Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0724177
Nº Convencional: JTRP00040723
Relator: ANABELA DIAS DA SILVA
Descritores: RESPONSABILIDADE PROFISSIONAL
ADVOGADO
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RP200710300724177
Data do Acordão: 10/30/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO.
Indicações Eventuais: LIVRO 255 - FLS. 172.
Área Temática: .
Sumário: I- Se o advogado não cumpre, ou cumpre defeituosamente, as obrigações que lhe advêm do exercício do mandato que firmou com o cliente, constitui-se para com ele em responsabilidade contratual; porém, se o advogado pratica um facto ilícito lesivo dos interesses do seu constituinte, a sua responsabilidade para com o cliente já será de natureza extracontratual.
II- Incorre em responsabilidade contratual o advogado que não formula pedido de indemnização cível no âmbito de processo crime em que patrocinou o cliente aí ofendido, sendo certo que, face aos factos que resultaram provados nesse processo, havia forte probabilidade de o pedido ter sido julgado procedente.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 4177/07-2
Apelação (2)
Tribunal Judicial de Valongo –..º juízo - proc. …………./2002
Recorrentes – B…………………
C………………….
Relator – Anabela Dias da Silva
Adjuntos – Desemb. Antas de Barros
Desemb. Maria do Carmo


Acordam no Tribunal da Relação do Porto


I –B…………………, intentou no Tribunal de Comarca de Valongo, a presente acção declarativa com processo ordinário contra Dr. C…………………, advogado, com domicílio profissional em ………, Paredes, pedindo que o réu seja condenado a pagar-lhe :
- a título de danos patrimoniais emergentes (dannum emergens):
1. a quantia de 17.500,00 € (dezassete mil e quinhentos euros);
2. a quantia que se vier a apurar, e que despendeu em exames, medicamentos e consultas, referidos em 113º da petição inicial;
- a título de danos não patrimoniais:
1. A quantia de 40.000,00 €(quarenta mil euros);
- sendo que “a estas quantias devem acrescer juros de mora desde a data limite para a dedução do pedido de indemnização civil, ocorrida em 5.04.99, à taxa legal de 7%, e caso assim não se entenda, o que não se concebe nem por mera hipótese académica, desde a citação para a presente acção”.
Alega para tanto, e em síntese, o autor que em Outubro de 1997 constituiu o réu, Advogado de profissão, como seu mandatário forense num processo-crime em que era ofendido com o objectivo de ele lhe tratar de requerer em tal processo a indemnização a que tivesse direito.
O réu não deduziu, atempadamente, tal pedido de indemnização cível, deixando, por negligência sua, gorar-se tal possibilidade para sempre, já que a data limite, segundo refere, ocorreu em 5.04.1999.
O réu violou assim culposamente os seus deveres estatutários decorrentes do mandato conferido, (designadamente cometendo grave erro de direito ao fazer crer ao autor que poderia deduzir o pedido depois da acção penal, o que só seria possível nos casos excepcionais previstos no artº 72ºdo C.P.Penal) e consequentemente causou ao autor graves prejuízos, pois que se o réu tivesse deduzido, oportunamente, o pedido de indemnização cível, ele seria inexoravelmente procedente e o arguido teria sido condenado, em sede de processo crime, a indemnizá-lo.
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O réu foi pessoal e regularmente citado e veio deduzir oposição ao pedido formulado, pedindo a sua absolvição do mesmo.
Para tanto alegou o réu que fundando-se a conduta imputada na alegada falta de dedução tempestiva de pedido de indemnização cível em acção penal, o valor da indemnização porventura devida está limitado pelo valor, ou garantia, patrimonial existente na pessoa do demandado cível no momento da formulação do pedido em falta na acção penal.
E o autor não cumpriu suficientemente o seu ónus de alegar tais factos e fazer a prova de que não era e não é possível intentar acção cível em separado.
Finalmente, alega o réu que foi o autor quem retardou o fornecimento de elementos e documentos necessários para a formulação do pedido, do qual só se manifestou preocupado por ocasião do julgamento penal. E não obstante o prazo de 10 dias para enxertar o pedido cível se ter esgotado, este ainda poderia ser deduzido em separado, porque tinha decorrido mais de um ano e três meses entre a notícia do crime e a acusação; à data da acusação havia danos ainda não conhecidos em toda a sua extensão; não tinham sido cumpridas todas as formalidades dos artºs 75º e 77º do C.P.P.. Dessa possibilidade de formular pedido cível em separado, o réu deu conta ao autor no dia do julgamento e após a leitura do respectivo acórdão.
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O autor veio replicar impugnando os factos alegados pelo réu, designadamente que no decurso do prazo para dedução do pedido cível no processo penal o réu já possuía elementos suficientes para a dedução do mesmo, cuja vontade que sempre lhe manifestou. Mais alegou que participou do réu ordem dos Advogados em 27.10.2000.
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Realizou-se, sem êxito, tentativa de conciliação das partes.
Depois proferiu-se despacho saneador e elaborou-se a listagem dos factos assentes e a base instrutória, de que as partes não reclamaram.
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Realizou-se o julgamento da matéria de facto, após o que foi proferida a respectiva decisão, sem qualquer censura das partes.
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Finalmente foi proferida sentença que julgou acção, parcialmente, procedente, provada, e em consequência, condenou o réu a pagar ao autor, a título de indemnização, a quantia de 2.800,00 € (dois mil e oitocentos euros), acrescida de juros, desde a data da citação, à taxa legal anual civil vigente em cada momento, e até integral cumprimento e do mais, se absolveu o réu.
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Inconformados com tal decisão dela apelaram, primeiro o autor, e depois o réu.
Ambos os apelantes juntaram aos autos as suas alegações onde formulam as seguintes conclusões:
- apelação do autor -
1ª - A fundamentação que suporta a matéria de facto dada como assente, aponta a nosso ver para que se dê como provado o quesito 6 da base instrutória.
2ª - Não se questiona aqui a apreciação da prova, mas, que desta tal como o meritíssimo Juiz “a quo” fundamenta ressalta que o A. mandatou o Réu para que este deduzisse o pedido de indemnização civil no processo penal respectivo.
3ª - Mais, na fundamentação refere-se que a testemunha D……………… que o tribunal não questionou a imparcialidade do seu testemunho, referiu que o Réu ia meter a indemnização com o crime” de resto a pretensão clara do A.
4ª - Ora são evidentes os prejuízos causados pela conduta ilícita e culposa do Réu. Este não cumpriu para o que directamente o A. o procurou, para além do mais, instaurar acção civil a resolver conjuntamente no processo penal.
5ª- Os prejuízos advêm do A. deixar de poder contar naquele momento com a indemnização que eventualmente lhe fosse atribuída, não carecendo de sentido, salvo o devido respeito, a tese de que poderia sempre deduzir em separado o pedido civil. Para o A. não lhe era isso que interessava, se o fosse teria dito isso ao Réu ou teria por este aconselhado a tal, o que não ficou de todo provado.
6ª - Posto isto, os danos indemnizáveis têm que coincidir com a indemnização a que teria direito e não obteve por culpa da atitude omissiva do Réu e falta de zelo que sobre ele impendia e em cujo exercício devia utilizar todos os recursos da sua experiência, saber e actividade e todos os elementos de que dispunha e o A. lhe forneceu.
7ª - Ao não deduzir esse pedido, nesse momento que era o que interessava ao A., e foi por este manifestado, acarretou um prejuízo não correspondente à privação daquela indemnização no período de Abril de 2001 até Outubro de 2004, mas à própria indemnização em si, que o A. teria direito em perfeito nexo de causalidade.
8ª - Até porque e isto é matéria mencionado na fundamentação da matéria de facto, o A. alertou o Réu para a possibilidade do arguido estar nesse momento a “Pôr tudo em nome de outras pessoas”.
9ª - O que aqui releva, e tem ressonância na atitude do Réu e nos danos sofridos pelo A. não é um atraso na dedução do pedido civil, mas sim uma omissão, um nada fazer, conforme acordado, por isso não serão indemnizáveis prejuízos pelo atraso, mas sim pela sua não dedução oportuna tal como o A. o incumbiu expressamente de fazer e que o Réu bem entendeu.
10ª - A quantia de € 15.000,00 a titulo de danos não patrimoniais mostra-se escassa e insuficiente para efectivamente compensar os grandes danos sofridos e ainda vividos pelo A., e devidamente relatados a folhas 30 da sentença recorrida, pelo que se continua a achar como adequada a quantia de € 40,000.00.
