Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP00030723 | ||
| Relator: | MOREIRA ALVES | ||
| Descritores: | PROVIDÊNCIA CAUTELAR LEGITIMIDADE INTERESSE EM AGIR SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA DIVISÃO | ||
| Nº do Documento: | RP200103010031555 | ||
| Data do Acordão: | 03/01/2001 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Tribunal Recorrido: | 2 V CIV PORTO | ||
| Processo no Tribunal Recorrido: | 1010-B/99-2S | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | AGRAVO. | ||
| Decisão: | NEGADO PROVIMENTO. | ||
| Área Temática: | DIR PROC CIV - PROCED CAUT. DIR CIV - DIR OBG. | ||
| Legislação Nacional: | CPC95 ART26 ART26-A ART384 N2. CCIV66 ART829-A N3. | ||
| Sumário: | I - A "Animal - Associação Nortenha de Intervenção no Mundo Animal" tem legitimidade e interesse em agir para requerer contra incertos uma providência cautelar em que pede que se abstenham de realizar as corridas com "touros de morte" previstas para certos dias, ou qualquer outra data de 1999, nas festas de Barrancos e que se abstenham de esquartejar os touros mortos e vender a sua carne para consumo. II - A sanção pecuniária compulsória em que os incertos foram condenados, como pedido, bem destinada foi, em partes iguais, à requerente da medida cautelar e ao Estado, por ser esse o comando legal - artigo 829-A n.3 do Código Civil. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação do Porto Relatório Animal-Associação Nortenha de Intervenção no Mundo Animal, intentou no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, contra Incertos, a presente providência cautelar, na qual, alegando a iminência da realização das costumadas touradas de morte em Barrancos e demais factualidade pertinente, formulou os seguintes pedidos cautelares: - que os requeridos incertos se abstenham de realizar as corridas com “touros de morte” previstas para os próximos dias 29,30 e 31 de Agosto de 1999 ou qualquer outra data de 1999 por antecipação ou adiamento, a realizar no âmbito das festas de Barrancos, independentemente de o evento poder realizar-se mas, desta feita, sem tão macabro elemento; - que os requeridos incertos se abstenham de esquartejar os touros mortos e vender a sua carne para consumo, salvo se os animais forem devidamente abatidos num matadouro oficial e com todos os cuidados sanitários e de saúde pública que a lei prescreve. - a condenação dos requeridos no pagamento de uma quantia pecuniária compulsiva em partes iguais, à requerente e ao Estado, a fixar pelo Tribunal. ** Ouvida a prova testemunhal arrolada, ponderada esta, bem como a abundante prova documental, foi proferida decisão em 17 de Agosto de 1999, que, no essencial, deferiu a providência, ordenando, no que aqui interessa considerar: - “que os requeridos incertos se abstenham de realizar corridas com touros de morte, previstas para os próximos dias 29, 30, 31 de Agosto, ou em qualquer outra data de 1999, por antecipação ao adiamento daquelas datas, a realizar no âmbito das festas de Barrancos, independentemente de o evento poder ter lugar, mas sem touros de morte” - “sem prejuízo de responsabilidade criminal que ao caso couber, condena-se desde já os requeridos no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória de 5.000.000$00 por cada dia em que se verifique infracção ao ora decretado, destinada em partes iguais à associação requerente e ao Estado Português” ** É desta decisão que o Mº Pº, em representação dos requeridos incertos, veio recorrer, recurso esse que foi admitido como de agravo, a subir imediatamente, em separado e com efeito devolutivo (cof. despacho de 2/9/99 – fls 213-214). ** Entretanto o Mmo juiz do processo, por despacho de 6/11/99, documentado a fls 66, considerando que apesar da decisão, consumaram-se já as corridas com a morte dos touros, decretou a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide. ** Deste despacho recorreu quer o MºPº, quer a aqui agravada, recurso esse que, como se vê do douto acórdão documentado a fls 216/222, obteve provimento, determinando-se, em consequência, e no que aqui interessa, o prosseguimento do recurso de fls 218 (ou seja, o presente recurso de agravo). Daí, pois, a necessidade de conhecer do respectivo objecto. ** Conclusões do agravo. ** Apresentadas tempestivas alegações, formulou o MºPº recorrente as seguintes conclusões: ** 1 – A requerente Animal-Associação Nortenha de Intervenção no Mundo Animal não tinha, no caso vertente, interesse processual em formular a presente providência cautelar, pelo que todos os pedidos deduzidos neste processo não podiam ser apreciados pelo Tribunal; 2 – O impedimento pretendido resulta já, directa e imediatamente, do comando genérico e inequívoco da Lei (designadamente do Decreto nº15 355 de 14/4/28). 