Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP00041023 | ||
| Relator: | RODRIGUES PIRES | ||
| Descritores: | EMBARGOS EXECUÇÃO GENUINIDADE DA ASSINATURA DEPOIMENTO DE PARTE LIVRE APRECIAÇÃO | ||
| Nº do Documento: | RP200801290720950 | ||
| Data do Acordão: | 01/29/2008 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO. AGRAVO. | ||
| Decisão: | NEGADO PROVIMENTO. REVOGADA A DECISÃO. | ||
| Indicações Eventuais: | LIVRO 263 - FLS 13. | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - Uma declaração de extravio de cheques assinada pelo embargante é susceptível, em abstracto, de constituir princípio de prova da falta de genuinidade da assinatura. II - Não resultando o depoimento de parte em confissão, não deixa este de constituir elemento probatório que deve ser apreciado livremente pelo tribunal, embora restrito a factos que sejam desfavoráveis ao depoente. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Proc. nº 950/07 – 2 Apelação Decisão recorrida: proc. nº …-A/1999 do .º Juízo do Tribunal Judicial da Maia Recorrente: B………. Recorrida: “C………., Lda” Relator: Eduardo Rodrigues Pires Adjuntos: Desembargadores Canelas Brás e Henrique Araújo Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto: RELATÓRIO B………. veio deduzir os presentes embargos de executado à execução que lhe move “C………., Lda” tendo alegado, em síntese, o seguinte: - a embargada não é legítima portadora do cheque dado à execução; - nunca adquiriu à embargada o que quer que fosse, quer directa, quer indirectamente; - a assinatura constante do cheque não foi feita pelo seu punho, não sendo da sua autoria; - tal título foi dado como extraviado junto da instituição de crédito sacada. Termina pedindo que sejam julgadas procedentes as excepções deduzidas e que, em consequência, se declare extinta a execução. Pediu ainda que fosse suspenso o andamento da execução até que estivessem julgados os presentes embargos nos termos do art. 818, nº 2 do Cód. do Proc. Civil. A embargada contestou os embargos, dizendo que o cheque lhe foi entregue por D………., filho da embargante, na presença física desta e por ela assinado, mas com os restantes campos em branco, tendo-se em vista com a sua entrega a garantia das obrigações assumidas por um indivíduo de etnia cigana (E………., mais conhecido por “E1……….”). Com efeito, em negócio intermediado pelo D………., que, por esse motivo, receberia uma comissão de 5% sobre todas as vendas efectuadas, o dito “E1……….” propunha-se comercializar artigos de ourivesaria fornecidos pela embargada. Conclui, assim, no sentido da improcedência dos embargos e pelo prosseguimento da acção executiva. Opõe-se igualmente ao pedido de suspensão da execução, por não se mostrar junto aos autos documento que constitua princípio de prova, tal como é exigido pelo art. 818 nº 2 do Cód. do Proc. Civil. Este pedido de suspensão da acção executiva, feito ao abrigo do referido art. 818 nº 2, foi depois indeferido por se ter entendido que o documento junto a fls. 9 pela embargante era insuficiente para tal efeito. Dispensada a realização de audiência preliminar, foi proferido despacho saneador e procedeu-se à selecção dos factos assentes e à organização da base instrutória, o que não sofreu qualquer reclamação. Do despacho que indeferiu o pedido de suspensão da acção executiva, interpôs recurso a embargante, o qual foi admitido como agravo, a subir diferidamente e sem efeito suspensivo. Finalizou as suas alegações, formulando as seguintes conclusões: 1. Vem o presente recurso interposto do aliás douto despacho proferido em 20.10.2000; 2. Dado o Mmº Juiz “a quo” indeferir a suspensão da execução requerida pela ora recorrente, nos termos do disposto no nº 2 do art. 818 do CPC; 3. Contudo, sem razão; 4. Pois foram não só alegados pela ora recorrente factos justificativos, assim como foi junto documento que constitui “princípio de prova”, do invocado; 5. O art. 818 nº 2 CPC não exige a prova plena do facto; 6. Daí que o “grau de prova” exigida pelo citado preceito foi desrespeitado pelo Mmº Juiz “a quo”; 7. Ainda que se entenda que tal decisão foi proferida no uso legal de um poder discricionário, na medida que saiu fora da gama de possibilidades de opção que a lei (art. 818 CPC) lhe concede, que apenas exige “um princípio de prova”, ou seja, um “menor grau de prova”. Deve, assim tal despacho ser revogado. Não foram apresentadas contra-alegações. O Mmº Juiz “a quo” proferiu despacho de