Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP00036730 | ||
| Relator: | EMÍDIO COSTA | ||
| Descritores: | BALDIOS USUCAPIÃO CADUCIDADE | ||
| Nº do Documento: | RP200402190326737 | ||
| Data do Acordão: | 02/19/2004 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
| Decisão: | CONFIRMADA A SENTENÇA. | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - É anulável transacção judicial feita por Junta de Freguesia em acção movida por particular pedindo a declaração de aquisição de propriedade por acessão imobiliária se a parcela em causa é terreno baldio e não podia ser como tal adquirida face à lei aplicável. II - Tem o Ministério Público legitimidade para a respectiva acção de anulação. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação do Porto: RELATÓRIO O Ministério Público intentou, no Tribunal Judicial da Comarca de....., a presente acção com processo ordinário contra: - Maria..... e marido, Luís.....; e - Junta de Freguesia de....., pedindo que seja declarada nula a transacção efectuada em 17/11/98, na acção sumária n.º ../98, homologada por sentença de ../../98. Alegou, para tanto, em resumo, que naquela acção, em que figuravam como autores os aqui Réus e como ré a Junta de Freguesia de....., foi lavrada transacção em que a ré reconhecia aos autores o direito de propriedade sobre uma parcela de terreno de 500 m2; porém, não se verificavam os pressupostos para os aí autores poderem adquirir tal terreno pela acessão industrial imobiliária, uma vez que não efectuaram quaisquer obras na referida parcela anteriormente ao ano de 1993, o que inviabiliza a possibilidade de aquisição por acessão ao abrigo da Lei dos Baldios; além disso, não se verificam os requisitos gerais para a aquisição do terreno por acessão, uma vez que o valor das obras implantadas no terreno era inferior ao valor deste. Contestaram apenas os Réus Maria..... e marido, alegando, também em resumo, que se verificam todos os requisitos para a acessão imobiliária do terreno, já que efectuaram as obras no terreno antes de 1993 e o valor das obras era superior ao do terreno, pelo que a efectuada transacção era legal; terminam, por isso, pedindo a improcedência da acção. Proferiu-se o despacho saneador, consignaram-se os factos tidos como assentes e organizou-se a base instrutória, sem reclamações. Procedeu-se a audiência de discussão e julgamento, finda a qual se respondeu à matéria da base instrutória, por forma que não mereceu reparo a qualquer das partes. Finalmente, verteu-se nos autos sentença que julgou a acção totalmente procedente, embora por razões diferentes das invocadas pelo Autor. Inconformados com o assim decidido, interpuseram os Réus Maria..... e marido recurso para este Tribunal, o qual foi admitido como de apelação e efeito suspensivo. Alegaram, oportunamente, os apelantes, os quais finalizaram a sua alegação com as seguintes conclusões: 1.ª - “Estabeleceram os réus recorrentes e a Junta de Freguesia de....., no ponto III da transacção de 17 de Novembro de 1998, que “os autores entregaram à ré para pagamento do preço do dito terreno a quantia de 75.000 escudos do qual a ré dá quitação”; 2.ª - Daí que os réus recorrentes e a Junta de Freguesia de..... tenham celebrado entre si um contrato de compra e venda do prédio mencionado nessa transacção, pelo preço de 75.000 escudos, homologada pela sentença de 24 de Novembro de 1998; 3.ª - Que assim foi não restam dúvidas, também à luz da sisa paga pelos recorrentes no dia 14 de Julho de 1998 através do conhecimento 167/646 “com referência à compra que a ré recorrente declarou no dia 14 de Julho de 1998 ir fazer à Junta de Freguesia de..... daquele mesmo prédio, por esse mesmo preço de 75.000 escudos”; 4.ª - A Junta de Freguesia de..... sempre se arrogou a propriedade desse prédio, sempre agiu como se proprietária fosse, sempre anunciou em público e comunicou aos réus ser proprietária do mesmo e nessa qualidade e condição fixou e recebeu o preço da venda: 75.000 escudos; 5.ª - O rendimento desse prédio – artigo 798.º - estava inscrito na respectiva matriz predial rústica da freguesia de..... a favor da Junta de Freguesia de .....; 6.