11ª - O tribunal “a quo” violou entre outra a seguinte disposição legal, artº 562º do Código Civil.
Termina pedindo que a decisão recorrida seja revogada e substituída por outra em que se condene o réu na indemnização peticionada nos autos.
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- apelação do réu -
1ª - A assunção do mandato forense não implica um seguidismo da vontade do mandante mas a assumpção diligente das regras e técnicas plausíveis que permitam satisfazer, dentro do possível, os interesses legítimos do mandante.
2ª - Nos caso dos presentes autos era possível a opção pela dedução de pedido cível em separado.
3ª - A opção pela formulação do pedido cível nos autos crime implicaria necessariamente que, pelo menos parte do pedido fosse liquidado em execução de sentença .
4ª - No processo penal a liquidação é feita na sentença pelo que a mora se inicia com o transito da mesma.
5ª - E corno se decidiu na douta sentença a mora ter-se-ia iniciado em 18.04.2001 .
6ª - O aqui réu-recorrente viu o seu mandato revogado em 10.10.2000 .
7ª - Sendo certo que a acção cível poderia ter sido instaurada no decurso e em paralelo com a acção penal .
8ª - Consolidando-se neste caso o início da mora imputável ao arguido penal réu na nova acção, muito antes daquela data de 18.04.2001.
9ª - A responsabilidade do réu mostra-se confinado ao prejuízo que para o autor adviria se não fosse o facto lesivo a si imputado.
10ª - A liquidação dessa lesão determina-se pelo património que o primitivo lesante teria à data do facto imputável ao aqui réu.
11ª - Não foi alegado e por isso não se encontra provado qualquer património.
12ª - Não é possível assim responsabilizar em termos líquidos o aqui recorrente por qualquer dano .
13ª – A sentença recorrida violou por erro de interpretação o disposto nos artºs 562º a 564º, inclusivé, do Código Civil.
Termina pedindo que a decisão recorrida seja revogada e substituída por outra que decrete a absolvição do réu.
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Não foram juntas contra-alegações.


II – Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Da decisão recorrida constam assentes os seguintes factos:
1. Correu termos no ….º Juízo do Tribunal Judicial de Valongo o processo Comum Colectivo n.º ……/99, no qual, por Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido em 18-04-2001, constante de fls. 280 e ss. de tal processo, transitado em julgado, foi confirmado o Acórdão proferido pelo Tribunal de Círculo de Gondomar, no mesmo processo, em 02-03-2000, constante de fls. 214 e ss., no qual se aplicou a pena de quatro anos de prisão a E………….. pela comissão, em 11-10-1997, de um crime de homicídio na forma tentada, p. e p. pelos arts. 22º, 23º, n.º2, 73º, n.º1, e 131º, do Código Penal, na pessoa do aqui Autor, B………………….. (alínea A) dos factos assentes).
2. No acórdão proferido na 1ª instância, referido em A), foi dada como provada a seguinte factualidade:
– No dia 11 de Outubro de 1997, pelas 20 horas, B………………. (o ofendido) encontrava-se sentado ao balcão do Restaurante “F…………..”, sito na Rua …………, ……., Valongo, conversando com a sua irmã G……………….. (testemunha) que nessa data ali trabalhava como empregada.
– Nesse restaurante, e também sentada ao balcão, embora do lado oposto ao do citado ofendido, encontrava-se H………………., então casada com o arguido mas da qual este estava separado-de-facto.
– O arguido, andava desconfiado que os dois (B…………… e H……………….) tivessem uma relação amorosa, suposição que o trazia nervoso e aborrecido.
– E tendo, a dada altura, entrado no estabelecimento e visto ali o ofendido e a sua mulher, mais disso se convenceu.
– De seguida, saiu; e, instantes depois, voltou àquele local.
– Então, dirigiu-se ao ofendido, que se encontrava de costas em relação a ele, e encostou-lhe uma arma de fogo à parte de trás do ouvido esquerdo.
– Ao aperceber-se disso, a referida irmã do ofendido gritou; e este, de imediato, se virou, sendo que o arguido disparou um tiro que o atingiu no maxilar esquerdo, fazendo com que caísse no chão.
– Depois de ter efectuado o disparo, o arguido pôs-se em fuga, tendo-se apresentado no dia seguinte no Posto da GNR de ……., onde forneceu a sua identificação.
– Não foi possível apurar as características da arma com que o arguido disparou, não obstante a busca realizada na sua residência e as diligências realizadas no local onde aquele disse tê-la atirado, sendo certo que, no local onde ocorreram os factos, foi encontrado um invólucro de uma munição calibre 6,35 mm..
– Como consequência directa e necessária da agressão, o ofendido sofreu as lesões descritas e examinadas nos autos de exame médico e registos clínicos de fls. 11 a 17, 30, 40 a 46 e 89, aqui reproduzidos, e de que se destacam: «ferida na face ... com orifício de entrada ..., com três milímetros de diâmetro e orla de contusão de um milímetro, sem anel de limpeza»; «edema e hemorragia no trajecto do projéctil ... fractura incompleta da mandíbula e posteriormente fractura da apófise transversa esquerda»; «efectuada fibrocopia da laringe sob anestesia local, apresenta traumatismo ligeiro da região esquerda da laringe», resultando cicatriz arredondada de cerca de cinco milímetros de diâmetro na face esquerda, e que lhe determinaram trinta dias para cura, bem como um período de incapacidade para o trabalho de noventa dias.
– O projéctil alojou-se na região postero-lateral do pescoço junto à apófise espinhosa, onde ainda se encontra, e daí não foi extraído por, segundo parecer clínico, os benefícios não compensarem os riscos da intervenção cirúrgica.
– Mais concluiu o perito médico desta comarca que, tendo em atenção a distância a que a arma foi disparada e a zona atingida, é de presumir médico-legalmente ter havido intenção de matar – cfr. auto de exame de fls. 89.
– Com vista à apreensão da arma utilizada pelo arguido foi realizada uma busca na sua residência, ordenada por despacho judicial constante de fls. 70, aí se tendo apreendido:
a) - Um revólver nº. 4787, sem marca, modelo 38 EM.GE, de calibre 38 (9 mm.), de um cano de lama lisa com o comprimento de 7,5 cm., carregamento por tambôr com capacidade para 5 cartuchos, sendo que, por falta de percutor, não estava operacional;
b) - Uma granada de mão, tipo defensiva, modelo M/44, destinada a fins militares ou de guerra, de fabrico provável inglês ou canadiano, armadilhada, em muito mau estado de conservação e corroída de ferrugem.
– Dado o perigo que representava a armazenagem da dita granada, foi a mesma destruída em 17/12/98, conforme auto de fls. 102, aqui reproduzido.
– O arguido detinha o engenho explosivo supra descrito (granada) fora das condições legais e sem qualquer motivo, apesar de bem saber que tal era proibido.
– O arguido agiu de modo livre, voluntário e consciente, com intenção de tirar a vida ao ofendido sem qualquer outro motivo que não o referido em 2.3 e 2.4, usando uma arma de fogo e apontando-a para uma zona vital do corpo daquele, atingindo-o apenas na face esquerda por este se ter virado, só não tendo conseguido o seu intento por motivos estranhos à sua vontade e por o mesmo ter sido prontamente socorrido.
– Bem sabia o arguido que as suas condutas eram proibidas e penalmente punidas.
– Tem 52 anos de idade, está divorciado, vive na casa pertencente à irmã, com uma filha casada; já foi motorista de táxi e exerce essa mesma profissão há vários anos na empresa «I……………. », onde aufere cerca de 130.000$00/mês; é considerado pessoa modesta e pacata; confessou os factos relativos à detenção da granada, mas só pequena parte dos restantes (cfr. Motivação); diz-se arrependido e no final da audiência, estando presente o ofendido, disse que lhe pedia desculpa.
– A H…………… era falada como sendo mulher de relacionamento sexual fácil com diversos homens, tendo já convivido maritalmente com a testemunha J…………… e vivendo agora com um outro homem, de ……………. (Valongo).
– O ofendido, que negou qualquer relacionamento com ela, tem 49 anos, é casado, a esposa trabalha, tem dois filhos, vive em casa própria, exerce a profissão de mecânico de automóveis numa oficina que lhe pertence e explora e de onde retira rendimento mensal médio entre 200 a 300 contos.
– O ofendido é beneficiário nº. 126388400 do Centro Regional de Segurança Social do Norte.
– Em consequência da agressão supra descrita, ocorrida em 11/10/97, esteve doente e incapacitado para o trabalho durante o período subsequente de 90 dias.