3 – Dada a falta de interesse em agir por parte da requerente devia o Tribunal abster-se de conhecer do mérito da causa e absolver os requeridos da instância – Art 493 nº 2 do C.P.C.- 4 – A douta decisão recorrida infringiu o preceituado no Art 493 nº 2 do C.P.C. 5 - Não deve existir reversão da sanção pecuniária para a requerente, que não é credora da requerida. 6 – Por isso, a douta decisão recorrida infringiu, também, o disposto no Art 829 nº 1 do C.C. ** Nas suas doutas alegações defende a requerente agravada a confirmação integral da decisão recorrida. *** Os Factos. A factualidade a considerar é apenas a que foi dada como provada na decisão recorrida, a qual, por não impugnada, aqui se dá por integralmente reproduzida nos termos do disposto no Art 713 n.6 do C.P.C. *** Fundamentação. Como resulta das conclusões do agravo, que, como se sabe delimitam o objecto do recurso, são duas as questões aqui a apreciar. A primeira traduz-se em saber se a requerente Animal-Associação Nortenha de Intervenção no Mundo Animal tem interesse processual atendível na instauração da presente providência e a segunda, se deve existir a reversão da sanção pecuniária compulsória para a agravada como foi decidido. ** NOTA PRÉVIA ** Antes de mais convém deixar uma nota prévia face à entrada em vigor da Lei nº 12-B/2000 de 8 de Julho que revogou o Decreto nº 15 355 de 14 de Abril de 1928, com base no qual (também) foi instaurada a presente providência cautelar. O referido Decreto de 1928, na sequência aliás do Decreto de 19/9/1836 e da Portaria nº2.700 de 6/4/1921, veio proibir absolutamente as touradas com touros de morte em todo o território nacional, sujeitando a sanção pecuniária os respectivos infractores. Na sequência da sistemática violação da lei por altura das festas tradicionais de Barrancos instalou-se no país acesa polémica sobre as touradas de morte, que culminou com a publicação da Lei nº 12-B/00 de 8/7 cujo artigo único determina no seu nº 1 “são proibidos os espectáculos tauromáquicos com touros de morte, mesmo realizados fora dos recintos previstos na lei, constituindo contra-ordenação a prática de lide com tal desfecho, bem como a autorização, organização, promoção e direcção de espectáculos em causa ou o fornecimento quer de reses quer de local para a respectiva realização”. Tal Lei veio a ser regulamentada pelo D.L. nº 196/2000 de 23/8, que define os limites das coimas a aplicar aos respectivos infractores, embora curiosamente, como que condescendendo com a prática que proíbe e pune genericamente, limite substancialmente os mínimos e máximos das coimas previstas “quando a conduta punível constituir uma prática ancestral decorrente de uma tradição local realizada todos os anos ininterruptamente”. ** O que aqui interessa salientar é que a nova legislação, não obstante despenalizar as condutas em questão, manteve a sua proibição. Daí que a sua entrada em vigor em nada prejudique a apreciação do presente agravo. ** Analisemos, pois as questões suscitadas no agravo. ** 1ª Questão Legitimidade – Interesse em agir. ** Se bem entendemos a argumentação do Mº Pº aqui agravante, não se coloca em dúvida a legitimidade activa da requerente/agravada para intentar a presente providência cautelar. De facto, tal legitimidade resulta desde logo claramente do Art 26-A do C.P.C. que garante a qualquer cidadão no gozo dos seus direitos civis e políticos, bem como às associações e fundações defensoras de determinados interesses que exemplificativamente enumera, o direito de intentar acções e procedimentos cautelares destinados à tutela dos chamados interesses difusos, vistos estes como “interesses cuja titularidade pertence a todos e a cada um dos membros de uma comunidade ou de um grupo, mas que não são susceptíveis de apropriação individual por qualquer desses membros” (cof. M. Teixeira de Sousa, citado no C.P.C. de Abílio Neto – nota ao Art 26-A). Ora, parece-nos evidente que a defesa dos “direitos” dos animais com sede legal na Lei nº 92/95 de 12/9, cabe por direito próprio no elenco dos interesses difusos. Assim, sendo a requerente/agravada uma associação zoófila dotada de personalidade jurídica que tem como fins estatutários, além do mais, a defesa activa dos direitos dos animais e o combate por via dos meios legais, das situações que de forma potencial ou efectiva traduzem ou impliquem crueldade para com aqueles (cof. os respectivos