Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
309/07.2TBLMG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RODRIGUES PIRES
Descritores: INSPECÇÃO JUDICIAL
OBRIGATORIEDADE DE REALIZAÇÃO
Nº do Documento: RP20131126309/07.2TBLMG.P1
Data do Acordão: 11/26/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Embora se utilize a expressão “sempre que o julgue conveniente” no art. 612º do Cód. do Proc. Civil de 1961 [art. 490º do Novo Cód. do Proc. Civil], o poder de efectuar inspecção ao local não é um poder discricionário ou arbitrário.
II - Trata-se antes de um poder-dever, que só poderá deixar de ser exercido no caso da inspecção requerida se mostrar de todo desnecessária ou inútil para a descoberta da verdade.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 309/07.2 TBLMG.P1
Tribunal Judicial de Lamego – 1º Juízo
Apelação
Recorrente: “B…, Lda.”
Recorridos: C…
Relator: Eduardo Rodrigues Pires
Adjuntos: Desembargadores Márcia Portela e Pinto dos Santos

Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto:
RELATÓRIO
O autor D…, na qualidade de administrador do prédio urbano em propriedade horizontal, com a entrada “C”, sito na …, lote ., na freguesia …, Lamego intentou contra os réus C… e mulher E… a presente acção, com forma de processo ordinário, pedindo que estes sejam condenados a:
- procederem ao fechamento de todas as aberturas referidas na petição inicial, ou seja, uma abertura tipo janela com as dimensões de 60cm x 60cm e um buraco redondo, com 40cm de diâmetro, ambos na confinância da caixa (aqui dita de elevador) com a loja do r/c, e ainda o buraco na placa de cobertura do edifício, e também a reporem todo o vigamento de suporte do telhado, tudo com materiais, consistência e segurança estrutural primitiva, sendo esta a que resulta do respectivo projecto de licenciamento da construção do edifício;
- procederem a estas obras no prazo de 15 dias; e
- a indemnizarem os condóminos aqui autores pelos prejuízos que resultarem para o edifício por motivo daquelas obras, os quais, quanto ao respectivo montante, haverão de ser liquidados em execução de sentença.
Para tal efeito, o autor alega, em síntese, que o réu está a executar obras na sua loja com vista à sua adaptação para nela funcionar um restaurante.
Acontece que o réu começou a instalar um tubo para exaustão de fumos e vapores, aproveitando para o efeito uma caixa no interior do edifício que fora prevista e construída para nela ser instalado um elevador; no desenvolvimento destas obras, os operários estabeleceram duas comunicações entre a loja e a caixa, sendo uma do tipo janela e outra um buraco redondo, abrindo ainda um buraco na placa de cimento que constitui a cobertura do edifício, para o que cortaram algumas das respectivas vigas de suporte.
Estas obras não foram autorizadas pelos condóminos, que nem sequer foram consultados, pelo que violam os seus direitos, para além de provocarem uma desvalorização do imóvel que apenas se poderá quantificar depois de reposta a situação anterior.
Na contestação que apresentaram, começaram os réus por invocar a ilegitimidade do autor.
No mais, confirmaram a existência das referidas obras, afirmando, no entanto, que o título de constituição da propriedade horizontal já previa a afectação da referida fracção ao exercício de qualquer actividade comercial, para o que sempre seria essencial a realização destas obras, sem as quais as lojas ali existentes ficariam inaproveitáveis para os fins a que se destinam.
Impedir a realização destas obras constituiria um abuso do direito, quando é certo que a aplicação do tubo de exaustão não causa prejuízo para ninguém, em termos de espaço, segurança ou saúde.
Conclui pela improcedência da acção.
Na réplica, reitera o autor a sua versão dos factos, afirmando que é parte legítima e que não ocorre qualquer abuso do direito, existindo de facto perigo para os condóminos, na medida em que a caixa onde foi instalado o tubo não é hermética, o que provocará a infiltração de odores e a ocorrência de ruídos.