sustentação. Foi depois efectuada audiência de julgamento com observância do legal formalismo, tendo sido dada resposta à matéria da base instrutória através do despacho de fls. 242/4, que teve reclamação, indeferida. Seguidamente, foi proferida sentença que julgou os embargos procedentes, da qual viria a ser interposto recurso de apelação pela embargada. Constatou-se então ter havido falta de gravação de parte da prova produzida, o que levou à anulação do julgamento. Efectuou-se, por isso, nova audiência de julgamento com observância do legal formalismo, tendo sido dada resposta à matéria da base instrutória através do despacho de fls. 310/2, que não sofreu qualquer reclamação. Proferida a seguir sentença, foram os embargos julgados improcedentes e condenada a embargante como litigante de má fé na multa de 15 Ucs. Inconformada, a embargante B………. interpôs recurso de apelação, tendo finalizado as suas alegações com as seguintes conclusões: 1. Vem o presente recurso interposto da aliás douta sentença proferida em 13.10.2005, que julgou totalmente improcedente os embargos deduzidos pela ora recorrente; 2. Julgamos, porém, que sem razão!; 3. Na verdade, com o presente recurso tem-se em vista não apenas a interpretação e aplicação da lei aos factos dados como provados, mas também a reapreciação da prova produzida, v.g. documental e testemunhal (gravada), com vista à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, nos termos e para efeitos v.g. do estatuído no art. 712 do CPC; 4. Concretamente, pretende a ora recorrente impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto constante dos arts. 1, 2, 3 e 4 da aliás douta base instrutória, na medida em que consideram a mesma incorrectamente julgada e valorada, v.g. ao ser dada (indevidamente) como provada; 5. Mas também criticar o enquadramento jurídico que tal sentença nos oferece para tais factos – ainda que se admita, por mero efeito de raciocínio, como provados!; 6. Desde logo, o Digníssimo Tribunal “a quo” assentou a sua “convicção”, fundamentalmente, no depoimento de parte de F………., que, segundo refere, “não obstante ser o legal representante da sociedade embargada, depôs de forma isenta e sincera, tendo esclarecido cabalmente os factos em apreço” (sic); 7. Ora, como resulta do disposto, art. 352 CPC, a confissão é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária; 8. E como ainda se diz no Ac. RL de 15.12.94, CJ 1994, 5º, 127 “o depoimento de parte só é admissível quando incidir sobre factos que desfavoreçam o depoente e, assim, poder dar origem a confissão”; 9. Por conseguinte, teremos necessariamente de concluir que a valoração que o Digníssimo Tribunal “a quo” fez de tal depoimento é ilegal e manifestamente inapropriada para a fundamentação da sua “convicção” – o que se alega para todos os efeitos legais; 10. Não poderia a ora recorrida e, por maioria de razão, o Tribunal servir-se de tal meio de prova para alcançar tal desiderato probatório!; 11. Pois, apesar do Tribunal poder “apreciar livremente as provas segundo a sua prudente convicção, o certo é que, no caso em apreço, o Mmº Juiz “a quo” valoriza, sobremaneira, o referido depoimento; 12. Como se inculca, o depoimento em causa não resulta em confissão e, por conseguinte, em nada favorece a parte contrária; 13. Sendo certo que o depoimento de parte sobre factos alegados pela própria parte, sem que tenha por objectivo o reconhecimento de qualquer facto desfavorável ou cujo ónus de prova recaia sobre a parte contrária, traduz-se num uso indevido desse meio de prova, por falta de correspondência funcional e teleológica entre o meio processual e o objecto do meio de prova fixado na lei; 14. O certo é que tal depoimento foi o que serviu, ao que parece para formar a convicção do tribunal, e com influência na decisão – cf. douto despacho de 29.6.05 e aliás douta sentença em crise; 15. Na verdade, a “regra” consagrada no nosso ordenamento jurídico processual relativamente à apreciação e graduação dos diferentes meios de prova, é a da “prova livre”; 16. Mas tal não pode nem deve significar que seja “discricionária a liberdade de apreciação”, apesar de tudo, deve obediência e encontra-se sempre vinculada à lei; 17. Há, contudo, excepções ao referido princípio, donde sobressai precisamente o caso “prova por confissão”; 18. Isto significa que o tribunal não pode considerar determinado facto como provado, v.g. quesitos 1, 3 e 4, se e enquanto a formalidade