Estatutos documentados a fls 100/108), torna-se evidente a sua legitimidade para demandar em situações como a dos autos, em que, de facto, estava em questão a morte bárbara, injustificável e ilegal dos touros lidados em Barrancos. ** De resto, essa legitimidade processual advem-lhe directamente do disposto no Art 10 da Lei de Protecção aos Animais (Lei nº 92/95 de 12/9) que expressamente dispõe que “As associações zoófilas legalmente constituídas têm legitimidade para requerer a todas as autoridades e tribunais as medidas preventivas e urgentes necessárias e adequadas para evitar violações em curso ou iminentes”. Finalmente e em última instância sempre tal legitimidade resultaria da própria lei constitucional, face ao disposto nos Art 20 e 52 da Constituição da República. ** Não é pois, ao que supomos, a inquestionável legitimidade processual da agravada que o MºPº põe em causa, mas sim o seu interesse em agir, visto como pressuposto processual relativo às partes, autónomo e independente da legitimidade destas. Na verdade, defendem muitos autores, que, entre os pressupostos processuais se deve incluir o interesse processual, não obstante a lei não lhe fazer referência expressa. Tal interesse processual, que a doutrina italiana denomina de interesse em agir e a alemã, de necessidade de tutela jurídica, consiste essencialmente como refere A. Varela (Manual de Processo Civil – 2ª ed. 179/180) “na necessidade de usar do processo, de instaurar ou fazer prosseguir a acção” ou, por outras palavras “O A. terá interesse processual, quando a situação de carência, em que se encontra, necessita da intervenção dos tribunais.” De forma idêntica, ensina Manuel de Andrade “é o interesse em utilizar a arma judiciária – em recorrer ao processo. Não se trata de uma necessidade estrita, nem tão pouco de um qualquer interesse por vago e remoto que seja; trata-se de algo de intermédio: de um estado de coisas reputado bastante grave para o demandante, por isso tornando legítima a sua pretensão a conseguir por via judiciária o bem que a ordem jurídica lhe reconhece” (cof. Noções – 2ª ed. – 79). Definido, assim, o interesse processual, logo se vê que se não confunde com os outros pressupostos processuais, designadamente com a legitimidade. É certo que o conceito de legitimidade passa pelo “interesse directo em demandar" conforme Art 26 do C.P.C., ou pelo menos por um interesse indirecto, nos casos de legitimação resultante do direito substantivo, mas, em qualquer caso, este interesse não se confunde com o interesse em agir visto que pode ter-se o direito de acção por se ser o titular da relação material, ou por a lei especialmente permitir a sua intervenção processual e, todavia, não existir interesse em agir, porquanto, perante as circunstâncias concretas que rodeiam a situação, não existe qualquer necessidade de recorrer ao Tribunal para definir, reconhecer ou fazer valer o direito, (não há litígio, ninguém contesta o direito do A., nem existem razões válidas para que o tribunal declare o direito). Não havendo, pois, necessidade da demanda, não estando a parte carecida de intervenção do tribunal, pode ter legitimidade processual para discutir a questão, mas falta-lhe o interesse processual, e, sendo este um pressuposto processual inominado, estará vedado ao juiz o conhecimento do mérito. (cof. Anselmo de Castro – Direito Processual Civil Declarativo – vol II – 253/254). Vejamos agora, ainda que muito resumidamente e seguindo a lição do Prof. Antunes Varela qual o verdadeiro alcance do interesse processual nos diversos tipos de acções. Assim, segundo o referido mestre “nas acções de condenação e nas acções executivas, o interesse processual resulta da simples alegação da violação do direito do autor, visto a este não ser lícito fazer justiça por suas mãos”. “Nas acções constitutivas, o interesse processual consistirá no facto de o direito potestativo, que lhe sirva de base, não ser daqueles que podem ser exercidos mediante simples acto unilateral do seu titular”. Quanto às acções de simples apreciação, em relação às quais tem particular interesse apurar a existência do interesse em agir, escreve o mencionado Prof. que “... não basta qualquer situação subjectiva de dúvida ou incerteza acerca da existência do direito ou do facto, para que haja interesse processual na acção”. Por isso que, a incerteza que se pretende eliminar há-de ser objectiva e grave. Objectiva, no sentido de resultar de factos exteriores e não apenas de dúvidas subjectivas do litigante. Grave, no sentido de causar real prejuízo material ou moral. Só verificados