– Aquela instituição pagou-lhe, por estar em condições de dele beneficiar, subsídio de doença no valor de, Esc., 498.240$00, relativo ao período decorrido de 11/10/97 a 31/7/98. (alínea B) dos factos assentes).
3. A acusação constante do processo comum colectivo n.º …../99, pelo MP, a fls. 114 e ss., foi deduzida no dia 26-03-1999 contra E…………….., imputando-lhe a prática de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 131º, 132º, n.º1 e 2, als. d) e i), com referência do art. 22º do Cód. Penal. (alínea C) dos factos assentes).
4. A acusação referida em C) foi notificada ao Autor, na qualidade de ofendido, no dia 24-05-1999 – cfr. fls. 123 e v.º do referido processo. (alínea D) dos factos assentes).
5. A audiência de julgamento do processo comum colectivo n.º ……/99 realizou-se no dia 09-02-2000 e continuou no dia 02-03-2000 para leitura do Acórdão mencionado em A). (alínea E) dos factos assentes).
6. Em tal processo não foi deduzido nenhum pedido de indemnização civil pelo autor nem fixada qualquer indemnização a pagar ao mesmo para ressarcimento de danos sofridos em consequência do crime mencionado em A). (alínea F) dos factos assentes).
7. A pedido do Autor, o Réu aceitou patrociná-lo para diligenciar no sentido de desencadear o procedimento adequado para a condenação de E………….. pelo crime mencionado e no pagamento da indemnização dos danos sofridos. (alínea G) dos factos assentes).
8. O Autor assinou uma procuração forense a favor daquele. (alínea H) dos factos assentes).
9. Após o referido em G) e H), o Réu pediu ao Autor todos os elementos relativos a despesas médicas e à aquisição de medicamentos que havia suportado em consequência do crime referido em A), bem como recibos médicos e boletins de baixa médica. (alínea I) dos factos assentes).
10. Autor e Réu nunca acordaram sobre o valor da indemnização que o segundo deveria diligenciar por obter de E…………. para ressarcimento dos danos decorrentes do crime referido em A). (alínea J) dos factos assentes).
11. Após a realização do julgamento, o Autor questionou o Réu sobre porque no mesmo não havia sido produzida qualquer prova sobre os danos que havia sofrido em consequência do crime referido em A) nem tal assunto ter sido discutido. (alínea K) dos factos assentes).
12. Até à data de interposição da presente acção [11-12-2002], nenhuma acção foi intentada pelo Réu em representação do Autor para efectivação da responsabilidade civil emergente do crime referido em A). (alínea L) dos factos assentes).
13. Em consequência do crime referido em A), o Autor sofreu uma ferida com orifício à esquerda, a 5 cm da comissura labial homolateral, com 3 mm de diâmetro e orla de contusão, dores e edema na metade esquerda da face e região ntero-lateral esquerda do pescoço, para cujo tratamento foi transportado para o Hospital de São João, no Porto, onde foi admitido no serviço de urgência, pelas 21H00. (alínea M) dos factos assentes).
14. O Autor, para tratamento da ferida mencionada em M), esteve internado até ao dia 16-10-1997. (alínea N) dos factos assentes).
15. Durante o seu internamento, o Autor manteve a face inchada e sofreu muitas dores na metade esquerda do pescoço e deixou de sentir o braço esquerdo logo após o crime, situação que progressivamente foi desaparecendo. (alínea O) dos factos assentes).
16. Nos dois meses após a alta hospitalar, o autor sofreu dores intensas no ombro e braço esquerdo, com limitação na movimentação do braço esquerdo e alterações de sensibilidade, com formigueiros. (alínea P) dos factos assentes).
17. O Autor teve alta clínica em 12-05-1998 e manteve-se em regime de consulta externa na Unidade de Dor do Hospital de São João entre 09-02-1998 e 23-06-1998, onde foi submetido a tratamentos, com injecção local de anestésicos e medicação oral, para melhorar a mobilidade do membro e das dores que sentia em consequência das lesões provocadas pelo crime referido em A). (alínea Q) dos factos assentes).
18. O referido em G) e H) ocorreu cerca de 15 dias após a comissão do crime de homicídio de que o Autor foi vítima (dia 11-10-1997). (resposta ao facto 1º da b.i.)
19. O Autor contactou diversas vezes com o Réu no escritório deste. (resposta ao facto 4º da b.i.)
20. O Réu disse que iria peticionar indemnização pelos danos sofridos pelo Autor em consequência do crime referido em A). (resposta aos factos 5º e 6º da b.i.)
21. Após a realização do julgamento, o Réu disse ao Autor que o assunto da indemnização a exigir a E………….. iria ser tratado mais tarde. (resposta ao facto 7º da b.i.)
22. E que havia de ser consultado por um médico seu amigo (do Réu) sobre as dores que sofreu e sofre em consequência das lesões provocadas pelo crime referido em A). (resposta ao facto 8º da b.i.)
23. E sobre as consequências decorrentes do alojamento da bala disparada por E…………….. (resposta ao facto 9º da b.i.)
24. O Réu nunca comunicou ao Autor o médico que o iria examinar nem a data da consulta para o efeito. (resposta ao facto 14º da b.i.)
25. Após a data da alta hospitalar, o Autor manteve-se muito debilitado e com vergonha de sair de casa. (resposta ao facto 15º da b.i.)
26. Por isso, não saiu de casa durante 15 dias. (resposta ao facto 16º da b.i.)
27. Em consequência das lesões provocadas pelo crime referido em A), o Autor esteve impossibilitado de trabalhar desde 11-10-1997 até 16-10-1997. (resposta ao facto 18º da b.i.)
28. E sofreu de Incapacidade Temporária Parcial para o Trabalho de 20% entre 17-10-1997 até 29-11-1998. (resposta ao facto 19º da b.i.)
29. E sofre de IPP para o trabalho de 4%.(resposta ao facto 20º da b.i.)
30. À data do crime referido em A), o Autor trabalhava como mecânico de automóveis por conta própria. (resposta ao facto 21º da b.i.)
31. Donde obtinha o rendimento líquido médio mensal de € 500,00. (resposta ao facto 22º da b.i.)
32. Para tratamento das lesões decorrentes do crime referido em A), o Autor comprou medicamentos e pagou exames e consultas a que se submeteu. (resposta ao facto 23º da b.i.)
33. O Autor recordou e recorda com frequência o crime referido em A). (resposta ao facto 24º da b.i.)
34. Em consequência do crime, [o A.] sente-se infeliz. (resposta ao facto 29º da b.i.)
35. E pessimista. (resposta ao facto 30º da b.i.)
36. O Réu pediu ao Autor informação sobre o arguido. (resposta ao facto 35º da b.i.)
37. O Autor informou-o de que tinha alguns bens. (resposta ao facto 36º da b.i.)
38. Desde que o mandatou e sempre que com ele contactou, o Autor sempre disse ao Réu que pretendia ser indemnizado dos danos decorrentes do crime referido em A). (resposta ao facto 46º da b.i.)
39. O Autor mostrou a carta de notificação da acusação referida em C) ao réu. (resposta ao facto 47º da b.i.)


III - Como é sabido, o âmbito dos recursos é definido pelas conclusões das alegações, não podendo o tribunal conhecer de matérias não incluídas, a não ser que se trate de questões de conhecimento oficioso, cfr. artºs 684º nº 3 e 690º nºs 1 e 3, ambos do C.P.Civil, sendo certo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, é o seu objecto delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida, pelo que são questões a decidir:
- Na apelação do autor:
1ª - Saber se deve ser alterada a resposta dada em 1ª instância ao facto 6º da base instrutória ?
2ª – Saber se, no caso concreto, a medida dos danos indemnizáveis tem que coincidir com a indemnização a que o autor, eventualmente, teria direito e não obteve, por culpa da atitude omissiva do réu ?
3ª – Saber se o montante de indemnização atribuída ao autor a título de danos não patrimoniais é escassa e insuficiente em face dos danos provados ?
- Na apelação do réu:
1ª – Saber se a conduta do réu causou ao autor, em termos de causalidade adequada, danos ?
2ª – Saber, no caso concreto, quais os limites do dano indemnizável ?
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Vejamos a 1ª questão colocada na apelação do autor.
Insurge-se o autor/apelante contra não ter sido dado por provado o facto 6º da base instrutória.
