Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0253146
Nº Convencional: JTRP00035778
Relator: FONSECA RAMOS
Descritores: ACÇÃO DE PREFERÊNCIA
PERMUTA
NOTIFICAÇÃO PARA PREFERÊNCIA
Nº do Documento: RP200302030253146
Data do Acordão: 02/03/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: T J MAIA 1J
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: .
Decisão: .
Área Temática: .
Legislação Nacional: RAU90 ART47 N1.
CCIV66 ART939.
CPC95 ART1465 N1.
Sumário: I - Trocando os réus uma casa habitacional de dois pisos por uma fracção autónoma para habitação, o facto de terem estabelecido como valor do negócio 13000 contos não legítima a autora/arrendatária, mesmo invocando o regime do artigo 939 do Código Civil, a exercer o direito de preferência.
II - Pretendendo um dos titulares do direito de preferência, ou um grupo de titulares, instaurar a acção de preferência por ter sido vendido o prédio onerado, é meramente facultativo o recurso ao processo de notificação para preferência dos outros arrendatários, previsto no artigo 1465 do Código de Processo Civil como preliminar da acção de preferência, para a qual têm isoladamente legitimidade (Prof. A. Varela CJ 1990, III, p31).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto

Maria ............., intentou em 10.12.2000, pelo Tribunal Judicial da Comarca da ......... – .. Juízo – acção declarativa de condenação, com processo ordinário (acção de preferência), contra:

Rosa ........... e marido José ..........., e;

“S..........., Ldª”.

Pedindo que, julgada procedente e provada, seja, em consequência, declarado que foi preterida formalidade essencial, que consiste no não cumprimento da obrigação que impende sobre os alienantes de darem prévio conhecimento das condições essenciais da alienação, para eventual preferência da inquilina.

Devendo, na procedência da acção, ser declarada nula e de nenhum efeito, a escritura de 27.06.2000, sendo a Autora substituída na titularidade do direito de propriedade do referido imóvel.

Requereu a citação dos RR. para, querendo, contestarem no prazo e sob a cominação legal, ordenando-se ainda, o cancelamento dos registos porventura efectuados, ou que possam vir a ser efectuados, e que tenham por objecto o prédio descrito sob o n° 576 da Conservatória do Registo Predial .........

Em resumo alegou:

- há mais de 20 anos, o pai do réu marido deu de arrendamento, ao entretanto falecido marido da Autora, parte do prédio urbano composto de casa de dois pavimentos, quintal e pátio, sito na Rua .............;

- por morte do pai e sogro dos 1ºs RR., tal prédio foi-lhes transmitido, tornando-se eles senhorios, sendo de 38.700$00 a renda actualmente paga;

- desde 27.8.1989, data em que faleceu o marido da Autora, é ela a titular do arrendamento habitacional que compreende o rés-do-chão, pátio e parte do primeiro andar do imóvel antes referido;

- por escritura pública notarial de 27.6.2000, os 1ºs RR., permutaram com a 2ª Ré o imóvel referido, pela fracção autónoma designada pelas letras “BR”, correspondente ao 3º andar, nº.., com entrada pelo nº.., do prédio urbano sito na Rua ..............;

- fizeram-no sem que os 1ºs RR. tivessem dado conhecimento desse facto à Autora, que só após a escritura, soube que o preço constante nela constante é de 13.000.000$00;

- com tal procedimento impediram a Autora de exercer o direito de preferência concedido aos arrendatários.

Os RR. contestaram, excepcionando a ilegitimidade da Autora, por ela não ser a única arrendatária do imóvel onde habita, sustentando que pretendendo os demais arrendatários exercer, igualmente, o direito de preferência a acção só poderia ser intentada com prévia notificação deles, sendo caso de litisconsórcio necessário.

No mais alegaram que, havendo contrato de permuta, o arrendatário não tem direito de preferência.

Concluíram, pedindo pela procedência da alegada excepção dilatória, com a inerente absolvição da instância ou, caso assim se não entenda, seja a acção julgada improcedente com a consequente absolvição do pedido.

Na réplica, a Autora repudiou a excepção da ilegitimidade, alegando que os outros arrendatários não pretendem exercer o direito de preferência e que eventual concurso de preferentes teria de ser dirimido no processo a que alude a al. c) do nº1 do art.1465º do Código de Processo Civil.

No mais reiterou que sendo aplicável à permuta o regime legal do contrato de compra e venda, o direito de preferência concedido ao arrendatário, previsto no art. 47º do RAU, tem lugar mesmo nesse caso.