exigida não tiver sido observada – o que, no caso não sucedeu – o que se alega para todos os efeitos legais; 19. Por outro lado, em lado algum se encontra provado o invocado “acordo” de preenchimento do cheque dos autos (dado à execução), nem quanto à sua data, nem tão pouco quanto ao seu montante – o que se alega para todos os efeitos legais, v.g. os previstos no art. 2 LU Cheques; 20. Dado que, como alega a embargada, o mesmo foi dado/entregue (pelo Dr. D……….) em “garantia”; 21. Acresce que o montante inscrito pela embargada em tal cheque não corresponde a qualquer dívida da ora recorrente, ou cujo vencimento e exigibilidade se tenha verificado, unilateralmente, aposta também pela embargada – o que se invoca para todos os efeitos legais; 22. Factos estes, essenciais e sobre os quais o respectivo ónus de prova impenderia sobre a embargada – o que não logrou alcançar!; 23. Do mesmo modo sempre se dirá que o cheque em causa não teve, em momento nenhum, a natureza própria prevista na LU no seu art. 1, nunca foi um mandato puro e simples do pagamento duma quantia determinada a terceiro – o que se invoca para todos os efeitos legais!; 24. Questão a resolver é, realmente, a de saber se, apesar de tais circunstâncias, a ora recorrente efectivamente se constituiu, ou não, garante (“fiadora”) do seu filho Dr. D………., mais concretamente, através da relatada “entrega” à ora recorrida, do cheque (pessoal) dos autos, dito de garantia a favor desta, com a data e o valor em branco; 25. E a ter-se constituído “fiadora” – o que somente se admite por mero efeito de raciocínio -, saber se é ou foi cumprido o disposto no art. 628 do C.Civil?; Ou seja, 26. Na tese quer da embargada, quer do Digníssimo Tribunal “a quo”, esse facto, nas circunstâncias em que pretensamente ocorreu, terá representado declaração expressa naquele sentido, nos termos e para os efeitos v.g. do nº 1 do art. 217 do CC!?; 27. Ainda que se admita por inferência dos relatados factos (e dados como provados), v.g. a ora recorrente encontrar-se presente aquando da entrega do mencionado cheque, e que a entrega desse cheque constituísse, nas circunstâncias referidas, um meio indirecto de exteriorização da vontade da ora recorrente de se obrigar pessoalmente, como fiadora e principal pagadora, em garantia do cumprimento pelos alegados “fornecimentos” que a ora recorrida terá efectuado ao mencionado “E1……….”; 28. Estar-se-ia, então, perante uma declaração tácita nesse sentido – todavia insuficiente para esse efeito face ao exigido no nº 1 do supracitado art. 628 CC – o que se alega para todos os efeitos legais!; 29. Destarte, a subscrição e “entrega” do aludido cheque não é, pelo menos, de todo o modo, e a todas as luzes, meio directo – isto é, só ou a tal principalmente dirigido – de comunicação da vontade de assumir diferente e mais alargada (hipotética) responsabilidade pessoal de garantia da recorrente para o falado “E1……….” e “Dr. D……….”, do incumprimento das obrigações resultantes dos invocados fornecimentos. 30. Efectivamente, embora conste do cheque como tomadora e, assim, beneficiária, a ora recorrida, a “obrigação alheia” que, por esse modo, se terá visado garantir não é mencionada nesse título de crédito, de que não resulta a vontade de quem o assinou de se obrigar pessoalmente para além do necessariamente emergente dessa “assinatura”, não bastando as circunstâncias que rodearam a emissão do mesmo para estabelecer claramente a assunção de outra obrigação que não seja a resultante da subscrição (melhor dizendo, a simples “assinatura”) do cheque em causa; 31. E ainda que se admita somente por mero efeito de raciocínio – ter sido intenção da recorrente “afiançar” as obrigações daquele “E1……….” – que não conhece nem nunca conheceu! – ou até do seu filho Dr. D………., o certo é que, no entanto, essa intenção não se manifestou na forma legal, imposta pelo art. 628 nº 1 – o que se invoca para todos os efeitos legais; 32. Ainda, nos termos v.g. do art. 712 do CPC a decisão ora recorrida proferida v.g. sobre a matéria de facto alegada (quesitos 1, 2, 3 e 4), deverá ser alterada por esse Venerando Tribunal, uma vez que os elementos fornecidos pelo processo, v.g. depoimentos das testemunhas G………. e D……….., impõem uma decisão diversa, conforme defendido pela ora recorrente – o que se invoca para todos os efeitos legais; 33. Finalmente, no que concerne à condenação da ora recorrente na multa de 15 Ucs, por litigância de má