Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP00040888 | ||
| Relator: | MARQUES PEREIRA | ||
| Descritores: | COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA DIREITOS SOCIAIS | ||
| Nº do Documento: | RP200712190756246 | ||
| Data do Acordão: | 12/19/2007 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | AGRAVO. | ||
| Decisão: | PROVIDO. | ||
| Indicações Eventuais: | LIVRO 323 - FLS 156. | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - Direitos sociais a que a LOFTJ se refere no art. 89.º n.º 1 c) – competência do tribunal de comércio - são os direitos que os sócios têm como sócios da sociedade e que tendem à protecção dos seus interesses sociais. II - Para a acção em que o Administrador de uma sociedade pede indemnização pela destituição é competente o Tribunal Comum. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | 3 Acordam no Tribunal da Relação do Porto: No Tribunal Cível do Porto, B………. intentou acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra C………., SA, pedindo a condenação desta a pagar e/ou restituir ao Autor a quantia global de € 144.02,58, acrescida de juros de mora vincendos, até integral pagamento. A petição inicial deu entrada na Secretaria Judicial do Tribunal recorrido em 31 de Janeiro de 2007. O Autor alegou, no essencial, os seguintes fundamentos: Até 1 de Fevereiro de 2006, a Ré foi titular de 39.600 acções, cada uma com o valor nominal de € 5,00, representativas do capital social da sociedade “D………., SA”, pessoa colectiva com o capital social de € 400.000,00, acções que adquiriu em Dezembro de 2003. Entre a data da aquisição dessas acções pela Ré e o dia 1 de Fevereiro de 2006, o capital social da “D………., SA” esteve sempre repartido entre a Ré e a sociedade “E……….”. Por deliberação dos accionistas, de 30 de Março de 2004, o Autor foi eleito para exercer funções de administrador da “D………., SA” no triénio 2004/2006. Foi acordado que o Autor auferiria o vencimento mensal de € 2.463,21, acrescido de despesas de representação e diversas regalias. O Autor iniciou funções na administração da “D………., SA” em 1 de Abril de 2004 e desempenhou-as até ao dia 18 de Julho de 2005. No inicio de 2005, a “D………., SA” entregou à Ré, para pagamento dos vencimentos e despesas de representação devidos ao Autor, a quantia de € 32.514,35, correspondente ao montante devido pelos 9 meses de serviço por ele prestado no ano de 2004, acrescido dos subsídios de férias e de Natal vencidos até 31 de Dezembro desse ano. No entanto, a Ré até ao momento, não entregou ao Autor tal quantia, sem causa justificativa, obtendo, por isso, um benefício ilegítimo. O Autor funda, assim, o seu direito a obter da Ré o pagamento de tal quantia, no instituto do enriquecimento sem causa (art. 473 do CC). Por deliberação da assembleia geral da “D………., SA”, de 18 de Julho de 2005, o Autor foi destituído do seu cargo de administrador, mediante invocação de justa causa. Os factos invocados para a destituição do Autor são falsos. Justificando o Autor a sua destituição com a existência de diversos litígios entre a Ré e a “E……….”. Em 1 de Fevereiro de 2006, a Ré vendeu as acções (de que era titular na “D………., SA”) à “E……….”, mediante acordo que envolveu a própria “D………., SA”. Para concluir esse acordo, a Ré adquiriu ao Autor créditos que este detinha sobre a “D………., SA”, correspondentes aos vencimentos e despesas de representação que lhe eram devidos desde 1 de Janeiro a 31 de Julho de 2005 e outras despesas. Para pagamento desse crédito, no montante global de € 31.682,53, a Ré transferiu para o Autor, a propriedade do veículo de marca BMW, matrícula ..-..-VO, a que ambos atribuíram o valor de € 26.000,00, valor que, tal como entre ambos ajustado, o Autor recebeu em posterior alienação do veículo a terceiros. Daquele crédito, a Ré ainda não pagou ao Autor a quantia de € 5.682,53. Configura o autor aquela entrega do veículo como uma dação em cumprimento (art. 837 do CC). Acrescentando que o objecto de tal cessão, mais do que a transferência da propriedade do veículo, consistiu na cedência do direito a registar a titularidade do mesmo a favor de qualquer terceiro, porque as partes acordaram atribuir-lhe um valor inferior ao da divida a extinguir sem qualquer declaração de perdão do excedente, pelo que a dação em cumprimento efectuada pela ré ao autor constitui dação “pro solvendo” (art. 840 do CC). Tendo o Autor agido na venda do veículo com a diligência devida, a divida da Ré ficou apenas parcialmente extinta, com a consequente manutenção da obrigação de pagamento do remanescente de € 5.682,53. Até à data, a Ré não pagou ao Autor, as referidas quantias em dívida (€ 32.514,35 + € 5.682,53 = € 38.196,88). Além disso, a Ré também não pagou ao Autor qualquer quantia de indemnização pela sua destituição sem justa causa, da administração da “D………., SA”, apesar de ter assumido a responsabilidade por esse pagamento. Pela sua destituição sem justa causa, alega ter sofrido prejuízos que descrimina, no valor total de 102.828,70. Considera o Autor que a declaração da ré de assunção perante o Autor do pagamento de tal indemnização, constitui assunção de divida, nos termos do art. 595, n.