Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0326481
Nº Convencional: JTRP00036857
Relator: ALZIRO CARDOSO
Descritores: SIMULAÇÃO
PROVA TESTEMUNHAL
Nº do Documento: RP200403090326481
Data do Acordão: 03/09/2004
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA.
Área Temática: .
Sumário: I - A proibição da prova testemunhal prevista no artigo 394 n.2 do Código Civil respeita apenas ao recurso a proibição da prova testemunhal ou por presunções judiciais como meio de prova exclusivo do acordo simulatório ou do negócio dissimulado.
II - É admissível prova testemunhal como prova complementar, sobretudo da prova documental, que aquele preceito não afasta.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

I – RELATÓRIO

X..... e mulher B....., intentaram a presente acção declarativa, com processo comum sob a forma ordinária, contra H..... e marido D....., e K....., pedindo que:
a) se decrete a nulidade, por simulação, do contrato de compra e venda celebrado entre os Autores e a Ré por escritura pública de 19 de Novembro de 1996, referente a uma parcela de terreno para construção urbana, com a área de 870 m2, sita no lugar de....., da freguesia de....., descrita na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 60.043 e inscrita a seu favor pela inscrição n.º 51.482, omissa à matriz.
b) se decrete a validade do contrato de doação dissimulado sob a referida compra e venda;
c) se decrete o cancelamento do registo de aquisição por compra e venda.

Fundamentaram o pedido alegando, em resumo, que:
No dia 19 de Novembro de 1996, no -º Cartório Notarial de....., outorgaram escritura de compra e venda, nos termos da qual declararam vender à 1ª Ré- mulher (filha dos AA), casada no regime de comunhão de adquiridos com o 1º Réu, pelo preço de Esc. 1.300.000$00, uma parcela de terreno para construção urbana, com a área de 870 m2, sita no lugar de....., da freguesia de....., descrita na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 60.043 e inscrita a seu favor pela inscrição n.º 51.482, omissa à matriz;
A 2ª Ré outorgou a referida escritura aí prestando o seu consentimento para o acto como única e restante filha dos vendedores;
Apesar de na dita escritura de compra e venda constar o preço de aquisição no montante de Esc. 1.300.000$00, a verdade é que não foi pago qualquer preço, tendo sido tal prédio doado à Ré H.....;
O negócio que verdadeiramente fizeram com esta Ré foi de doação e não de venda do aludido prédio;
Acrescentam que apenas fizeram a venda com o propósito do citado prédio posteriormente não ter de ser conferido na partilha das suas heranças;
No mesmo dia em que outorgaram esta escritura de compra e venda, subscreveram a declaração de folhas 11 dos autos, nos termos da qual expressamente reconhecem não ter a 1ª Ré entregue qualquer quantia em dinheiro, nem estes a terem recebido;
Houve divergência entre a declaração negocial de compra e venda e a vontade real dos declarantes de doação, pelo que o negócio é simulado (em termos relativos);
Assim, por força do disposto no art. 240º e 241º, n.º 2, o negócio titulado pela dita escritura pública de compra e venda deve ser convolado em doação, por ser este o negócio que as partes efectivamente quiseram realizar.
Contestou apenas o 1º Réu, defendendo-se por impugnação, alegando, em resumo, que:
O casal constituído por ele e pela Ré conseguiu amealhar algum dinheiro, ao longo dos anos, com o qual comprou e pagou aos Autores o terreno em causa;
A escritura de compra e venda corresponde ao verdadeiro contrato celebrado entre as partes;
Em 1997 iniciaram a construção na referida parcela de terreno de uma casa familiar, na qual já investiram mais de Esc. 10.000.000$00, constituindo a dita habitação benfeitoria inamovível;
Ele e a 1ª Ré estão separados de facto, desde Maio de 1999 e perspectivam o seu divórcio;
O documento junto a folhas 11 é um documento falso, feito agora e não na data que dele consta, para tentar conferir algum suporte fáctico à tese dos Autores.
Conclui pela improcedência da acção.

Replicaram os Autores, respondendo a pretensa defesa por excepção do Réu, mantendo a posição defendida na petição inicial.

