Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0831102
Nº Convencional: JTRP00041160
Relator: JOSÉ FERRAZ
Descritores: ACÇÃO DE DEMARCAÇÃO
NATUREZA
CAUSA DE PEDIR
REGISTO
Nº do Documento: RP200803060831102
Data do Acordão: 03/06/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO.
Indicações Eventuais: LIVRO 751 - FLS 103.
Área Temática: .
Sumário: I – A acção de demarcação tem natureza pessoal e não real e, porque não incluída no art. 3º do Cod. do Reg. Predial, não está sujeita a registo.
II – São elementos da causa de pedir complexa da acção de demarcação (hoje sujeita ao processo comum) a existência de propriedade confinante e de estremas incertas ou discutidas.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto

1) - Na acção, proposta por B………., contra C………. e D………. – todos residentes …………., ………., Vale de Cambra -, foi formulado o pedido:
Devem ser “definidas as estremas dos prédios da A. e dos RR., que são contíguos, ficando o da A. a sul do dos RR. e o destes a norte do daquela, por uma linha divisória no lado nascente, junto ao caminho, iniciando-se num muro aí existente, no extremo norte do prédio da A., segue em linha recta junto à parede sul do prédio dos RR.- artigo 1875 - passa pela pedra que sai do solo do terreno, com cerca de trinta cms de altura e dez/quinze cms de largura, até terminar na estrema poente dos dois prédios, junto ao cômoro, mais devendo os RR. ser condenados a reconhecerem essa linha divisória, que mais nenhum terreno possuem para além dessa linha divisória e que o prédio dos RR. tem a área total de 563,00 m2, sendo 148,30 m2 de área coberta e 414, 70 m2”.

2) - Os RR contestaram, terminando a pedir a sua absolvição da instância por erro na forma do processo, verificação de caso julgado e, de qualquer forma, a improcedência da acção.
Houve réplica, em nada se alterando a configuração da acção afirmada na inicial

3) - Findos os articulados, foi proferido o despacho:
“Notifique o I. mandatário do A. para, querendo, efectuar o registo da presente acção, suspendendo-se os termos da presente instância até que se mostre cumprida tal formalidade”.

4) - Inconformada, agrava a autora.
Em conclusões de recurso, entendendo não se estar perante uma acção real (mas pessoal), que não está sujeita a registo, pede que se revogue o despacho recorrido e se ordene o prosseguimento da acção.

Os agravados respondem em defesa da manutenção da decisão impugnada.

O Senhor Juiz sustentou o despacho impugnado.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

5) - Atento o teor das conclusões das alegações de recurso e o disposto nos arts. 684º/3 e 690º/1 e 3, do CPC, importa apenas averiguar e decidir se a acção está sujeita a registo.

6) – A situação factual a atender é a que descrita vem nos pontos 1, 2 e 3, que aqui se considera.

7) - Face à configuração da acção desenhada na petição (de forma nem sempre clara, embora) quer a Autora a demarcação do seu prédio (cuja propriedade foi reconhecida no processo nº …/03, do .º Juízo do tribunal judicial da comarca de Vale de Cambra) inscrito no artigo 330º urbano relativamente ao prédio (diz) dos RR, que com aquele confronta do norte e com o qual confina, estando o prédio dos RR inscrito no artigo 1875º urbano.

O registo predial tem uma função essencialmente declarativa; visa dar publicidade à situação jurídica dos imóveis, assegurando que certos factos jurídicos a eles relativos se verificam, com vista à segurança jurídica do comércio imobiliário.
Não tem, por regra, função constitutiva de direitos.

A propriedade da autora sobre o prédio inscrito no citado artigo matricial (330º) já foi reconhecida pela sentença, proferida no referido processo nº …/03, com cópia a fls. 80/89 do processo apenso – procedimento cautelar de “Ratificação de Embargo de Obra Nova” – aí se decidindo julgar a acção parcialmente procedente “declarando-se a autora B………. proprietária do primeiro andar, currais e anexos, sito no ………., da Freguesia de ………., a confrontar a norte com E………., a nascente com o caminho, a sul com F………. e a poente com G………., primeiro andar, currais e anexes construídos no prédio referido na al. a) da matéria assente e inscrito em nome do R. marido sob o artigo 330 condenando-se os RR a reconhecer tal direito e absterem-se, no futuro, à prática de quaisquer actos lesivos dos direitos da A.”.
Não é, pois, nesta acção, por já nem ser admissível, que se vai constituir, reconhecer ou modificar o direito de propriedade da recorrente, nem se vai discutir o direito dos recorridos sobre o prédio confinante, cujas estremas se pretendem definidas.