fé, dir-se-à que aquela limitou-se a exercer os seus direitos, v.g. de defesa, e litiga com boa fé, na convicção do exercício de um direito legítimo!; 34. Quanto ao facto de ter alegado “ter perdido o cheque em causa”, ficou manifestamente provado que o mesmo lhe foi furtado pelo filho, facto que a ora recorrente desconhecia aquando da “declaração” prestada à instituição bancária, o que sempre afasta qualquer intencionalidade (dolo) quer daquela declaração e do que, em consequência, oportunamente alegou nos seus articulados – o que se invoca para todos os efeitos legais; 35. Daí que a condenação da embargante na multa de 15 UC, para além de manifestamente injustificada, é desproporcionada e ilegal!; 36. Razão pela qual deve ser aquela condenação revogada (ou anulada, conforme se entenda), com todas as consequências legais! A sentença recorrida violou assim, por erro de interpretação, os arts. 456 do CPC, 352, 342, 347 e 628 do CC, devendo ser revogada ou anulada, conforme se entenda, e substituída por outra que decida no sentido defendido pela recorrente. A embargante “C………., Lda” apresentou contra-alegações, nas quais se pronunciou pela manutenção do decidido. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. * FUNDAMENTAÇÃOO âmbito dos interpostos recursos de apelação e de agravo encontra-se delimitado pelas conclusões que neles foram apresentadas e que atrás se transcreveram – arts. 684 nº 3 e 690 nº 1 do Cód. do Proc. Civil. * QUESTÕES A DECIDIRA) Recurso de agravo - Apurar se no presente caso estão preenchidos os requisitos previstos no art. 818 nº 2 do Cód. do Proc. Civil justificativos da suspensão da execução, designadamente no que concerne à junção de documento que constitua princípio de prova. B) Recurso de apelação - Apreciação do valor probatório do depoimento de parte quando o mesmo não resulta em confissão e não favorece a parte contrária; - Reapreciação das respostas dadas aos nºs 1, 2, 3 e 4 da base instrutória. * OS FACTOSA matéria fáctica dada como assente pela 1ª instância foi a seguinte: 1. A exequente/embargada dedica-se à distribuição e comercialização de ouro, prata, jóias, relógios e acessórios, actividade esta que desenvolve no estabelecimento comercial “H……….”, sito na Rua ………., nº ., freguesia de ………., concelho da Maia. 2. Tem a mesma na sua posse o cheque nº ………., sacado sobre a conta nº ……….. da agência de ………. do “I………., SA”, cheque esse que se encontra junto a fls. 14 dos autos principais. 3. Tal cheque encontrava-se apenas assinado, tendo o restante sido preenchido pela exequente/embargada. 4. Apresentado a pagamento foi o mesmo devolvido com a menção “cheque revogado por justa causa: extraviado”. 5. No exercício da sua actividade, a autora (embargada) vendeu por grosso diversos artigos de ourivesaria cujo pagamento foi garantido pelo cheque identificado em 2. 6. Tais vendas ascenderam ao montante global de 26.845.000$00. 7. A assinatura constante do cheque pertence à embargante/executada, tendo sido feita pelo seu punho. 8. O cheque dos autos foi entregue à embargada/exequente por D………., filho da executada e na presença desta última. 9. As vendas referidas em 5 foram efectuadas a um indivíduo de etnia cigana chamado E………. (conhecido pela alcunha “E1……….”). 10. Tendo o referido D………. sido o intermediário entre a embargada/exequente e o “E1……….”. 11. Recebendo para o efeito 5% sobre todas as vendas que fossem efectuadas por este último. * O DIREITOA) Recurso de agravo No art. 818 nº 2 do Cód. do Proc. Civil, na redacção aplicável aos presentes autos, estatui-se o seguinte: «Tratando-se de execução fundada em escrito particular sem a assinatura reconhecida, pode o juiz suspender a execução, ouvido o embargado, se o embargante alegar a não genuinidade da assinatura e juntar documento que constitua princípio de prova.» No presente caso, a executada B………. na petição de embargos alegou que a assinatura aposta no cheque dado à execução não foi feita pelo seu punho, sendo, por isso, falsa. Como prova juntou apenas um documento, por si assinado, através do qual comunicava ao “I………., SA” que alguns dos seus cheques se tinham extraviado (fls. 9). Trata-se então de apurar se este documento constitui princípio de prova para os efeitos do citado art. 818 nº 2 do Cód. do Proc. Civil. Sobre esta questão escreve Fernando Amâncio Ferreira (“Curso de Processo de Execução”, 10ª edição, pág. 189) que “documento que constitua princípio de prova” é