Em despacho unitário, saneou-se o processo, seleccionaram-se os factos assentes e organizou-se a base instrutória da qual não houve reclamação.

Instruída a causa procedeu-se a julgamento constando de folhas 179-181 as respostas à matéria da base instrutória.

De seguida foi proferida sentença que julgou a acção procedente e, em consequência:
a) Declarou nulo o contrato de compra e venda constante de fls. 5 a 7 dos autos, por simulação;
b) Convolou tal contrato para contrato de doação que as partes efectivamente pretenderam realizar através de tal negócio jurídico, nos termos dados como provados;
c) Decretou o cancelamento do registo de aquisição do imóvel dos autos por compra e venda.

Inconformado o Réu interpôs o presente recurso de apelação, tendo nas respectivas alegações formulado as seguintes conclusões:
1- Consta dos autos que a M.ª Juiz não acolheu qualquer prova testemunhal para prova da existência da invocada simulação e negócio dissimulado;
2- Não consta (e, sendo assim, não existe para efeitos processuais) que os Autores ou o recorrente tivessem “confessado” o acordo simulatório e o negócio dissimulado;
3- De harmonia com o disposto no artigo 394º, n.ºs 1 e 2 do Cód. Civil, está vedado aos simuladores a prova do acordo simulatório, quer por prova testemunhal, quer por presunções judiciais ou confissão, sendo admissível apenas e tão-só a prova documental;
4- Resulta dos autos que a co-Ré H..... (ex-esposa do recorrente) confessou “(...) que a assinatura da escritura (leia-se escrito) de fls. 11 é de seu punho e que também não foi paga qualquer quantia aos autores a titulo de compra pela celebração do contrato de compra e venda constante da escritura de fls. 5 e seguintes”;
5- Assim, há confissão, por parte da co-Ré H....., de que é sua a assinatura nesse documento particular e de que não pagou qualquer quantia a seus pais;
6- No entanto, ao depoimento de parte da co-Ré H....., sempre teria o Tribunal de lhe atribuir pouco ou nenhum valor, porque:
- Não contestou a acção;
- Já tinha interposto acção de divórcio litigioso contra o Réu, ora recorrente, quando o prestou;
- É filha dos Autores;
- E a hipótese de ocorrer o negócio dissimulado – a doação – só a beneficiava a ela por o bem se não comunicar ao recorrente.
7- A prova para aferição da factualidade invocada pelos recorridos, face ao que resulta da douta sentença, ficou estribada na escritura pública de fls. 4, no documento particular de fls. 11, no testamento de fls. 170 e na confissão com o âmbito referido;
8- Da conjugação desses três documentos e âmbito de confissão da co-Ré H....., não podia concluir-se ser a escritura pública de compra e venda de 19-11-96 simulada;
9- Não há prova alguma de que tais declarações, constantes da citada escritura de compra e venda, foram produzidas para enganar terceiros, sejam terceiros a Fazenda Nacional, sejam terceiros a outra filha co-Ré (não contestante também) K.....;
10- Quanto à Fazenda Nacional, o acto de compra e venda foi tributado em imposto de sisa, como se verifica pelo teor da escritura, e não ficou demonstrado (nem alegado foi) que por efeito da pretensa doação, a Fazenda Nacional ficaria prejudicada;
11- Quanto ao testamento junto aos autos, não prova o mesmo o que os Autores pretendem que com eles se prove, pois tal documento está claramente em oposição ao que os Autores referem como suporte para a sua junção;
12- O que efectivamente se verifica, compulsando tal testamento, é que se trata de um testamento do Autor (só do Autor), outorgado três anos depois da escritura de compra e venda constante dos autos, e pelo qual faz dois legados: à sua mulher (co-Autora) do usufruto da sua quota disponível e à sua filha K..... a raiz da mesma quota disponível e à sua filha K..... a raiz da mesma quota disponível, ficando esta herdeira da plena propriedade dessa quota, caso a mulher não lhe sobreviva.
13- assim, este testamento não pode ser conjugado com o teor da declaração de fls. 11 dos autos para conduzir à declaração de Provado o item 1, 2,3 e 4 e Não provado o item 6, como consta da douta sentença.
14- Quanto ao teor da declaração de fls. 11 dos autos, como resulta dos mesmos autos, no tocante à confissão da co-Ré, apenas consta “ Consigna-se que a Ré H..... confessou que a assinatura da escritura (leia-se escrito) de fls. 11 é de seu punho e que também não foi paga qualquer quantia aos autores a titulo de compra pela celebração do contrato de compra e venda constante da escritura de fls. 5 e seguintes.”.
15- O recorrente impugnou a contemporaneidade do doc. de fls. 11 com a data da escritura de compra e venda e o próprio documento em si, considerando que foi fabricado pelos sogros e pela co-Ré H..... a posteriori e após se terem degradado as relações deles e da filha com o recorrente;
16- Assim, do conteúdo do documento de fls. 11 apenas poderá ser dado como provado que a co-Ré o assinou e que não pagou qualquer preço a seus pais pela transmissão da parcela de terreno;
17- Todo o demais conteúdo não pode ser dado como provado;
18- Assim, da conjugação dos documentos juntos aos autos e da factualidade que deles se pode extrair, não podem dar-se como provados os itens 2, 3 e 4 da Base Instrutória, por não estar provada a intenção de enganar terceiros e a de efectuarem, os intervenientes na citada escritura de compra e venda, o negócio dissimulado de doação,
19- Por outro lado, a circunstância de ter ficado provado “ por confissão” da co-Ré H..... que não tinha pago qualquer preço a seus pais pela transmissão da parcela de terreno (tendo esta um interesse directo e imediato na produção da confissão com este sentido que só ela beneficiava no confronto com a tese do recorrente), não quer dizer que o preço não fosse devido ou até que, sendo-o, os recorridos na qualidade de seus pais tivessem aberto mão do direito de recebê-lo!
20- Assim, há falta de prova de factos constitutivos do direito que os Autores invocaram, pelo que não podem os mesmos deixar de sofrer as desvantajosas consequências dessa omissão;
21- E que são a improcedência da acção por falta de prova;
22- Pelo que, ao ter-se decidido em contrário, foi violado o disposto no art.º 240º do Cód. Civil.