Para tanto alega que “A fundamentação que suporta a matéria de facto dada como assente, aponta a nosso ver para que se dê como provado o quesito 6º da base instrutória. Não se questiona aqui a apreciação da prova, mas, que desta tal como o meritíssimo Juiz “a quo" fundamenta ressalta que o A. mandatou o Réu para que este deduzisse o pedido de indemnização civil no processo penal respectivo. Mais, na fundamentação refere-se que a testemunha D…………… que o tribunal não questionou a imparcialidade do seu testemunho, referiu que o Réu ia meter a indemnização com o crime" de resto a pretensão clara do A” (sic).
È manifesto que o autor/apelante impugna a resposta dada em 1ª instância ao facto 6º da base instrutória.
Mas será que tal impugnação é feita em termos legalmente admissíveis e que permitam a este Tribunal reapreciar a prova produzida sobre tal questão ?
A resposta é NÃO.

Na verdade e no que à modificabilidade da decisão da matéria de facto importa e tendo-se em atenção a situação concreta dos autos, dispõe-se no artº 712º do C.P.Civil que:

1. A decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação:

a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artº 690º-A, a decisão com base neles proferida;

b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas;

2. No caso a que se refere a segunda parte da alínea a) do número anterior, a Relação reaprecia as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações do recorrente e recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento a decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados.

Ora, se é verdade que constam do processo todos os elementos de prova que serviram de base à decisão de tal ponto da matéria defacto, estando gravados em fita audio os depoimentos prestados em audiência de julgamos estão gravados, certo é também que a impugnação da decisão do facto em apreço não foi efectuada nos termos impostos na lei.
E isto porque impõe o artº 690º-A do C.P.Civil que o recorrente que pretenda impugnar a decisão de pontos da matéria de facto, deve: 1. para além de obrigatoriamente especificar os pontos concretos de facto que considera incorrectamente julgados; 2. especificar também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou da gravação que impunham decisão diversa da recorrida, e no caso de meios probatórios terem sido gravados, indicar os depoimentos em que se funda, por referência à acta de julgamento.
Visto as conclusões da apelação em apreço, concluimos que o autor/apelante cumpriu a 1ª parte do ónus que sobre ele recaía, mas de forma alguma, cumpriu a 2ª parte desse mesmo ónus.
Na verdade, o autor/apelante limitou-se a dizer que, atenta a fundamentação da decisão da matéria de facto feita em 1ª instância, a decisão do facto 6º da base instrutória deveria ter sido outra e não a dada pelo tribunal “a quo”.
Pelo exposto, não se pode aceitar como impugnada para efeitos de recurso da matéria de facto a decisão que recaíu sobre o ponto 6º da base instrutória, havendo de se rejeitar, nesta parte, e sem necessidade de mais considerandos, a presente apelação.
Improcedendo as respectivas conclusões da apelação em apreço.

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Passemos à 2ª questão em análise na presente apelação.
Na decisão recorrida, depois de se caracterizar o contrato estabelecido entre autor e réu e as normas legais que o regem, definiu-se a natureza da responsabilidade civil em que o réu incorreu.
Assim e quanto a estas questões, concorda-se, inteiramente, com o julgado em 1ª instância no que concerne aos fundamentos da decisão, para onde se remete.
Mas sempre se dirá que entre o advogado/réu e o cliente/autor existiu uma relação contratual de prestação de serviço, a modalidade de mandato, cfr. arts. 1154º, 1155º, 1157º e 1178º do C.Civil, e 32º e segs., do C.P.Civil.
Sendo igualmente acertado que se aplica ao advogado que falta culposamente ao cumprimento da sua obrigação o disposto nos artºs 798º e 799º do C.Civil, sendo que, se trata de uma obrigação de meios, na medida em que apenas promete uma prestação profissional diligente com vista a conseguir uma decisão favorável, o que não impede que funcione a presunção de culpa estabelecida no citado artº 799º nº1 do C.Civil.
Também dúvidas não restam de que se discute, desde há longo tempo, na Doutrina e Jurisprudência qual a natureza da responsabilidade civil/profissional do advogado, ou seja, defendem uns que ela é de natureza contratual; enquanto que contrapõem outros que ela é de natureza extra-contratual; e por fim aceitam outros que essa responsabilidade é de natureza mista, ou seja, há os que adoptam a possibilidade de concorrência de ambas as responsabilidades (contratual e extra-contratual), havendo que fixar, em cada caso concreto, qual o regime jurídico a adoptar.
Destarte, se o advogado não cumpre ou cumpre, defeituosamente, as obrigações que lhe advêm do exercício do mandato que firmou com o cliente, constitui-se, para com ele, em responsabilidade civil contratual; mas se o advogado pratica um facto ilícito lesivo dos interesses do seu constituinte, então a sua responsabilidade civil para com esse mesmo cliente é de natureza extracontratual.
Esta última corrente é a defendida pela maioria da Doutrina e aceite pela generalidade da Jurisprudência, como a mais conforme ao Direito e às realidades da vida, cfr.L.P. Moitinho de Almeida, in “A Responsabilidade Civil dos Advogados”, pág.13; Cunha Gonçalves, in “Tratado de Direito Civil”, tomo XII, pág. 762; e entre muitos outros, os Acs. STJ de 24.11.1987, in BMJ 371-444; de 30.05.95, in CJ/STJ, Tomo II, pág. 119; de 6.04.2000, in www.dgsi.pt; de 28.09.2006, in www.dgsi.pt; de 17.10.2006, in dgsi.pt; Ac. Rel. Lisboa de 25.09.2001, in www.gdsi.pt; Ac. Rel Porto de 1.06.2006, in www.gdsi.pt; Ac. Rel. Porto de 19.09.2006, in www.dgsi.pt.
Esta última teoria é, apontada como sendo, e é de facto, a mais conforme ao Direito e ao que ocorre na realidade das coisas.
Pelo que, no caso concreto, também entendemos que estando assente que entre autor e réu foi celebrado um contrato de prestação de serviços, na modalidade de mandato com representação, por via do qual, o réu (mandatário) se obrigou para com o autor (mandante) a realizar, no seu interesse, um ou mais actos jurídicos, - ou mais propriamente como resulta dos factos assentes nos autos – “A pedido do autor, o réu aceitou patrociná-lo para diligenciar no sentido de desencadear o procedimento adequado para a condenação de E…………… pelo crime mencionado e no pagamento da indemnização dos danos sofridos” - de acordo com as regras profissionais da respectiva actividade, o cumprimento defeituoso ou imperfeito da obrigação a que o réu estava adstrito, fá-lo incorrer em responsabilidade contratual.
E isto sem esquecer que a obrigação a que o réu estava adstrito para com o autor era uma obrigação de meios e não de resultado, pois o réu não estava obrigado para com o autor a conseguir a condenação daquele arguído pelo referido crime, nem a procedência de certo pedido de indemnização cível que formulasse no âmbito do processo-crime ou numa acção cível em separado, mas tão só e apenas a diligenciar, praticando os actos necessários e tendentes, de acordo com as regras profissionais da respectiva actividade, a poderem vir a produzir um tal resultado.
Dos autos resulta assente que o réu não formulou pedido de indemnização cível no âmbito do processo-crime em que patrocionou o autor, aí ofendido, pedido esse que se tivesse sido formulado, em face dos factos que resultaram provados em sede de processo-crime e nos presentes autos, tinha forte probabilidade de ter sido julgado procedente, ou seja, de o autor ter visto ser reconhecido o seu direito a haver do arguído E…………… uma indemnização pelos prejuízos sofridos em consequência da tentativa de homocídio de que foi vítima.
Destarte, dúvidas não restam de que o réu cumpriu defeituosamente a obrigação a que se vinculou perante o autor, quando aceitou o seu patrocínio no aludido processo crime, já que, não obstante ter diligenciado pela condenação do dito arguído pela prática do crime que cometeu contra a pessoa do seu cliente, ora autor, não diligenciou, como lhe era exigível que fizesse, em defesa dos interesses do seu cliente, pela formulação de pedido de indemnização cível logo no referido processo-crime, mais que não fosse para que o seu cliente pudesse ser indemnizado o mais prontamente possível dos prejuízos que lhe haviam sido causados, ou caso a formulação do pedido de indemnização cível no âmbito do processo-crime não fosse, no caso concreto, a melhor estratégia para a defesa dos interesses do seu cliente, era exigível que o réu lhe tivesse explicado tal facto e o tivesse convencido da bondade de tal actuação, cfr. artº 81º nº1 als.c) e d) do DL84/84, de 16.06- Estatuto da Ordem dos Advogados, vigente à data dos factos.