o bilhete de identidade, o passaporte, a carta de condução ou qualquer outro documento autêntico subscrito pelo executado. O Mmº Juiz “a quo” no despacho recorrido seguiu entendimento similar ao afirmar que o documento apresentado pela embargante era insuficiente para fundamentar a suspensão da execução e que, para tal efeito, deveria ser junto documento ao qual fosse atribuída fé pública como sucede com o bilhete de identidade. Não concordamos inteiramente com esta perspectiva. Com efeito, face ao texto da disposição legal ora em apreciação, entendemos que em abstracto qualquer documento que contenha a assinatura genuína da pessoa a quem é atribuída a assinatura impugnada, permitindo a comparação das duas, é susceptível de constituir princípio de prova. Porém, para que no caso concreto o venha a constituir torna-se necessário que da comparação, a fazer pelo juiz, que sempre será perfunctória e sem recurso a análises laboratoriais, se conclua pela probabilidade da assinatura impugnada não ter sido feita pelo punho da pessoa a quem é atribuída.[1] Assim, nada obsta a que o documento junto pela embargante a fls. 9 possa constituir princípio de prova da falta de genuinidade da assinatura aposta no cheque que foi dado à execução. Não se pode, contudo, ignorar que, ao invés do que acontece com a procedência ou a improcedência dos embargos em que o ónus da prova da falta de genuinidade da assinatura incumbe ao exequente/embargado, neste caso particular da suspensão da execução é sobre o embargante que tal ónus recai, competindo-lhe fornecer ao tribunal os elementos factuais necessários à formulação de um juízo, que sempre será provisório, sobre a falta de genuinidade da assinatura. Ora, o documento que a embargante juntou ao processo para tal efeito – a declaração de extravio de cheques por ela subscrita apresentada no “I………., SA” – não permite formular tal juízo. Na verdade, a comparação macroscópica das assinaturas constantes do cheque dado à execução e do documento apresentado com a petição de embargos, que sempre será, como já se assinalou, necessariamente sumária e provisória, não permitia ao Mmº Juiz “a quo” chegar a qualquer juízo donde resultasse a probabilidade da assinatura aposta no cheque não ter sido feita pelo punho da executada/embargante. Concluindo: O documento junto aos autos pela embargante – declaração de extravio de cheques por ela assinada – era susceptível de, em abstracto, constituir princípio de prova da falta de genuinidade da assinatura constante do cheque dado à execução, mas no caso concreto tal não se verifica, uma vez que a comparação macroscópica a efectuar pelo Mmº Juiz “a quo” em sede liminar não lhe permitia formular juízo nesse sentido. Deste modo, embora por razões não inteiramente coincidentes com as sustentadas no despacho recorrido, manter-se-à o mesmo, negando-se provimento ao recurso de agravo interposto pela embargante. * B) Recurso de apelaçãoO regime do depoimento de parte está todo ele – e só ele – inserido na secção do Cód. do Proc. Civil que tem por título “Prova por confissão das partes” (arts. 552 e segs.) O depoimento de parte surge-nos, assim, como o meio processual posto ao serviço do direito probatório substantivo para provocar a confissão judicial (cfr. art. 356 nº 2 do Cód. Civil). A confissão, por seu turno, é «o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária» (art. 352 do Cód. Civil), daí que o depoimento de parte só deva recair sobre factos desfavoráveis ao confitente e favoráveis à parte contrária. No caso “sub judice”, do teor do depoimento de parte prestado por F………., legal representante da embargada, sintetizado na fundamentação da decisão de facto a fls. 310/1, verifica-se que o mesmo não se traduziu no reconhecimento de qualquer facto que lhe fosse desfavorável. Porém, mesmo não resultando em confissão, o depoimento de parte não deixa de constituir elemento probatório, devendo ser apreciado livremente pelo tribunal, segundo o prudente arbítrio do julgador, nos termos dos arts. 361 do Cód. Civil e 655 do Cód. do Proc. Civil.