A Autora depositou na CGD, após ter sido ordenada a citação dos RR. a quantia de 13.000.000$00.
***

Foi proferido despacho saneador-sentença julgando a acção totalmente improcedente e absolvendo os RR. dos pedidos.
***

Inconformada recorreu a Autora que, alegando, formulou as seguintes conclusões:

1º-Porque os l°s RR. alienaram o imóvel sem darem prévio conhecimento à Autora, é legítimo o exercício da preferência;

2°- Porque os três motivos aduzidos pelos alienantes que determinaram a sua decisão de alienarem, (não terem interesse na venda por dinheiro, pôr cobro às reclamações dos inquilinos que sistematicamente reclamavam obras, manter uma recordação da Mãe e serventia que a fracção recebida poderia vir a ter para um dos três filhos em idade de casar), são compatíveis com o exercício da preferência já que foi alegado que na .......... existem múltiplas habitações em tudo idênticas à recebida quer quanto à localização quer quanto à área e disposição das divisões.

3°- Porque, como bem ensina Pinto Furtado, in “Manual do Arrendamento” para a hipótese de o objecto a permutar com o prédio arrendado ser constituído por uma ou várias coisas que tenham natureza fungível, no concreto escambo em causa ainda poderá haver direito de preferência e,

4º- Porque nenhuma razão os RR. aduziram que eventualmente pudesse pôr em crise a almejada preferência, que o negócio só lhes interessasse mediante o recebimento daquela fracção que adquiriram a acção não pode deixar de ser julgada procedente;

5º- Porque como bem ensina Pinto Furtado, em caso de vários preferentes, seguem-se os trâmites prescritos no art. 1460º do Código de Processo Civil:

- o alienante há-de requerer que sejam notificados todos os titulares do direito de preferência para comparecerem no Tribunal, no dia e hora que forem designados para licitação.

6º- Porque os ora recorrentes alegaram - art. 9º e 10º da Resposta - que os demais inquilinos jamais manifestaram interesse em preferir e muito menos instauraram a competente acção judicial e,

7°- Porque o nosso ordenamento jurídico recusa a prática de actos inúteis (art. 137º do Código de Processo Civil):

- não faz qualquer sentido provocar o eventual exercício de um direito extinto por caducidade.

8º- Porque o mecanismo do art.1465º do Código de Processo Civil pressupõe, como antecedente necessário, que o Direito de preferência caiba simultaneamente a várias pessoas e,

9º- Porque os demais não exerceram tal Direito, isolada ou conjuntamente, não faz qualquer sentido afirmar- se que o requerente não tem direito porque esse direito pertence também a outros, outros esses que, a final... não têm tal direito por o mesmo haver caducado.

10º- Porque os demais inquilinos não exerceram atempadamente o seu Direito, não estamos na presença de caso semelhante ao do Assento de 1.2.95 na exacta medida em que não há locatários preteridos detentores de direito concorrente... pois o que caducou não existe mais.

A douta sentença em crise viola, por erro de interpretação e aplicação, o disposto nos art. 47º do RAU., 939º do Código Civil, 1460º do Código de Processo Civil, pelo que deve ser revogada como é de inteira Justiça.

Os recorridos contra-alegaram, pugnando pela confirmação do sentenciado.
***

Colhidos os vistos legais cumpre decidir, tendo em conta a seguinte matéria de facto [No saneador-sentença recorrido não consta – como devia – a indicação clara e precisa da matéria de facto que o Tribunal considerou provada , muito embora se aluda aos factos fulcrais para se conhecer do mérito da causa]:

1. Há mais de vinte e trinta anos, Manuel ........., pai do ora primeiro Réu deu de arrendamento ao finado marido da ora Autora, parte do prédio urbano composto de casa de dois pavimentos, quintal e pátio, sito na Rua .............

2. Prédio esse descrito na Conservatória do Registo Predial desta cidade sob o n°576 e inscrito na matriz urbana sob o art. 123 da freguesia da ........

3. O arrendamento foi celebrado pelo prazo de um ano, prorrogável por iguais e sucessivos períodos, com destino a habitação.

4. Compreendendo pátio, rés-do-chão e parte do primeiro andar do imóvel.

5. A renda mensal, mercê de sucessivos aumentos, é actualmente de 38.700$00, a liquidar em duodécimos de 3.225$00, no primeiro dia útil do mês anterior àquele a que respeita, por meio de depósito bancário a efectuar na conta do senhorio, junto da Caixa .........., conta n°................. na ..........

6. Por óbito do pai e sogro dos ora primeiros Réus o referido prédio urbano foi-lhes transmitido, adquirindo, por isso, a qualidade de senhorios.