Pelo que o réu, ao ter-se remetido a não agir, contra o que era exigível que fizesse, actuou de forma culposa - culpa essa que, aliás, se presume, já que estamos no âmbito da responsabilidade contratual, e que ele não logrou ilidir.
Pode mesmo considerar-se que o réu, ao tomar tal comportamento omissivo, violou a relação de confiança que se havia criado no espírito do autor ao constituir o réu seu mandatário, isto é, que tendo o autor incumbido o réu de diligenciar no sentido de desencadear o procedimento adequado para a condenação de E……………. pelo crime cometido e para o pagamento da indemnização dos danos sofridos, era razoável e legítimo que esperasse ser prontamente seria ressarcido dos prejuízos que a conduta do arguído lhe havia causado, violando assim o princípio da boa fé contratual subjacente à relação constituída entre ambos.
Na decisão recorrida veio ainda a considerar-se, e correctamente “que o prejuízo sofrido pelo autor consistiu na não obtenção, no processo-crime, da decisão condenatória do arguido, seu agressor, em indemnização pelos danos provocados pela conduta deste e que tal se deveu ao facto de o réu/advogado a não ter, oportunamente, ali solicitado, como era seu dever deontológico e obrigação contratualmente definida”.
E concluiu-se aí, também acertadamente, “que, traduzindo-se tal falta num dano, se verifica entre este e tal conduta culposa nexo de causalidade”.
Pretende agora o autor/apelante que o réu ao não deduzir, atempadamente e em sede de processo-crime, pedido de indemnização cível, lhe causou um prejuízo que não é o correspondente à privação da indemnização a que teria direito, caso tal pedido tivesse sido formulado, no período de Abril de 2001 a Outubro de 2004, como foi considerado na decisão recorrida, mas que corresponde ou deve coincidir com a indemnização a que teria direito, e que não obteve, por via da atitude omissiva do réu.
É manifesto que não assiste razão ao autor/apelante.
Senão, vejamos.
Segundo o disposto no artº 798º do C.Civil, o devedor que falte culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor. A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão, cfr. artº 563º do C.Civil, sendo certo, que, em princípio, quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação, cfr. artº 562º do C.Civil.
Tendo-se esgotado a possibilidade de dedução de pedido de indemnização cível no âmbito do aludido processo-crime, resta-nos apurar se ainda é possível a formulação de pedido de indemnização em acção cível.
Ora, resulta do autos que o réu logrou fazer prova, contrariamente ao alegado pelo autor, de que ainda é possível ao autor obter, por via de acção declarativa de condenação a instaurar em processo cível contra o autor de facto ilícito - crime, indemnização pelos prejuízos sofridos em consequência da conduta daquele.
Na verdade, resulta dos factos assentes nos autos que no processo-crime não foi deduzida acusação, dentro de oito meses, a contar da notícia do crime, pelo que desde que se verificou tal facto, o autor passou a poder optar entre a formulação do pedido de indemnização em sede de processo-crime (princípio da adesão obrigatória ou da interdependência) ou, em alternativa, podê-lo deduzir, em separado, perante o tribunal civil, cfr. artº 72º al.a) do C.P.Penal.
E tal pedido de indemnização perante o tribunal cível, poderá, em princípio ser deduzido dentro do prazo (de prescrição) de 15 anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, cfr. artºs 498ºnºs 1 e 2 do C.Civil, e 118º nº1, al.a), do C.Penal.
Portanto, o dano causado ao autor pela conduta omissiva e culposa do réu, não corresponde à indemnização que podia ter obtido e não obteve, no sentido de não mais a poder vir a obter; mas corresponderá tão só à privação da mesma por parte do autor, desde o momento em que a teria obtido, caso o réu tivesse agido de acordo com as obrigações que sobre si recaíam por via do contrato de mandato e de acordo com os deveres estautários da sua actividade – ou seja, desde a data do acórdão condenatório do arguído no processo-crime - e até à ocasião em que veio a revogar a procuração que havia outorgado ao réu.
É assim plenamente acertado exposto a este respeito na sentença recorrida, ou seja, “ ... olhando ao que dispõe o artº 563ºC.Civil, bem se pode dizer que provavelmente o autor não teria sofrido os danos consubstanciados na frustração da indemnização devida pelo seu agressor e arguido no processo penal se não fosse a conduta omissiva ilícita e culposa do réu, e, assim, que se verifica o indispensável nexo de causalidade. Assim como, noutra perspectiva, não se pode deixar de constatar e afirmar que provavelmente o autor também não está ainda irremediavelmente prejudicado porque pode ainda accionar o lesante primitivo e até já poderia ter deixado de o estar se tivesse sido mais lesto a constituir o novo advogado – o que fez em 10/10/2000 – e se este, uma vez constituído, verificasse a possibilidade subsistente e tivesse agido em função dela em vez de se conformar com a tese de que fatalmente o pedido tinha de ser deduzido no processo-crime, que o prazo para o efeito já se esgotara em 5/4/99 e de que, portanto, a responsabilização do agressor estava fatalmente inviabilizada ...”.
É evidente que o artº 563º do C.Civil traduz entre nós, de entre as três principais construções doutrinárias sobre o nexo de causalidade entre o facto e o dano (equivalência das condições ou da “conditio sine qua non”; das condições selectivas ; e da causalidade adequada) a doutrina da causalidade adequada.
Assim, fazendo-se apelo à ideia da probabilidade do dano, a “indemnização confina-se aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão do seu direito ou interesse protegido”, cfr. Almeida Costa, in “Direito das Obrigações”, pág. 521.
Na verdade, segundo o que se dispõe no artº 563º do C.Civil “não há que ressarcir todos e quaisquer danos que sobrevenham ao facto ilícito, mas tão só os que ele tenha na realidade ocasionado, os que possam considerar-se pelo mesmo produzidos. O nexo de causalidade entre o facto e odano desempenha, consequentemente, a dupla função de pressuposto da responsabilidade civil e de medida da obrigação de indemnizar, cfr. Almeida Costa, in obra citada, pág. 397, pois o contrário seria absolutamente injusto.
E, na verdade, injusto é o defendido pelo autor, ou seja, que só lhe interessava receber uma indemnização do seu agressor em sede de processo-crime e peticionada pelo réu, logo como tal não sucedeu, nem pode já hoje acontecer visto o terminus do processo-crime, o seu dano consiste nessa indemnzação a que teria direito e que não logrou obter ???.
Pelo que bem apreciou a 1ª instância o dano causado ao autor em consequência da conduta do réu, e assim concluiu que: “o prejuízo sofrido pelo autor consistiu na não obtenção, no processo-crime, da decisão condenatória do arguido seu agressor em indemnização pelos danos provocados pela conduta deste e que tal se deveu ao facto de o aqui réu advogado a não ter oportunamente ali solicitado como era seu dever deontológico e obrigação contratualmente definida, conclui-se que, traduzindo-se tal falta num dano, se verifica entre este e tal conduta culposa nexo de causalidade”.
Como é evidente não é possível a reconstituição natural, a que em princípio se deve traduzir a obrigação de indemnizar, cfr. 562º do C.Civil, pelo que há que calcular a indemnização em dinheiro, cfr. artº 566º do C.Civil, que tem, por regra, como medida a diferença entre a situação patroimonial do lesado, na data mais recente que poder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos – Teoria da diferença.
O autor apelante não se insurge, por via do presente recurso, contra o cálculo feito em 1ª instância relativamente o montante do crédito indemnizatório que, com toda a verosimilhança ou probabilidade, no processo-crime, com os factos nele existentes e alegáveis, e segundo as regras jurídicas nele aplicáveis, o tribunal colectivo teria decidido a favor do autor, se o pedido de indemnização cível tivesse sido nele deduzido pelo réu.
E assim, entendeu-se no tribunal recorrido que a título de indemnização por danos não patrimoniais sofridos, o autor teria visto o seu agressor a ser condenado a pagar-lhe a quantia de 15.000,00 €, e a título de dano patrimonial futuro, consequente da IPP de que ficou a padecer, a quantia de 5.000,00 €. Não obstante, o autor por via deste recurso questionar o montante fixado a título de danos não patrimoniais, certo é que está perfeitamente correcto o raciocínio de que se o réu tivesse deduzido o pedido cível no processo-crime, aquando da publicação do respectivo Acórdão do Tribunal da Relação (18.04.2001), ter-se-ia consolidado no património do autor um crédito indemnizatório de 20.000,00 €, confirmando o que teria sido arbitrado em 1ª instância, que assim se tornaria exigível .