[2] Contudo, há que ter em conta a redacção do dito art. 361 do Cód. Civil onde se estatui que «o reconhecimento de factos desfavoráveis, que não possa valer como confissão, vale como elemento probatório que o tribunal apreciará livremente.» Significa isto, que o depoimento de parte só poderá servir de elemento de prova, de apreciação livre, quanto a factos que se mostrem desfavoráveis ao depoente. Mesmo não havendo declaração confessória, o depoimento (face aos modos do depoente, às entrelinhas do respectivo depoimento, etc.) pode levar o juiz à convicção da realidade de um facto que lhe seja desfavorável. Mas temos que nos mover sempre, convém sublinhá-lo, no terreno dos factos desfavoráveis à parte que depõe, isto porque se a parte produz depoimento favorável ao seu interesse, faz afirmações cuja veracidade tem de demonstrar pela simples razão de que ninguém pode, por acto seu, formar ou fabricar provas a seu favor.[3] Sintetizando: Não resultando o depoimento de parte em confissão, como aqui sucede, não deixa este de constituir elemento probatório, a ser apreciado livremente pelo tribunal, embora restrito a factos que sejam desfavoráveis ao depoente.[4] Regressando ao caso concreto, constata-se, conforme já atrás se assinalou, que o legal representante da exequente/embargada, no seu depoimento de parte, não reconheceu qualquer facto que lhe fosse desfavorável, designadamente no que toca à autoria da assinatura aposta no cheque dos autos e às circunstâncias em que o mesmo lhe foi entregue, razão pela qual, face à argumentação que se deixou exposta, não podia o mesmo servir de elemento probatório. Por esse motivo, não andou bem o Mmº Juiz “a quo” que, na fundamentação da decisão que incidiu sobre a matéria de facto controvertida, valorou tal depoimento de parte, tendo, inclusive, escrito o seguinte: “relevou-se especialmente...o depoimento de F………., que não obstante ser o legal representante da sociedade embargada, depôs de forma isenta e sincera, tendo esclarecido cabalmente os factos em apreço...” Perante tal redacção é inequívoca a importância que o Mmº Juiz “a quo”, de forma, a nosso ver, menos correcta, conferiu a tal depoimento de parte. Assente a irrelevância em termos probatórios do depoimento de parte produzido pelo legal representante da exequente/embargada, há agora que proceder à reapreciação da decisão de facto no que toca às respostas que foram dadas aos nºs 1, 2, 3 e 4 da base instrutória, o que se fará com referência aos demais elementos de prova (documentos de fls. 9 e 46/9, relatório pericial do LPC e depoimentos prestados pelas várias testemunhas que foram ouvidas). Sob a epígrafe “modificabilidade da decisão de facto”, dispõe o seguinte o art. 712 nº 1 do Cód. do Proc. Civil: «- 1. A decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação: - a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do art. 690 – A, a decisão com base neles proferida; - b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas; - c) Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou.» Daqui decorre que a modificação da decisão da 1ª instância, em situações como a presente, deverá ser o resultado da reapreciação dos elementos probatórios que, com plena autonomia, é feita neste Tribunal da Relação, só devendo, porém, ocorrer se o tribunal superior, percepcionando os elementos de prova disponíveis, adquirir uma convicção diversa da que foi assumida pelo tribunal “a quo”. Não estamos, convém sublinhar, perante um segundo julgamento. De tal modo que para alterar a decisão da 1ª instância quanto à matéria de facto não basta uma simples divergência relativamente ao decidido, tornando-se imprescindível que se demonstre, através dos concretos meios de prova que foram produzidos, que se verificou um erro na apreciação do seu valor probatório. Ora, é precisamente isso que entendemos ter ocorrido no presente caso. Não se ignora, é certo, que o tribunal, tal como decorre do art. 655 nº 1 do Cód. do Proc. Civil, aprecia livremente as provas, decidindo o juiz segundo a sua prudente convicção quanto a cada facto, orientando-se por critérios de probabilidade forte, quase nunca de certeza absoluta. Todavia, no caso “sub judice”, pese embora o princípio da livre apreciação das provas, entendemos que o tribunal de 1ª instância decidiu incorrectamente a matéria de facto, no que concerne aos nºs 3 e 4 da base instrutória. Vejamos então: 1. Tratando-se os embargos de executado de uma verdadeira acção declarativa – uma contra-acção do executado à acção executiva – com vista a impedir a execução ou a obstar à produção dos efeitos do título executivo, é sobre o embargante que recai o ónus de alegação e prova da inexistência do direito do exequente ou de factos que, em processo normal, constituiriam matéria de excepção – factos impeditivos, modificativos