Os factos a publicitar pelo registo constam (não taxativamente, embora) mencionados no artigo 2º/1 do Código do Registo Predial, entre eles, “os factos jurídicos que determinam a constituição, o reconhecimento, a aquisição ou a modificação dos direitos de propriedade, usufruto, uso e habitação, superfície ou servidão” [(al. a)] e “os factos jurídicos que importem a extinção de direitos, ónus ou encargos registados” [(al. x)].
Estão também sujeitas a registo as acções que, a título principal ou acessório, tenham por fim “o reconhecimento, a constituição, a modificação ou a extinção de algum dos direitos” de propriedade, usufruto, uso ou habitação, superfície ou servidão [(artigo 3º/1, al. a), do mesmo código].
Não é essa a finalidade da presente acção.

O registo não visa garantir nem garante a veracidade dos elementos relativos à identificação dos imóveis, daí que tais elementos (como áreas, composição, a configuração, confrontações ou limites) não estão incluídos no âmbito da presunção emergente do artigo 7º do citado código.

Como decorre do artigo 1353º do CC, os proprietários de prédios confinantes estão obrigados a concorrer para a demarcação das estremas desses prédios (confinantes). A demarcação pressupõe o reconhecimento do domínio sobre os prédios confinantes e a indefinição (apenas) da linha divisória entre eles.
Mas a acção de demarcação não tem por finalidade o reconhecimento, a constituição, a aquisição ou a modificação de qualquer direito real sobre os prédios; apenas a ‘marcação da linha divisória de prédios pertencentes a donos diferentes’, ao contrário da acção de reivindicação que tem por objecto o reconhecimento do direito de propriedade e a consequente restituição da coisa por parte do possuidor ou detentor. Enquanto que na ‘acção de reivindicação temos um conflito acerca do título, na acção de demarcação, antes um conflito acerca do prédio, centrado nas suas limitações’.

São pois elementos da causa de pedir complexa dessa acção (hoje sujeita ao processo comum) a existência de propriedade confinante e de estremas incertas ou discutidas. Como no sumário do Ac. do TRE, de 28/04/2005, na ITIJ/net, proc. 245/05-2, “a causa de pedir na acção de demarcação é complexa competindo ao Autor alegar e provar que: a) é proprietário de um prédio; b) este seu prédio é confinante com outro pertencente ao réu e c) não está definida a linha divisória entre esses dois prédios”, existindo a dúvida ou incerteza sobre a localização das estremas entre os prédios confinantes de diferentes proprietários (cfr. ac. do STJ, de 26/09/2000, no BMJ 499/294).

Como se disse, essa acção não versa sobre direito reais; pressupondo a propriedade ou o domínio sobre os prédios confinantes (por diferentes pessoas) e, portanto, sendo conexa com tais direitos, não se destina a reconhecê-los ou a constituí-los, mas a definir, delimitar as estremas dos prédios.
Trata-se de acção pessoal e não real (já que não se destina a fazer valer um direito real) - cfr., neste sentido e entre outros, acs. do TRE, de 28/04/05, do TRG, de 01/06/2005, em ITIJ/net, procs. 245/05-2 e 980/05-2.
A acção de demarcação não está incluída no artigo 3º do Código do Registo Predial, não estando, portanto, sujeita a registo (cfr. Isabel Pereira Mendes, em Código de Registo Predial Anotado (2004), em notas ao artigo 3º, a pág. 92; J. A. Mouteira Guerreiro, em “Noções de Direito Registral”, 2ª Ed., págs. 62/63).

Não estando, como não está, a acção sujeita a registo, sendo inaplicável o disposto no artigo 3º/2 do Código de Registo Predial, que impõe a suspensão após os articulados, deve a acção prosseguir.
O recurso merece provimento.

8) – Pelo exposto, acorda-se neste tribunal da Relação do Porto em dar provimento ao agravo, devendo o Mmo Juiz substituir o despacho recorrido por outro que dê prosseguimento à acção.
Custas pelos agravados.

Porto, 06/Março/2008
José Manuel Carvalho Ferraz
Nuno Ângelo Rainho Ataíde das Neves
António do Amaral Ferreira