Certo é que a obrigação assumida pelo réu perante o autor de deduzir pedido de indemnização cível contra o agressor, não se tornou impossível com o trânsito da decisão condenatória proferida em processo-crime, pois como acima se deixou expresso, a obtenção de tal indemnização continuou a ser possível mesmo depois de tal data, não só através dos serviços do réu, enquanto patrocinou o autor, ou pelo novo advogado constituído pelo autor.
E isto porque, vistos os autos, temos que, por um lado, o mandato que o autor havia outorgado ao réu foi, só foi tacitamente, revogado à data da citação deste para esta acção (17.01.2003), cfr. artº 1171º do C.Civil e, por outro lado, o autor, agastado com a conduta do réu, constituíu, em 10.10.2000, advogado para a presente acção, pelo que é perfeitamente admissível considerar-se que a partir de então, o autor estava em condições de, prescindindo dos serviços que havia contratualizado com o réu, (obtenção de indemnização em consequência do crime de que fora vítima) instaurar acção de indemnização em tribunal cível a aí obter a reparação dos seus prejuízos.
Pelo que se o autor tivesse intentado a acção de indemnização cível quando ficou em condições de o fazer, como acima se referiu, e aceitando como calculou o tribunal “ a quo” que essa acção levaria cerca de 4 anos até nela se obter uma decisão definitiva, lógico é de concluir que a conduta omissiva do réu e em apreço nos autos causou ao autor um prejuízo consistente na privação daquela indemnização de 20.000,00 €, além de outras despesas previsíveis com a instauração da própria acção, etc, mas que não foram alegadas, nem provadas, no período estimado de quatro anos, ou seja, entre Abril 2001 e Outubro de 2004.
Ora, se o autor não tivesse assim sido privado durante tal período de tempo do capital de tal indemnização, dele natural e razoalvelmente, retiraria um rendimento financeiro de 4% ao ano, pelo que o prejuízo causado ao autor pela conduta omissiva do réu se tem de fixar em 2.800,00 €.
Pelo que improcedem as respectivas conclusões do apelante/autor.
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Vejamos agora a 3ª questão da apelação do autor.
Como acima já se deixou consignado a decisão recorrida calculou os danos não patrimoniais sofridos pelo autor em consequência da agressão de que foi vítima por parte de E…………….. em 15.000,00 €.
O autor havia alegado que a indemnização que lhe era devida a tal título deveria ser de 40.000,00 €, pelo que entende de escassa o montante a que chegou a 1ª instância para o cálculo do seu prejuízo consequente da conduta do réu.
Ora está assente nos autos que, no dia 11.10.1997, autor foi a vítima de um crime de homicídio tentado, cometido por E…………………, quando estava sentado ao balcão de um restaurante a conversar com a irmã, e quando aquele se lhe dirigiu, pelas costas, e lhe encostou uma arma de fogo à parte de trás do ouvido esquerdo, tendo contra ele disparado um tiro que o atingiu no maxilar esquerdo, fazendo com que caísse ao chão.
Em consequência directa e necessária da agressão, o autor sofreu várias lesões, descritas e examinadas nos autos de exames médicos e registos clínicos de fls. 11 a 17, 30, 40 a 46 e 89 dos autos crime, de que se destacam: «ferida na face ... com orifício de entrada ..., com três milímetros de diâmetro e orla de contusão de um milímetro, sem anel de limpeza»; «edema e hemorragia no trajecto do projéctil ... fractura incompleta da mandíbula e posteriormente fractura da apófise transversa esquerda»; «efectuada fibrocopia da laringe sob anestesia local, apresenta traumatismo ligeiro da região esquerda da laringe», resultando cicatriz arredondada de cerca de cinco milímetros de diâmetro na face esquerda, e que lhe determinaram trinta dias para cura, bem como um período de incapacidade para o trabalho de noventa dias.
O projéctil ficou alojado na região postero-lateral do pescoço do autor junto à apófise espinhosa, onde ainda se encontrava à data do acórdão proferido em processo crime, e não foi extraído, por, segundo parecer clínico, os benefícios não compensarem os riscos da intervenção cirúrgica.
O autor só não morreu por motivos alheios à vontade do arguido e por ter sido prontamente socorrido.
O autor tinha então 49 anos, exerce a profissão de mecânico de automóveis numa oficina que lhe pertence e explora e de onde retira rendimento mensal médio entre 200 a 300 contos, e que, em consequência da agressão, esteve doente e incapacitado para o trabalho durante o período subsequente de 90 dias, tendo recebido da Segurança Social 498.240$00 como subsídio de doença relativo ao período de 11.10.97 a 31.07.98.
O sofreu ainda uma ferida com orifício à esquerda, a 5 cm da comissura labial homolateral, com 3 mm de diâmetro e orla de contusão, dores e edema na metade esquerda da face e região antero-lateral esquerda do pescoço, para cujo tratamento foi transportado para o Hospital de São João, no Porto, onde foi admitido no serviço de urgência, pelas 21H00, e para cujo tratamento ficou aí internado até ao dia 16.10.1997.
Durante o seu internamento, o autor manteve a face inchada e sofreu muitas dores na metade esquerda do pescoço e deixou de sentir o braço esquerdo logo após o crime, situação que progressivamente foi desaparecendo.
Nos dois meses após a alta hospitalar, o autor sofreu dores intensas no ombro e braço esquerdo, com limitação na movimentação do braço esquerdo e alterações de sensibilidade, com formigueiros.
O autor teve alta clínica em 12.05.1998 e manteve-se em regime de consulta externa na Unidade de Dor do Hospital de São João entre 09.02.1998 e 23.06.1998, onde foi submetido a tratamentos, com injecção local de anestésicos e medicação oral, para melhorar a mobilidade do membro e das dores que sentia em consequência das lesões provocadas pelo crime de que foi vítima.
Após a data da alta hospitalar, o autor manteve-se muito debilitado e com vergonha de sair de casa, o que não fez, por isso, durante 15 dias.
Em consequência das lesões provocadas pelo crime referido, o autor esteve impossibilitado de trabalhar desde 11.10.1997 até 16.10.1997. Sofreu de Incapacidade Temporária Parcial para o Trabalho de 20% entre 17.10.1997 até 29.11.1998 e sofre de IPP para o trabalho de 4%.
À data do crime, o autor trabalhava como mecânico de automóveis por conta própria, de onde obtinha o rendimento líquido médio mensal de € 500,00.
Para tratamento das lesões decorrentes do crime referido, o autor comprou medicamentos e pagou exames e consultas a que se submeteu.
O autor recordou e recorda com frequência o crime referido e, em consequência dele, sente-se infeliz e pessimista.
Ora, a par da ressarcibilidade dos danos patrimoniais a lei contempla também a “compensação” pelos danos não patrimoniais, ou seja, aqueles que só indirectamente podem ser compensados. E segundo o artº 496º nº1 do C.Civil, na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, ou seja, deve ter-se em conta na fixação de tal indemnização todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida.
Pelo que atenta a gravidade objectiva dos danos medida em função da tutela do direito, há que fixar-se o montante da indemnização em obediência a juízos de equidade, cfr. artº 496º nºs 1 e 3 do C.Civil.
A indemnização terá ainda em conta a situação económica do lesado e do lesante.
Ora, tendo em atenção todo o quadro de sofrimento físico e psíquico experimentado pelo autor em consequência da tentativa de homicídio de que foi vítima, as sequelas das lesões então sofridas e que hoje apresenta, e os efeitos psíquicos que ainda hoje se fazem sentir, sem esquecer que a indemnização por danos morais visa reparar de algum modo mais do que indemnizar os danos sofridos pelo lesado, mas também não lhe é estranha a ideia de censurar ou reprovar a conduta do lesante, reputamos que é justa, equilibrada e equitativa o montante da indemnização por danos não patrimoniais fixada em 1ª instância, ou seja, 15.000,00 €.
Pelo que improcedem as respectivas conclusões da apelação do autor.
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Vejamos agora a apelação do réu.
No que concerne à 1ª questão.
Diz o réu, ora apelante, que nunca se comprometeu perante o cliente/autor a seguir soluções técnicas por ele sugeridas ou pretendidas. Pelo a formulação do pedido de indemnização cível nas circunstâncias que se verificavam ao tempo do processo-crime, em que não era possível proceder a uma liquidação total do dano, mostrava-se contraproducente e prejudicial ao ofendido/autor, pelo que foi, por si, admitida como plausível e acertada a possibilidade da instauração de acção cível em separado, até porque na acção cível é com a citação que se inicia a mora, (ao passo que na acção penal a obrigação só se consolida com o trânsito da sentença penal) atento ainda que todos os danos poderiam ser liquidados na própria acção e não remetidos para liquidação em execução de sentença.