No despacho saneador julgou-se improcedente a excepção de ilegitimidade invocada pelos réus. Foi seleccionada a matéria de facto assente e organizada a base instrutória.
A autora “B…, Lda”, que substituiu o anterior Administrador do Condomínio D…, aquando da apresentação dos seus meios probatórios, requereu que, para prova da matéria a que se referem os nºs 4 e 6 a 14 da base instrutória, se procedesse a inspecção ao prédio referido na petição inicial.
No despacho de fls. 130 relegou-se para momento oportuno a apreciação da pertinência da inspecção ao local.
Procedeu-se a audiência de discussão e julgamento e no seu decurso foi proferido o seguinte despacho (fls. 193):
“Tendo em conta a matéria constante da base instrutória, o depoimento de parte prestado em audiência de julgamento e os esclarecimentos prestados pelas testemunhas, entende o Tribunal não haver necessidade de se deslocar ao local.”
A autora, não se conformando com este despacho, dele interpôs recurso de agravo, com subida diferida, finalizando as suas alegações com as seguintes conclusões:
1. Tendo a A./Recorrente requerido uma inspecção ao prédio referido na p.i. para a prova dos nº 4 e 6 a 14 da b. i., cuja pertinência foi relegada para decisão em momento posterior (neste caso foi decidida numa das sessões finais da audiência de julgamento), a mesma não deve ser indeferida com o fundamento de que o Tribunal já estava esclarecido a partir dos depoimentos prestados e se dos mesmos resultará, como resultou, não serem julgados provados alguns dos factos que a diligência se propunha provar.
2. No douto despacho recorrido a Meritíssima fez uma interpretação errada do art. 612º – 1 do CPC e violou o art. 3º- A do mesmo CPC.
Pretende assim a revogação do despacho recorrido e a realização da requerida inspecção.
Os réus apresentaram contra-alegações, pronunciando-se pela confirmação do decidido.
Foi proferido tabelar despacho de sustentação.
Entretanto, o tribunal respondeu à matéria da base instrutória através do despacho de fls. 235 e segs., que não teve qualquer reclamação.
Proferiu depois sentença que julgou a acção totalmente improcedente.
Inconformada, a autora interpôs recurso de apelação, tendo finalizado as suas alegações com as seguintes conclusões:
Primeira conclusão:
Estão incorrectamente julgados os seguintes pontos de facto:
1.: O nº 13 da B.I., o qual deveria ter sido decidido, o qual deveria ter sido respondido: “Provado, com a precisão de que se trata de “vigotas” e não de “vigas”
2.: Esta alteração resulta da ponderação conjunta dos depoimentos testemunhais de F… e G… e nas partes supra transcritas, prestados na sessão de julgamento de 07/06/2011, cujas referências de gravação são as supra citadas, ponderação que deve ser feita em conjunto com as fotografias que constituem os doc. nº 5 e 6 a fls. 50 da providência cautelar apensa.
3.: O nº 7 da B.I. o qual deveria ter sido decidido: “Provado”, ou seja sem a restrição que lhe foi introduzida.
4.: Esta alteração resulta da ponderação conjunta dos depoimentos testemunhais de F… e G… e nas partes supra transcritas, prestados na sessão de julgamento de 07/06/2011, cujas referências de gravação são as supra citadas, e do depoimento de I…, prestado na sessão de julgamento de 16/03/2012, cuja referência de gravação constante da acta é a supra citada.
5.: Assim sendo, em melhor ponderação, nesta sede por parte de V. Ex.Cias, no julgamento que farão da matéria de facto aqueles factos serão dados como provados sob as versões supra indicadas, o que se requer.