tais requisitos se pode ter por presente o interesse processual neste tipo de acções. Finalmente, no domínio dos procedimentos cautelares “o interesse processual, consubstanciado no periculum in mora, constitui verdadeira condição da acção” (cof. Obra citada – 182/189). ** É certo que, como alega a agravada nas suas doutas contra-alegações, existem outros autores que recusam autonomia ao interesse em agir, negando-lhe a categoria de pressuposto processual, como é, por exemplo o caso do Prof. Castro Mendes ali citado. Todavia, entendemos que a melhor doutrina ainda é a que confere autonomia ao dito pressuposto processual, tendo em conta os inconvenientes que resultariam da orientação contrária, a saber: - Acréscimo de serviço dos tribunais que então se veriam confrontados com acções onde se discutiam interesses meramente académicos, questões supérfluas ou ditadas por meros caprichos subjectivos sem qualquer interesse real, desvirtuando-se assim a sua função jurisdicional definida no Art 2º da lei 3/99 de 13/1 (L.O.F.T.J.) e Art 205 da Constituição. - Os particulares corriam o risco de serem de mandados sem motivos sérios nem justificados por parte do demandante, com todos os inconvenientes e despesas que acarretaria a necessidade de se defenderem. ** Aderimos, por isso, à orientação doutrinária que autonomiza o interesse em agir como pressuposto processual inominado (a tal não impede o Art 494 do C.P.C., visto não ser taxativa a enumeração das excepções dilatórias dele constantes), conduzindo a sua falta à absolvição da instância. ** Chegados aqui e de posse das noções acima expostas resta averiguar se, no caso concreto, não tinha a agravada interesse processual na instauração da presente providência cautelar como defende o agravante. ** No fundo, o argumento do MºPº na defesa da sua tese é apenas o de que, sendo já proibidas as touradas de morte, tornava-se dispensável e desnecessário que o Tribunal ordenasse a proibição desses espectáculos. Existe lei imperativa que deve ser acatada sem que seja necessário o Tribunal vir confirmá-la ou ordenar a seu cumprimento. Consequentemente, a requerente/agravada não tinha interesse em agir através da presente providência, não necessitaria de recorrer ao tribunal e ao processo visto que o interesse que queria acautelar estar já protegido por lei. Não lhe assiste, porém qualquer razão, desde logo porque a questão não está bem equacionada. De facto, a agravada não veio pedir ao Tribunal que proíba as touradas de morte em Barrancos e o esquartejamento dos touros mortos e a venda ao público da sua carne, nem que confirme as leis proibitivas de tais actividades e ordene o respectivo cumprimento, o que, evidentemente seria absurdo. O que se passa é que estavam já agendadas para os dias 29, 30 e 31 de Agosto de 1999 e amplamente publicitadas, a realização de touradas com touros de morte na Vila de Barrancos, durante as quais, ao terminar a faena, o “matador” trespassa o coração do animal ou perfura-lhe os pulmões e, com uma punhalada no cachaço, tenta cortar a espinal medula do animal em agonia, acabando, se a lide for considerada boa, por cortar uma orelha do touro, que por vezes ainda respira. No fim do espectáculo o touro é esquartejado e a sua carne vendida nas ruas. Era esta inqualificável prática (divertimento bárbaro e impróprio das nações civilizadas que servia unicamente para habituar os homens ao crime e à ferocidade, na opinião avisada do legislador de 1836) que estava na eminência de concretizar-se, à semelhança do que sempre aconteceu em anos anteriores apesar de toda a polémica levantada à volta do assunto e sem que as autoridades policiais tenham minimamente impedido. Foi perante tal quadro factual que a requerente veio peticionar, a título preventivo, que os requeridos incertos se abstivessem da morte dos animais, independentemente da realização das touradas nos termos permitidos por lei, bem como de esquartejar os touros mortos e vender a sua carne para consumo público contra todas as regras sanitárias vigentes. É claro que fundamentam tais pedidos cautelares, não só na realidade fáctica descrita, como na lei que, à data, proibia as touradas de morte (decreto 15.355), na lei de protecção aos animais (Lei nº 92/95) e na que previne a defesa da saúde pública (D.L. 78/84), como, aliás, não podia deixar de ser. É que, só a existência de tais leis justificava as medidas pretendidas pela requerente. Se não existisse a mencionada legislação, as condutas em causa seriam permitidas e obviamente não tinha razão de ser qualquer providência cautelar tendente