7. Em 27 de Agosto de 1989 faleceu o marido da ora Autora, Joaquim ............, e por isso, foi-lhe transmitido o arrendamento.

8. Por Escritura Pública de 27 de Junho de 2000, lavrada no Cartório Notarial da ......., a fls. 3v e seguintes do Livro ......, os ora primeiros Réus permutaram com a segunda Ré o imóvel em causa nos autos, pela fracção autónoma designada pelas letras “BR”, correspondente ao 3° andar, nº.. com entrada pelo nº.. do prédio urbano, sito na Rua ............., prédio este descrito na Conservatória do Registo Predial desta cidade sob o n°1137 e inscrito na matriz sob o art. 2766.

9. Além da Autora existem no prédio que os 1.s RR. permutaram, outros locatários.

10. Previamente à escritura, os 1ºs RR. não deram conhecimento à Autora, quer da intenção de permutar o imóvel de que é inquilina, quer das condições do projectado negócio.

11. Só após a outorga do acto notarial à Autora lhe foi comunicado pela Ré o valor constante da escritura - 13.000.000$00.

12. A Autora depositou na CGD a quantia de 13.000.000$00.

Fundamentação:

A questão objecto do recurso, equacionada pelo teor das conclusões da recorrente – que delimitam o respectivo âmbito de conhecimento – consiste, essencialmente, em saber se, no caso de permuta de prédio que está arrendado para habitação, o senhorio e proprietário, está obrigado a conceder preferência ao arrendatário e, se havendo vários arrendatários, qual a consequência da não intervenção de todos a exercerem o direito de preferência, na acção intentada por um só dos alegados preferentes.

Muito embora, “primo conspectu”, possa parecer que deveríamos apreciar, desde logo, esta última questão, pensamos que deve ser apreciado, antes de mais, se existe ou não direito de preferência, pois que, caso não exista, não se porá a questão que a recorrente entende ser de ilegitimidade.

Vejamos.

Na esteira dos nºs 1 e 4 do art. 1117º do Código Civil e dos arts. 1º e 2º do nº1 da Lei 63/77, de 25 de Agosto, o art. 47º, nº1, do RAU estabelece:

- “O arrendatário de prédio urbano ou de sua fracção autónoma tem o direito de preferência na compra e venda ou na dação em cumprimento do local arrendado há mais de um ano”.
O nº2 consigna – “Sendo dois ou mais preferentes, abre-se entre eles licitação, revertendo excesso para o alienante”.

Este normativo exprime afloração do regime proteccionista conferido ao arrendatário habitacional.

O direito de preferência concedido ao arrendatário, no normativo citado é um direito de preferência legal que se inscreve nos direitos reais de aquisição.

Tal direito confere “ao respectivo titular a faculdade de em igualdade de condições (tanto por tanto), ele se substituir a qualquer adquirente da coisa sobre que incidam, em certas formas de alienação. É um privilégio de prioridade em situações relativas, de confronto ou competição com outrem” – cfr. Aragão Seia in, “Arrendamento Urbano”, pág. 258, 5ª edição, citando Antunes Varela, e RLJ, 103/476 e 118/126.

“O fim do preceito é o permitir ao arrendatário a unificação da propriedade, que deixa de estar sujeita a ónus, e não o de proteger o arrendamento” – Aragão Seia, obra citada , pág. 260.

Interpretando literalmente o preceito do RAU que citámos, logo resulta que o direito de preferência só existe desde que o arrendatário esteja há mais de um ano no local arrendado, e se este for objecto de contrato de compra e venda ou de dação em cumprimento.

Não refere a lei que outro tipo de contrato ou negócio jurídico conceda ao arrendatário o mencionado direito, pelo que é legítimo questionar se, em caso de permuta, tal direito lhe assiste.

O contrato de permuta, também denominado de troca ou escambo, é hoje um contrato atípico, inominado, já que não tem regulamentação específica na nossa lei, desde o Código Civil de 1966.

Todavia o art. 939º do Código Civil estabelece que – “As normas da compra e venda são aplicáveis aos outros contratos onerosos pelos quais se alienam bens ou estabeleçam encargos sobre eles, na medida em que sejam conformes com a sua natureza e não estejam em contradição com as disposições legais respectivas”.

No “Código Civil Anotado” de Pires de Lima e Antunes Varela, 4ª edição, págs. 235/236, pode ler-se a seguinte nota:

“As disposições sobre compra e venda, escreve Galvão Telles (...), devem alargar-se, em princípio, aos outros contratos onerosos de alienação ou oneração de bens, como a troca, a dação em pagamento, a hipoteca, etc.[...]”.