º 1 al. b) do CC, que exonera o antigo devedor (a “D………., SA”), por se verificar o condicionalismo do n.º 2 do mesmo artigo. A Ré apresentou contestação, concluindo pela improcedência da acção com a sua consequente absolvição do pedido. O Autor replicou, concluindo como na petição inicial. Findos os articulados, foi logo proferida decisão, que julgou o tribunal incompetente em razão da matéria, absolvendo a Ré da instância. De tal decisão, agravou o Autor, formulando as seguintes conclusões: 1. A decisão recorrida parte erradamente da consideração de que o agravante veio exercer direitos sociais e que, por isso, a competência do tribunal em razão da matéria deverá ser aferida á luz do disposto no art. 89, n.º 1 al. c) da LOFTJ. 2. Os direitos sociais a que a al. c) do citado art. 89 faz referência são apenas aqueles que estão previstos na secção XVII do CPC ou então os que, tendo como titular o sócio (ou accionista), assistam ou foram adquiridos por via dessa qualidade e têm como sujeito passivo da respectiva relação jurídica a sociedade onde aquele participa. 3. O agravante, na petição inicial, não invocou, nem de resto possui, a qualidade de sócio, accionista ou sequer de membro de órgão social da agravada. 4. Os pedidos que formulou nestes autos têm por causa de pedir obrigações decorrentes de enriquecimento sem causa que imputa á agravada, de um contrato de cessão de créditos que com ela celebrou e de uma assunção de dívida por ela declarada. 5. Os direitos que o Agravante invocou para fundar os seus pedidos não pressupõem a qualidade de sócio ou foram adquiridos nessa qualidade antes tendo nascido em resultado de actos e negócios jurídicos que extravasam o domínio das relações da Agravada com os seus accionistas. 6. Também não são direitos que devam ou possam ser invocados nas acções a que respeita Secção XVII do Código de Processo Civil. 8. Assim, porque não está em causa o exercício de direitos sociais e não se verifica o condicionalismo previsto na citada disposição legal, os Tribunais de Comércio não são os materialmente competentes para julgar os pedidos formulados pelo Agravante antes pertencendo tal competência aos Tribunais de competência genérica, in casu, às Varas Cíveis da Comarca do Porto, local onde a acção foi por ele intentada. 9. Ao declarar-se incompetente em razão da matéria para preparar e julgar a presente acção e, na sequência, ao absolver a Agravada da instância, o Tribunal a quo violou o correcto entendimento do disposto na alínea c) do número 1 do artigo 89° e na alínea a) do n.º 1 do artigo 97° da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro (Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais), bem como o disposto nos artigos 66° e 69° do Código de Processo Civil. A parte contrária contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso. Colhidos os vistos, cumpre decidir. Segundo a decisão recorrida, a pretensão formulada pelo Autor, quer na parte respeitante ao pagamento de vencimentos e despesas de representação, quer na parte respeitante à indemnização por destituição sem justa causa (art. 430, n.º 3 do CSC, na redacção anterior à reforma efectuada pelo DL n.º 76-A/2006, de 29 de Março), deve ser considerada relativa ao exercício de direitos sociais. Pelo que, o tribunal materialmente competente para o julgamento da acção é o Tribunal de Comércio, nos termos do disposto no art. 89, n.º 1 al. c) da Lei n.º 3/99, de 1 de Janeiro. Parece-nos, porém, não ser esse o melhor entendimento. Analisa-se uma questão de competência em razão da matéria. Na determinação da competência dos tribunais em razão da matéria, releva essencialmente a estrutura do objecto do processo, envolvida pela causa de pedir e pelo pedido formulados na acção, no momento em que é intentada. O que está em causa é saber se a presente acção se enquadra na situação prevista no art. 89, n.