(…)
Segunda conclusão:
1.: As obras efectuadas pelos RR (ocupação duma caixa comum existente dentro do prédio com a implantação dum tubo de exaustão de fumos e gases provenientes da sua loja na qual efectuam obras para sua adaptação a restaurante, e posterior rompimento da placa de cobertura do prédio e do telhado para saída, para o exterior, deste tubo de exaustão), são ilegais, porque não está provado que tenham sido autorizadas pelos demais condóminos e destroem partes comuns (placa de cobertura e o telhado) e, por isso, violam o disposto nos artº 1425-1-2 e 1422-1, este com referência ao artº 1305 todos do Cod. Civ.,
2.: Na douta sentença recorrida, o/a Meritíssimo/a faz uma interpretação e aplicação incorrecta daquelas normas, sendo que as mesmas, se correctamente aplicadas e interpretadas, impõem a total procedência da presente acção.
E assim
3.: Revogando a douta sentença recorrida e julgando totalmente procedente o pedido formulado na acção será feita Justiça.
Os réus apresentaram contra-alegações, nas quais se pronunciaram pela confirmação da sentença recorrida.
Colhidos os vistos legais, cumpre então apreciar e decidir.
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FUNDAMENTAÇÃO
Aos presentes recursos, face à data da instauração da acção e da prolação das decisões recorridas, é ainda aplicável o regime de recursos anterior ao Dec. Lei nº 303/07, de 24.8. (cfr. também art. 7º, nº 1 “a contrario” da Lei nº 41/2013, de 26.6.).
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O objecto dos recursos encontra-se balizado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso – arts. 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do Cód. do Proc. Civil, na redacção anterior ao Dec. Lei nº 303/07 -, sendo ainda de referir que neles se apreciam questões e não razões, que não visam criar decisões sobre matéria nova e que o seu âmbito é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida.
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As questões a decidir são as seguintes:
IRecurso de agravo:
- Realização de inspecção ao local.
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IIRecurso de apelação:
- Alteração da matéria de facto (respostas aos nºs 7 e 13 da base instrutória);
- Violação com as obras efectuadas do disposto no art. 1425º, nº 1 do Cód. Civil.
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É a seguinte a matéria de facto dada como provada pela 1ª Instância:
1. O A., por deliberação de 17 de Fevereiro de 2007, foi eleito administrador da entrada “C” do prédio sito na …, bloco ., entrada “C”. – 1º e 2º
2. Os condóminos supra identificados e aqui representados pelo A. são proprietários de todas as fracções ("P" a "AC") que são servidas por aquela entrada "C" e todas estão sob a única administração do aqui A. – 3º
3. Sob as fracções as fracções ("P" a "AC"), que são servidas pela entrada “C”, encontra-se uma loja propriedade dos RR.. – A)
4. O R. marido efectuou obras no aludido prédio as quais romperam a parede que estabelece a separação entre aquela caixa e uma das fracções. – B)
5. Na loja referida em A), foram realizadas algumas obras para, na mesma fracção, funcionar um restaurante. – 4º
6. Estas obras desenrolam-se sob a responsabilidade dos aqui RR, e sob a direcção directa do Réu marido e no exercício da sua actividade de industrial da construção civil. – 5º
7. No decurso delas, e durante a semana que se iniciou em 19.02.07, começou a ser instalado um tubo, com a dimensão aproximada de 40cm x 40cm, e para exaustão de fumos, vapores e semelhantes. – 6º
8. O R. marido aproveitou uma caixa existente no interior daquele prédio e os operários às suas ordens estabeleceram duas comunicações entre a loja e a caixa, sendo uma do tipo janela (60 cm x 60 cm) e outra um buraco redondo com 40 cm de diâmetro. – 7º e 8º
9. Começaram a preparar a caixa para nela instalarem o tubo de exaustão e demais elementos e peças necessárias e adequadas àquele fim, e, de seguida, instalaram mesmo o dito tubo. – 9º
10. No desenvolvimento destas obras, operários às ordens do R. marido e dirigidos por um senhor de nome H… rebentaram com a placa de cimento que constitui a cobertura do edifício, na qual abriram um buraco com o intuito de por ele fazerem passar o tubo de exaustão, o que consumaram. – 10º e 11º
11. Logo iniciaram obras de rompimento de igual abertura no telhado. – 12º
12. O buraco aberto na cobertura do edifício foi feito para fazer passar para o exterior o tubo de exaustão. – 14º
13. Tanto o projecto, como o título de constituição da propriedade horizontal do prédio, previam a afectação da fracção referida em A) ao exercício de qualquer actividade comercial. – 18º
14. As obras levadas a cabo pelo R. marido permitem a exaustão de fumos e cheiros das fracções em causa. – 20º e 21º
15. O tubo do exaustor foi aplicado de forma hermética e isolado das paredes interiores das fracções habitacionais para impedir as infiltrações de cheiros e ruídos. – 22º
