição, pelo arrendatário, de recibo de renda passado pelo senhorio convalida, pois, o contrato de arrendamento que, se não fosse essa a circunstância, seria nulo por não ter sido celebrado por escrito; mas também será válido e plenamente eficaz, embora não tenha sido celebrado por escrito, se o arrendatário exibir recibos de renda passados pelo senhorio”. Há, portanto uma alternativa para suprir a inobservância de forma escrita na celebração destes contratos de arrendamento. O arrendatário, como no caso de uma acção real, como é esta (intentada nos termos do artº 1311º do CC) pode recusar a restituição do prédio, provando o contrato de arrendamento com recibos de renda que o senhorio lhe tenha passado. Porém, no caso dos autos, existe ainda outra questão que importa analisar previamente e tem a ver com a forma de provar a existência do contrato de arrendamento que na sentença recorrida se considerou existir. Deu-se como provado que o Autor cedeu ao Réu o prédio negociado entre ambos, mediante o pagamento de uma contrapartida mensal de Esc. 10.000$00 e que o Autor deveria deslocar-se ao arrendado para receber a renda, até ao dia 8 de cada mês, entregando ao Réu o respectivo recibo de quitação . Como observamos da fundamentação da matéria de facto (fls. 73), embora se referenciem como tendo sido de relevo os documentos juntos de fls. 39, 39vº, 40 a 49 e 128 a 130, foi o depoimento da testemunha Maria ............, (ex- mulher do réu e tia do autor) que se considerou relevante quanto à prova do acordo levado a cabo entre o autor e o réu no que tange àquela cedência do prédio transaccionado entre todos eles, mediante o pagamento da contrapartida mensal de 10.000$00,o modo aprazado para pagamento, bem como a ausência de levantamento das rendas por parte do autor. Por outro lado considerou-se também provado que como o Autor não ia receber as rendas, decorridos que estavam já dez meses desde o inicio do contrato, procedeu o Réu ao deposito das mesmas no Banco .........., à ordem do Autor e que o Réu remeteu ao Autor a carta cuja copia se acha a fls. 39, que seguiu sob registo . Daqui constatamos que, o recorrido não exibiu recibos e sabemos o que se deu como provado quanto à razão dos depósitos efectuados à ordem do autor. Coloca-se então a questão de saber como é que pode provar-se o contrato de arrendamento (questão esta, que é também abordada pelos autores acima citados): Só pela exibição de recibos de renda ou também pela exibição de qualquer outro documento assinado pelo senhorio e de que conste a confissão expressa do contrato de arrendamento? A resposta que é dada a esta questão por Pereira Coelho e pelos autores que o seguem [-Cf. Contra esta posição : - Pinto Furtado –Manual do Arrendamento Urbano-pág. 345/349,que defende que o nº 3 do artº 7º do RAU não pode servir para exprimir que o escrito é pura formalidade ad probationem; Cfr também Januário Gomes –Arrendamento para habitação-2ª edição, pág. 61 e ss.] e que nós acompanhamos também, vai no sentido de que “embora a exibição de recibos de renda tenha hoje função diferente da que o artº 1088º do CC lhe reconhecia (na vigência do artº 1088 do Código civil era um meio de prova de um contrato válido, e hoje é uma forma de convalidação de um contrato nulo) cremos que a orientação seguida a este respeito na doutrina e na jurisprudência em face do artº 1088º do CC ainda é de manter em face do RAU, e que, portanto, o recibo de renda pode ser substituído, nos termos do artº 364º nº 2 do CC, por qualquer outro documento assinado pelo senhorio e de que conste a confissão expressa do contrato de arrendamento”. E diz ainda Pereira Coelho na obra citada, pág. 198, nota 37 “Com efeito, se a lei admite que a falta de contrato escrito seja suprida por um documento (o recibo de renda) que tem uma função de prova do contrato de arrendamento, parece resultar claramente da lei que a forma escrita do contrato, relativamente