ou extintivos desse direito (cfr. art. 342 nº 2 do Cód. Civil). Contudo, neste caso a situação é diversa, uma vez que a embargante pôs em causa a veracidade da assinatura que, com o seu nome, foi aposta no cheque dado à execução. Ora, nesta hipótese, há que ter em conta o estatuído no art. 374 nº 2 do Cód. Civil onde se estabelece que «se a parte contra quem o documento é apresentado impugnar a veracidade da letra ou da assinatura, ou declarar que não sabe se são verdadeiras, não lhe sendo elas imputadas, incumbe à parte que apresentar o documento a prova da sua veracidade». Daí decorre então que tendo sido impugnada, como aqui sucede, a autoria da assinatura que consta do cheque dado à execução, cabia à exequente/embargada o ónus da prova dessa autoria.[5] 2. Na sequência do que já atrás se expôs, o depoimento de parte produzido pelo legal representante da embargada/exequente, ao qual o Mmº Juiz “a quo” conferiu importante significado na formação da sua convicção, porque nada reconheceu que lhe fosse desfavorável, é irrelevante em termos probatórios. 3. Por conseguinte, os elementos probatórios a ter em atenção serão apenas os seguintes: - os documentos juntos aos autos (fls. 9 e 46/9); - o relatório pericial efectuado pelo LPC; - e os depoimentos prestados pelas testemunhas G………., J………. e D………., que foram gravados, encontrando-se transcritas pelo recorrente as passagens relevantes para a reapreciação das respostas dadas aos nºs 1 a 4 da base instrutória e a cuja audição procedemos. Da conjugação destes elementos de prova entendemos nada haver a alterar no que toca à resposta de “provado” que tiveram os nºs 1 (“No exercício da sua actividade, a autora (embargada) vendeu por grosso diversos artigos de ourivesaria cujo pagamento foi garantido pelo cheque identificado na alínea B) da factualidade assente?”) e 2 (“Tais vendas ascenderam ao montante global de 26.845.000$00?”) da base instrutória. Já quanto às respostas dadas aos nºs 3 e 4 da base instrutória a nossa posição será diversa. Perguntava-se nestes dois pontos, que lograram a resposta de “provado”, o seguinte: Nº 3 – “A assinatura constante do cheque pertence à embargante/executada, tendo sido feita pelo seu punho?” Nº 4 – “O cheque dos autos foi entregue à embargada/exequente por D………., filho da executada, e na presença desta última?” Ora, para responder a estes dois pontos da base instrutória, excluindo-se, pelas razões já explicitadas, o depoimento de parte produzido pelo legal representante da embargada teremos que nos ater aos depoimentos prestados pelas testemunhas atrás referidas, conjugando o seu teor com as conclusões do relatório pericial efectuado pelo LPC. A testemunha J………., fornecedor e colaborador da embargada, referiu ter presenciado uma conversa entre o Dr. F………. (legal representante da embargada) e o Dr. D………., estando presente a mãe deste último (ora embargante) e que durante essa conversa o Dr. D………. entregou um cheque ao Dr. F………. . Esse cheque estava assinado pela mãe do Dr. D………. e dele não constava a indicação de valor. Disse, porém, que o cheque não foi assinado na sua presença. A testemunha D………., filho da embargante, disse que entregou o cheque ao Dr. F………. e que o mesmo já estava assinado, parecendo-lhe que a assinatura era a da sua mãe. Depois, mais adiante disse que na altura estava a braços com problemas de alcoolismo e que o cheque dos autos, devido ao estado em que se encontrava, furtou-o à sua mãe, que tinha cheques assinados, acrescentando, porém, a seguir que “nessa altura, eu pouco me interessava se o cheque estivesse a..., se não estivesse, assinava-o eu!”. Afirmou igualmente, noutro passo do seu depoimento, que “não me custaria muito falsificar a assinatura da minha mãe!” Referiu ainda que a sua mãe não estava presente aquando da entrega do cheque ao Dr. F………., sublinhando que esta nem sequer conhece o local onde se situa o estabelecimento de ourivesaria da exequente/embargada e que tudo se passou à revelia dela. A testemunha G………., neta da embargante, disse não ter qualquer ideia da sua avó se ter dirigido alguma vez ao estabelecimento da embargada e que a assinatura aposta no cheque não lhe parece ser dela. Da conjugação de todos estes depoimentos o que resulta é que a prova quanto aos dois referidos pontos da base instrutória (autoria da assinatura aposta no cheque dado à execução/presença da embargante no momento em que o cheque foi entregue pelo seu filho à