16. Para reporem o edifício no seu estado primitivo, fechando os buracos e rompimentos, necessitarão de 28 dias. – 25º.
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Passemos à apreciação do mérito dos recursos.
IRecurso de agravo
A autora, ao apresentar os seus meios de prova, requereu a realização de inspecção ao prédio para prova da matéria a que se reportam os nºs 4 e 6 a 14 da base instrutória, cuja redacção é a seguinte:
“4) Na loja referida em A) estão a ser levadas a cabo obras com vista à sua adaptação para nela funcionar um restaurante?
6) No decurso delas, e durante a semana que se iniciou em 19.02.07 começou a ser instalado um tubo, com a dimensão aproximada de 40cm x 40cm, e para exaustão de fumos, vapores e semelhantes?
7) O R. marido aproveitou uma caixa no interior daquele prédio e que fora prevista e construída para nela ser instalado um elevador, mas que, de facto, não foi instalado?
8) E os operários às suas ordens estabeleceram duas comunicações entre a loja e a caixa, sendo uma do tipo janela (60cm x 60cm) e outra um buraco redondo com 40cm de diâmetro?
9) Começaram a preparar a caixa para nela instalarem o tubo de exaustão e demais elementos e peças necessárias e adequadas àquele fim, e, de seguida, instalaram mesmo o dito tubo?
10) No desenvolvimento destas obras, operários às ordens do R. marido e dirigidos por um senhor de nome H… rebentaram com a placa de cimento que constitui a cobertura do edifício?
11) Na qual abriram um buraco com o intuito de por ele fazerem passar o tubo de exaustão, o que consumaram?
12) Logo iniciaram obras de rompimento de igual abertura no telhado?
13) Tendo cortado algumas das respectivas vigas de suporte?
14) Com o fim de fazerem passar para o exterior do prédio o tubo de exaustão e demais componentes?”
No final da sessão de julgamento realizada em 7.6.2011, a Mmª Juíza que a ela presidiu, face ao depoimento de parte e aos esclarecimentos prestados pelas testemunhas, entendeu não haver necessidade de se deslocar ao local, despacho do qual foi interposto o presente recurso de agravo.
Dispõe o art. 612º, nº 1 do Cód. do Proc. Civil de 1961 [art. 490º do Novo Cód. do Proc. Civil] que «o tribunal, sempre que o julgue conveniente, pode, por sua iniciativa ou a requerimento das partes, e com ressalva da intimidade da vida privada e familiar e da dignidade humana, inspeccionar coisas ou pessoas, a fim de se esclarecer sobre qualquer facto que interesse à decisão da causa, podendo deslocar-se ao local da questão ou mandar proceder à reconstituição dos factos, quando a entender necessária.»
A prova por inspecção tem por fim a percepção directa de factos pelo tribunal, sendo o seu resultado livremente apreciado pelo julgador (cfr. arts. 390º e 391º do Cód. Civil).
