Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0633112
Nº Convencional: JTRP00039250
Relator: GONÇALO SILVANO
Descritores: INTERRUPÇÃO DA INSTÂNCIA
Nº do Documento: RP200606010633112
Data do Acordão: 06/01/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO.
Indicações Eventuais: LIVRO 673 - FLS 78.
Área Temática: .
Sumário: I - A interrupção da instância, por pressupor um juízo sobre a falta de diligência da parte onerada com o impulso processual em promover os termos do processo, implica a necessidade de um despacho judicial que, após um ano e um dia pelo menos de paragem do processo, a declare.
II - Tal despacho tem porém carácter meramente declarativo, e não constitutivo, pois não determina a interrupção, limitando-se a constatar que esta se verificou por ter havido inércia negligente durante mais de um ano da parte onerada com o impulso processual, não significando sequer que só na data desse despacho a interrupção se tenha completado.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto:

I- Relatório

No decurso da instrução dos autos de execução para pagamento de quantia certa que B………., C.R.L. instaurou a C………., Ldª e outros, foi em 18.04.2002 celebrado um acordo de pagamento da quantia exequenda em que as partes pediam a suspensão da instância pelo prazo de pagamento de um ano a contar daquela data.
Esta pretensão foi atendida conforme despacho de fls. 75, suspendendo-se a instância pelo requerido prazo de um ano, que era o prazo acordado para o pagamento da quantia exequenda.

Em 26.06.2003 foi então proferido despacho nos seguintes termos:
“Decorrido que se encontra o período de suspensão da presente instância, notifique a exequente para em 10 dias, informar nos autos se já se encontra paga da quantia exequenda peticionada, ou requerer o que tiver por conveniente, sem prejuízo do disposto no artº 51º nº 2-b) do CCJ”.
Como nada foi requerido pela exequente, os autos foram remetido à conta e em seguida proferiu-se a fls. 96, em 22-09-2004, o seguinte despacho:
“Os presentes autos encontram-se parados há mais de um ano por inércia da exequente em promover os seus termos.
Assim sendo, de harmonia com o disposto no artº 285º do CPC, declaro interrompida a instância.
Aguardem os autos, no arquivo, o decurso do prazo da deserção da instância, nos termos do disposto no artº 291º do mesmo diploma legal. Notifique”.

Este despacho foi notificado à exequente em 27-09-2004.

Em 23-02-2006, a exequente veio requerer o prosseguimento da execução com um pedido de adjudicação do imóvel que se mantinha penhorado (a exequente desistiu da penhora de um outro prédio conforme requerimento de fls.99), sendo então o mesmo indeferido pelo despacho de fls. 101, com os seguintes fundamentos:
“Em 27 de Junho de 2003, foi enviada à exequente uma carta, para notificação do despacho de fls. 83 (cfr. fls. 84), sendo que, desde então, nunca mais apresentou qualquer outro requerimento com vista a dar andamento ao processo, tendo, aliás, a instância sido declarada interrompida ao abrigo do artigo 285° do C.P.C., por despacho proferido em 22.09.2004 (cfr. fls. 96), o qual, aliás, foi notificado à exequente, e já transitado em julgado.
Acresce que, o prazo de um ano para a interrupção da instância conta-se a partir da data em que a parte deixou de praticar o acto que condicionava o andamento do processo, sendo que o despacho que tenha por verificada a interrupção tem função meramente declarativa, não nascendo a interrupção com esse despacho.
Assim, para que a instância seja considerada deserta, basta o facto objectivo de a mesma estar interrompida durante dois anos. Ac. do TRP, de 29.11.2001, in www.dgsi.pt.
Assim sendo, porque a instância já se encontra interrompida há mais de dois anos, a mesma encontra-se deserta, nos termos do artigo 291°, n°1 do C.P.C., e, consequentemente, extinta, nos termos do artigo 287°, al. c) do C.P.C., pelo que se indefere o ora requerido.
Notifique e remeta os autos ao arquivo”.