Com interesse directo para a decisão da questão em apreço estão assentes nos autos os seguintes factos:
1. Correu termos no ..º Juízo do Tribunal Judicial de Valongo o processo Comum Colectivo n.º …./99, no qual, por Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido em 18.04.2001, transitado em julgado, foi confirmado o Acórdão proferido pelo Tribunal de Círculo de Gondomar, no mesmo processo, em 2.03.2000, no qual se aplicou a pena de quatro anos de prisão a E…………….. pela comissão, em 11.10.1997, de um crime de homicídio na forma tentada, p. e p. pelos arts. 22º, 23º, n.º2, 73º, n.º1, e 131º, do Código Penal, de que foi vítima o autor.
2. A pedido do autor, o réu aceitou patrociná-lo para diligenciar no sentido de desencadear o procedimento adequado para a condenação de E……………….. pelo crime mencionado e no pagamento da indemnização dos danos sofridos e consequentemente, o autor assinou uma procuração forense a favor dele.
3. A acusação constante do processo comum colectivo nº …../99, foi deduzida pelo MP, a no dia 26.03.1999 contra E…………….. e foi notificada ao autor, na qualidade de ofendido, no dia 24.05.1999.
4. O Autor mostrou a carta de notificação da acusação ao réu.
5. Após, o réu pediu ao autor todos os elementos relativos a despesas médicas e à aquisição de medicamentos que havia suportado em consequência do crime referido, bem como recibos médicos e boletins de baixa médica.
6. O autor contactou diversas vezes com o réu no escritório deste.
7. O réu disse que iria peticionar indemnização pelos danos sofridos pelo autor em consequência do crime referido.
40. E sobre as consequências decorrentes do alojamento da bala disparada por E……………..
8. A audiência de julgamento do processo comum colectivo nº …../99 realizou-se no dia 9.02.2000 e continuou no dia 2.03.2000 para leitura do respectivo acórdão.
9. Em tal processo não foi deduzido nenhum pedido de indemnização civil pelo autor nem fixada qualquer indemnização a pagar ao mesmo para ressarcimento de danos sofridos em consequência do crime .
10. Após a realização do julgamento, o autor questionou o réu sobre porque no mesmo não havia sido produzida qualquer prova sobre os danos que havia sofrido em consequência do crime, nem tal assunto ter sido discutido.
11. Após a realização do julgamento, o réu disse ao autor que o assunto da indemnização a exigir a E…………… iria ser tratado mais tarde.
12. E que havia de ser consultado por um médico seu amigo (do réu) sobre as dores que sofreu e sofre em consequência das lesões provocadas pelo crime referido.
13. O réu nunca comunicou ao autor o médico que o iria examinar nem a data da consulta para o efeito.
14. Autor e réu nunca acordaram sobre o valor da indemnização que o segundo deveria diligenciar por obter de E…………….. para ressarcimento dos danos decorrentes do crime.
41. O réu pediu ao autor informação sobre o arguido e o autor informou-o de que tinha alguns bens.
15. Até à data de interposição da presente acção [11.12.2002], nenhuma acção foi intentada pelo réu em representação do autor para efectivação da responsabilidade civil emergente do crime referido.
42. Desde que o mandatou e sempre que com ele contactou, o autor sempre disse ao réu que pretendia ser indemnizado dos danos decorrentes do crime referido.
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Segundo entendemos a responsabilidade do advogado para com o seu cliente pode ser contratual ou extracontratual: e será de natureza contratual se o advogado não cumpre ou cumpre defeituosamente as obrigações que lhe advêm do exercício do contrato de mandato que firmou com o seu constituinte, tacitamente ou mediante procuração; e será de natureza extracontratual ou aquiliana, se o advogado pratica facto ilícito lesivo dos interesses do seu constituinte, cfr. Moitinho de Almeida, in “Responsabilidade Civil dos Advogados”, pág. 13.
A questão em apreço nos autos tem de ser analisada à luz da responsabilidade contratual decorrente do incumprimento do contrato de mandato celebrado entre autor e réu. E porque as regras próprias do contrato de mandato não abrangem as consequências do incumprimento das obrigações do mandatário, limitando-se a defini-las, cfr. artº 1161º do C.Civil, há que aplicar os princípios gerais, ou seja, sendo o cumprimento ou incumprimento das obrigações do mandatário apreciado segundo as normas que regulam o cumprimento ou incumprimento das obrigações em geral, cfr. artºs 762º e seguintes do C.Civil.
E assim, o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelos prejuízos que causa ao credor, cfr. artº 798º do C.Civil, cabendo ao devedor provar que a falta de cumprimento não precede de culpa sua, cfr. artº 799º do mesmo diploma e competindo ao crdor provar que houve incumprimento.
Segundo o regime do contrato de mandato, o mandatário é obrigado, além do mais, a praticar os actos compreendidos no mandato segundo as instruções do mandante, a prestar as informações que este lhe peça, relativas ao estado da gestão e a comunicar ao mandante, com prontidão, a execução do mandato ou, se não o tiver executado, a razão por que assim procedeu, cfr. artº 1161ºals. a), b) e c) do C.Civil.
Trantando-se de mandatário forense, há que ter ainda em atenção as obrigações específicas do advogado para com o seu cliente, previstas no artº 83º DL 84/84 – Estatuto da Ordem dos Advogados (aplicável ao caso em apreço).
Segundo a al. c) do nº1 de tal normativo, constituem deveres do advogado: dar ao cliente a sua opinião conscienciosa sobre o merecimento do direito ou pretensão que este invoca, assim como prestar, sempre que lhe for pedido, informação sobre o andamento das questões que lhe forem confiadas.
De harmonia com a al. d) do nº1 do mesmo preceito legal: deve o advogado estudar com cuidado e tratar com zelo a questão de que seja incumbido utilizando, para o efeito, todos os recursos da sua experiência, saber e actividade.
Moitinho de Almeida, in obra citada, pág. 18, refere que, na consulta (al. c), deve o advogado ser bastante cuidadoso, não deixando de fazer ver ao seu cliente a realidade da sua situação e os meios que tem ao seu alcance para a fazer valer, ou seja, na relação advogado-constituinte é fundamental que o primeiro esclareça devidamente, à luz do Direito, as questões que lhe forem colocadas.
A supra referida al. d) trata do chamado “erro de ofício” que constitui o advogado, quer em responsabilidade civil para com o cliente porque importa culpa e cumprimento defeituoso das obrigações que para ele resultaram do mandato, quer em responsabilidade extracontratual porquanto consubstancia culpa e viola o normativo citado.
Como é manifesto, a maior parte dos actos praticados por advogado no exercíccio das suas funções, revestem de certa complexidade e exigem conhecimentos técnicos específicos para serem realizados, e assim a obrigação que o mandatário tem de seguir as instruções do seu mandante tem de ser entendida em termos hábeis, já que a obrigação do advogado para com o cliente é uma obrigação de meios e não de resultado. Assim não se pode exigir que o advogado siga, sem mais, as instruções do seu cliente, devendo antes exigir-se que o advogado, face às instruções do seu constituinte, analise a situação e decida agir pela forma mais diligente e adequada sob o do ponto de vista jurídico e de harmonia com os seus conhecimentos técnicos, na defesa dos interesses do seu cliente, dando de tal decisão conhecimento ao seu cliente e de colhendo a necessária aprovação que pode ser expressa ou tácita.
Ora, no caso dos autos, temos assente que tendo sido o réu incumbido pelo autor de diligenciar no sentido de desencadear o procedimento adequado para a condenação de E…………… pelo crime de homicídio tentado e para o pagamento de indemnização dos danos sofridos, tendo para o efeito assinado uma procuração forense a favor dele.
Posteriormente, o autor contactou diversas vezes com o réu no escritório deste e desde que desde que o mandatou, e sempre que com ele contactou, o autor sempre disse ao réu que pretendia ser indemnizado dos danos decorrentes do crime referido.
O réu, como advogado constituído do autor no âmbito do respectivo processo-crime, tinha a obrigação de, alem do mais, deduzir no dito processo pedido de indemnização cível a favor do autor. Sabendo, tecnicamente, quando o podia e devia fazer e tendo os elementos necessários para tal, já que o autor lhe mostrou a carta de notificação da acusação.