Não houve contra-alegações.

Corridos os vistos cumpre decidir.
*
II – Fundamentos
1. De facto
A 1ª instância deu como provados os seguintes factos:
1. Mediante escritura pública, celebrada em 19 de Novembro de 1996, no -º Cartório Notarial de....., os Autores declararam vender à co-Ré H....., a qual declarou comprar, pelo preço de Esc. 1.300.000$00, que disseram já ter recebido desta, uma parcela de terreno para construção urbana, com a área de 800 m2, sita no lugar de gandra, freguesia de....., deste concelho, descrita na C.R.P. de..... sob o n.º 60 043, omissa à matriz predial mas com declaração apresentada para a sua inscrição na -ª Repartição de Finanças deste Concelho.
2. A mencionada escritura foi também assinada pela 3ª Ré K....., a qual outorgou como único restante filho dos vendedores, declarando prestar o consentimento para o acto nos termos do n.º 1, do art.º 877º, do C. Civil.
3. As Rés H..... e K..... São filhas dos Autores.
4. À data da realização da escritura pública mencionada em 19 a Ré H..... já era casada com o Réu D....., no regime de comunhão de adquiridos, sendo certo que os mesmos contraíram casamento católico em 30 de Abril de 1995.
5. O Réu D..... e a Ré H..... estão separados de facto desde maio de 1999, altura em que aquela saiu da casa de morada de família e foi viver para casa de seus pais, os aqui Autores.
6. As relações do Réu D..... com os Autores, seus sogros, e a co-Ré K....., sua cunhada, estão muito tensas e degradadas, não sendo de excluir a hipótese do divórcio do casal.
7. Os Réus D..... e mulher H....., no terreno a que se alude em 1), iniciaram a construção de uma casa familiar pequena, que está ainda em grosso.
8. Apesar do referido em 1), os Autores não receberam da H..... nem esta lhes entregou os mencionados Esc. 1.300.000$00.
9. O negócio que os Autores e a H..... quiseram verdadeiramente celebrar foi o de doação do prédio referido em 1), por parte dos primeiros à Segunda.
10. E apenas celebraram a escritura de compra e venda referida em 1) com o propósito de o citado prédio posteriormente não ser conferido na partilha das heranças dos Autores.
11. Os Autores e a Ré H....., no mesmo dia em que celebraram a escritura pública mencionada em 1), subscreveram a declaração que constitui o documento n.º 4, junto com a petição inicial.
12. Na construção a que se alude em 7) os RR D..... e H..... não despenderam quantia superior a Esc. 5.000.000$00.
13. Já que os RR optaram por celebrar contrato com um empreiteiro tão só quanto ao preço da mão-de-obra na importância de Esc. 1.600.000$00, tendo eles próprios fornecido os materiais de construção indispensáveis.
14. Uma parte indeterminada dos referidos Esc. 5.000.000$00 que os Réus H..... e D..... despenderam na construção da casa, foi levada pela co-Ré H..... para o casamento.