Trata-se da prova directa por excelência. Ao passo que nos outros meios probatórios o juiz se serve de intermediários – o documento, a testemunha, o perito, a parte -, na inspecção judicial não há intermediário algum: o magistrado é posto em contacto directo e imediato com o próprio facto a provar.[1]
A prova por inspecção caracteriza-se ainda pela sua oficiosidade, uma vez que, conforme resulta do art. 612º, nº 1 do Cód. do Proc. Civil de 1961 [art. 490º do Novo Cód. do Proc. Civil], só tem lugar quando o tribunal a julgue conveniente. Por isso, se tem discutido se o poder judicial de a indeferir é discricionário, o que conduziria à irrecorribilidade da decisão de não efectuar a inspecção (cfr. art. 679º do Cód. do Proc. Civil de 1961/art. 630º, nº 1 do Novo Cód. do Proc. Civil).[2]
Não se perfilha, porém, essa posição.
Com efeito, pese embora se utilize a expressão “sempre que o julgue conveniente”, o poder de efectuar a inspecção não é, a nosso ver, um poder discricionário ou arbitrário. É antes um poder-dever, que só poderá deixar de ser exercido no caso da diligência requerida se mostrar de todo desnecessária ou inútil para a descoberta da verdade, o que deverá constar de despacho fundamentado e susceptível de recurso, sob pena de o direito à prova por inspecção, reconhecido no art. 390º do Cód. Civil, ficar na dependência da livre vontade do juiz.[3]
Acresce ainda que, conforme se refere no Acórdão da Relação do Porto de 5.11.2009 (p. 0857899, disponível in www.dgsi.pt.), no nosso direito processual civil é determinante a questão do ónus da prova para quem pretende ver reconhecido um direito em juízo, já que a sua pretensão fica dependente da prova que fizer sobre os elementos constitutivos do direito que quer fazer valer (cfr. art. 342º do Cód. Civil).
Assim, sendo este ónus tão essencial, impõe-se que seja sindicada a decisão que rejeita as provas requeridas, como sucedeu, neste caso, com a inspecção judicial.
Tal como já atrás se referiu, a autora requereu a inspecção ao local para prova de parte substancial da factualidade que alegou na sua petição inicial e na qual fundou, entre outros, o seus pedidos de ver fechadas as aberturas que foram efectuadas pelos réus e de estes reporem todo o vigamento de suporte do telhado, prova que lhe incumbia nos termos do art. 342º, nº 1 do Cód. Civil.
Acontece que do conjunto dos números da base instrutória para os quais a autora requereu a inspecção ao local, dois deles não obtiveram resposta positiva:
- o nº 7 teve uma resposta restritiva, uma vez que não se deu como provado que a caixa existente no interior do prédio aproveitada pelo réu marido fora prevista e construída para nela ser instalado um elevador;
- o nº 13 foi respondido de forma totalmente negativa, ao não se dar como provado que tenham sido cortadas algumas das vigas de suporte do telhado.
Trata-se de pontos factuais para os quais a prova por inspecção, assente na percepção directa dos factos pelo próprio tribunal, se mostra útil. Ora, a Mmª Juíza que presidiu à audiência de julgamento, no fim da sessão que se realizou em 7.6.2011, face ao teor do depoimento de parte e dos esclarecimentos prestados pelas testemunhas, concluiu não haver necessidade do Tribunal se deslocar ao local.
Porém, com tal decisão negou à autora a produção de um meio de prova que esta requerera, sendo que dois dos pontos factuais visados com a sua realização não vieram a lograr respostas positivas.
Ora, entendemos que a inspecção judicial só não deve ser efectuada se a mesma se mostrar de todo desnecessária e inútil para a descoberta da verdade e, no caso “sub judice”, não era possível fazer semelhante juízo.
Admite-se que a Mmª Juíza, após a produção da prova testemunhal e a prestação do depoimento de parte, que são os elementos probatórios mencionados no seu despacho, se considerasse devidamente esclarecida até porque logo a seguir agendou data para alegações finais (cfr. fls. 193).