embargada) está longe de ser inequívoca. Os depoimentos mostram-se contraditórios e pouco esclarecedores, havendo que conjugá-los com o conteúdo do relatório pericial efectuado pelo LPC. Neste, como conclusão, escreve-se o seguinte: “Admite-se como provável que a assinatura suspeita aposta no cheque de fls. 150 (doc. 1 deste relatório) seja da autoria de B……….” – cfr. fls. 208. Ou seja, o relatório pericial não concluiu nem no sentido da assinatura suspeita ser da autoria da embargante, nem no sentido de tal ser muito provável. Quedou-se pela simples probabilidade de ser. Se é verdade que a certeza absoluta da verificação de um facto é algo muitas vezes difícil de atingir, também não é menos verdade que o julgador necessita para a formação da sua convicção de um pouco mais do que uma mera probabilidade. Tem que se orientar forçosamente por critérios de forte probabilidade. E o que se verifica no presente caso é que, face ao conteúdo do referido relatório pericial e ao conjunto dos depoimentos produzidos pelas testemunhas, não se pode concluir que exista uma forte probabilidade da assinatura constante do cheque ter sido feita pela embargante, nem desta ter estado presente quando esse cheque foi entregue pelo seu filho ao legal representante da embargada. A dúvida quanto à realidade destes factos é, a nosso ver, inultrapassável. Assim, tendo em atenção, como já acima se assinalou, que, no caso “sub judice”, por força do disposto no art. 374 nº 2 do Cód. Civil, o ónus da prova da autoria da assinatura que consta do cheque dado à execução cabia à exequente/embargada e ainda que a dúvida sobre a realidade de um facto deve ser resolvida contra a parte a quem o facto aproveita (cfr. art. 516 do Cód. do Proc. Civil), terá naturalmente de se concluir no sentido de não se ter provado que tal assinatura foi aposta pela embargante. Tal como também se terá de concluir no sentido de não se ter provado que a embargante estava presente no momento em que o cheque foi entregue pelo seu filho ao legal representante da embargada. Por conseguinte, nos termos do art. 712 nº 1 al. a) do Cód. do Proc. Civil, decide-se alterar as respostas que foram dadas pelo tribunal de 1ª instância aos nºs 3 e 4 da base instrutória, que passarão a ser as seguintes: Nº 3: Não provado. Nº 4: Provado apenas que o cheque dos autos foi entregue à embargada/exequente por D………., filho da executada. * Acontece que esta alteração factual, que se concretizou no facto de não se ter provado que a assinatura constante do cheque pertencia à embargante, tal como não se provou o acordo desta para a entrega do cheque à embargada, tem como efeito a integral revogação da sentença recorrida (onde se inclui a condenação da embargante como litigante de má fé) e a consequente procedência dos embargos por inexequibilidade do título com a correspectiva extinção da acção executiva (cfr. art. 46 nº 1 al. c) do Cód. do Proc. Civil).[Antes de concluir ainda uma palavra para referir que a apreciação das demais questões, de natureza jurídica, que foram suscitadas pela recorrente nas suas alegações – conclusões 23 a 31 – se encontra prejudicada pela solução entretanto dada à causa (cfr. art. 660 nº 2 do Cód. do Proc. Civil)] * DECISÃONos termos expostos, decide-se: A) Negar provimento ao recurso de agravo interposto pela embargante B……….; B) Julgar procedente o recurso de apelação interposto pela embargante B………., revogando-se integralmente a sentença recorrida, que se substitui por outra que julga procedentes os embargos de executado e declara, em consequência, extinta a acção executiva de que são apenso. Sem prejuízo de apoio judiciário: - custas do agravo a cargo da agravante/embargante; - custas da apelação a cargo da apelada/embargada. Porto, 29.1.2008 Eduardo Manuel B. Martins Rodrigues Pires Mário João Canelas Brás Henrique Luís de Brito Araújo ____________________________ [1] Cfr. neste sentido Ac. Rel. Coimbra de 14.6.2005 – proc. 1755/05 in www.dgsi.pt [2] Cfr. Manuel de Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil”, 1979, pág. 249; Antunes Varela, “Manual de Processo Civil”, 1ª edição, pág. 536. [3] Cfr. Ac. STJ de 27.1.2004, CJ STJ, Ano XII, I, págs. 49/51. [4] Seguiu-se no essencial a orientação explanada no Ac. Rel. Porto de 23.11.2006, JTRP00039779 in www.dgsi.pt [5] Cfr. neste sentido, que constitui orientação jurisprudencial pacífica, cfr. por ex. Ac. Rel. Porto de 28.9.2006, JTRP00039548 in www.dgsi.pt. |