º 1 al. c) da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro), segundo o qual, compete aos tribunais de comércio preparar e julgar “As acções relativas ao exercício de direitos sociais”. Não estamos _ sobre isso, não há dúvida _ perante qualquer dos casos de “exercício de direitos sociais” previstos no art. 1479 e ss. do CPC. Mas, não podemos ficar por aqui, uma vez que, como se sabe, não existem razões para circunscrever a competência do tribunal de comércio (art. 89, n.º 1 al. c) da LOFTJ), às acções relativas ao exercício de direitos sociais previstas no CPC. Não encontramos na lei uma definição de “direitos sociais”. Cremos que, tal expressão é usada, em geral, no sentido de direitos dos sócios. É assim que, na doutrina, por exemplo, Luís Brito Correia, se refere aos direitos sociais ou corporativos, como “os direitos que os sócios têm como sócios da sociedade e que tendem à protecção dos seus interesses sociais”. [1] Ou António Pereira de Almeida escreve que: “Os direitos dos sócios correspondem a posições jurídicas activas da situação jurídica do sócio (status) e daí poderem designar-se por direitos sociais. A estes se podem contrapor outros em que os sócios actuam como terceiros contra a sociedade, nomeadamente quando pedem uma indemnização á sociedade por danos sofridos. Os direitos sociais estão ligados á qualidade de sócio, pelo que também são designados por direitos individuais dos sócios, embora, por vezes, só possam ser exercidos colectivamente de modo a serem alcançadas as percentagens de capital necessárias para a sua atribuição (arts. 77, n.º 1 e 291, n.º 19)”. [2]/[3] Ora, o Autor não propõe esta acção na qualidade de sócio, que não alega. O Autor alega, isso sim, a qualidade de administrador. Não, porém, de administrador da Ré, mas, de administrador da sociedade “D………., SA, de que foi destituído. Como vimos, o Autor baseia o seu pedido de condenação da Ré, essencialmente, no enriquecimento sem causa (art. 473 e ss. do CC), quanto á quantia de € 32.514,35, no incumprimento do negócio de cessão de créditos (art. 577 e ss.), quanto à quantia de € 5.682,53 e na assunção de dívida (art. 595, n.º 1 al. b) e n.º 2), quanto à quantia de € 102.828,70, esta última correspondente á indemnização a que teria direito pela sua destituição sem justa causa da sociedade “D………., SA”. [4] Assim, a nosso ver, não estamos, perante acção relativa ao exercício de direitos sociais, enquadrável na previsão do art. 89, n.º 1 al. c) da LOFTJ. Em face da matéria da causa, o tribunal competente não é o tribunal de comércio, mas sim, o tribunal cível. Decisão: Acorda-se em, no provimento do agravo, revogar a decisão recorrida, declarando ser competente, em razão da matéria, para a presente acção o Tribunal recorrido. Custas pela agravada. Porto, 19 de Dezembro de 2007 Joaquim Matias de Carvalho Marques Pereira Manuel José Caimoto Jácome Carlos Alberto Macedo Domingues _____________________________ [1] Direito Comercial, Sociedades Comerciais, vol. II, p. 306. [2] Sociedades Comerciais, 4.ª ed., p. 107. Informa o mesmo Autor, em nota de rodapé (151) que “outra classificação faz a distinção entre direitos sociais _ aqueles cujo exercício aproveita á sociedade e não directamente ao sócio (ex. direito de voto) _ e direitos próprios ou individuais, que têm um carácter pecuniário”, citando Patrick Ledoux, Le droit de vote des accionnaires, p. 11. [3] Observa o mesmo Autor que a enumeração dos direitos dos sócios feita no art. 21, n.º 1 do CSC não se deve considerar exaustiva. [4] Discutia-se, na vigência da Lei 82/77, se era o tribunal de trabalho ou o tribunal comum o competente para conhecer do pedido de um administrador de uma sociedade anónima, destituído sem justa causa, de pagamento de remunerações pelo exercício das suas funções (v., por exemplo, Luís Brito Correia, Os Administradores de Sociedades Anónimas, p. 375 e ss.; Ilídio Duarte Rodrigues, A Administração das Sociedades por Quotas e Anónimas, p. 296). Em questão, desde logo, a determinação da natureza da administração, no nosso direito. É um problema complexo, que continua a suscitar controvérsia na doutrina. Vejam-se, entre outros: António Pereira de Almeida, obra citada, p. 219 e ss., para quem, a relação de administração se deve subsumir ao contrato de prestação de serviços (art. 1154 do CC), que nesta modalidade se pode designar por contrato de administração. Contra: António Menezes Cordeiro, Manual de Direito das Sociedades, I, Das Sociedades em Geral, 2004, p. 719 e ss. |