Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0533022
Nº Convencional: JTRP00038243
Relator: OLIVEIRA VASCONCELOS
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
SENTENÇA
Nº do Documento: RP200505190533022
Data do Acordão: 05/19/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Área Temática: .
Sumário: Uma sentença não é um documento para os efeitos do disposto na alínea c) do artº 771 do CPCivil.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

No Tribunal Judicial da Comarca de .........., B.......... e C.......... interpuseram três acções, a saber
- proc. 105/99, no .. Juízo Cível, contra D.........., para anulação de um testamento através do qual E.......... instituiu herdeiro da sua quota disponível o réu;
- proc. 378/99, no .. Juízo Cível, contra “F.........., Lda., para anulação de um contrato de compre e venda de um prédio rústico em que outorgou como vendedora aquela E.......... e como compradora a dita sociedade;
- proc. 55/00, no .. Juízo Cível, contra G.......... e mulher, para anulação de um contrato de compra e venda de um prédio rústico, em que outorgou como vendedora a referida E.......... e como comprador o dito G..........
sustentando os seus pedidos numa alegada notória incapacidade da referida E.......... para reger a sua pessoa e os seus bens no acto da outorga dessas escrituras, ocorridas simultaneamente em 95.03.08.

No proc.105/99 foi proferida sentença em 01.02.15, que julgou a acção improcedente e absolveu o réu do pedido, de que não houve recurso e transitou em julgado.

No proc. 378/99 foi proferida sentença, tendo havido recurso, não havendo ainda trânsito em julgado de decisão final.

No proc. 55/99, foi em 04.12.09 proferido acórdão pelo Supremo Tribunal de Justiça, em que se julgou a acção procedente e se anulou o contrato de compra e venda em causa, com o fundamento de na altura em que outorgou na escritura a E.......... se encontrava notoriamente incapacitada de entender o sentido da sua declaração.

Em 05.01.14, os referidos B.......... e C.......... interpuseram o presente recurso de revisão, por apenso ao citado proc.105/99.
alegando
em resumo, que
- da matéria do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça acima referida se concluía que houve depoimentos produzidos naquele proc.105/99 que não correspondiam à verdade e tiveram influência na decisão;
- o referido acórdão era um documento de que não pode fazer uso neste processo e por si só, suficiente para modificar a decisão do processo lhe ser favorável e a acção ser julgada procedente.

Em 05.01.24, foi proferida decisão em que se indeferiu o recurso.

Inconformados, os recorrentes deduziram o presente agravo, apresentando as respectivas alegações e conclusões.

O recorrido contra alegou, pugnando pela manutenção do despacho recorrido.

Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

As questões

Tendo em conta que
- o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões neles insertas - arts. 684º, nº3 e 690º do Código de Processo Civil;
- nos recursos se apreciam questões e não razões;
- os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido
a única questão proposta para resolução consiste em determinar se o recurso devia ser deferido.

Os factos

Os factos a ter em conta são os acima assinalados, decorrentes da tramitação processual.

Os factos, o direito e o recurso

Vejamos, então, como resolver a questão.

No despacho recorrido entendeu-se não admitir o recurso porque o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça apenas tinha força obrigatória no processo em que foi proferida e já não na acção cuja decisão se pretende rever, da qual os recorrentes não interpuseram recurso.

Os agravantes entendem que do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça acima referido resulta que no processo em que foi proferida a sentença revidenda foram produzidas falsas declarações que influenciaram a decisão e que aquele acórdão constitui um documento suficiente para modificar esta no sentido da procedência da acção.

Cremos que não têm razão.

O recurso de revisão está previsto nos artigos 771º a 777º do Código de Processo Civil e representa a admissão, em casos taxativamente fixados por lei, da impugnação de decisões cobertas pela autoridade e força de caso julgado.

A razão da sus existência está em o legislador ter preferido sacrificar a intangibilidade do caso julgado para fazer prevalecer o princípio da justiça sobre o princípio da segurança, conforme escreveu o Prof. Alberto dos Reis “in” Código de Processo Civil Anotado, volume VI, página 336.

