Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0532773
Nº Convencional: JTRP00038146
Relator: PINTO DE ALMEIDA
Descritores: PENHORA
INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
Nº do Documento: RP200506020532773
Data do Acordão: 06/02/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO.
Área Temática: .
Sumário: A cobrança coerciva do crédito da exequente, que se pretende obter através da execução, passa, em primeiro lugar, pela apreensão de bens da executada, através da penhora.
A inexistência de bens torna inviável essa apreensão e, do mesmo passo, a continuação da lide.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I.
B.........., S.A. veio instaurar execução, sob a forma sumária, contra C.........., Lda.

A execução prosseguiu os termos normais, não tendo sido, porém, penhorados quaisquer bens pertencentes à executada.

Veio então a Exequente requerer que fosse determinada a extinção da instância por impossibilidade técnica superveniente da lide, com a consequente remessa dos autos à conta com custas a cargo da executada.

Esse requerimento foi indeferido por se entender que, apesar de as diligências feitas no sentido de averiguar da existência de bens penhoráveis se terem revelado infrutíferas, tal não consubstancia fundamento legal de extinção da execução.
Ordenou-se, por isso, que os autos ficassem a aguardar o impulso processual da exequente, nos termos do art. 51º do CCJ.

Discordando desta decisão, dela interpôs recurso a exequente, de agravo, tendo apresentado as seguintes

Conclusões:
1. O douto despacho recorrido fez má aplicação do direito;
2. Declarou que "não se concebe que possa verificar-se relativamente à execução uma inutilidade superveniente da lide";
3. O agravante havia pedido a extinção por impossibilidade da lide;
4. A lei de processo aplicável ao caso consagra uma efectiva impossibilidade de fazer tramitar a execução (CPC, 864º/1);
5. A decisão recorrida infringe as disposições dos arts. 156º, 264º/1, 661º/1, 664º, 668º/1 e), aplicáveis ex vi do disposto nos arts. 666º/3 e 466º/1;
6. Aliás, mostra-se em contradição com Jurisprudência recente deste Tribunal (Acórdão de 15-11-2004, in www.dgsi.pt);
7. No respeitante a custas devem as mesmas ser da responsabilidade da executada, em conformidade com o decidido no douto Acórdão citado;
8. Deve, pois, a douta decisão recorrida ser revogada e substituída por outra em que se julgue a instância executiva extinta por impossibilidade superveniente da lide, com custas pela executada.

Não foram apresentadas contra-alegações.
O Sr. Juiz sustentou a sua decisão.
Após os vistos legais, cumpre decidir, sendo de considerar, para este efeito, os elementos que constam do relatório precedente.

II.

Questões a resolver:

Trata-se de saber se a execução deveria ter sido julgada extinta por impossibilidade superveniente da lide e quem deve ser responsabilizada pelas custas.

III.

A decisão recorrida, com apoio em Lopes Cardoso [Manual da Acção Executiva, 3ª ed., 625], assenta no pressuposto de que, relativamente à execução, não pode verificar-se a inutilidade superveniente da lide; é que, sendo o património do devedor uma realidade mutável, que pode integrar em cada momento mais ou menos bens, não se pode concluir que não existam bens no património da executada que permitam o pagamento coercivo da dívida exequenda, pelo facto de neste momento não serem conhecidos.
Assim, apesar de se reconhecer que as diligências feitas para penhora de bens da executada se revelaram infrutíferas, determinou-se que os autos ficassem a aguardar o impulso processual da exequente, sem prejuízo do art. 51º do CCJ.
Cremos que não se decidiu bem.

Tem sido admitida a possibilidade de a execução se extinguir por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, nos termos do art. 287º e) do CPC, integrando a “outra causa de extinção da instância executiva”, prevista na parte final do art. 919º nº 1 do mesmo diploma legal.
Neste sentido se pronunciam Remédio Marques [Curso de Processo Executivo, 381], Lebre de Freitas [CPC Anotado, Vol. 3º, 633. A posição deste Autor em A Acção Executiva, 4ª ed., 359, não é tão clara] e Lopes do Rego [Comentários ao CPC, 611].
Assim se decidiu também no Acórdão do STJ de 6.6.2004 [Em www.dgsi.pt - proc. nº 04A2272] (em caso de regularização das prestações em atraso de um contrato de mútuo, não sendo liquidada a quantia exequenda e não tendo havido desistência da execução) e, bem assim, em situações idênticas à do caso sub judice – inexistência de bens penhoráveis – nos Acórdãos desta Relação de 6.7.2004, que os ora relator e 1º adjunto subscreveram como adjuntos, e de 15.11.2004 [Publicados em www.dgsi.pt - proc. nº 0433979 – e na CJ XXIX, 5, 173].

Esta solução, com enquadramento legal – arts. 287º e) e 919º nº 1, parte final, do CPC – é realmente a que se nos afigura mais ajustada e razoável.
Desde logo, porque a solução acolhida na decisão recorrida se apresenta como excessivamente formal e sem utilidade. Se foram efectuadas as diligências possíveis na procura de bens penhoráveis, não se vê que impulso processual pode ser dado pela exequente. Mais a mais quando, como decorre dos autos, a executada é uma sociedade que “desapareceu”, desconhecendo-se até se existe e onde se situa a actual sede (cfr. auto de fls. 42 e requerimento de fls. 44).
Por outro lado, tal solução onera irremediavelmente a exequente com as custas (como decorre do art. 51º do CCJ, uma vez que se lhe imputou o ónus de impulsionar o processo), dada a impossibilidade de fazer prosseguir a execução.

A cobrança coerciva do crédito da exequente, que se pretende obter através da execução, passa, em primeiro lugar, pela apreensão de bens da executada, através da penhora.
A inexistência de bens torna inviável essa apreensão e, do mesmo passo, a continuação da lide.
Como se afirma no citado Ac. de 15.7.2004, a declaração de extinção da instância impõe-se como decorrência de uma situação que passou a impossibilitar a continuação da lide em tais circunstâncias.
Assim, não existindo bens que possam ser penhorados, a instância deve ser julgada extinta porque se tornou impossível obter, através dela, a cobrança do crédito.

Por outro lado, como afirma Abrantes Geraldes [Temas Judiciários, I, 237], a responsabilização do réu pelas custas derivadas da inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide não exige a formulação de qualquer juízo de culpabilidade.
Derivando a extinção da execução do facto de não existirem bens penhoráveis, isto é, de bens do devedor que permitam a satisfação coerciva do seu débito, a responsabilidade pelas custas deve ser imputado à executada, nos termos do art. 447º nº 1 do CPC.

Procedem, por conseguinte, as conclusões do recurso.

IV.

Em face do exposto, no provimento do agravo, revoga-se a decisão recorrida, que deve ser substituída por outra que julgue a instância extinta por impossibilidade superveniente da lide, com custas pela executada.
Sem custas.

Porto, 2 de Junho de 2005
Fernando Manuel Pinto de Almeida
João Carlos da Silva Vaz
Trajano A. Seabra Teles de Menezes e Melo