Inconformada com o decidido a exequente recorreu, tendo concluído as suas alegações, pela forma seguinte:
1ª- O prazo de dois anos de deserção conta-se a partir da data em que se iniciou a interrupção da instância
2ª-A interrupção da instância verifica-se decorrido um ano após a notificação da exequente para requerer diligências de prosseguimento do processo.
3ª-Esse prazo conta-se independentemente do despacho que venha a ser proferido a declarar a instância interrompida
4ª-Tendo a notificação da exequente para requerer diligências de prosseguimento do processo ocorrido em 30.06.2003 (três dias após o registo) a interrupção da instância verificou-se 30.06.2004 e a deserção da instância verificar-se-ia a 30.06.2006 (dois anos após o início da interrupção).
5ª- O douto despacho recorrido violou o disposto no art. 291 n° do CPC.

Não houve contra-alegações.

O despacho recorrido foi sustentado.

Corridos os vistos, cumpre decidir:

II- Fundamentos
a)- A matéria de facto provada a tomara em conta é a que resulta do relatório acima elaborado.

b)-O recurso de agravo.

É pelas conclusões que se determina o objecto do recurso (arts.684º, nº 3 e 690º, nº1 do CPC), salvo quanto às questões de conhecimento oficioso ainda não decididas com trânsito em julgado.
Vejamos, pois, do seu mérito.

1-A interrupção da instância é pressuposto da deserção prevista no artº 291º nº 1 do CPC, em consequência da qual a instância se extingue (artº 287º-c) do CPC)
Mas para que se possa iniciar o prazo da deserção importa que se verifique o decurso do prazo de interrupção de um ano previsto no artº 285º do CPC.
Quanto à interrupção da instância efectivamente a jurisprudência tem entendido que o despacho que a tenha por verificada tem função meramente declarativa, não nascendo a interrupção com esse despacho.
A instância, ou seja, a relação processual pode extinguir-se por causas várias, uma das quais é a deserção (arts. 287-c e 291 do C.P.C.).
A deserção ocorre porque o processo está parado por inércia total da (ou das) parte(s). Já Alberto dos Reis justificava a deserção da instância mediante a necessidade de se não manter indefinidamente parados nos tribunais, como um congelador, inúmeros processos em relação aos quais as próprias partes se tinham desinteressado (cfr. “Comentário ao Código de Processo Civil”, vol. III, págs. 434 e segs).
Isto mesmo explica que, hoje, quando o ritmo de vida é muito mais intenso e a procura judicial mais forte, o legislador tenha descido o prazo para a ocorrência da deserção de cinco (CPC de 1961) para dois anos (Código actual).
A deserção opera de direito, ope legis, e não ope judicis (cfr Ac STJ de 17-06-2004-Processo: 04B1472 -Nº Convencional: JSTJ000 -Relator: NORONHA DO NASCIMENTO Nº Documento: SJ200406170014722 e Ac. STJ de 15-06-2004- Processo: 04A1992 - Nº Convencional: JSTJ000 -Relator: SILVA SALAZAR - Nº do Documento: SJ200406150019926).
Não é preciso, por conseguinte, qualquer despacho jurisdicional a declará-la, bastando, verificando-se automaticamente pelo decurso de um prazo de interrupção de dois anos.
É neste sentido que deve ser interpretado o sumário do Ac.RP de 29.11.2001-www.dgsi.pt-Relator Des. Pinto de Almeida, citado no despacho recorrido.

2-Há que referir ainda quanto à interrupção da instância, que por pressupor um juízo sobre a falta de diligência da parte onerada com o impulso processual em promover os termos do processo, implica a necessidade de um despacho judicial que, após um ano e um dia pelo menos de paragem do processo, a declare.
Tal despacho tem porém carácter meramente declarativo, e não constitutivo, pois não determina a interrupção, limitando-se a constatar que esta se verificou por ter havido inércia negligente durante mais de um ano da parte onerada com o impulso processual, não significando sequer que só na data desse despacho a interrupção se tenha completado (cfr. Ac. do STJ de 12.01.1999, in Bol. M.J. nº 483º-167).