O Código Civil no art. 939º, ao considerar aplicáveis as normas do contrato de compra e venda, a outros contratos onerosos que impliquem alienação ou oneração, na medida em que sejam conformes com a sua natureza e não estejam em contradição com as normas legais respectivas, remete para um contrato-tipo ou padrão.

Normas semelhantes constam dos arts. 588º e 1156º do citado diploma.

No contrato de troca ou permuta, a regulação de referência há-de buscar-se, adaptadamente, no contrato de compra venda.

Como ensina Pedro Pais de Vasconcelos in “Contratos Atípicos”, pág.370.

“[…] Os preceitos do tipo de referência contribuem para a concretização da regulação contratada, não de acordo com o sentido que no tipo de referência lhes era próprio, mas de acordo com o sentido próprio da regulação contratada.
Os preceitos do tipo de referência que não se harmonizem com o sentido da regulação contratada devem ser adaptados, devem ser harmonizados através da modificação do seu conteúdo perceptivo.
Quando sejam inadaptáveis, a sua aplicação deve ser afastada. Assim, as estipulações contratadas derrogam e afastam as do tipo de referência que lhes sejam contrárias ou com que sejam incompatíveis [...]”.

Mas será que, dada a finalidade do direito de preferência em causa e o contrato celebrado entre os RR., se justifica a referência ao contrato-padrão de compra e venda?

Antes de mais há que ponderar que os direitos legais de preferência são um acentuado entrave ou limitação ao princípio da liberdade contratual, do ponto em que manietam a liberdade negocial do obrigado à preferência; legislações havendo, como a francesa, onde a existência de tais direitos é rara, ao invés do que sucede com a legislação pátria.

Dias Ferreira, no “Código Civil Português Anotado”, pág. 148, III Volume, escrevia – “É da essência da compra o pagamento a dinheiro da coisa vendida...é da essência da troca, ou escambo como se dizia na velha Ordenação, dar uma coisa que não seja dinheiro, por outra”.

Estipulando as partes, numa negociação, para uma delas, uma obrigação cujo objecto seja a prestação de coisa diferente de dinheiro, inexiste contrato de compra e venda, e mesmo que o contrato seja oneroso, inexiste fungibilidade entre uma prestação de dare e o pagamento de uma quantia pecuniária.

Daí que consideremos que, no caso em apreço, trocando os 1ºs RR., uma casa habitacional de dois pisos por uma fracção autónoma para habitação, o facto de terem estabelecido como valor do negócio 13.000 contos, não legitima a Autora/arrendatária, mesmo invocando o regime do art. 939º do Código Civil, a exercer o direito de preferência, oferecendo aos RR., senhorios/permutantes, a referida quantia, por não oferecerem prestação igual.

O preço, “in casu”, é um mero elemento, de referência para fins fiscais, jamais podendo, em termos de fungibilidade, ser prestação equivalente à do outro permutante.

Alargar o direito de preferência aos casos de permuta de imóvel arrendado, uma vez que tal direito (de preferência) é um direito real de aquisição, significaria violar o princípio do “numerus clausus”, que vigora no contexto dos direitos reais.

Com efeito, estaríamos a estabelecer mais um direito real de aquisição, alargando o direito real de preferência, para lá dos casos de compra e venda e dação em cumprimento do prédio arrendado, únicos que a lei contempla.

A apelante cita Pinto Furtado [“Manual do Arrendamento Urbano”, Almedina, 1996, págs.529 e segs.] para sustentar que, em certos casos, é admissível o direito de preferência, em caso de troca.

Todavia, salvo o devido respeito, parece-nos que inexiste igualdade de circunstâncias entre a prestação oferecida pela Ré permutante e a da Autora, por inexistir fungilibilidade entre alguém tornar-se dono de uma fracção autónoma ou receber o preço equivalente; é que o permutante pode, pura e simplesmente, não querer qualquer quantia pecuniária, por não ser esse o “leitmotiv” do contrato.

Estender o direito de preferência do arrendatário a uma hipótese como a dos autos, não havendo invocação, nem indícios de qualquer actuação que configure fraude à lei ou abuso do direito, seria conceder ao arrendatário um direito, que nem a letra nem o espírito do art. 47º do RAU, interpretado à luz do critério normativo do art. 9º do Código Civil, consentem.

A aplicação do art. 939º do Código Civil, ao contrato de troca ou permuta, é aqui restringida pela parte final de tal normativo que só considera aplicável o regime do contrato de compra venda, (no caso àquele contrato), na medida “em que for conforme à sua natureza”.