O réu disse ao autor que iria peticionar indemnização pelos danos sofridos em consequência do crime referido e até lhe pediu todos os elementos relativos a despesas médicas e à aquisição de medicamentos que havia suportado em consequência do crime referido, bem como recibos médicos e boletins de baixa médica e sobre as consequências decorrentes do alojamento da bala disparada por E……………….
Mas, o réu nada fez, nem disso deu conta ao autor.
E foi quando se realizou a audiência de julgamento do dito processo-crime que o autor se apercebeu que o réu não tinha peticionado qualquer indemnização cível e, por isso, interpelou-o, tendo o respondido que sobre o assunto da indemnização a exigir a E……………… iria ser tratado mais tarde. ... (!) e que para tal havia de ser consultado por um médico seu amigo (do réu) sobre as dores que o autor sofreu e sofre em consequência das lesões provocadas pelo crime referido.
O réu pediu ao autor informação sobre o arguido e o autor informou-o de que tinha alguns bens, mas nunca lhe comunicou qual o médico que o iria examinar nem a data da consulta para o efeito.
Sendo certo que autor e réu nunca acordaram sobre o valor da indemnização que o segundo deveria diligenciar por obter de E………………….. para ressarcimento dos danos decorrentes do crime, é também certo que o autor outrorgou procuração forense ao réu em Outubro de 1997; que o réu não formulou pedido de indemnização cível no processo-crime que terminou em 18.04.2001; e que depois, findo o processo-crime, o réu até à data da interposição da presente acção (11.12.2002), não intentou, em representação do autor, qualquer acção cível para efectivação da responsabilidade civil emergente do crime referido.
De tal factologia decorre que manifestamente o réu incumpriu para com o autor as obrigações assumidas por via do contrato de mandato que com ele celebrou e violou ainda as normas estatutárias da sua actividade profissional, acima referidas.
Na verdade, o réu não só não diligenciou, como o devia e podia ter feito, na defesa dos interesses do seu constituinte, pela formulação de pedido de indemnização cível no âmbito do processo-crime, já que dele tinha recebido o pedido expresso de que lhe conseguisse essa tal indemnização. Ou seja, o réu deveria ter tratado de tal questão como zelo e a diligência que se lhe impunha, utilizando para o efeito todos da sua experiência e saber e nada fez.
E mais, o réu, além de ter assumida esta conduta omissiva, ainda revelou total desconsideração pelo seu cliente, não o informando conscienciosamente, como o devia fazer, sobre o andamento das questões que lhe tinham sido confiadas, designadamente sobre a formulação do pedido de indemnização, deixando correr os anos e dando azo a que o autor apenas se apercebesse dessa sua conduta omissiva aquando da realização da audiência de julgamento no processo-crime.
Por outro lado, e ainda admitindo, como é alegado pelo réu, que a melhor defesa dos interesses do autor, naquele caso, passavam não pela formulação de pedido de indemnização cível no processo-crime, mas pela interposição de uma acção cível em separado, certo é que, mesmo que assim fosse, o que não resulta comprovado nos autos, sempre era dever estrito do réu, enquanto advogado constituído do autor, informá-lo desse facto, explicar-lhe a justeza de tal solução em face da sua experiência e conhecimentos técnicos e convencê-lo de que assim se alcançaria uma melhor reparação dos prejuízos que tinha sofrido.
E isto também não foi feito pelo réu.
Finalmente, temos ainda assente que findo o processo-crime e, sendo a única hipótese de o autor vir a ser indemnizado pelos prejuízos que sofreu em consequência do crime de que foi vítima, a instauração de uma acção cível em separado contra o arguído, o réu, mais uma vez, nada fez em defesa dos interesses do seu constituinte, pois durante mais de uma ano e meio que mediou entre o trânsito em julgado do acórdão proferido no processo-crime e a instauração da presente acção, não intentou qualquer acção cível para efectivação daquele responsabilidade civil emergente de facto crime.
Ora, de acordo com os princípios gerais da responsabilidade contratual, que acima expusemos, era ao autor que competia provar o incumprimento por parte do réu, o que manifestamente logrou fazer.
E sendo ao réu que competia provar que não tinha tido culpa nesse incumprimento, manifesto é concluir-se que este não afastou a presunção prevista no artº 799º do C.Civil, pois não logrou efectuar a prova de que actuou com a diligência que o caso exigia e lhe permitiam os seus conhecimentos e experiência.
Assim, face ao conteúdo dos deveres estatutários previstos nas als. c), d) do nº 1 do artº 83º do Estatuto da Ordem dos Advogados, há que concluir que o autor logrou fazer prova da violação dos mesmos por parte do réu e pelo consequente incumprimento das suas obrigações de mandatário previstas nas als. a), b) e c) do artº 1161º do C.Civil e o réu não logrou afastar a presunção de culpa que sobre ele recaía.
Destarte é assim manifesto que, em termos de causalidade adequada, a conduta omissiva do réu causou ao autor um dano consistente na frustração da indemnização devida pelo seu agressor/arguído no processo-crime, desde a data do trânsito em julgado do respectivo acórdão (18.04.2001) e até à data em que o autor, depois de ter constituído novo mandatário (o dos presentes autos) e ter assim ficado em condições de, querendo, através dele, intentar acção cível de indemnização contra aquele seu agressor, a veria definitivamente julgada, ou seja, cerca de quatro anos depois da sua instauração, dano esse que provalvelmente não teria, se não fosse a conduta omissiva ilícita e culposa do réu, cfr. artº 563ºC.Civil.
Este dano – frustação da indemnização a que o autor teria muito provalmente direito a haver do seu agressor no processo-crime, caso o réu aí tivesse formulado o respectivo pedido de indemnização, durante aquele período de tempo – corresponde ao rendimento que esse capital daria ao réu se na sua posse estivesse.
Pelo que concordamos com o decidido em 1ª instância, ou seja, com a concretização desse dano, através do cálculo do respectivo rendimento financeiro, à taxa de juro de 4% ao ano sobre o capital.
Pelo exposto e sem necessidade de outros considerandos, improcedem as respectivas conclusões da apelação do réu.
*
No que respeita à última questão em análise, ou seja, a de saber quais os limites do dano indemnizável.
Insurge-se o réu contra a decisão recorrida, dizendo que a sua responsabilidade mostra-se confinada ao prejuízo que para o autor adviria se não fosse o facto lesivo que lhe é imputado. A liquidação desse prejuízo determina-se pelo património que o agressor do autor teria à data do facto imputável ao réu. Ora, como o autor nada alegou sobre o património do seu agressor, nada a esse respeito se encontra provado, pelo que não é possível responsabilizar o réu, em termos líquidos, por qualquer dano.
Salvo o devido respeito, carece o réu de qualquer razão .
Na verdade, a alegação e a prova de que o agressor do agressor do autor tinha património bastante para poder pagar a indemnização a que muito provavelmente seria condenado no âmbito do processo-crime, a favor do autor, caso o réu tivesse deduzido oportunamente aí o respectivo pedido de indemnização cível não é um ónus do autor na presente acção.
A alegação e prova da inexistência de património do agressor do autor à data em que muito provavelmente seria condenado em pagamento de indemnização pelos danos causados em consequência da tentativa de homicício que perpetrou, caso não tivesse ocorrido a conduta omissiva e culposa do réu, como facto extintivo da responsabilidade do réu deste perante o autor, por essa conduta, é um ónus do réu, cfr. artº 342º nº2 do C.Civil.
Aliás, tal situação é idêntica àquela em que também competia ao réu alegar e provar que findo o processo crime ainda era possível e viável intentar acção de indemniação cível em separado, contra o agressor do autor .
Ora, foi o réu quem não cumpriu esse ónus de alegação e de prova de que o agressor/arguído no processo-crime não dispunha, à data em que muito provavelmente teria sido condenado no pagamento de uma indemnização a favor do autor em consequência doos prejuízos que lhe causou, de qualquer património para a satisfazer, pelo que “sibi imputet”.
Logo, bem andou a 1ª instância como calculou o valor dessa indemnização admitindo que o referido arguído possuía património necessário e suficiente para a satisfazer junto do autor.
Improcedem as respectivas conclusões da apelação do réu.


IV – Pelo exposto, acordam os juízes que compõem esta secção cível em julgar as apelações de autor e réu totalmente improcedentes, confirmando a decisão recorrida.
Custas das respectivas apelações, pelos apelantes.

Porto, 2007.10.30
Anabela Dias da Silva
António Luís Caldas Antas de Barros
Maria do Carmo Domingues