ª - Os réus sempre acreditaram e souberam que a Junta de Freguesia de..... era a proprietária do prédio em causa, com legitimidade para o vender aos réus e/ou a terceiros, pelo que mesmo que o prédio em causa não fosse propriedade da vendedora, a compra e venda seria válida considerando o disposto na parte final do artigo 892.º do código civil; 7.ª - A compra e venda é um contrato legalmente previsto e regulamentado no código civil (artigos 874.º e seguintes do código civil) e a compra e venda do prédio mencionado na transacção de 17 de Novembro de 1998 não violou a lei, pelo que essa transacção é válida e que nenhuma norma exista que a torne nula; 8.ª - Ao declarar a nulidade da transacção de 17 de Novembro de 1998 a sentença em recurso de 16 de Julho de 2003 violou o disposto nos artigos 280.º, 874.º e seguintes e 1.340.º do código civil; 9.ª - Pelo que deve ser dado provimento ao presente recurso, deve ser revogada e substituída essa sentença de 16 de Junho de 2003 por outra que absolva os réus do pedido”. Contra-alegou o apelado, pugnando pela manutenção do julgado. ............... O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, nos termos do disposto nos artºs 684º, n.º3, e 690º, n.º 1, do C. de Proc. Civil. De acordo com as apresentadas conclusões, a questão posta pelos apelantes à consideração deste Tribunal é apenas a de saber se adquiriram eles a propriedade sobre o terreno em causa por compra e venda celebrada com a Junta de Freguesia de...... Foram colhidos os vistos legais. Cumpre decidir. ............... OS FACTOS Na sentença recorrida, foram dados como provados os seguintes factos: 1.º - Correu termos neste Tribunal a acção sumária n.º ../98, em que eram autores Maria..... e marido Luís..... e ré a Junta de Freguesia de.....; 2.º - Nessa acção, por sentença homologatória de transacção, foi reconhecido aos Autores o direito de propriedade sobre uma parcela de terreno de 500 m2, que confronta a Norte com baldio, a Sul com Isabel....., a Nascente com Fernando..... e a Poente com caminho, integrado num terreno baldio, sito no Lugar do....., freguesia de....., concelho de....., inscrito na matriz sob o n.º... e não descrito na Conservatória do Registo Predial; 3.º - A aludida transacção foi efectuada em 17 de Novembro de 1998, tendo sido homologada no dia 24 do mesmo mês. ............... O DIREITO Na acção sumária n.º ../98 referida no item 1.º dos factos, os aqui apelantes formularam o seguinte pedido: “Deve a presente acção ser julgada procedente, por provada, e em consequência ser declarado que aos autores assiste o direito de propriedade sobre a parcela de terreno identificada nos artigos 1.º a 6.º da presente peça, por a terem adquirido por acessão industrial imobiliária”. Alegaram, para o efeito, que o terreno em causa não valia mais de 75.000$00 e que iniciaram nele a construção de uma casa de habitação que se encontra parada há alguns anos, em cujas obras gastaram mais de 110.000$00 (v. fls. 5 e 6). Na transacção efectuada no âmbito dessa acção, em 17/11/98 (fls. 10), foram inseridas as seguintes cláusulas: 1.ª - A ré reconhece aos autores o direito de propriedade sobre o prédio identificado nos art.ºs 2.º a 5.º da petição inicial; 2.ª - Direito de propriedade esse que os autores adquirem por acessão industrial e imobiliária; 3.ª - O autor entregou à ré, para pagamento do preço do dito terreno a quantia de 75.000$00, do qual a ré dá quitação. A sentença homologatória de tal transacção (fls. 11) limitou-se a homologá-la, “condenando as partes nos seus precisos termos”. Na contestação da presente acção, os Réus/apelantes não alegaram que adquiriram o terreno em causa por compra à Junta de Freguesia de...... Ao invés, reafirmaram que se verificavam os requisitos para que eles pudessem adquirir o terreno por acessão industrial imobiliária (art.º 3.º da contestação). Só em sede de alegação do recurso em análise – certamente por reconhecerem a inviabilidade de proceder a aquisição do terreno pela via do instituto da acessão industrial imobiliária – os apelantes vieram defender que adquiriram o terreno por compra à Junta de Freguesia de....., que o terá vendido a eles, apelantes. Como tal, a sentença recorrida não abordou essa questão, a qual não é de conhecimento oficioso. E, se a não abordou a sentença recorrida, também dela não pode conhecer esta Relação. Com efeito, os recursos são, como é sabido, meios de obter a reforma das decisões dos tribunais inferiores e não vias jurisdicionais para alcançar decisões novas, como resulta, entre outros, do disposto nos artºs 676º, n.