Dispõe actualmente o citado artigo 771º o seguinte:
A decisão transitada em julgado só pode ser objecto de revisão nos seguintes casos:
a) Quando se mostre, por sentença criminal passada em julgado, que foi proferida por prevaricação, concussão, peita, suborno ou corrupção do juiz ou de algum dos juízes que na decisão intervieram;
b) Quando se verifique a falsidade de documento ou acto judicial, de depoimento ou das declarações de peritos, que possam em qualquer dos casos ter determinado a decisão a rever. A falsidade de documento ou acto judicial não é, todavia, fundamento de revisão se a matéria tiver sido discutida no processo em que foi proferida a decisão a rever;
c) Quando se apresente documento de que a parte não tivesse conhecimento, ou de que não tivesse podido fazer uso, no processo em que foi proferida a decisão a rever e que, por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida;
d) Quando se verifique a nulidade ou a anulabilidade da confissão, desistência ou transacção em que a decisão se fundasse;
e) Quando, tendo corrido a acção e a execução à revelia, por falta absoluta de intervenção do réu, se mostre que faltou a sua citação ou é nula a citação feita;
f) Quando seja contrária a outra que constitua caso julgado para as partes, formado anteriormente.

A redacção actual da alíneas b), d) e e) foi introduzida pelo Decreto-Lei 38/03, de 08.03, sendo a anterior a seguinte:
b) Quando se apresente sentença já transitada que tenha verificado a falsidade de documento ou acto judicial, de depoimento ou das declarações de peritos, que possam em qualquer dos casos ter determinado a decisão a rever. A falsidade de documento ou acto judicial não é, todavia, fundamento de revisão, se a matéria tiver sido discutida no processo em que foi proferida a decisão a rever;
d) Quando tenha sido declarada nula ou anulada, por sentença já transitada, a confissão, desistência ou transacção em que a decisão se fundasse;
e) Quando seja nula a confissão, desistência ou transacção, por violação do preceituado nos artigos 37.º e 297.º, sem prejuízo do que dispõe o nº 3 do artigo 301º.

Face ao disposto no n.º4 do artigo 21º daquele Decreto-Lei e atento à data de interposição do presente recurso e da decisão que se pretende rever, aplica-se ao caso concreto em apreço a actual redacção das referidas alíneas do artigo em causa.

Os agravantes fundamentaram o seu recurso de revisão nos fundamentos indicados nas alíneas b) e c) do referido artigo 771º

Comecemos pelo fundamento da alínea b), ou seja, a falsidade.

Essa falsidade pode dizer respeito a:
- documento;
- acto judicial;
- depoimento;
- declarações de peritos.

Os agravantes invocam a falsidade das declarações dos médicos e do notário que teriam estado no acto da escritura do testamento.

Embora actualmente a lei já não exija que essa falsidade seja verificada por sentença já transitada, o certo é que exige que seja “verificada”.

Ora, será que as citadas declarações produzidas na escritura do testamento podem ser consideradas de falsas com base no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça acima ferido?

Cremos bem que não.

Em primeiro lugar, porque as declarações em causa não podem ser consideradas de “depoimentos” ou “declarações de peritos”, na medida em que aqueles se revelam por prova por depoimentos de parte ou prova por depoimentos de testemunhas e estas por prova por arbitramento.
Ora, as declarações invocadas para a revisão da sentença não foram produzidas por estes meios de prova judicias, apenas foram produzidas extrajudicialmente, o que desde logo impenderia a sua consideração para o efeito pretendido pelos agravantes.
Em segundo lugar, mesmo admitindo esta idoneidade, o certo é que o acórdão se reporta às declarações produzidas noutra escritura, que não a do testamento.
Em terceiro lugar, mesmo que se entendesse que face à alegada simultaneidade das escrituras, a declaração da falsidade de uma tinha que abarcar a outra, o certo é que a questão não foi posta no citado acórdão, pelo que neste não houve pronúncia sobre ela.
Ou seja, neste acórdão não foi verificado se as declarações dos médicos e do notário prestadas aquando da outorga da escritura do testamento eram falsas.

Mas mesmo que se entendesse que a alegada falsidade estava verificada, isso não era suficiente para que pudesse haver revisão.
Necessário era que houvesse um nexo de causalidade entre as alegadas falsas declarações e a decisão revidenda, ou seja, que esta se tivesse baseado nelas ou, pelo menos, tivesse uma influência relevante
Ora da matéria alegada nada se pode concluir sobre o assunto.