2- De Direito

A aplicação do direito aos factos provados não vem posta em causa pelo apelante, este estriba a sua pretensão essencialmente na pretendida alteração da matéria de facto, defendendo que devem ser alteradas as respostas dadas aos quesitos 1º a 4º.
Porém, a Relação só pode alterar a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto dentro dos limites previstos no n.º 1, do artigo 712º do CPC que contempla as seguintes situações: a) se do processo constarem todos os elementos que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 690º-A, a decisão com base neles proferida; b) se os elementos fornecidos pelo processo impuserem uma resposta diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas; c) se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a resposta assentou.
No caso dos autos, porque não houve gravação do depoimento de parte e dos depoimentos prestados em audiência, não se verifica a hipótese prevista na última parte da al. c) do citado artigo 712º, por não constarem do processo todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa.
Não foi apresentado nenhum documento novo superveniente, muito menos que seja bastante para destruir a prova em que assentaram as respostas dadas aqueles quesitos, pelo que não se verifica a situação prevista na referida alínea c).
Defende todavia o recorrente que os elementos fornecidos pelo processo, impõem resposta diversa, ou seja baseia-se na situação prevista na referida alínea b), para fundamentar a pretendida alteração da matéria de facto.
Para tanto alega, em síntese, que os elementos de prova em que o tribunal de 1ª instância baseou as respostas dadas aos quesitos 1º a 4º, são insuficientes para com base neles se poder dar como provada a matéria constante daqueles quesitos.
Conforme se vê da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto a resposta aqueles quesitos baseou-se, na apreciação conjunta, do depoimento de parte da co-ré H....., do teor da declaração constante do escrito junto a folhas 11, do testamento junto a folhas 175 e 176, bem como nos elementos bancários constantes de folhas 175 e 176.
Ao contrário do que sustenta o apelante, os elementos fornecidos pelo processo, não impõem reposta diversa, insusceptível de ser destruída por outras provas, por não terem essa virtualidade, quer pelo seu teor quer pela sua força probatória.
Como acima se referiu, o processo não contem todos os elementos de prova, desde logo, por não terem sido gravados os depoimentos de parte e das testemunhas inquiridas sobre a matéria impugnada, o que desde logo afasta a possibilidade deste Tribunal da Relação poder reapreciar e alterar as respostas dadas àqueles quesitos.
Admite-se que num ponto o apelante tenha razão. Tendo os Réus sido demandados numa situação de litisconsórcio necessário, a confissão da litisconsorte H..... não é eficaz (artigo 353º n.º 2, do Código Civil).
Porém, o seu depoimento, ainda que não possa valer como confissão, vale como elemento probatório sujeito à livre apreciação do tribunal (artigo 361º do C. Civil)., não podendo o mesmo ser reapreciado por este Tribunal da Relação por não ter sido gravado.
Por outro lado, ao contrário do que defende o apelante e da posição sustentada na fundamentação da matéria de facto, a proibição de prova testemunhal prevista no artigo 394º n.º 2, do Cód. Civil respeita, apenas, ao recurso à prova testemunhal, ou por presunções judiciais, daquele diploma substantivo, como meio de prova exclusivo, do acordo simulatório, ou de negócio dissimulado.
É admissível prova testemunhal como prova complementar, sobretudo da prova documental, que aquele preceito não afasta. Assim, sempre que haja um documento escrito, como acontece no caso dos autos com o documento junto a folhas 11, que constitua um começo de prova da existência da simulação, nada impede o recurso á prova testemunhal, como meio adjuvante daquele.