aos arrendamentos de que se trata e em que a lei admite o suprimento, apenas é exigida «para prova da declaração negocial» nos termos do artº 364º nº 2 do CC, podendo por isso, ser substituída por qualquer outro documento em que se contenha uma confissão expressa pelo senhorio do contrato de arrendamento”. A este respeito Mota Pinto –Teoria Geral do Direito Civil-Lições do ano Lectivo de 1972-1973, pág. 512/513, defende que no nosso direito a nulidade deixará de ser a sanção para a inobservância da forma legal, sempre que, em casos particulares, a lei determine outra consequência (artº 220º do CC). E daí que infere-se do disposto no artº 364º do CC que quaisquer documentos (autênticos ou particulares) serão formalidades ad probationem, nos casos excepcionais em que resultar claramente da lei que a finalidade tida em vista ao ser formulada certa exigência de forma foi apenas a de obter prova segura acerca do acto e não qualquer das outras finalidades possíveis do formalismo negocial”. Refere aí este ilustre Professor que nestes casos, é de admitir, como meio de suprimento da falta do documento, a confissão expressa . Embora aponte aí como exemplo precisamente o caso de no arrendamento urbano não existir título escrito e poder ser provado pela exibição do recibo de renda e se reportar a uma data em que não era exigida a forma escrita, os princípios orientadores do seu pensamento sobre esta questão continuam a ser de plena validade. Reportando-nos agora ao caso dos autos e adoptando estes princípios orientadores quanto à forma de convalidação do contrato nulo, verificamos que não estamos em presença, nem da existência de recibos de renda, nem de confissão expressa do autor quanto ao contrato de arrendamento. A prova que foi feita quanto à existência desse contrato foi testemunhal e os documentos de consignação em depósito de uma renda não podem neste caso ter qualquer valor para este efeito de confissão expressa. Muito embora se tenha dado como provada a versão do réu quanto à razão porque passou a fazer depósitos no Banco ........ de um determinado montante a título de renda e de se ter provado que o Réu remeteu ao Autor a carta cuja copia se acha a fls. 39, que seguiu sob registo em cujo teor se alude a esses depósito (o que nos termos do DL nº121/76 de 11 de Fevereiro levaria a que se considerasse a mesma recebida 3 dias após a sua emissão em 8.11.1996), o certo é que nenhum destes actos se pode fazer equivaler a uma confissão expressa do autor, tal como determina o nº 364º nº 2 do CC. Portanto, perante o acima exposto só podemos concluir, que este arrendamento que se deu como provado na base do aludido depoimento testemunhal, não tendo sido apresentado em relação a ele qualquer recibo de renda ou declaração expressa do autor recorrente, é nulo por falta de forma. E porque não se prova ter existido qualquer declaração expressa do recorrente, também se nos afigura temerário aceitar que as circunstâncias de facto provadas se possam enquadrar na clausula geral de abuso do direito. No caso, os elementos do contrato de arrendamento que se provaram em audiência de julgamento foram obtidos com base em depoimento testemunhal da ex- mulher do réu; Foi a partir desse depoimento que se considerou provado que o Autor cedeu ao Réu o prédio negociado entre ambos, mediante o pagamento de uma contrapartida mensal de Esc. 10.000$00 e que o Autor deveria deslocar-se ao arrendado para receber a renda, até ao dia 8 de cada mês, entregando ao Réu o respectivo recibo de quitação . Contudo não se provou, como se disse, que o autor/recorrente tenha feito qualquer declaração expressa de reconhecimento do contrato de arrendamento em causa. Portanto, só aceitando que, no caso deste contrato verbal, era possível a prova testemunhal do mesmo seria de admitir poder estar-se numa situação de venire contra factum proprium, como defende o recorrido nas suas contra-alegações (o que deixou de ser possível após a revogação pelo RAU, do artº 1º nº 3 do DL nº 13/86 de 23 de Janeiro, onde se admitia poder provar o contrato de arrendamento por qualquer meio de prova admitido em direito - cfr. também Aragão Seia-Arrendamento Urbano-4ª edição, pág.147, em anotação ao artº 7º do RAU). Nestas circunstâncias, embora a doutrina, com dúvidas (cfr. notas nºs 43 a 46 da obra de Pereira Coelho, a pág.199, que se vem citando), entenda que a possibilidade de invocação da nulidade por vício de forma não é de excluir por aplicação da clausula de abuso de direito, neste caso dos autos, entendemos (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, CC anotado, Vol.I) que o artº 334º do CC não pode aqui ser aplicado. Seria neste caso concreto aceitar por outra via, que a prova do contrato de arrendamento também se podia fazer por prova testemunhal e não já pela forma, acima referida, da exibição de recibos de renda ou declaração expressa do autor. É que a questão fulcral aqui é exactamente a da prova da existência de contrato de arrendamento, prova essa que no processo foi apenas efectuada por via testemunhal, que no caso não pode ser atendida para efeitos de convalida esse contrato como válido face à inobservância da forma escrita. Concluiu-se, pois, que este arrendamento é nulo, por ter sido celebrado verbalmente e por não ter sido suprida a inobservância de forma escrita, pela exibição de recibo de renda ou de declaração nos termos do artº 364º nº 2 do CC (cfr. conclusão a) do ponto IV da obra de Pereira Coelho in RLJ, nº 126, pág.199). A declaração de nulidade tem os efeitos previstos no artº 289º, nº 1 do CC, ou seja, tem efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente. O autor pediu uma indemnização pela ocupação do prédio, sua propriedade, à razão de 120.000$00/mês, desde 16-12-1995, já que seria esse o valor que o réu teria de pagar querendo habitar um prédio com características semelhantes e no mesmo local. Resultou provado que o Réu vem ocupando (sem título válido e sem que os depósitos efectuados tenham qualquer eficácia para este efeito e que por isso poderão ser levantados pelo réu) o prédio do autor desde a data da escritura de compra e venda (em 15-12-1996) que outorgou, como vendedor, juntamente com sua esposa. E ficou também provado (resposta ao nº 1 da base instrutória) que o Réu nunca conseguiria habitar um prédio com características semelhantes ao prédio referido em A) e no mesmo local, por menos de Esc. 900.000$00 por ano. Será, pois este o valor (que corresponde a 75.000$00/mês= € 374,10) a tomar em conta na restituição, nos termos do nº 1 do artº 289º do CC, do valor correspondente a pagar pelo réu ao autor, pela ocupação que vem fazendo do prédio desde 16.12.1996 na base de € 374,10/mês (cfr. Vaz Serra-RLJ-ano 112º, pág.116 e nota 55 do artº 289º do CC de Abílio Neto-12ª edição; Ac. RL de 28.11.96-CJ-ano 1996, tomo 5, pág. 113 e Jacinto Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, Vol.II, pág. 48/49). Deste modo, não tendo o réu provado a existência de um título válido para se opor ao pedido do autor, a acção procede inteiramente quanto aos pedidos formulados sob as alíneas a) e b) e parcialmente quanto ao pedido da alínea c). III- Decisão. Pelo exposto acorda-se em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação, e em consequência, revoga-se a sentença recorrida, e condena-se o réu a abrir mão do prédio urbano descrito nos arts. 1º e 2º da petição inicial, deixando-o livre e alodial de pessoas e bens e entregando-o ao autor, condenado-se ainda o réu a pagar ao autor a indemnização mensal de 75.000$00= € 374,10, pela ocupação que vem fazendo do prédio desde 16.12.1996 até efectiva entrega do prédio em causa. Custas em 1ª e 2ª instâncias, por autor e réu, na proporção do vencido. Porto, 29 de Maio de 2003 Gonçalo Xavier Silvano Fernando Manuel Pinto de Almeida João Carlos da Silva Vaz |