º 1, 680º, n.º 1, e 690º, todos do C. de Proc. Civil (v., por todos, neste sentido, o Ac. do S.T.J. de 4/10/95, B.M.J. n.º 450º, 492). Mas, ainda que assim não fosse, os factos provados não abonam em favor da tese, agora, sustentada pelos apelantes nem eles, anteriormente, alegaram os factos pertinentes à invocada aquisição do terreno pela via da compra e venda. Tanto bastava para conduzir ao insucesso da apelação. Sempre se dirá, todavia, de forma breve, que a douta sentença recorrida não merece censura. Desde a entra em vigor do Dec. Lei n.º 39/76, de 19/1, que os baldios estão fora do comércio jurídico, cujo art.º 2.º, sob a epígrafe «Proibição de negociar terrenos baldios», estabeleceu que “os terrenos baldios encontram-se fora do comércio jurídico, não podendo, no todo ou em parte, ser objecto de apropriação privada por qualquer forma ou título, incluída a usucapião”. Por sua vez, o Dec. Lei n.º 40/76, de 19/1, veio cominar com a sanção de anulabilidade, a todo o tempo, os actos ou negócios jurídicos que tenham como objecto a apropriação de terrenos baldios ou parcelas de baldios por particulares, bem como as subsequentes transmissões que não forem nulas, nos termos do direito. Este regime veio a ser consagrado também na Lei n.º 68/93, de 4/9, que revogou os Decs. Lei n.ºs 39/76 e 40/76, e cujo art.º 4.º refere expressamente que “os actos ou negócios jurídicos de apropriação ou apossamento, tendo por objecto terrenos baldios, bem como da sua posterior transmissão, são nulos, nos termos gerais do direito, excepto nos casos expressamente previstos na presente lei”. Uma das excepções que aquela Lei n.º 68/93 contempla é a do respectivo art.º 39.º, n.º 2, segundo o qual “quando não se verifiquem os condicionalismos previstos no número anterior e no art.º 31.º, os proprietários das referidas construções podem adquirir a propriedade da parcela do terreno baldio estritamente necessária ao fim da construção de que se trata, por recurso à acessão industrial imobiliária nos termos gerais de direito, sob pena de, não tomando essa iniciativa no prazo de dois anos a contar da data da entrada em vigor da presente lei, poderem as respectivas comunidades locais adquirir a todo o tempo as benfeitorias necessárias e úteis incorporadas no terreno, avaliadas por acordo ou, na falta dele, por avaliação judicial”. Só que este n.º 2 veio a ser alterado pela Lei n.º 89/97, de 30/7, em virtude do que tal número passou a ter a seguinte redacção: “Quando não se verifiquem os condicionalismos previstos no número anterior e no art.º 31.º, os proprietários das referidas construções podem adquirir a parcela de terreno de que se trata por recurso à acessão industrial imobiliária, presumindo-se, até prova em contrário, a boa fé de quem construiu e podendo o autor da incorporação adquirir a propriedade do terreno, nos termos do disposto no art.º 1340.º, n.º 1 do Código Civil, ainda que o valor deste seja maior do que o valor acrescentado, sob pena de, não tomando essa iniciativa no prazo de um ano a contar da entrada em vigor da presente lei, poderem as respectivas comunidades locais adquirir a todo o tempo as benfeitorias necessárias e úteis incorporadas no terreno avaliadas por acordo ou, na falta dele, por decisão judicial”. Como escreveu Jaime Gralheiro (Comentário à Nova Lei dos Baldios, 209), aquele n.º 2 “aplica-se aos casos em que não se verifiquem os condicionalismos do número anterior e os requisitos do art.º 31.º. Na primeira versão da lei e até à publicação da Lei n.º 89/97 de 30/07, o n.º 2 remetia, pura e simplesmente, para a acessão industrial imobiliária nos termos gerais de direito e dava ao interessado dois anos, a contar da entrada em vigor da lei, para reclamar os seus direitos. O actual n.º 2, porque se verificou que o funcionamento da acessão industrial imobiliária, nos termos gerais do direito (art.º 1340.º do Código Civil) era muito oneroso para os “abusadores”, foi decidido criar para eles uma disciplina muito mais liberal e desta sorte: a) passou a presumir-se, até prova em contrário, a boa fé de quem construiu e b) passou a aceitar-se o funcionamento da acessão, ainda que o valor do terreno fosse maior do que o valor acrescentado. A única contrapartida foi diminuir o prazo inicial de dois anos, para um, a contar da entrada em vigor da nova lei. De notar que este aparente “agravamento”, quanto ao prazo é, pelo contrário, mais uma concessão a quem desrespeitou o art.