a evitá-las. O mesmo se passa numa vulgar providência cautelar em que, por exemplo, esteja ameaçado o direito da propriedade do requerente. Também aqui existem leis que consagram tal direito e é exactamente por isso que ele pode ser acautelado e defendido. As leis podem criar direitos e defender interesses mas não garantem que eles não sejam violados, daí a necessidade de sanções e do recurso aos tribunais para se ver acautelados e garantidos tais direitos e interesses ou para se ver sancionadas as respectivas violações. Não pode, pois, dizer-se que a existência de uma lei a proibir os touros de morte, ou o esquartejamento do touro e venda ao público da sua carne torne inútil uma providência cautelar, que, na eminência da verificação dessas condutas proibidas, procure evitar a sua concretização. ** O Decreto 15.355, como até decorre do seu relatório é uma lei de protecção a um animal específico, como o é igualmente, embora de modo genérico, a Lei nº 92/95, ambas defendem interesses supra-individuais, mas que também estão na titularidade dos membros individuais da comunidade. Tais interesses legalmente protegidos cabem claramente no conceito dos chamados interesses difusos e como tal podem ser defendidos e acautelados por qualquer cidadão ou associação ligada a tais interesses, como é o caso da requerente, e resulta directamente do Art 26-A do C.P.C, do Art 10 da Lei 92/95, do Art 1º nº 2 da Lei 83/95 de 31/8 e da própria Constituição da República – Art 52 – ** Por conseguinte, o interesse em agir de que fala o MºPº (e que se aceita ser um pressuposto processual, como acima se deixou referido), não pode ligar-se directamente à lei proibitiva das condutas que se pretende acautelar, para se concluir que a existência da proibição legal, exclui por si só aquele interesse, por ser suficiente a norma legal. Tal interesse processual, como pressuposto da acção ou do procedimento cautelar, só pode aferir-se perante o circunstancialismo concreto que rodeia a situação em causa. Dito por outras palavras, existe uma lei que proíbe determinada conduta, protegendo certos interesses tidos por relevantes para a comunidade. Tais interesses podem ser defendidos em juízo por qualquer cidadão. A questão está em saber se, face ao circunstancialismo concreto em causa, se justifica ou não o recurso aos tribunais. É neste plano que se coloca o problema do interesse processual. ** Ora, parece-nos evidente que, perante o circunstâncialismo fáctico provado nos autos não pode negar-se à requerente o interesse processual na instauração da presente providência cautelar, tanto mais que, como resulta dos princípios atrás expostos, a necessidade de recurso aos tribunais, em que se traduz o interesse em agir, não tem de ser absoluta ou estrita, bastando uma necessidade justificada, razoável e fundamentada. No caso, o interesse processual confunde-se com o periculum in mora, razão de ser de todo o procedimento cautelar, obviamente presente face à factualidade provada. Dir-se-à mesmo que a melhor demonstração de que existe interesse em agir, está no facto de que nem sequer foi suficiente a intervenção do Tribunal para evitar a violação dos interesses legalmente protegidos. Improcedem, assim, as conclusões 1ª e 4ª. ** 2ª Questão Sanção Pecuniária Compulsória Visto o sentido da solução adoptada, torna-se necessário decidir a segunda questão suscitada no recurso. ** A decisão recorrida, sem prejuízo da responsabilidade criminal que ao caso couber, condenou os requeridos incertos no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória de 5.000.000$00 por cada dia em que se verifique infracção à abstenção decretada, destinando o referido valor, em parte iguais, à requerente e ao Estado Português. ** É contra esta repartição do valor da dita sanção que se insurge o MºPº agravante, por entender que a requerente não pode ser abrangida na figura de “credor” a que se refere o Art 829-A do C.Civil. A requerente configura a sua pretensão como sendo de defesa de interesses difusos, não estando em causa a ocorrência de lesão patrimonial. Não deve, pois, existir reversão da sanção para a requerente. ** Como é sabido, a sanção pecuniária compulsória traduz-se, quanto à sua natureza jurídica e funcional, numa medida coercitiva de caracter patrimonial com função compulsiva, no sentido de forçar o devedor ao cumprimento da obrigação, satisfazendo assim o interesse do credor, contribuindo também para prestigiar os tribunais na medida em que reforça a eficácia das suas decisões. Foi introduzida primeiramente no direito substantivo pelo D.L. 262/83 de 16/6 (Art 829-A do C.C.) e tem o seu campo de aplicação restrito às obrigações de facto infungível, positivo ou negativo. No âmbito do direito processual apareceu com a última revisão do C.P.C. no domínio dos procedimentos cautelares onde o Art 384 n.2 determina que “É sempre admissível a fixação, nos termos da lei civil, da sanção pecuniária compulsória que se mostra adequada a assegurar a efectividadde da providência decretada”. Não tem qualquer função indemnizatória. ** Assim, sendo esta a natureza da sanção pecuniária compulsória, não se vê razão relevante para que, no caso concreto, não possa dela beneficiar a requerente/agravada. É certo que não está em causa qualquer lesão patrimonial, mas também é verdade que a sanção compulsória não tem qualquer finalidade indemnizatória, nem o seu funcionamento esta minimamente dependente da existência de prejuízo material decorrente do incumprimento da medida cautelar decretada. ** Por outro lado, admitida que foi a legitimidade da requerente para instaurar o procedimento cautelar em causa, bem como o seu interesse processual, visto que o procedimento cautelar procedeu e por isso foi decretada a providência requerida, não se vê como poderia obstar-se à fixação de sanção compulsória, uma vez que foi pedida e a lei admite “sempre” a sua fixação, como decorre do citado nº 2 do Art 384. Portanto, estando presente o condicionalismo legal, nunca poderia o juiz deixar de fixar a sanção compulsória sob pena de violação da lei. Mas, se tinha de a fixar, e tinha de fazê-lo “nos termos da lei civil”, também não poderia deixar de a destinar em partes iguais ao requerente da medida cautelar e ao Estado, por ser esse o comando legal (Art 829-A nº 3 do C.C.). ** Alega a recorrente que a agravada não deve ser considerada credora, mas, salvo melhor opinião a objecção não procede. É claro que a agravada não é credora de qualquer prestação pecuniária, mas também não é esse tipo de prestação que está em questão quando se fala de sanção pecuniária compulsória, que só se aplica no domínio das prestações de facto infungível. Porém, se a decisão proferida no procedimento cautelar ordenou aos requeridos a abstenção de determinada conduta, parece óbvio que lhes impos a “prestação” de um facto negativo, ainda que, evidentemente, tal “prestação” não tenha origem numa relação creditória. Então, parece que nada impede que se veja a requerente da medida cautelar imposta aos requeridos como “credora” daquela “prestação” não no sentido de ser titular de um direito de crédito, mas no sentido de ter direito ao facto negativo (abstenção) imposta pela decisão. Só assim se entenderá que o legislador, apesar de saber que, no âmbito dos procedimentos cautelares o requerente não é muitas vezes titular de qualquer direito de crédito (pensa-se por exemplo na restituição provisória de posse, na suspensão de deliberações sociais, no embargo de obra nova ou mesmo na fixação de alimentos provisórios), não obstante admitiu “sempre” a fixação da sanção pecuniária compulsória. O que pretendeu o legislador, como de resto explicita no relatório do D.L. 329-A/95, foi garantir a efectivação da providência cautelar, protegendo já não apenas o credor em sentido técnico-jurídico, mas o requerente da providência, tendo ele ou não aquela qualidade. De contrário, limitar-se-ia injustificadamente o alcance do n.2 do Art 384 do C.P.P.. ** Finalmente, se é certo que os interesse difusos aqui em questão não são, de facto, do foro privado ou individual, também não são interesses públicos, já que a sua titularidade não pertence a nenhuma entidade pública ou órgão público, nem sequer são interesses colectivos por não pertencerem também a uma colectividade ou grupo. Pertencem sim, sem qualquer exclusividade, a qualquer um dos membros da comunidade que os teve como suficientemente relevantes para lhe garantir protecção legal (cof. sobre a natureza dos interesse difusos, Miguel Teixeira de Sousa – Legitimidade Processual e Acção Popular no Direito do Ambiente, in Direito do Ambiente – INA 1994 – 409 e seg.). De modo que, também não se veria razão para atribuir por inteiro ao Estado o montante da sanção compulsória, como parece estar subjacente ao raciocínio do agravante. ** Improcedem as conclusões 5ª e 6ª. ** Decisão. Termos em que acordam neste Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao agravo, confirmando-se a decisão recorrida. ** Sem custas por não serem devidas pelo agravante. ** Porto, 01 de Março de 2001-05-21 António Manuel Machado Moreira Alves José Joaquim de Sousa Leite António Alberto Moreira Alves Velho |