Mas se se entendesse que esse nexo de causalidade estava demonstrado, então tínhamos que concluir que a questão da falsidade das declarações dos médicos e do notário tinha sido discutida no processo em que foi proferida a decisão a rever.
E se fosse assim, essa falsidade não podia servir de fundamento de revisão, face ao disposto na última parte da alínea b) do artigo 771º que vimos a aplicar.

Concluímos, pois, que com base nesta alínea não pode a sentença ser revista.

Vejamos se o pode com base na alínea c), ou seja, a apresentação de documento novo.

Será que com a apresentação do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça em causa deve ser revista a sentença?

Conforme se refere no acórdão do mesmo Tribunal de 01.05.15 “in” CJ Supremo Tribunal de Justiça 2001 II 80, a resposta a esta questão passa pela abordagem de três sub-questões, assim equacionadas:
- a sentença com base na qual foi interposto o recurso de revisão é subsumível ao conceito de “documento” constante da transcrita alínea c)?
- sendo-o, trata-se de documento “superveniente”, que ainda não existia, tendo-se formado posteriormente ao termo do processo anterior?
- e é esse documento suficiente, por si só, para modificar a decisão em sentido mais favorável à recorrente?

Em relação à primeira das citadas sub-questões – que necessariamente é prejudicial em relação às outras – a orientação dominante no Supremo Tribunal de Justiça, conforme nos dá conta aquele acórdão, é no sentido de negar a qualificação de documento, para efeitos do disposto na alínea c) do artigo 771º do Código de Processo Civil, a uma sentença.

As razões são evidentes e ressaltam da forma como está estruturado o artigo 771º, como se expõe naquele acórdão e no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 75.04.18 “in” BMJ 246º/103.

Na verdade, como acima se referiu, os fundamentos de revisão de uma decisão transitada em julgado estão taxativamente enunciados naquele artigo.
Assim, os casos em que uma sentença pode ser utilizada como fundamento da revisão de uma decisão judicial estão estabelecidos nas alíneas a), d) e f) do citado artigo, tendo essa enumeração que ser considerada taxativa, nos termos expostos.
Dito doutro modo, as decisões judiciais que podem servir de fundamento para o recurso de revisão são só as referidas nessas alíneas.
Ora, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que os agravantes pretendem constituir um documento novo não se integra em qualquer das hipóteses referidas naquelas alíneas.
Concluímos, pois, que o acórdão em causa não é documento novo para os efeitos do disposto na alínea c) do artigo 771º do Código de Processo Civil.
Desta forma ficando prejudicado o conhecimento das restantes sub-questões acima enunciadas.

De tudo o que ficou dito resulta que a sentença proferida no processo 105/99, que correu os seus termos pelo .. Juízo do Tribunal de .......... não pode ser revista.

Apenas uma nota final.
Em rigor, os agravantes aceitaram a decisão que pretendem agora ver revista.
Na verdade, o facto de não terem interposto recurso da mesma – quando o podiam fazer – não pode deixar de ser interpretado desse modo.
Se essa aceitação proveio de insuficiência económica – facilmente colmatável com um pedido de apoio judiciário, aliás, já concedido – do desânimo, da frustração ou do sentimento de impotência perante a justiça, conforme referem os agravantes nas suas alegações, é facto que não contraria aquela interpretação.
Aceitaram, embora, como alegam, contrariados.
Não recorreram para as instâncias seguintes, conforme fizeram no processo onde foi proferido o acórdão que agora invocam.
Não esgotaram os recursos possíveis, caso em que se podia então aceitar o não conformismo com a decisão final, por não haver mais recursos.
Ora sendo assim e em face do disposto no n.º2 do artigo 681º do Código de Processo Civil, em rigor não poderiam interpor o presente recurso.

A decisão

Nesta conformidade, acorda-se em negar provimento ao presente agravo e assim, em manter o despacho recorrido.
Custas pelos agravantes.

Porto, 19 de Maio de 2005
Fernando Manuel de Oliveira Vasconcelos
José Viriato Rodrigues Bernardo
João Luís Marques Bernardo