No caso concreto é inaplicável ao contrato de troca, o regime do contrato de compra e venda, por não haver igualdade de circunstâncias entre a prestação do permutante que é de “dare” e a que oferece a Autora, que é uma prestação pecuniária.

Na recentíssima obra - “Estudos de Homenagem ao Professor Inocêncio Galvão Telles”, Volume III - “Direito do Arrendamento Urbano”- em estudo da autoria do Professor J. Oliveira Ascensão, págs,251/252, pode ler-se:

“...Os actos que desencadeiam o direito de preferência são, tradicionalmente, a venda e o aforamento. Mas à venda foi assimilada a dação em cumprimento.
A troca não é abrangida.
A coisa que o senhorio pretende obter em troca do local arrendado e a aquisição do local arrendado por terceiro não têm equivalente em quantia em dinheiro que seja atribuída pelo preferente”.

Sufragando tal entendimento e, por “in casu”, ser inaplicável o art. 47º, nº1, do RAU não estavam os 1ºs RR., [senhorios da apelante], obrigados a informá-la do projecto de negócio (arts. 416º a 418º e 1410º do Código Civil) da permuta, por nem a ela, nem aos demais arrendatários, caber direito de preferência.

Pelo que dissemos, prejudicada está a outra questão colocada pela apelante, pois que, no caso, não há lugar ao exercício do direito de preferência não se colocando a questão de serem vários os interessados no exercício de tal direito, de modo a despoletar o procedimento previsto no art. 1465º do Código de Processo Civil.

Ademais, como sustenta o Professor Antunes Varela, em Parecer publicado na CJ. III, 1990, 31 – “Pretendendo um dos titulares do direito de preferência, ou um grupo de titulares instaurar a acção de preferência por ter sido vendido o prédio onerado, é meramente facultativo o recurso ao processo de notificação para preferência dos outros arrendatários, previsto no art. 1465º do Código de Processo Civil, como preliminar da acção de preferência, para a qual têm isoladamente legitimidade”.

Mas, repetimos, como não se tratou de compra e venda do imóvel locado, nem sequer é de colocar a questão da aplicabilidade do art. 1465º do Código de Processo Civil, sendo certo que o Assento 2/95, de 1.2 in D. R. I Série-A, págs. 2256 a 2259 – agora valendo como Acórdão Uniformizador de Jurisprudência e cuja doutrina se mantém pertinente – estabelece que qualquer dos locatários preteridos, como detentores de direito concorrente com o de outro locatário que tenha exercido a preferência, não poderá ver tal direito judicialmente reconhecido sem recorrer ao meio processual previsto no art. 1465º do Código de Processo Civil.

Todavia, a doutrina do “Assento” é inaplicável, porquanto ela pressupõe a existência de vários locatários, tendo algum deles sido preterido, por violação do art. 416º,nº1, do Código Civil.

No caso, apenas a Autora alega ter sido preterida.

Mas, mesmo que os 1ºs RR. estivessem obrigados a conceder preferência à Autora e aos demais arrendatários (hipótese que, repete-se, não se verifica) aquela, enquanto titular do direito potestativo de exercer a preferência legalmente concedida, sempre poderia recorrer a juízo, sozinha, sem ter de recorrer ao processo previsto no art.1465º do Código de Processo Civil, a menos que, desde logo, pretendesse ver afastados outros preferentes que com ela disputassem tal direito.

Por tal, na perspectiva da Autora, [a que releva para apreciação da legitimidade, se é que tal questão é de legitimidade], que é a de que o seu alegado direito de preferência radicaria num contrato a que se aplicam as normas do contrato de compra venda, não era imperioso o prévio recurso ao aludido processo, para encabeçamento no direito de preferência.

Por tal inexiste ilegitimidade activa.

Tão pouco, sendo caso de aplicação do processo previsto no art. 1465º do Código de Processo Civil, se pode afirmar, como se diz na sentença recorrida, que a omissão de uso prévio de tal processo configura a falta de requisito que, “in casu”, funcionaria como condição da acção.

Decisão:

Nestes termos, acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se o saneador-sentença recorrido, excepto na parte em que considerou que acção teria de soçobrar, também pelo facto de a apelante não ter recorrido, previamente, ao processo do art. 1465º do Código de Processo Civil.

Custas pela apelante.

Porto, 3 de Fevereiro de 2003
António José Pinto da Fonseca Ramos
José da Cunha Barbosa
José Augusto Fernandes do vale