Vê-se da acta da audiência de julgamento que foram inquiridas testemunhas à matéria do referidos quesitos 1º a 4º, aos quais teria também de se entender, na reapreciação global da prova produzida, caso tal não estivesse vedado a este tribunal por não ter havido gravação da audiência.
Com efeito, a prova deve ser apreciada no seu conjunto, conjugando todos os elementos produzidos no processo e atendíveis, independentemente da sua proveniência, em face do principio da aquisição processual (cfr. art.º 515º do CPC).
E, nessa apreciação global, o julgador poderá lançar mão de presunções naturais, de facto ou judiciais, isto é, no seu prudente arbítrio, poderá deduzir de certo facto conhecido um facto desconhecido (artºs 349º e 351º, ambos do C. Civil).
Por outro lado, o artigo 655º n.º 1, do CPC consagra o denominado sistema da prova livre, segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.
A apreciação que importava agora efectuar sobre as respostas impugnadas devia obedecer às mesmas regras e princípios de direito probatório acabados de enunciar.
Contudo estamos impossibilitados de o fazer em face da ausência de gravação dos depoimentos prestados.
De referir todavia que o apelante não invoca qualquer contraprova produzida relativamente aos factos em causa. Antes admite nas suas alegações que não houve pagamento do preço referido na escritura de compra e venda, o que contraria a declaração dela constante no sentido de que o preço fora já recebido pelos “vendedores”.
Não se verificando nenhuma das situações previstas no citado artigo 712º, n.º 2, do CPC, não há fundamento para a pretendida alteração da matéria de facto dada como provada e não provada, pelo que se consideram assentes os factos supra descritos.
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Sustenta ainda o apelante que não resultaram provados os requisitos da invocada simulação relativa.
Mas também sem razão.
O conceito de negócio simulado encontra-se explicitado no n.º. 1 do art.º. 240º, do qual decorre que há simulação sempre que concorram divergência intencional entre a vontade e a declaração das partes, combinação ou conluio que determine a falsidade dessa declaração (acordo simulatório), e a intenção, intuito ou propósito de enganar ou prejudicar terceiros.
Ainda quando não tenha havido intenção fraudulenta, isto é, de prejudicar terceiros - caso mais frequente, haverá simulação se existir o intuito ou propósito de enganar terceiros.
No caso de simulação relativa, a intenção de enganar terceiros resulta evidenciada pelo propósito das partes de criar uma aparência que não corresponde à realidade, celebrando um negócio aparente que dissimula o oculto ou encoberto.
O intuito de enganar terceiros (que não deve confundir-se com o intuito de prejudicar) prende-se com a actuação voluntária de criara uma aparência. Ou seja, intuito de enganar terceiros, que torna a simulação inconfundível com as declarações não sérias, consiste em pretender que pareça real o que no intuito das partes não é, criando para terceiros uma aparência (v. Ac. do STJ, de 27-09-94, in http://www.dgsi.pt/jstj).
Tendo presentes os enunciados requisitos e a matéria dada como provada, não oferece dúvida que no caso dos autos estamos perante uma simulação relativa objectiva.
Autores e Ré fingindo um tipo negocial diverso do realmente querido, declararam por escritura pública vender e comprar quando o que os Autores pretenderam foi doar o terreno em causa à Ré e esta não quis comprar mas aceitar a doação.
Deste modo improcedem todas as conclusões pertinentes da apelante, pelo que a sentença recorrida deve manter-se.

III – Decisão
Pelo exposto, acordam em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelos apelantes.
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Porto, 09 de Março de 2004
Alziro Antunes Cardoso
Albino de Lemos Jorge
Rui Fernando da Silva Pelayo Gonçalves