Será, pois, passados 2 anos sobre a interrupção da instância e 3 sobre a paragem do processo por negligência da parte que se extingue a instância por deserção (cfr. Lebre de Freitas-CPC anotado, vol 1º, pág.520).

3-No caso dos autos a exequente foi notificada em 27-06-2003 do despacho de fls. 83 que em 26-06-2003,mandou que fosse requerido o que houvesse por conveniente para o prosseguimento do processo, sem prejuízo do disposto no artº 51º nº 2-b) do CCJ.
É a partir desta notificação que o exequente toma conhecimento que lhe compete promover os termos do processo e daí que o despacho que foi proferido em 22-09-2004 (notificado à exequente em 27-09-2004) teve apenas carácter declarativo de verificação de que o prazo de um ano para a interrupção da instância nos termos do artº 285º do CPC já tinha ocorrido.

A interrupção da instância não nasceu com esse despacho de 22-09-2204, pois que a inércia da exequente em fazer impulsionar o processo já ocorria desde 26-06-2003 (data do despacho que mandou aguardar que fosse requerido o prosseguimento dos termos do processo, o qual se deve considerar notificado à exequente em 30-06-2003).

Por isso, após o cumprimento do citado artº51º CCJ, não tendo sido impulsionados os autos por quem tinha o respectivo ónus (a exequente/agravante), nada havia a fazer senão aguardar pelo decurso do prazo da interrupção e da deserção.
É o que resulta do disposto no artº 285º e 291º-1 do CPC
Artº 285º “A instância interrompe-se, quando o processo estiver parado durante mais de um ano por negligência das partes em promover os seus termos ou os de algum incidente do qual depende o seu andamento”
Artº 291º-1- “Considera-se deserta a instância, independemente de qualquer decisão judicial, quando esteja interrompida durante dois anos”.

4-Deste modo concluímos que no despacho recorrido embora se tenham mencionado os princípios gerais acolhidos pela jurisprudência sobre estas questões, não se fez correcta aplicação ao caso concreto.
Efectivamente a interrupção da instância verifica-se não quando é proferido o despacho a declará-la, mas logo que termina o prazo de um ano previsto no citado artº 285º.
Ora a exequente estava advertida pelo despacho de fls. 26-06-2003 (que lhe foi notificado em 27-06-2003-fls.84) que lhe competia impulsionar os termos do processo.
Daí que não possa considerar-se a data de 27-09-2004 como aquela em que se verificou a interrupção da instância, uma vez que nessa data já havia decorrido o prazo de um ano para a interrupção.
O despacho de 22-09-2004 limitou-se a declará-la.
Mas mesmo que houvesse omissão de despacho a declarar a interrupção da instância tal não evitava o decurso desse prazo de interrupção.

A declaração de interrupção de instância constante do despacho de fls. 96 proferido em 22-09-2004 vale, pois, como reportada à data em que se perfez um ano contado da data em que o despacho de fls. 83 foi notificado à exequente, ou seja, o prazo de interrupção de um ano verificou-se em 30-06-2004.

Será a partir desta data é que se conta o prazo de deserção de dois anos, o que só aconteceria em 30-06-2006.
Ora considerando esta data e verificando-se que o requerimento da exequente a pedir o prosseguimento do processo deu entrada em 23-02-2006 é clara a sua tempestividade e como tal deve ser atendido.

Nestes termos assiste razão à agravante.

III- Decisão.
Pelo exposto acorda-se em dar provimento ao agravo e revogara o despacho recorrido, o qual deve ser substituído por outro em que se aprecie o requerimento de fls.100.
Sem custas.
Porto, 1 de Junho de 2006
Gonçalo Xavier Silvano
Fernando Manuel Pinto de Almeida
Trajano A. Seabra Teles de Menezes e Melo