º 2.º do D.L. n.º 39/76 e o próprio n.º 2 do art.º 39.º da Lei n.º 68/93. O “crime”, às vezes, “compensa”. Com efeito, tendo expirado o primitivo prazo (dois anos) a Lei n.º 89/97 veio acrescentar mais um ano”. Ora, a Lei n.º 89/97 foi publicada no D.º da R.ª n.º 174, I-A, de 30/07/1997, sendo certo que aquele diploma não fixou a data da sua entrada em vigor. Por isso, aquele diploma legal entrou em vigor, no continente, no quinto dia após a respectiva publicação (art.º 2.º da Lei n.º 6/83, de 29/7), ou seja, no dia 4 de Agosto de 1997, já que o dia da publicação do diploma não se conta (n.º 2 daquele art.º 2.º). Mas os ora apelantes apenas instauraram a referida acção n.º 215/98 em 08 de Outubro de 1998, como mostra o carimbo aposto na respectiva petição inicial (fls. 5), acção essa em que visavam, como supra ficou dito, a aquisição do terreno em causa pela via da acessão industrial imobiliária. Quer isto dizer que os ora apelantes deixaram decorrer mais de um ano após a entrada em vigor da referida Lei n.º 89/97 até instaurarem a referida acção com vista à aquisição do terreno, direito que aquele diploma lhes concedia de forma alargada, já que escancarou todas as portas que conduziam ao instituto da acessão industrial imobiliária, mas apenas no ano seguinte à sua entrada em vigor. O decurso desse prazo fez caducar o direito que os particulares tinham de se apropriarem de terrenos baldios, pela via da acessão industrial imobiliária. A caducidade do direito de accionar constitui excepção peremptória de conhecimento oficioso (art.ºs 333.º, n.º 1, do C. C. e 496.º do C.P.C.). Como ensina Aníbal de Castro (A Caducidade, 2.ª ed., 28), “a prescrição destina-se a contrariar a situação antijurídica de negligência; a caducidade a limitar o lapso de tempo a partir do qual ou dentro do qual há-de assegurar-se a eficácia, de que é condição, mediante o exercício tempestivo do direito, a pôr termo a um estado de sujeição decorrente dos direitos potestativos. Estes os motivos específicos de cada uma das limitações temporais, sendo comuns as razões que as determinam por destinarem-se ambas a servir a segurança e certeza da ordem jurídica, pondo-se assim termo a situações contrárias ao direito e à prejudicial ou perturbante dilação do seu exercício, distinguindo-se ainda pelos efeitos, paralisação num caso, extinção no outro”. A prescrição constitui facto jurídico em sentido lato, facto autónomo, facto novo, um acto jurídico, e a verificação judicial dos seus efeitos carece de alegação pelo prescribente. E trata-se de um acto e não de um facto jurídico stricto sensu, por o fenómeno de maior relevo ser constituído por uma conduta negligente e o secundário e, assim, relegado para a sombra, pelo decurso do tempo. A caducidade expressa-se num facto jurídico stricto sensu – o decurso do tempo, elemento de eficácia do direito, pelo que, tratando-se de um fenómeno natural, opera a extinção automática, ipso jure do mesmo. Ora, um direito extinto é ininvocável cabendo, portanto, ao juiz recusar-lhe protecção mediante conhecimento oficioso (ob. cit., 52 e 53). E, como decidiu já esta Relação (Ac. de 18/01/2000, cit. na sentença recorrida), “o decurso do prazo de um ano, faz caducar o direito de um particular, através do instituto da acessão industrial imobiliária, se apropriar individualmente de terreno baldio. A caducidade do direito de accionar constitui uma excepção peremptória de conhecimento oficioso do Tribunal”. Deste modo, a sentença recorrida, ao concluir pela caducidade do direito de accionar e pela nulidade da transacção efectuada, no âmbito da referida acção n.º 215/98, por ser contrária a lei expressa (art.º 280.º, n.º 1, do C.C.), não merece qualquer censura. Improcedem, por isso, as conclusões da alegação dos apelantes, pelo que a sentença recorrida terá de manter-se. DECISÃO Nos termos expostos, decide-se julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirma-se a sentença recorrida. Custas pelos apelantes. Porto, 19 de Fevereiro de 2004 Emídio José da Costa Henrique Luís de Brito Araújo Fernando Augusto Samões |