Viria, porém, já depois desse despacho a solicitar à Câmara Municipal …, a título devolutivo, os projectos referentes ao imóvel [que presentemente não se encontram no processo] e a inquirir o técnico responsável pelo licenciamento de obras particulares na freguesia … - I… (cfr. fls. 203, 228/9, 231 e 232).
Nada mais disse sobre a inspecção ao local, por si já considerada como desnecessária.
A convicção que formou objectivar-se-ia nas respostas restritiva ao nº 7 e negativa ao nº 13 da base instrutória.
Sucede que a inspecção ao local fora requerida pela autora precisamente para, entre outros, conseguir provar esses dois factos.
Tendo efectuado a inspecção, a Mmª Juíza poderia reforçar a convicção que formou, mas, deslocando-se ao local do litígio, também poderia inflecti-la.
Ao não efectuá-la, a Mmª Juíza retirou, desde logo, à autora a produção de um meio de prova que poderia contraditar a sua convicção e levá-la a decidir aqueles dois pontos factuais de forma diversa.
Como temos vindo a expor, não agiu acertadamente. Antes se impunha que, ao não se mostrar de todo desnecessária nem inútil para a descoberta da verdade a realização daquela inspecção ao local, a deferisse.
Deste modo, dar-se-á provimento ao recurso de agravo interposto pela autora, determinando-se a realização da inspecção ao local por esta requerida [a qual deverá ser efectuada pela Mmª Juíza que presidiu à audiência de julgamento, podendo esta ser acompanhada por técnico com competência para a elucidar sobre os factos a observar[4]], o que terá como consequência a anulação de todo o processado subsequente ao despacho recorrido, onde se incluem nomeadamente a decisão relativa às respostas à base instrutória e a sentença depois proferida.
Esta anulação não abrangerá, contudo, a prova antes realizada, atendendo a que a inspecção ao local tem por si autonomia e não prejudica a prova já produzida, até porque esta se acha gravada, sem prejuízo do tribunal de 1ª Instância, se o entender necessário, se esclarecer com renovação de prova.
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II - Face ao decidido no que concerne ao recurso de agravo, encontra-se prejudicado o conhecimento do recurso de apelação.
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Sintetizando:
- Embora se utilize a expressão “sempre que o julgue conveniente” no art. 612º do Cód. do Proc. Civil de 1961 [art. 490º do Novo Cód. do Proc. Civil], o poder de efectuar inspecção ao local não é um poder discricionário ou arbitrário.
- Trata-se antes de um poder-dever, que só poderá deixar de ser exercido no caso da inspecção requerida se mostrar de todo desnecessária ou inútil para a descoberta da verdade.
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DECISÃO
Nos termos expostos, acordam os juízes que constituem este Tribunal em conceder provimento ao recurso de agravo interposto pela autora “B…, Lda.” e, em consequência:
a) Revoga-se o despacho recorrido, proferido a fls. 193;
b) Ordena-se a realização da inspecção judicial requerida pela autora, anulando-se o processado subsequente a tal despacho.
Custas conforme vencimento a final (tendo-se sempre em conta o apoio judiciário que foi concedido aos réus).

Porto, 26.11.2013
Rodrigues Pires
Márcia Portela
M. Pinto dos Santos
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[1] Cfr. Alberto dos Reis, “Código do Processo Civil Anotado”, Vol. IV, Coimbra Editora, 1981, pág. 305; Antunes Varela et alii, “Manual de Processo Civil”, 1984, Coimbra Editora, pág. 585.
[2] Cfr., neste sentido, Ac. Rel. Coimbra de 20.9.1994, sumariado in BMJ, nº 439, pág. 662.
[3] Cfr. Ac. STJ de 19.4.1995, CJ STJ, ano III, tomo II, págs. 43/4; Despacho do Presidente da Relação de Lisboa de 29.6.1992, CJ, ano XVII, tomo III, págs. 171/3.
[4] Art. 614º do Cód. do Proc. Civil de 1961, que corresponde ao art. 492º do Novo Cód. do Proc. Civil.